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SISTEMAS DE ASSENTAMENTO GUARANI NA BACIA DO PARANÁ Carlos Alberto Panek Júnior 1 - PPG-UFMS Francisco Silva Noelli 2 - UEM INTRODUÇÃO Conhecer a história pré-colonial guarani significa estabelecer um diálogo entre vários campos do conhecimento, notadamente entre a arqueologia, a antropologia e a história. A partir dessa perspectiva interdisciplinar estar-se-á analisando as estratégias de ocupação guarani na região noroeste do Paraná, a partir do estudo dos sistemas de assentamento. Para tal, o trabalho situa-se na chamada história das paisagens, buscando analisar na medida do possível as relações que se estabeleceram no processo de ocupação da área em estudo. Assim serão apresentadas algumas características da análise dos sistemas de assentamento, envolvendo os princípios básicos da história das paisagens e a sua relação com o conceito de espaço. Domínio territorial guarani: Um espaço Social Do ponto de vista do domínio territorial guarani, visto como espaço social, pode-se observar dois pontos importantes que marcam o espaço social: o fato de que ele é socialmente construído e de ser constituído materialmente. A partir desses dois paradigmas, será analisada a relação entre espaço social e organização territorial guarani. 1

Com isso será feita uma análise a partir de dois modelos interpretativos elaborados pelos arqueólogos Francisco Silva Noelli (1993) e André Luis Ramos Soares (1997), como explicado mais adiante. A utilização desses modelos permite uma visão sobre os aspectos espaciais das estruturas dos assentamentos guarani, envolvendo as diferentes estratégias de captação de recursos para a subsistência, para a produção de sua cultura material e para o entendimento de sua organização social. Nesse sentido, como afirma Soares: A proposta de interpretação para os sistemas de assentamento dos sítios pode ser levada a cabo através da organização social. Esta proposta não exclui um modelo ecológico, mas o complementa (Soares, 1997:207). A partir de uma extensa revisão bibliográfica dos cronistas do século XVI a XIX com ênfase no Tesoro de la Lengua Guarani, escrito por Antonio Ruiz de Montoya, entre 1612 e 1617, os referidos autores apresentam os domínios territoriais guarani a partir de três níveis espaciais inclusivos: (te yi, tekoha e guará). No primeiro nível esta o te yi, que compreende a família extensa. Segundo Soares: [...] o sistema de localidade que ordenaria as relações de parentesco entre os Guarani seria do tipo Kindred, ou seja, famílias extensas que agregavam famílias nucleares reunidas em torno de uma liderança política e/ou religiosa através de laços de parentesco sanguíneos e/ou políticos e/ou adotivos (Soares, 1997:82). Por sua vez o te yi era subdividido em varias famílias nucleares. O local onde se estabeleciam era chamado de amundá (aldeia), composta de varias te yi oga (casa). 2

Segundo Noelli (1993), um te yi oga poderia abrigar até sessenta famílias nucleares, podendo as aldeias de grande porte possuir até seis te yi oga, habitadas por aproximadamente duas mil pessoas. Assim elas eram estaladas próximas entre si na sede da aldeia (amundá), a fim de estreitar os laços de reciprocidade e parentesco, bem como para a proteção e segurança da coletividade (Soares, 1997:26). No segundo nível esta o tekoha, dividindo aspectos físico-geográficos, sociais, políticos, econômicos e simbólicos formados por te yi isolados ou agrupados em função das condições locais e políticas: tekoha é a aglomeração aldeã. A coexistência ordenada de multilinhagens num só lugar (Susnik,1982:27). Leia-se aqui, coexistência ordenada por laços de parentesco e reciprocidade (Noelli, 1993:249). Sua área era bem definida, delimitada geralmente por colinas, arroios ou rios, utilizada comunalmente e exclusivamente pelo grupo local (tekohakuaaha), significando que estranhos só entravam com permissão (Meliá et al., 1976:218). Era o espaço onde se produziam as relações econômicas, sociais e político-religiosas essenciais à vida guarani (Meliá, 1986:105). Por fim, como dizem os Guarani, se tekó era o modo de ser, o sistema, a cultura, a lei e os costumes, o tekoha era o lugar, o meio em que se davam as condições que possibilitavam a subsistência e o modo de ser dos Guarani (Meliá, 1989a:336). O terceiro nível se refere ao guara, formado por vários tekoha. Conforme as palavras de Antonio Ruiz de Montoya, jesuíta do século XVII, tekoha significa tudo que está contido dentro de uma região qualquer. O guara é um conceito sócio-político que determina certa região bem definida, delimitada geralmente por rios. Nesta região era assegurado o pleno direito do uso fruto da terra, da prática da roça, bem como da sua rotação e, também, a independência das áreas de pesca e caça existentes nesse território 3

