O ESTADO. Capítulo V. 1. O Estado. Introdução. 1.1 Elementos do Estado:

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Transcrição:

Capítulo V O ESTADO 1. O Estado. Introdução. O Estado é o ente formado por um espaço geográfico (território), uma comunidade humana (povo) e um elemento de poder supremo (governo soberano), dotado de personalidade jurídica interna e internacional e, portanto, da capacidade de exercer direitos e de contrair obrigações. 1.1 Elementos do Estado: O Estado é composto por três elementos essenciais, que são os seguintes: Território Povo Governo soberano Nem a finalidade nem o reconhecimento por parte de outros Estados são considerados elementos constitutivos dos entes estatais (Convenção de Montevideu, de 1933, arts. 1º e 3º) O território é o espaço geográfico dentro do qual o Estado exerce seu poder soberano, aplicando a todas as pessoas que ali se encontrem seu ordenamento jurídico e as determinações das autoridades que em seu nome atuam. É o PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. NOTA: é importante atentar para os seguintes fatos: o Estado pode, excepcionalmente, exercer suas competências nos territórios de outros Estados, dentro, por exemplo, de uma missão diplomática; a lei de um Estado estrangeiro pode, também excepcionalmente, aplicar-se em outro Estado, o que ocorre, por exemplo, em hipóteses previstas em tratados ou no Direito Internacional Privado; por fim, o Estado pode não ter poderes para aplicar suas leis sobre determinadas pessoas e bens que estão em seu território. É a IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. O povo é o conjunto de pessoas naturais vinculadas juridicamente ao Estado pelo vínculo da nacionalidade. O povo não se confunde com a população, nos seguintes termos: 53

Paulo Henrique Gonçalves Portela POVO Conceito político e jurídico Inclui apenas os nacionais Inclui os nacionais no exterior POPULAÇÃO Conceito estatístico/quantitativo Inclui nacionais e estrangeiros Inclui nacionais e estrangeiros apenas de passagem pelo país O governo soberano é aquela estrutura de poder dotada de soberania, atributo que confere ao poder estatal o caráter de independência e de superioridade frente a outros núcleos de poder que atuam dentro do Estado, como as famílias e as empresas. ATENÇÃO: a soberania é característica própria do poder estatal. Nesse sentido, outros sujeitos de Direito Internacional Público, como as organizações internacionais, não são dotadas de soberania, mas apenas de capacidade jurídica para agir em nome próprio. A soberania incorpora duas modalidades: soberania interna: superioridade do poder estatal frente aos outros poderes encontrados dentro do território do Estado, como as unidades subnacionais (Estados da federação, municípios etc.), as empresas, as ONGs etc. e não submissão a nenhum deles; soberania externa: igualdade jurídica entre os Estados (nenhum Estado é juridicamente superior ao outro) e independência nacional (o Estado soberano é independente e, nesse sentido, não está juridicamente subordinado a qualquer outro poder externo). 1.2 Aparecimento e extinção dos Estados O Direito Internacional elenca diversas formas de surgimento de um novo Estado, algumas das quais já em desuso, conforme apresentamos a seguir: Ocupação e posse da terra nullius: impossível na atualidade, pois já não há mais terras a descobrir e que não estejam ou sob a soberania de um Estado ou sob os cuidados da comunidade internacional Conquista: atualmente proibida pelo Direito Internacional Guerra: vedada pelo Direito das Gentes, exceto nas hipóteses previstas na Carta das Nações Unidas Negociações internacionais Desmembramento: separação que resulta de um processo de descolonização Secessão: separação de parte de um Estado, que não é sua colônia, para o surgimento de outro Estado Dissolução/ desintegração Fusão/ agregação/ unificação 54

