EMERGÊNCIA DE SINCRONICIDADE EM GRUPOS DE NEURÔNIOS PULSANTES ACOPLADOS

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Transcrição:

EMERGÊNCIA DE SINCRONICIDADE EM GRUPOS DE NEURÔNIOS PULSANTES ACOPLADOS Geraldo Magela Couto Oliveira - magela@lsi.cefetmg.br Henrique Elias Borges - henrique@lsi.cefetmg.br Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Laboratório de Sistemas Inteligentes Av. Amazonas, 7675 - Nova Gameleira - 30.510-000 - Belo Horizonte, MG, Brasil Resumo. O problema da emergência de pulsação síncrona em um grupo neuronal, i.e., um grupo de neurônios fortemente acoplado entre si e que oscila e dispara em sincronia, tem se revelado de fundamental importância para a construção de organismos artificiais e robôs autônomos bioinspirados. Assim, este trabalho visa modelar e sintetizar um grupo neuronal que uma vez estimulado com um pulso de corrente, faça emergir, de modo auto-organizado, uma oscilação síncrona do grupo como um todo, numa certa freqüência. Para tanto, foi constituída uma rede contendo 100 neurônios pulsantes, cujo modelo foi proposto por Izhikevich (2003). O grupo neuronal assim sintetizado, é descrito por um sistema de 200 equações diferenciais não-lineares acopladas. Face à complexidade de se estudar detalhadamente e em termos analíticos a dinâmica deste sistema, foi realizado um estudo por simulação computacional dos parâmetros que afetam a dinâmica do sistema, em particular que afetam a emergência da sincronicidade, numa freqüência bem definida, na pulsação do grupo neuronal. Como resultado, foi possível mostrar que mediante uma parametrização adequada da dinâmica dos neurônios individuais, o grupo neuronal se auto-organiza e passa a exibir, como um todo, uma pulsação síncrona cuja freqüência pode variar desde 2 Hz até um valor próximo a 20 Hz. Keywords: Neurônio Pulsante, Grupo Neuronal, Auto-Organização em Redes Neuronais 1. INTRODUÇÃO Um desafio encontrado hoje na construção de sistemas inteligentes, e.g., organismos artificiais e robôs autônomos bioinspirados, é que estes apresentem capacidade cognitiva e que por meio desta capacidade tenham uma melhor adaptabilidade a ambientes dinâmicos. Existem vários projetos de construção de sistemas inteligentes seguindo esse caminho: ARTIFÍCE (Borges, 2002), CONEURAL (Florian, 2003) e DARWIN (Reeke, 1990). Dessa forma, torna-se interessante compreender os requisitos e as questões que ajudem a alcançar tais objetivos. Pelo paradigma do modelo tradicional, representado pelo cognitivismo e conexionismo, que utiliza principalmente o modelo de neurônio proposto por McCulloch & Pitts (1943), as expectativas da comunidade científica com relação ao desenvolvimento de sistemas inteligentes não tem sido alcançadas, como é observado por Clancey (1997) e Lewis (2005). No intuito de atender às expectativas para a construção de sistemas inteligentes, uma abordagem conhecida como cognição situada se mostra eficaz. Esta abordagem se inspira na estrutura e no comportamento dos seres vivos, o que vem de encontro ao desejo do desenvolvimento de sistemas inteligentes como é ressaltado por Clancey (1997).

