Pegada de carbono do camarão marinho em cultivo superintensivo

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Transcrição:

Pegada de carbono do camarão marinho em cultivo superintensivo Galindro, B.M. 1,2 ; Cherubini, E. 2,3 ; Alvarenga, R.A.F 2,3 ; Zanghelini, G.M. 2,3 ; Derner, R.B. 4 ; Soares, S.R. 3 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). Campus São José. Rua José Lino Kretzer, 608, Praia Comprida. CEP 88103-310. São José, SC. 2 EnCiclo Soluções Sustentáveis. Avenida das Águias, 230, Ed. Corporate Center, sala 110, Cidade Criativa Pedra Branca. CEP 88.137-280. Palhoça, SC. 3 CICLOG Grupo de Pesquisa em Avaliação do Ciclo de Vida. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Centro Tecnológico Campus Universitário Trindade. Caixa Postal 476. CEP 88040-970. Florianópolis, SC. 4 Departamento de Aquicultura. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Centro de Ciências Agrárias. Rodovia Admar Gonzaga, 1346. CEP 88034-001. Florianópolis, SC. O cultivo superintensivo de camarões surge como uma nova possibilidade para o setor de carcinocultura, pois reduz a geração de efluentes através de uma menor renovação de água. Porém, é importante analisar os impactos ambientais gerados sobre outros aspectos, como a emissão de gases de efeito estufa (GEE) ao longo do ciclo de vida do produto. O objetivo desse trabalho foi avaliar a pegada de carbono do cultivo superintensivo de camarões desenvolvido experimentalmente no Laboratório de Camarões Marinhos da UFSC. Foram avaliados os processos desde a produção dos insumos até o cultivo dos camarões, com base na unidade funcional de 1 kg de camarão adulto produzido. Para avaliação de impactos, utilizou-se o método IPCC (2007) GWP 100a. Os processos analisados geraram um impacto total de 3,13 kg CO 2 eq. A maior parte dos impactos ocorreu na fase de cultivo, especialmente no consumo de energia elétrica (60,1%) relacionado ao uso de trocadores de calor e aeradores e no consumo de ração (30,9%). É necessário buscar alternativas para a redução do consumo de energia e da quantidade de ração utilizada, a fim de que o cultivo superintensivo seja viável também com relação às emissões de GEE. Palavras-chave: Pegada de carbono, camarões marinhos, cultivo superintensivo, GEE. 1. Introdução O início da carcinocultura no Brasil data da década de 70 no Rio Grande do Norte. No mesmo período, o Estado de Santa Catarina também desenvolveu pesquisas sobre reprodução em cativeiro, larvicultura e engorda do camarão cultivado e conseguiu produzir as primeiras póslarvas em laboratório na América Latina (SEBRAE, 2014). Deste então, a criação de camarões marinhos no Brasil tem se expandido rapidamente. Esta cultura tem sido um bom investimento para diversos maricultores, apesar da complexidade no manuseio e do potencial impacto ambiental negativo deste tipo de sistema, através da utilização de práticas de cultivo não sustentáveis (SANCHES et al., 2008). Esses fatores tornaram a carcinocultura alvo de atenção de órgãos nacionais e internacionais de defesa ambiental. O camarão marinho brasileiro tinha grande aceitação no mercado internacional. Entretanto, alguns fatores, como o surto do vírus da mancha branca em Santa Catarina, colaboraram para que a participação no mercado fosse reduzida, fazendo com que os produtores buscassem alternativas de produção mais limpa e sustentável (SEBRAE, 2014). Dentre as diversas formas de cultivos de camarões, os cultivos superintensivos sem renovação de água através de uma biota predominantemente aeróbica e heterotrófica (ou em inglês, Zero Exchange, Aerobic, Heterotrophic Culture Systems - ZEAH) vêm surgindo como uma