o estado O Direito Internacional também lista um rol de maneiras pelas quais um Estado deixa de existir, que são as seguintes: Fusão/unificação/ reunificação/agregação Negociações internacionais Dissolução/desagregação Decisão de um Estado de se juntar a outro Guerra: vedada pelo Direito das Gentes, exceto nas hipóteses previstas na Carta das Nações Unidas Conquista: vedada pelo Direito Internacional 2. Reconhecimento de Estado e de governo O reconhecimento de Estado é o ato unilateral pelo qual um ente estatal constata o aparecimento de um novo Estado e admite tanto as consequências jurídicas inerentes a este fato como que considera o novo ente estatal como um sujeito com o qual poderá manter relações válidas no campo jurídico. O reconhecimento de Estado não é ato constitutivo do novo Estado (Convenção de Montevideu sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, art. 3). Ou seja: não é elemento do Estado e, com isso, é ato meramente declaratório. O reconhecimento de Estado gera dois efeitos: => o ente estatal que reconhece aceita a personalidade internacional do Estado reconhecido, com todos os direitos e deveres determinados pelo Direito das Gentes; => o ente estatal reconhecido passa a participar oficialmente do circuito das relações internacionais. O reconhecimento de Estado incorpora as seguintes características: Ato unilateral Ato discricionário Ato incondicionado (condicionado apenas ao compromisso com o Direito Internacional, mormente com o jus cogens) Não é obrigatório para aquele que o concede, nem é um direito do Estado que o requer Ato meramente declaratório: não é constitutivo do novo Estado (não é elemento do Estado) Ato irrevogável Ato retroativo (ao momento de aparecimento do Estado) Deve, em princípio, ser objeto de pedido do Estado que quer ser reconhecido. Na prática, nem sempre o é 55

Paulo Henrique Gonçalves Portela O reconhecimento de Estado pode ser classificado da seguinte maneira: Quanto à forma de manifestação do reconhecimento => expresso ou tácito Quanto ao número de Estados que confere o reconhecimento em determinado momento histórico => individual (um só Estado) ou coletivo (mais de um Estado) O reconhecimento de governo é o ato unilateral do Estado pelo qual este admite o novo governo de outro ente estatal como representante deste nas relações internacionais. ATENÇÃO: o reconhecimento de governo é cabível apenas diante de rupturas institucionais. O principal efeito do não-reconhecimento do governo é: o novo governo não será reconhecido como representante do Estado na sociedade internacional e não terá, portanto, capacidade para praticar atos em nome do ente estatal, nem gozará das prerrogativas a que as autoridades estrangeiras fazem jus. As características do reconhecimento de governo são as seguintes: Ato unilateral Ato discricionário Ato incondicionado (vinculado apenas ao compromisso do novo governo com o Direito Internacional e com o retorno à normalidade institucional) Não é obrigatório para aquele que o concede, nem é um direito do novo governo Ato meramente declaratório: não é constitutivo do novo governo Ato irrevogável Ato retroativo (ao momento de aparecimento do Estado) Não envolve pedido Por fim, pelo evidente impacto político de que se reveste, o reconhecimento de governo tem sido objeto de polêmica, levando ao aparecimento de determinadas doutrinas, que são as seguintes: Doutrina Tobar O reconhecimento de governo só deveria ser concedido após a constatação de que os novos governantes contam com apoio popular Doutrina Estrada O reconhecimento de um novo governo configura intervenção indevida em assuntos internos de outros entes estatais. Nesse sentido, caso o Estado esteja insatisfeito com a mudança de governo, deve simplesmente retirar seus representantes diplomáticos 56

o estado 3. Direitos e deveres fundamentais dos Estados Os Estados também possuem direitos e deveres fundamentais, voltados a garantir condições mínimas de convivência na sociedade internacional. Os direitos e deveres dos Estados são regulados especialmente pela Convenção de Montevideu sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, e são, fundamentalmente, os seguintes: Direito de conservação: direito do Estado a existir, independentemente de reconhecimento, e a defender sua integridade e independência Dever de respeitar os direitos de outros Estados Direito à autodeterminação Dever de não-intervenção Direito à auto-organização Dever de solucionar pacificamente as controvérsias Direito de não sofrer qualquer intervenção externa em assuntos próprios Dever de agir dentro dos ditames referentes às necessidades da cooperação internacional Direito ao exercício do poder soberano sobre todas as pessoas sob sua jurisdição Inderrogabilidade dos direitos 4. Imunidade de jurisdição Em decorrência do princípio da territorialidade, o Estado exerce poder soberano sobre seu território, abrangendo pessoas e bens que ali se encontram, sobre os quais podem ser aplicadas as leis e as medidas das autoridades do ente estatal pertinente. Entretanto, dentro do território de um Estado, há pessoas e bens contra as quais as autoridades locais não podem agir. É o instituto da IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. A imunidade de jurisdição refere-se à impossibilidade de que certas pessoas (naturais ou jurídicas) sejam processadas e julgadas por outros Estados contra a sua vontade, e que contra elas e seus bens sejam impostas medidas por parte das autoridades dos entes estatais onde se encontram ou onde atuam. Beneficiam-se de imunidades de jurisdição as seguintes pessoas: 57