para uso exclusivo de seus habitantes e proibição expressa da penetração de estranhos (Noelli, 1993:248). Para garantir a manutenção dos territórios ocupados, se estabelecia uma rede de alianças baseadas nos laços de parentesco e reciprocidade entre um determinado conjunto de aldeias: É quase provável que todos os rios principais e seus afluentes, na bacia Platina e na costa Atlântica, também fossem subdivididos em vários guara (Noelli, 1993:249). Do ponto de vista espacial, cada tekoha era composto por um jogo de três espaços distintos: a aldeia (amundá), as roças (cog) e a vegetação circundante (caa), que abrigava as áreas de pesca, coleta, caça, jazidas de material lítico (matéria prima para a fabricação de machados, pilões, raspadores, etc) e argila: A partir dos dados etnohistóricos e arqueológicos estima-se em torno de 50 km a área de captação de um tekoha ao longo do ciclo anual, a partir da sede da aldeia (Noelli, 1993:252). O processo de utilização e cultivo das roças envolvia uma série de estratégias, caracterizadas de acordo com os laços de parentesco e aliança. Assim havia no tekoha o manejo simultâneo de varias roças, com diferentes idades e com finalidades distintas, pois quanto mais antiga a roça, mudavam os cultivares utilizados. No manejo das mais novas se introduzia as de rápido crescimento como a mandioca, milho, batata, amendoim, cará, feijão, etc), enquanto as mais velhas eram destinadas a produção de plantas medicinais, frutíferas e também espécies produtoras de madeira e palha, úteis para a confecção da cultura material. O cultivo de plantas medicinais e frutíferas poderia se dar também junto as casas e ao longo das trilhas que ligavam as aldeias e roças. Esta descrição, ainda que estabeleça apenas algumas características, demonstra um longo processo de utilização e duração das áreas de roça. 4

Quando o número de plantas cultivadas diminuía, novas roças eram abertas em outros pontos, passando as antigas a corresponder a locais onde predominavam atividades de coleta. Estes por sua vez, ficariam em repouso por um período de no mínimo 20 anos, até que houvesse um estrato arbóreo característico de matas jovens, de mais fácil derrubada com machados líticos, para novamente ser transformado em roças. Na pratica, o processo de abandono da roça traduz a conversão de um sistema de cultivo de curto prazo em um sistema de agricultura agroflorestal de longo prazo, resultando na possibilidade de ocupação permanente do mesmo assentamento sem esgotar a capacidade produtiva dos solos, da flora e da fauna (Noelli,1993: 293). O que foi demonstrado são alguns pontos da enorme complexidade que envolvia a ocupação dos territórios guarani. A preocupação dá-se através da utilização de um conjunto de idéias que envolvem o conceito de espaço, estabelecer um quadro geral sobre as múltiplas variáveis que podem estar relacionadas à ocupação de um território. Região Noroeste do Paraná: Razões e Perspectivas A escolha da região que compreende o Noroeste do Paraná envolve o imenso potencial arqueológico, segundo informações de vários projetos de levantamento já realizados desde a década de sessenta. Também deve ser destacado o conjunto de informações presentes na historiografia e nos dados envolvendo elementos da geografia e da biologia. As informações históricas estão concentradas nos trabalhos apresentados envolvendo aspectos conhecidos da organização social e sobre as características da 5

