Aspectos do Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo na Via Judicial Evandro Régis Eckel Procurador do Estado de Santa Catarina
SAÚDE COMO DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO ART. 196 CF/88 Norma programática x direito subjetivo material à saúde. Inexiste direito subjetivo público irrestrito, ilimitado e incondicionado a todo e qualquer tratamento de saúde, medicamentoso ou não. Direito garantido mediante políticas sociais e econômicas: política pública, portanto. Orientação do STF: ADPF 45 - O papel do Poder Judiciário é o controle das condutas omissivas do Estado, não podendo substituir o Executivo na implementação de políticas públicas. Garantia do Mínimo Existencial (Princípio da Dignidade Humana) e Princípio da Reserva do Possível (Princípio Democrático e da Separação dos Poderes) Conceito de Integralidade Art. 198, II CF/88 Acesso Universal e Igualitário: Tudo para todos x Possível para todos
Limites e amplitude do direito à saúde: Ponderação de Princípios e Direitos Fundamentais: Concordância Prática (Canotilho): Condicionamentos recíprocos. Proporcionalidade Não abrange: - tratamentos experimentais; - com fins estéticos; - situações em que não há risco de morte (STF, SS 3263, de Goiás, Ministra Ellen Gracie, julho/2007); - medicamentos de mesma ou semelhante eficácia e maior comodidade (posologia, aplicação, etc): Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Apesar de a saúde ser assegurada a todos e o Estado ser o responsável, para que isto ocorra, isto não significa que ele é obrigado a oferecer o mais cômodo e caro tratamento. Ao paciente deve ser garantido o medicamento de que necessita e não aquele cuja aplicação implique menor desconforto. O que importa é a eficácia terapêutica do produto ofertado. (AI 2007.025918-5, Des. Luiz Cézar Medeiros, agosto 2007)
Judicialização excessiva: MicroJustiça x MacroJustiça Orçamento previsto em lei. Direito à saúde de um x Direito à Saúde de Todos Havendo programa farmacêutico específico para tratamento da doença que acomete o autor, não há omissão estatal, não podendo o Poder Judiciário conceder outro, sob pena de substituir o gestor da política de saúde. TJSC: Muito embora o art. 196 da Magna Carta estabeleça que a saúde é direito de todos e dever do Estado, não pode o Poder Público, na hipótese de dispor de fármaco com o mesmo princípio ativo, similar, ou alternativa terapêutica àquele pleiteado judicialmente, ser obrigado a fornecer medicamento específico solicitado na Justiça, salvo se comprovada a ineficácia daqueles disponíveis (AI 2003.000266-9, Des. Newton Trisotto) Medicamentos para AIDS referência internacional
Assistência Farmacêutica no SUS Dentre os serviços prestados no âmbito da Saúde encontra-se a assistência farmacêutica (art. 6.º, I, Lei n. 8080/90) Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica como parte integrante da Política Nacional de Saúde Programas: - ATENÇÃO BÁSICA: transferência Fundo a Fundo, por habitante/ano co-financimento federal, estadual e municipal dispensação pelos municípios - ESTRATÉGICOS: DST/AIDS e endemias responsabilidade da União pela aquisição e distribuição aos Estados - EXCEPCIONAIS: alto custo, pelo valor unitário ou pela cronicidade do tratamento (uso contínuo) Co-financiamento pela União e distribuição pelos Estados
PROGRAMA DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS Portaria 2557/2006 Ministério da Saúde Padronização mediante Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde - por doença (não se trata de mera lista, como os básicos) Uso seguro, eficaz e racional de medicamentos Elaboração a partir da medicina baseada em evidências Dispensação através de processo administrativo análise de exames Termo de Consentimento do Paciente