Paulo Henrique Gonçalves Portela Pessoas jurídicas Estados soberanos Organizações internacionais Santa Sé Blocos regionais (quando dotados de personalidade jurídica de Direito Internacional e quando definido que terão as imunidades necessárias para o exercício de suas funções) Comitê Internacional da Cruz Vermelha (em alguns Estados soberanos) Pessoas físicas Órgãos do Estado nas relações internacionais: Chefe de Estado; Chefe de Governo; Ministro das Relações Exteriores, agentes diplomáticos, agentes consulares e outras autoridades, indicadas pelo próprio Estado Integrantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha Ex-Chefes de Estado e, conforme determinado pelo Estado, outras autoridades que já não ocupem posições no governo 4.1 Imunidade de jurisdição dos Estados O problema da imunidade de jurisdição dos Estados é: uma controvérsia que envolva um Estado estrangeiro pode ser solucionada pelo Judiciário nacional de outro ente estatal, que julgue unilateralmente o Estado estrangeiro contra a vontade deste? A resposta é uma no âmbito do processo de conhecimento e outra no tocante ao processo de execução. 4.1.1 Imunidade de jurisdição estatal e processo de conhecimento No processo de conhecimento, a noção de imunidade de jurisdição do Estado também variou do passado ao presente: Passado Presente Total imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro: proibição de que o ente estatal fosse julgado pelo Judiciário de outro Estado contra a sua vontade. Fundamento: igualdade jurídica entre os Estados (par in parem non habet judicium/ imperium). Atos do Estado dividem-se em atos de império (jure imperium) e atos de gestão (jure gestiones) Atos de império: prevalece a imunidade Atos de gestão: não há imunidade Os atos de império são aqueles em que o Estado age revestido de suas prerrogativas soberanas. Exemplos: atos relacionados à entrada e à permanência de estrangeiros (concessão de vistos, admissão de estrangeiros etc.), Já os atos de gestão são aqueles em que o ente estatal é virtualmente equiparado a um particular. Exemplos: aquisição de bens móveis e imóveis, contratação de 58

o estado serviços e de funcionários locais para missões diplomáticas e consulares (especialmente em matéria trabalhista) e atos que envolvam responsabilidade civil. Caso o Estado pratique um ato de império, não poderá ser processado e julgado pelo Judiciário de outro Estado. Entretanto, a imunidade poderá não ser absoluta, podendo deixar de existir se o Estado renunciar a ela. No Brasil, no caso de processo contra Estado estrangeiro envolvendo a prática de atos de império, o Juiz deverá comunicar-se com o órgão competente do ente estatal alienígena, para verificar se este aceita ser processado e julgado pelo Judiciário brasileiro (STJ. Ag 1.118.724-RS, RO 39-MG, RO 57-RJ e RO-74-RJ). Tecnicamente, tal comunicação não configura citação nem intimação (STJ. Ag 1.118.724-RS). Caso o Estado aceite ser processado, tem prosseguimento a apreciação do feito. Caso o Estado não concorde em ser processado, cabe a extinção do processo sem julgamento de mérito. Por outro lado, o Brasil não reconhece imunidade para atos de gestão desde 1989 (STF. ACi 9.696 e RE-AGR n. 222.368/PE, dentre muitos outros). Com isso, caso seja aberto processo contra Estado estrangeiro no Judiciário brasileiro pela prática desses atos, o feito deverá ser apreciado pelo juízo competente. ATENÇÃO: a noção de atos de império e de atos de gestão como referências para a análise da incidência ou não de imunidade de jurisdição aplica-se apenas à imunidade do Estado no processo de conhecimento, não se referindo nem à imunidade de jurisdição estatal no campo da execução nem às imunidades de autoridades estrangeiras e, ultimamente, tampouco das organizações internacionais. 4.1.2 Imunidade de jurisdição estatal e processo de execução Apesar da mudança da jurisprudência brasileira no tocante à imunidade de jurisdição dentro do processo de conhecimento, continua a prevalecer, dentro do processo de execução, a noção de imunidade absoluta do Estado estrangeiro. Com isso, os bens do ente estatal estrangeiro em outros Estados não podem, em princípio, sofrer qualquer ato de constricção por parte das autoridades locais. O fundamento da imunidade de execução do Estado estrangeiro é a inviolabilidade dos bens das missões diplomáticas e consulares, garantida pelas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 (art. 22, 3º) e sobre Relações Consulares de 1963. Em todo caso, para assegurar a possibilidade de fazer cumprir uma sentença proferida contra Estado estrangeiro, a doutrina e a jurisprudência vêm especulando algumas alternativas, que são as seguintes: 59