Algumas características tais como: transições de fase (Freeman, 1991), (Lewis, 2005), formação de grupos neuronais (Florian, 2003), (Izhikevich, 2005), STDP (Spiking Time Dependent Plasticity) (Song et al., 2000) e emergência de pulsação síncrona em um grupo neuronal, devem ser levadas em conta quando se deseja trabalhar com sistemas inteligentes. O modelo de Mc- Culloch & Pitts (1943) não responde essas expectativas, gerando a necessidade de se encontrar um novo modelo. O modelo de neurônio pulsante (spiking neuron) é capaz de reproduzir as características citadas acima, sendo uma boa alternativa para o desenvolvimento de sistemas inteligentes. Neste contexto, este trabalho utiliza neurônios pulsantes, visando modelar e sintetizar um grupo neuronal que uma vez estimulado com um pulso de corrente, faça emergir, de modo auto-organizado, uma oscilação síncrona do grupo como um todo, numa certa freqüência. Este trabalho se apresenta da seguinte forma: Na seção 2, são apresentados alguns modelos de neurônios pulsantes. A seção 3 descreve os parâmetros do modelo utilizado para criação do grupo neuronal. Na seção 4 são mostrados os resultados das simulações que mostram a emergência de sincronicidade em um grupo neuronal. E na seção 5 são apresentadas as conclusões e os trabalhos futuros. 2. APRESENTAÇÃO DOS MODELOS DE NEURÔNIOS PULSANTES Em 1943, McCulloch e Pitts propuseram o primeiro modelo matemático de um neurônio (McCulloch & Pitts, 1943). Hoje, passados mais de 60 anos, sabe-se que esse modelo está longe de retratar o comportamento e as funcionalidades do neurônio biológico. Nesse ínterim, a neurociência avançou sobremaneira e surgiram outros modelos matemáticos que descrevem de modo mais adequado a complexa dinâmica de funcionamento dos neurônios reais. Um modelo que tem tido bastante repercussão e interesse por parte dos pesquisadores é o modelo de neurônio pulsante (Gerstner & Kistler, 2002), (Florian, 2003) e (Izhikevich, 2004), que tem como principal portador de informação o potencial de ação e por ser modelado dessa forma, apresenta uma grande proximidade com o neurônio biológico. Surge, então, uma questão sobre as características que um modelo de neurônio deve apresentar. Uma das características desejáveis em um modelo é a possibilidade de modelar os neurônios de modo que se apresentem como um grupo neuronal, possibilitando a observação de comportamentos desejados, a saber: transições de fase, plasticidade, formação de grupos síncronos. Assim surge a necessidade de pensar em um modelo no qual que se possa trabalhar com grupos de neurônios. Existem vários modelos de neurônios (Izhikevich, 2004), porém, o modelo que reproduz mais detalhadamente as características de um neurônio real é o modelo de Hodgkin-Huxley. Um estudo deste modelo e de outros podem ser encontrados em (Gerstner & Kistler, 2002) e (Berrêdo, 2005). O modelo que Hodgkin e Huxley desenvolveram foi baseado em experimentos realizados com o axônio de uma lula. Este é o modelo mais completo, visto que, além de tratar da diferença de potencial, descreve também a dinâmica das correntes iônicas. Porém, ele possui um alto custo computacional, já que é descrito através de quatro equações diferenciais não-lineares acopladas, o que inviabiliza o seu uso em simulações em uma rede com um grande número de neurônios. Existem modelos simplificados baseados no modelo de Hodgkin-Huxley, obtidos a partir de técnicas de redução de ordem do sistema de equações diferenciais, tal como o de Fitzhugh- Nagumo (Berrêdo, 2005). Porém, apesar de apresentarem as características desejadas, a implementação desses e de outros modelos na simulação de grupos neuronais fica inviável pois persiste o problema do custo computacional (Izhikevich, 2004).