alternativa na aquicultura mundial (EMERENCIANO et al., 2007). Esse sistema baseia-se na formação de estruturas denominadas bioflocos (BFT, Bioflocs Technology), que são gerados a partir da fertilização do ambiente de cultivo com fontes ricas em carbono e forte oxigenação (AVNIMELECH, 2006). Quando corretamente balanceados, o carbono e o nitrogênio estimulam a formação de flocos microbianos, que são capazes de assimilar os compostos nitrogenados originados da excreção dos camarões e dos restos do alimento em decomposição, colaborando para a redução do teor de amônia presente no meio, que é tóxica para os camarões (SCHNEIDER et al., 2006). Uma das principais vantagens desse sistema é que ele prioriza o menor uso de água, através da redução da renovação (troca de água), o que representa uma diminuição na emissão de efluentes e consequentemente reduz o impacto ambiental. Sendo assim, a implantação destes sistemas de cultivo atende as premissas de uma carcinocultura responsável e ambientalmente mais correta (EMERENCIANO et al., 2007). No entanto, além da utilização de água, existem outras questões importantes do ponto de vista ambiental que também permeiam a sustentabilidade da carcinocultura superintensiva, por exemplo a sua Pegada de Carbono. Segundo Johnson (2008), a Pegada de Carbono corresponde ao total de gases de efeito estufa (GEE) emitidos direta ou indiretamente por uma pessoa, organização ou produto ao longo de seu ciclo de vida. O estudo de Cao et al. (2011) afirma que a crescente conscientização sobre os problemas ambientais nos últimos anos tem levado ao aumento da procura de informação sobre o desempenho ambiental de diferentes sistemas de cultivo e que há um grande debate sobre como promover a sustentabilidade do cultivo de camarões marinhos. O presente estudo tem o objetivo de contribuir com informações sobre a pegada de carbono do cultivo superintensivo de camarões com bioflocos, realizado no Laboratório de Camarões Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina. 2. Metodologia O trabalho foi realizado utilizando a metodologia de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), estabelecida nas normas NBR ISO 14040 e 14044 (ABNT, 2009a; ABNT, 2009b). A unidade funcional foi definida como 1 kg de camarão branco Litopenaeus vannamei maduro, pronto para o consumo (berço a portão). O sistema em estudo compreende as etapas de produção dos insumos e captação da água salgada, cultivo das camarões até a fase adulta e transporte dos camarões adultos inteiros para o local de venda, conforme demonstrado na Figura 1. Não foi considerada nesse estudo a etapa de produção das larvas. Figura 1: Fronteiras do sistema de cultivo superintensivo de camarões marinhos analisado nesse estudo.

O sistema em estudo está localizado em Florianópolis, Santa Catarina, região Sul do Brasil. Os dados referentes ao cultivo de camarões foram coletados no Laboratório de Camarões Marinhos da Universidade Federal de Santa Catarina. Os dados foram obtidos por meio de visitas ao laboratório e coleta de informações com os técnicos responsáveis pelos cultivos em escala piloto. Os processos produtivos delimitados por esse estudo iniciam na produção e obtenção dos insumos para o cultivo, tais como a água salgada, ração e outros nutrientes. A composição da ração segue Scopel et al. (2011), os demais nutrientes estão de acordo com Magnotti (2011). Os dados de produção de fertilizantes, produção e manutenção de equipamentos utilizados no cultivo e produção de energia elétrica foram extraídos da base de dados Ecoinvent e como fonte de energia elétrica foi utilizada a matriz energética brasileira. O processo de captação da água salgada consiste em uma bomba hidráulica posicionada a 60 m do mar que capta água por meio de uma ponteira produzida com tubos de PVC, e bombeia a água por 2,5 km de dutos de PVC até uma cisterna, onde a água é armazenada. Os nutrientes e a água salgada são bombeados para tanques de fibra de carbono com capacidade para 50.000 L de cultivo com aeração constante, produzida por um aerador de pá. A temperatura do cultivo é mantida em 30 o C com o auxílio de um trocador de calor, operando de acordo com a necessidade de aquecimento da água. Nesses tanques, são colocadas também as larvas de camarão, que ali permanecem por 60 dias, período no qual atingem a maturação. Ao fim do cultivo, os camarões são retirados do tanque com o auxílio de redes de pesca e o meio é reaproveitado para o próximo cultivo, conforme previsto pelo sistema ZEAH. Com relação aos transportes, foi estabelecida uma distância de 150 quilômetros entre os produtores de fertilizantes e ração para o local do sistema em estudo. Os dados foram compilados e os resultados obtidos, a partir da utilização do software SimaPro 8.0.2. No presente estudo, o método de avaliação de impacto escolhido foi o IPCC (2007) GWP 100a, desenvolvido pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e recomendado para estudos de pegada de carbono. 3. Resultados e discussão A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos após a realização do Inventário do Ciclo de Vida do cultivo superintensivo de camarões marinhos. Tabela 1: Inventário do Ciclo de Vida da produção de 1kg de camarões marinhos ENTRADAS Valor Unid. Fonte Recursos da natureza Água salgada Água doce, retirada de uma lagoa 339 286 L L Magnotti et al. (2011) Magnotti et al. (2011) Insumos Melaço de cana em pó 69% 0,38 kg Magnotti et al. (2011) Farelo de arroz amarelo peneirado 0,78 kg Magnotti et al. (2011) Cal hidratada 0,09 kg Magnotti et al. (2011) Ração para camarão 1,23 kg Magnotti et al. (2011) e Scopel et al. (2011) Energia e transporte Eletricidade (bombas hidráulicas) 0,03 kwh Dado primário Eletricidade (aeradores) 0,46 kwh Dado primário Eletricidade (trocador de calor) 5,86 kwh Dado primário Transporte de insumos 0,14 tkm Dado primário