Paulo Henrique Gonçalves Portela negociações diplomáticas; execução sobre bens não afetos (vinculados) aos serviços diplomáticos e consulares (STF. RE-AGR n. 222.368/PE); emissão de cartas rogatórias para o Estado estrangeiro, para que neste se processe a execução (STJ. Ag 230.684/DF); renúncia à imunidade (STF. ACO-AgR-543/SP). Em matéria de execução fiscal, e à luz das Convenções de Viena de 1961 e 1963, o STF (ACO-AgR 633/SP) tem mantido a imunidade de execução do Estado estrangeiro. ATENÇÃO: a imunidade de execução é autônoma em relação à imunidade de jurisdição. Nesse sentido, a renúncia à imunidade de jurisdição diante de conflitos relativos a atos de império não implica abrir mão da imunidade de execução, relativamente à qual nova renúncia é necessária. Ao mesmo tempo, lembramos que a inexistência de imunidade nos atos de gestão não afeta a manutenção da imunidade de execução. Como o assunto foi tratado pela FGV? A prova da OAB de 2011.2 exigiu do candidato conhecimento acerca da imunidade de execução do Estado. A questão a respeito era a seguinte: A embaixada de um estado estrangeiro localizada no Brasil contratou um empregado brasileiro para os serviços gerais. No final do ano, não pagou o 13 salário, por entender que, em seu país, este não era devido. O empregado, insatisfeito, recorreu à Justiça do Trabalho. A ação foi julgada procedente, mas a embaixada não cumpriu a sentença. Por isso, o reclamante solicitou a penhora de um carro da embaixada. Com base no relatado acima, o Juiz do Trabalho decidiu: a) deferir a penhora, pois a Constituição atribui competência à justiça brasileira para ações de execução contra Estados estrangeiros. b) indeferir a penhora, pois o Estado estrangeiro, no que diz respeito à execução, possui imunidade, e seus bens são invioláveis. c) extinguir o feito sem julgamento do mérito por entender que o Estado estrangeiro tem imunidade de jurisdição. d) deferir a penhora, pois o Estado estrangeiro não goza de nenhuma imunidade quando se tratar de ações trabalhistas. gabarito: b 4.1.3 Competência para o julgamento de um Estado estrangeiro Caso seja possível processar e julgar um Estado estrangeiro no Brasil, a competência para examinar o feito é a seguinte: 60

o estado CASO Litígio entre Estado estrangeiro, por um lado, e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território, por outro Litígio entre Estado estrangeiro, de um lado, e Município ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil, do outro, Litígio entre Estados estrangeiros e pessoas naturais, que envolvam relações de trabalho ÓRGÃO COMPETENTE STF (CF, art. 102, I, e ) Em primeira instância: Justiça Federal (CF, art. 109, II). Em segunda instância: Tribunais Regionais Federais (CF, art. 108, II). Em grau de recurso ordinário: STJ (CF, art. 105, II, c ). Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I) 4.2 Imunidade das organizações internacionais e dos órgãos do Estado estrangeiro Estudaremos o tema da imunidade de jurisdição das organizações internacionais e dos órgãos do Estado nas relações internacionais respectivamente nos capítulos VII e VI deste livro. RESUMO DA PROBLEMÁTICA DA IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO - PASSADO Imunidade total Fundamento: par in parem non habet imperium/judicium Imunidade para qualquer ato do Estado em outro Estado Perda da imunidade apenas mediante renúncia Teoria prevalecente até os anos 60 IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DO ESTADO - PRESENTE Imunidade parcial Fundamento: atos de império x atos de gestão Imunidade para atos de império Inexistência de imunidade para atos de gestão e perda da imunidade para atos de império apenas na renúncia Teoria consolidada no Brasil desde 1989 IMUNIDADE DE EXECUÇÃO Entendimento prevalecente: manutenção da imunidade de jurisdição no campo da execução Hipóteses de execução de um Estado estrangeiro: negociações diplomáticas, execução sobre bens não afetos ao serviço exterior, renúncia e envio de rogatória para o exterior - - - 61