Em contrapartida, Izhikevich (2003) desenvolveu um modelo de neurônio que tem como principal mérito apresentar várias características de neurônios reais, aliado a um baixo custo computacional. Além disso, permite a simulação de redes com grande número de neurônios (Izhikevich et al., 2004) e (Izhikevich, 2005) o que mostra uma concordância com o que se deseja neste trabalho. 3. DESCRIÇÃO DO MODELO DE NEURÔNIO UTILIZADO Como o modelo proposto por Izhikevich é o que apresenta o maior compromisso entre custo computacional e plausibilidade biológica (Izhikevich, 2004), ele será adotado para a construção dos grupos neuronais. Uma breve apresentação do modelo é feita a seguir. O modelo é descrito pelas seguintes equações: dv dt = 0.04v2 + 5v + 140 u + I (1) du = a(bv u) dt E a condição auxiliar: (2) se v 30 mv, então { v c u u + d (3) A variável v representa o potencial de membrana do neurônio. Já u representa uma variável de recuperação do potencial de membrana. Quando o potencial de membrana atinge um limiar (30 mv), isto representa um pulso disparado pelo neurônio. Quando isto ocorre, as variáveis v e u têm os seus valores modificados de acordo com a condição auxiliar. Os parâmetros a, b, c e d do modelo são adimensionais. Um valor típico para c é -65 mv e para d um valor típico é 6. Como os parâmetros c e d, estão relacionados apenas com a modificação dos valores de v e u após um pulso ser disparado, seus valores foram mantidos constantes ao longo de toda a simulação. I é uma variável que representa uma corrente originada de uma sinapse ou uma perturbação recebida pela rede. Fazendo um estudo dos pontos críticos do modelo, observa-se a possibilidade de bifurcações com a variação dos parâmetros I e b. Nos planos de fase da figura 1, pode-se observar que, variando-se os parâmetros I ou b, ocorrem transições de fase, ou seja, o plano de fase muda qualitativamente. Na parte superior da figura, para b = -2, observa-se que um aumento do valor de I provoca um deslocamento vertical na nuliclinal de v (curva onde dv/dt = 0), porém a nuliclinal de u (curva onde du/dt = 0) mantém-se constante. Constata-se que o número de pontos de equilíbrio muda: de dois (antes da bifurcação) para nenhum (depois da bifurcação). Na parte inferior da figura, para b = 0.5, ocorre o mesmo fenômeno. Este mecanismo de bifurcação permite alterar abruptamente a evolução do sistema. Dada uma situação na qual o sistema está evoluindo em direção a um atrator, uma bifurcação que provoque o desaparecimento deste ponto crítico permite que o sistema mude a sua evolução completamente. Essa mudança qualitativa no sistema - transição de fase - acontecerá devido a estímulos recebidos pelo neurônio por meio da corrente I, uma vez que o parâmetro b pode ser entendido como uma característica fixa de um dado neurônio. Outra característica que pode ser destacada é a formação de grupos neuronais. Izhikevich (2005) mostra que seu modelo é flexível o bastante para que isso aconteça. Neste estudo, é associado o mecanismo de STPD (Song et al., 2000) com a formação de grupos policronais.

Figura 1: Bifurcação no modelo do Izhikevich. Fonte: Izhikevich (2007) O uso deste modelo abre novas possibilidades para o desenvolvimento de sistemas inteligentes, uma vez que reproduz os resultados biológicos dos demais modelos a um custo computacional baixo. Para uma análise do custo computacional de alguns modelos, veja (Izhikevich, 2004). Este modelo permite ainda que, fazendo alterações nos parâmetros (a, b, c e d), diferentes tipos de neurônios sejam modelados, exibindo assim diferentes comportamentos, o que pode permitir uma maior flexibilidade na simulação de grupos neuronais. Essas características serão utilizadas para a realização de uma simulação, que é apresentada na próxima seção. 4. SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL DOS PARÂMETROS QUE AFETAM A EMER- GÊNCIA DE SINCRONICIDADE Nesse trabalho, objetiva-se modelagem e a síntese de um grupo neuronal que, estimulado por um pulso de corrente, faça emergir, de modo auto-organizado, uma oscilação síncrona do grupo como um todo, numa certa freqüência. Para isso, uma rede contendo 100 neurônios pulsantes, baseados no modelo proposto por Izhikevich, foi criada. Como o modelo deste neurônio é composto por um sistema com duas equações diferenciais não-lineares acopladas (1) e (2), o grupo neuronal sintetizado é descrito por um sistema de 200 equações diferenciais não-lineares acopladas. Devido à complexidade de se estudar detalhadamente e em termos analíticos a dinâmica desse sistema, são apresentados a seguir um estudo dos parâmetros que afetam a sua dinâmica. Sinapses realizadas. O número de sinapses que cada neurônio realiza influencia a emergência da sincronicidade, pois, sendo este número pequeno, inibe o seu aparecimento, já para um número maior de sinapses, os neurônios disparam continuamente eliminando a sincronicidade do grupo. A figura 2 mostra a influência do número de sinapses na emergência de