FINANCIAMENTO DO PROGRAMA DE MEDICAMENTOS EXCEPCIONAIS Ministério da Saúde formula Protocolo Clínico Hepatite C, Epilepsia Refratária, etc Ministério da Saúde financia 50% dos gastos dos Estados, mediante apresentação APAC (por produção), SOMENTE EM RELAÇÃO AOS PADRONIZADOS NOS SEUS PROTOCOLOS Não padronizados, fornecidos por decisão judicial: a conta é paga somente pelo ente acionado judicialmente, que fica sem cofinanciamento administrativo Obrigação solidária dos entes federados STF e STJ: Se não é de nenhum, é de todos Importância da responsabilização solidária da União em juízo, para repartição das despesas e eventual padronização
SUS PRINCÍPIO ATIVO Recomendação da OMS Organização Mundial de Saúde A SELEÇÃO e a AQUISIÇÃO de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, e as PRESCRIÇÕES de MEDICAMENTOS, no âmbito do SUS, adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira (DCB): do fármaco ou PRINCÍPIO FARMACOLOGICAMENTE ATIVO aprovada pela ANVISA (art. 3.º Lei n. 9787/99 art. 3.º, XVIII, Lei n. 6360/78) Não se baseia designação comercial, o que induziria a compra de um específico produto, favorecendo determinado laboratório. Medicamento padronizado pelo princípio ativo: muitas ações ajuizadas sem necessidade real. Portanto, técnica e legalmente, os benefícios, riscos e contra-indicações de um medicamento genérico já aprovado pela ANVISA são os mesmos do respectivo medicamento de referência. (...) Não há base legal nem científica, pois, para a nãointercambialidade dos medicamentos de referência e genéricos. (TRF 4.ª Região, AI 2008.04.00.022217-2, Des. Maria Lúcia Luz Leiria) Corregedoria-Geral do TJPR recomendação aos juízes a não-indicação de marcas específicas de medicamentos em decisões judiciais que determinem o seu fornecimento pelo Estado. TJSC: AI 2006.046362-6, Des. Sérgio Baasch Luz; TJPR, AR 0442385-6, Des. J. Vidal Coelho
PROVA INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE DO TRATAMENTO Perícia Médica Especializada para comprovar a necessidade do tratamento pleiteado na Justiça em detrimento dos genéricos ou alternativas terapêuticas distribuídos pela rede pública para a mesma patologia nos programas acima referidos. Receita médica não constitui prova absoluta. Necessidade de dilação probatória. Dúvida acerca da possibilidade de substituição dos medicamentos por outros disponibilizados pelo Estado. Cerceamento de Defesa caracterizado. Sentença cassada (TJSC, AC 2005.012169-1, Des. Cesar Abreu) Alternativas para evitar dispêndios desnecessários ou inúteis: - realização de perícia prévia para caracterização da prova inequívoca; - intimação do médico para manifestar-se motivadamente sobre a imprescindibilidade do tratamento em confronto com Protocolo Clínico.
Fundamental que a instrução processual, por meio de perícia, observasse os seguintes parâmetros: a) o perito deve ser especialista e prestar Termo de ausência de conflito de interesses, deixando claro sua não-vinculação com qualquer laboratório ou fornecedor do medicamento avaliado; b) a perícia deve considerar a existência (confrontar) o Protocolo Clínicos e Terapêutico do MS sobre a enfermidade, como alternativa terapêutica; c) o perito deve fundamentar suas conclusões à luz da MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS; d) observância das diretrizes nacionais e internacionais quanto ao uso racional de medicamento; e) a utilização dos serviços, para esses fins, sempre que possível, de instituições públicas de ensino e pesquisa, tendo em vista seus compromissos instituições com o atendimento estatal de saúde pública, tais como hospitais universitários e INCA Instituto Nacional do Câncer.