Analisando a pegada de carbono dos processos considerados nesse estudo para o cultivo superintensivo de camarões marinhos, foi possível constatar que para a produção de 1kg de camarão adulto são gerados 3,03kg CO 2 eq. O estudo de Cao et al. (2011) apresentou valores de 5,28 kg CO 2 eq para o cultivo intensivo e 2,75kg CO 2 eq para o cultivo semi-intensivo, o que indica uma menor geração de GEE do cultivo superintensivo desse estudo em comparação ao cultivo intensivo. É importante ressaltar que o estudo de Cao et al. (2011) incluiu etapas de produção das larvas e de transporte dos camarões adultos, o que resulta em valores maiores de emissões de GEE. Mesmo assim, o sistema semi-intensivo apresentou uma pegada de carbono menor do que a analisada nesse estudo, o que indica que o cultivo superintensivo ainda apresenta alguns gargalos em seu sistema. Ao segmentar as etapas do sistema superintensivo, é possível perceber que 61,9% dos impactos são gerados pela utilização de energia elétrica de baixa voltagem, 30,9% pela produção e utilização da ração, 5,71% devido a produção e utilização do farelo de arroz enquanto os demais processos somados representam 1,49% dos impactos, conforme demonstrado na Figura 2. Figura 2: Pegada de Carbono, por etapas, do cultivo superintensivo de camarões marinhos. O estudo de Mungkung (2005) cita o consumo de energia elétrica como um dos principais gargalos do sistema de produção de camarões marinhos de forma semi-intensiva e intensiva na Tailândia. O trabalho de Cao (2011) realizou a ACV de cultivos de camarões marinhos semiintensivo e intensivo na China e obteve valores de potencial de aquecimento global de 5,28kg CO 2 eq no cultivo intensivo e 2,75kg CO 2 eq no cultivo semi-intensivo por quilograma de

camarões adultos produzidos. No cultivo semi-intensivo, o processos que mais contribuíram para esse impacto foram a produção de ração e o consumo de energia elétrica, gerando 46,6% e 19,2% dos impactos, respectivamente. Por sua vez, no cultivo intensivo o consumo de energia elétrica foi o principal responsável pela geração dos impactos (46,4%) e a produção de ração foi responsável por 40% dos impactos. A comparação desses dados com o presente estudo está descrita na Tabela 2. Tabela 2: Contribuição dos processos para a Pegada de Carbono Cao et al. (2011) cultivo semi-intensivo Cao et al. (2011) cultivo intensivo Presente estudo cultivo superintensivo Energia elétrica 19,2% 46,4% 61,9% Ração 46,6% 40% 30,9% Outros 34,2% 13,6% 7,2% Através da comparação dos dados, é possível perceber uma relação direta entre o grau de intensidade do cultivo e o seu consumo de energia elétrica, devido a inclusão de outros processos como aeração e aquecimento da água, que são realizadas por bombas, aeradores e trocadores de calor. O aumento na utilização da energia elétrica pode aumentar a geração de GEE dos cultivos e, consequentemente, e a sua pegada de carbono. Ao relacionarmos a avaliação de impacto com o inventário do ciclo de vida do presente estudo, é possível perceber que o processo que mais contribui para o consumo de energia elétrica, é a utilização de trocadores de calor para manter a temperatura da água do tanque de cultivo dos camarões a 30 o C. Os trocadores de calor representam 93,3% do consumo total de energia elétrica dos processos produtivos. Nesse estudo, considerou-se que os trocadores de calor consomem 6kW/h de energia e permanecem ligados 5 horas por dia por 60 dias, tempo total do cultivo dos camarões. No que se refere a utilização de ração, é possível observar que houve uma redução do impacto relacionado a ração, ao compararmos os cultivos intensivo e semi-intensivo de Cao et al. (2011). Isso se deve ao fato de que há uma redução na quantidade de ração utilizada no cultivo superintensivo desse estudo (1,23kg/kg de camarão) em comparação a quantidade utilizada no cultivo intensivo, que foi de (1,6kg/kg de camarão). O cultivo semi-intensivo utilizou uma quantidade menor de ração por kg de camarão produzido (0,97kg). O fato de este sistema apresentar o consumo de ração como gargalo, mesmo tendo um menor consumo de ração, é em decorrência da menor utilização de energia elétrica, que faz com que os seus impactos sejam mais significativos em relação ao total de impacto gerado nesse cultivo. 4. Conclusão A partir desse estudo foi possível avaliar a geração de GEE do cultivo superintensivo de camarões marinhos. Nesse sentido, percebeu-se que esse processo produtivo ainda necessita de aprimoramentos, pois embora tenha apresentado uma pegada de carbono menor com relação ao