sincronicidade para: a = 0.04, b = 0.25, c = -65 e d = 6. Figura 2: Influência do número de sinapses na emergência de sincronicidade. 2a (3 sinapses), 2b (10 sinapses), 2c (20 sinapses) e 2d (30 sinapses). A figura 2a representa um grupo onde cada neurônio da rede realiza 3 sinapses, número insuficiente para a emergência da sincronicidade. Já na figura 2b (10 sinapses) e 2c (20 sinapses) observa-se essa emergência, porém em 2b a frequência é maior que em 2c. Já a figura 2d representa uma rede onde cada neurônio realiza 30 sinapses, valor que eleva a quantidade de disparos dos neurônios, o que elimina a sincronicidade do grupo. Condutância das sinapses. A sinapse foi modelada da mesma maneira como ocorre no neurônio biológico, no qual não ocorre de forma instantânea, ou seja, a corrente transmitida para o neurônio pós-sináptico permanece durante um certo intervalo de tempo, diminuindo até se extinguir. Figura 3: Tensão do neurônio pré-sináptico (figura 3a), que ao atingir um valor igual ou superior a 30mV transmite uma corrente para o neurônio pós-sináptico que decresce ao longo do tempo (figura 3b). A figura 3 mostra a tensão de um neurônio pré-sináptico, que ao atingir um valor igual ou superior a 30 mv (figura 3a), gera uma corrente para o neurônio pós-sináptico, que decresce até se extinguir (figura 3b). Portanto, os neurônios receberão estímulos durante um intervalo de tempo maior, contribuindo para a emergência de sincronicidade.

A corrente total I em (1) que cada neurônio recebe é a soma de todas as correntes geradas por cada sinapse que o neurônio faz. A corrente i, gerada em uma sinapse é modelada da seguinte maneira: i = W.g (4) Onde W é o peso da sinapse e g a condutância instantânea da sinapse. O valor de g diminui ao longo do tempo do seguinte modo: dg dt = g τ (5) Onde τ é uma constante de tempo que contribui para a diminuição da condutância. Assim, quando a tensão de um neurônio atinge um valor igual ou superior a 30 mv (figura 3a), ele transmite uma corrente i para todos os seus neurônios pós-sinápticos. A medida que o tempo passa o valor de g diminui, diminuindo o valor da corrente i transmitida. A figura 4 mostra a influência de τ na emergência de sincronicidade para: a = 0.02, b = 0.25, c = -65, d = 6 e 10 sinapses sendo realizadas por cada neurônio. No grupo representado em 4a, τ = 1, a corrente gerada nas sinapses não é suficiente para se observar a emergência de sincronicidade, já em 4b, τ = 5, observa-se esse fenômeno, porém no grupo representado em 4c, τ = 30, as correntes geradas nas sinapses por terem uma duração maior não permitem que os neurônios do grupo apresentem sincronicidade. Figura 4: Influência da constante de tempo τ na emergência de sincronicidade. Em 4a, τ=1, em 4b, τ=5 e 4c, τ=30. Transições de fase no neurônio. Com a variação do parâmetro b é possível alterar a frequência de sincronicidade de um grupo, por exemplo, para os valores de b = 0.2 e b = 0.25, observa-se uma variação na frequência, passando de 6 Hz para 9 Hz. A figura 5 mostra a influência de b na emergência de sincronicidade para: a = 0.02, c = -65, d = 6 e 10 sinapses sendo realizadas por cada neurônio. Isso acontece porque com um valor maior de b ocorre uma alteração no ponto de interseção da nuliclinal de v com a nuliclinal de u (veja a figura 6) de tal modo que valor da corrente necessária para o disparo do neurônio é menor. Dessa forma, para uma mesma intensidade de estímulos os neurônios disparam mais, aumentando a frequência.