REGISTRO PERANTE A ANVISA REQUISITO LEGAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA PARA COMERCIALIZAÇÃO NO PRODUTO O PAÍS - LEI FEDERAL N. 6360/76 O registro depende da comprovação científica da segurança e eficácia para o uso que se propõe (art. 16) Finalidade: garantir que sejam entregues à população medicamentos que contenham componentes eficazes e que atendam à destinação terapêutica indicada (Horta, Marcelo Palis. Aspectos Formais sobre o registro de medicamentos e os limite da atuação judicial. Revista De Direito Sanitário, v. 3, n.3) Comércio, importação e distribuição constituem CRIME: Código Penal Brasileiro (art. 273, 1.º, 1.ºB e inciso I), considerando hediondo Não pode o Poder Judiciário invadir área de competência própria dos órgão de Vigilância Sanitária, a quem compete autorizar o uso e a comercialização de medicamentos no território nacional, no caso, competência exercida nos limites da lei e da razoabilidade (TRF 4.ª Região, AI 2002.04.01.030787-1/SC, Des. Marga Tessler)
Requisito da Hipossuficiência financeira do autor no processo judicial Acesso universal (art. 196) vinculado a políticas públicas / programas do SUS Jurisprudência: STF: AI-AgR 663377; RE-AgR 393175 STJ: RMS 17425/MG A ausência de demonstração da hipossuficiência financeira impede a concessão da antecipação dos efeitos da tutela para fornecimento de medicamento não padronizado, haja vista que, em tese, o dever irrestrito de garantia à saúde restringe-se às políticas públicas integradas ao sistema, não fora dele. Fármacos excepcionais e de alto custo reclamam para serem distribuídos a comprovação daquela circunstância. (TJSC, 3.ª Câmara de Direito Público, AI 2007.024023-4, Des. Sônia Maria Schmitz., v. unânime, j. em 29.05.2008) FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tem se fundado no critério da hipossuficiência do paciente para a concessão do benefício. (TRF 4.ª REGIÃO, 4.ª Turma, Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.001363-7/PR, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, v. unânime, j. em 13.06.2008)
Contra-Cautela Administrativa Poder-dever da Administração a exigência, pelas Gerências Regionais de Saúde e Secretarias Municipais, de APRESENTAÇÃO DE RECEITA MÉDICA ATUALIZADA que comprove a permanência de necessidade de medicamento dispensado por força de decisão judicial, tal como ocorre na dispensação de todo fármaco no âmbito do programa administrativo de excepcionais Princípio da legalidade obediência à legislação sanitária de regência Princípio da moralidade combate a fraudes e desperdício de dinheiro público Responsabilidade técnica do profissional farmacêutico dispensador e direito à saúde do próprio paciente
Contra-cautela Precedentes do Tribunal de Justiça/SC como não é possível prever de antemão que a agravante deva utilizar o medicamento durante todo o curso da ação, é necessário condicionar a continuação do cumprimento desta tutela antecipada à comprovação periódica (de noventa em noventa dias), por parte da autora, da necessidade e da adequação do remédio, mediante a apresentação de atestados médicos recentes e circunstanciados, com a descrição do quadro clínico e da evolução do tratamento, bem como da persistência da necessidade do medicamento (...) sempre com vistas à garantia da manutenção da saúde da paciente sem imposição, ao Estado, de custos maiores do que os estritamente indispensáveis, evitando abusos e dispêndios inúteis ou exagerados. (TJSC, 2.ª Câmara de Direito Público, AI 2006.016239-1, Des. Jaime Ramos)... a sentença deve ser parcialmente modificada para que se imponha ao autor a necessidade de comprovar, a cada 3 (três) meses, a persistência das condições que fundamentaram o pedido, com a apresentação de receita médica atualizada à Gerência de Saúde que lhe entregar a medicação. (TJSC, 3.ª Câmara de Direito Público, AC 2007.018076-3, Des. Luiz Cézar Medeiros, 27/06/07)
CONCLUSÕES A interpretação sistemática da Constituição Federal não ampara a existência de direito subjetivo de obter, irrestrita e incondicionadamente, todo e qualquer medicamento, de modo que a concessão judicial de FÁRMACOS NÃO PADRONIZADOS no SUS, sobretudo os de alto custo, deve ser tratada como excepcional e vinculada à comprovação inequívoca em juízo (não sendo suficiente a prescrição médica, unilateralmente produzida) de que o Estado não está cumprindo ou está cumprindo insatisfatoriamente sua obrigação constitucional naquela situação específica. Importante se faz a reunião de certos requisitos para que uma situação individualizada seja beneficiada pela tutela judicial (fornecimento pelo princípio ativo, registro na ANVISA, prova da hipossuficiência financeira), requisitos estes que as decisões judiciais já caminham no sentido de exigir.