sistema intensivo, ainda demonstrou uma geração de GEE maior do que o sistema semiintensivo. Destacam-se como prioritárias as ações que busquem a redução na utilização de energia elétrica e de ração nos cultivos. Recomenda-se a utilização de energia de média ou alta voltagem, busca por fontes alternativas de energia, diferentes métodos de de aquecimento da água (por exemplo, aquecimento solar) e outras matérias primas para nutrição dos camarões, a fim de tornar esse método de cultivo mais ambientalmente correto não apenas por gerar menos efluentes, mas também sob o ponto de vista das emissões de GEE. 5. Referências ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR ISO 14044: Gestão ambiental Avaliação do ciclo de vida Requisitos e orientações. Rio de Janeiro, 46p. 2009b. ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR ISO 14040: Gestão ambiental Avaliação do ciclo de vida Princípios e estrutura. Rio de Janeiro, 20p. 2009a. AVNIMELECH, Y. Bio-filters: the need for a new comprehensive approach. Aquacultural Engineering. n. 34, p. 172 178. 2006. CAO, L.; DIANA, J. S.; KEOLEIAN, G. A.; LAI, Q. Life Cycle Assessment of chinese shrimp farming systems targeted for export and domestic sales. Environmental Science & Technology. n. 45, p. 6531 6538. 2011. EMERENCIANO, M. G. C.; WASIELESKY JR, W.; SOARES, R. B.; BALLESTER, E. C.; IZEPPI, E. M. CAVALLI, R. O. Crescimento e sobrevivência do camarão-rosa (Farfantepenaeus paulensis) na fase de berçário em meio heterotrófico Acta Scientiarum Biological Sciences n. 1, p. 1-7. 2007. JOHNSON, E. Disagreement over carbon footprints: A comparison of electric and LPG forklifts. Energy Policy, v.36, n.4, p.1569-1573. 2008. MAGNOTTI, C. C. F. Cultivo heterotrófico do camarão marinho Litopenaeus vannamei avaliando duas metodologias de remoção de sólidos. Trabalho de conclusão de curso em Engenharia de Aquicultura Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 39p. 2011. MUNGKUNG, R. T. Shrimp aquaculture in Thailand: application of life cycle assessment to support sustainable development. Tese de Doutorado, Center for Environmental Strategy, School of Engineering, University of Surrey, U.K., 2005. SANCHES, E.G.; PANNUTI, C.V.; SEBASTIANI, E.F. A piscicultura marinha como opção para a carcinicultura brasileira. Aquicultura & Pesc. n. 36, p. 12-19. 2008. SCHNEIDER O., SERETI V., EDING E.H., VERRETH J.A.J. Molasses as C source for bacterial heterotrophic production on solid fish waste. Aquaculture. n. 261, p. 1239-1248. 2006. SCOPEL, B. R.; SCHVEITZER, R.; SEIFFERT, W. Q.; PIERRI, V.; ARANTES, R. da F.; VIEIRA, F. do N.; VINATEA, L. A. Substituição da farinha de peixe em dietas para camarões marinhos cultivados em sistema bioflocos. Pesquisas Acropecuárias Brasileiras. n. 8, p. 928-934. 2011. SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas. Aquicultura e pesca: Camarões Estudos de Mercado 2008. Disponível em: <www.biblioteca.sebrae.com.br>. Acesso em: 22 jul 2014.