ocupação do espaço, através do modelo elaborado por Noelli. Aqui deve ser destacado a utilização da obra de Montoya no que se refere a elaboração do Tesoro de la Lengua Guarani, escrita a partir de 1612. Ao se estabelecer na região chamada de Guairá, Montoya escreve seu dicionário no início dos contatos, quando os Guarani ainda mantinham sua cultura tradicional. De acordo com as informações históricas houve, entre 1610 e 1630, o estabelecimento de 24 reduções jesuíticas ao longo dos rios Paranapanema, Ivaí, Corumbataí, Piquiri, Iguaçu e Tibagi, além das comunidades espanholas de Vila Rica (1576), Ontiveiros (1554) e Ciudad Real del Guayrá (1557). Isto significa um elo importante para estabelecer uma análise baseada nos modelos elaborados, por Noelli (1993) e Soares (1997), já que grande parte das informações sobre os aspectos da cultura material e organização social foi extraída da obra de Montoya, escrita a partir de observações presente no Guairá, na qual a Região noroeste do Paraná esta inserida. Para complementar a discussão a respeito da organização social é importante destacar também os trabalhos do antropólogo Levi Marques Pereira (Parentesco e organização social Kaiowá - 1999) e (Imagens Kaiowá do sistema social e seu entorno - 2004). Sua importância está no estabelecimento de um quadro comparativo e complementar em relação aos estudos de Noelli e Soares na busca por um modelo interpretativo de ocupação. Aqui uso da analogia podem gerar discussões sobre mudanças e continuidades no que refere aos aspectos da organização social dos Guarani. O uso da analogia permite (com ressalvas) comparar informações que possam contribuir na interpretação dos sítios arqueológicos. Do conjunto de informações arqueológicas estão presentes os dados do levantamento bibliográfico e dos trabalhos de campo realizados pelo Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). 6

Destacam-se também os trabalhos realizados por Igor Chmyz na década de 1980, quando da construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Estes levantamentos, associados ao conjunto de informações presentes na bibliografia arqueológica possibilitaram organizar um banco de dados contendo informações de aproximadamente 90 sítios arqueológicos. Os estudos estarão concentrados em duas áreas pilotos, uma localizada entre a cabeceira do rio Ivaí até a represa de Rosana (Rio Paranapanema) e outra a partir de um trecho dos rios Pirapó e Bandeirantes, (Bacia do Paranapanema). No que se refere aos dados referentes à geografia e à biologia, destaca-se, por exemplo, os trabalhos botânicos realizados pelo Departamento de Biologia da UEM que estabeleceram uma pesquisa sobre a distribuição de certas espécies vegetais que abrem a perspectiva para a constatação de antigos manejos guarani na Região. Uma comparação entre as 541 espécies vegetais registradas na região de Porto Rico 3 e a lista de plantas conhecidas ou utilizadas pelos Guarani (Noelli, 1993) demonstraram um grande bagagem de conhecimento dos Guarani sobre a flora. Também é relevante os dados referentes a fauna e a ictiologia a partir das obras que estão a disposição na biblioteca do Nupélia - UEM. Os dados serão comparados com as informações a respeito das espécies utilizadas na alimentação Guarani. Há também pesquisas envolvendo as condições climáticas e fitogeográficas que ocorreram no noroeste do Paraná, a partir do estudo desenvolvido por geólogos do Grupo de Estudos Multidisciplinares do Ambiente (GEMA) e do Departamento de Geografia, da UEM, que apresenta uma série de informações sobre mudanças no clima, e suas conseqüências no período que chega a 3500 a.c. 7

Essas informações permitem analisar as variações que ocorreram durante o período de ocupação guarani, principalmente no que se refere a cobertura vegetal e sua composição. De acordo com os levantamentos entre 3500 a.c. e 500 d.c. houve um período de aridez, que contribui para a formação de áreas do cerrado, com predomínio de campos e capões de espécies arbustivas, com a retração do tamanho das áreas de floresta. O aumento da umidade a partir de 500 a.c. causou mudanças na composição vegetal, contribuindo para o aumento das áreas de floresta possibilitando um ambiente mais favorável à ocupação guarani. Além dos pesquisadores consultados serão utilizadas obras como de Reinhard Maack (1981) que apresenta informações mais precisas sobre aspectos do relevo, da flora e do clima, reunindo em sua obra depoimentos sobre os primeiros viajantes e exploradores do Paraná. Existe também o mapa elaborado por João Henrique Elliot, que mostra o Estado do Paraná e sua respectiva cobertura vegetal da metade do século XIX, distinguindo claramente as regiões dos campos e de floresta, o que pode revelar em conjunto com informações históricas e arqueológicas os espaços ocupados pelos Guarani e Kaingang. Portanto existe um enorme campo de possibilidades no estudo dos sistemas de assentamento guarani. Como meta principal pretende-se discutir aspectos relevantes sobre o local de ocupação. Isto pode revelar, a partir de análise dos dados, determinados padrões ou não de escolha de um assentamento envolvendo suas características físicas, como altitude em relação ao nível do rio e ao nível do mar, distância do assentamento em relação aos rios e córregos. 1 Mestrando em História UFMS. 2 Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História Universidade Estadual de Maringá. 3 Porto Rico é um dos municípios que compõem a região Noroeste do Paraná. 8