Figura 5: Grupos com frequências diferentes em função da alteração do parâmetro b. Em (a) b = 0.2 e em (b) b = 0.25. Figura 6: Plano de fase para b = 0.2 (esquerda) e b = 0.25 (direita). Recuperação do potencial de membrana. O parâmetro a é outro parâmetro que influencia na sincronicidade do grupo. Esse parâmetro está relacionado diretamente com a variável u que representa a recuperação do potencial de membrana de um neurônio após o disparo. Assim, o parâmetro a pode ser usado tanto para diminuir ou aumentar a frequência do grupo, pois, os neurônios só podem disparar quando o valor de u for suficientemente baixo de modo a permitir que o valor de v aumente, levando o neurônio a disparar. Assim, quanto maior o valor de a mais rápido um neurônio terá as condições necessárias para disparar, o que aumenta a frequência do grupo. A figura 7 mostra as frequências dos grupos para diferentes valores de a e os parâmetros b = 0.25, c = -65, d = 6 e 10 sinapses sendo realizadas por cada neurônio.

Figura 7: Grupos com diferentes frequências em função do parâmetro a. Em (a), a = 0.02, em (b), a = 0.04 e em (c), a = 0.08. A figura 8 apresenta a evolução dos parâmetros u e v de um neurônio típico da rede para a = 0.02, b = 0.25, c = -65, d = 6 e 10 sinapses sendo realizadas por cada neurônio. Figura 8: Evolução de u e v do neurônio 70 para a = 0.02. A figura 9 apresenta a evolução dos parâmetros u e v de um neurônio típico da rede para a = 0.04, b = 0.25, c = -65, d = 6 e 10 sinapses sendo realizadas por cada neurônio. Figura 9: Evolução de u e v do neurônio 70 para a = 0.04.

5. CONCLUSÕES E TRABALHOS FUTUROS Mediante uma parametrização adequada da dinâmica dos neurônios individuais é possível variar a frequência na qual o grupo neuronal se auto-organiza e passa a exibir, como um todo, uma pulsação síncrona. A figura 10 apresenta 3 grupos neuronais com diferentes frequências. Figura 10: Grupos com frequências variando de 2 Hz a 20 Hz em função dos valores de seus parâmetros. Os parâmetros do grupo representado na figura 10a são: a = 0.005, b = 0.2, c = -65, d = 6, τ = 10 e 15 sinapses para cada neurônio, o que resulta em um grupo com frequência de 2 Hz. Os parâmetros do grupo representado na figura 10b são: a = 0.02, b = 0.25, c = -65, d = 6, τ = 5 e 10 sinapses para cada neurônio, o que resulta em um grupo com frequência de 9 Hz. Os parâmetros do grupo representado na figura 10c são: a = 0.08, b = 0.25, c = -65, d = 6, τ = 5 e 10 sinapses para cada neurônio, o que resulta em um grupo com frequência de 20 Hz. Para o futuro pretende-se utilizar esse mecanismo de sincronicidade para a criação de uma estrutura que gere e controle a frequência de estruturas necessárias à construção de organismos artificiais e robôs autônomos bioinspirados. Referências Berrêdo, R. C. d., 2005. A Review of Spiking Neuron Models and Applications. Master s thesis, Universidade Federal de Minas Gerais. Borges, H. E., 2002. Arquitetura flexível para a criação de agentes de software cognitivos e situados: teoria, metodologia e ferramentas. Projeto de pesquisa (departamento de ensino superior), Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Clancey, W., 1997. Situated Cognition: On Human Knowledge and Computer Representations. Cambridge University Press. Florian, R. V., 2003. Biologically inspired neural networks for the control of embodied agents. Technical report, Center for Cognitive and Neural Studies (Coneural). Freeman, W., 1991. The physiology of perception. Scientific American, vol. 264, n. 2, pp. 78 85. Gerstner, W. & Kistler, W., 2002. Spiking Neuron Models: Single Neurons, Populations, Plasticity. Cambridge University Press. Izhikevich, E., 2003. Simple model of spiking neurons. IEEE Transactions on Neural Networks, vol. 14, n. 6, pp. 1569 1572. Izhikevich, E., 2004. Which Model to Use for Cortical Spiking Neurons? IEEE Transactions on Neural Networks, vol. 15, n. 5, pp. 1063.

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