ORIGEM FAMILIAR, CARACTERÍSTICAS E MOTIVAÇÃO DO ALUNO: QUAIS AS RELAÇÕES COM O AUMENTO OU A DIMINUIÇÃO DO RISCO DE REPETÊNCIA NO FINAL DO PRIMEIRO SEGMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL? Erisson Viana Correa PUC-Rio Agência Financiadora: CAPES 1. Introdução Nas últimas duas décadas houve significativo avanço em parte importante dos indicadores educacionais brasileiros. O acesso à educação básica melhorou notavelmente, principalmente no Ensino Fundamental. Em 2009, a taxa de escolarização bruta das crianças de 6 a 14 anos era de 97,6%, o que representa um aumento de 3,4 pontos percentuais em relação a 1999, quando essa taxa era de 94,2%. O quadro é menos alentador nas outras faixas de idade. Quando se considera, por exemplo, a faixa de escolaridade obrigatória dos 4 aos 17 anos, instituída pela Emenda Constitucional 59/2009, a taxa de atendimento é de 91,5%. Na pré-escola, apesar da sua importância do ponto de vista cognitivo e psicossocial, o atendimento das crianças de 4 e 5 anos se mostra ainda mais desfavorável, com uma taxa de 74,8% em 2009, o que representa 1,5 milhão e meio de crianças dessa faixa etária fora da escola. No caso dos jovens de 15 a 17 anos, o acesso estava em torno de 85% em 2009, mas apenas 50% dos estudantes dessa faixa etária frequentavam o Ensino Médio (UNESCO, 2010). Esse último dado, em especial, aponta para o problema da repetência. De acordo com o relatório sobre educação mundial da UNESCO publicado em 2010, apesar de a taxa de repetência ter caído de 30% na década de 1990 para os atuais 18,7%, o Brasil ainda têm a maior taxa de repetência na Educação Básica entre 41 países que compõem a região da América Latina e Caribe. Depois do Brasil, os países com piores taxas de reprovação são o Suriname, com 15,7%, e a Guatemala, com 12,2%. Cuba é o país em que alunos menos repetem as séries escolares: 0,5%. No Brasil, durante um longo período de tempo, a repetência foi confundida com evasão e o inchaço provocado pela retenção nas primeiras séries do Ensino Fundamental levou as políticas educacionais a enfatizarem a ampliação da oferta de vagas. A partir da década de 1980, estudos desenvolvidos por Ruben Klein e Sérgio Costa Ribeiro
demonstraram que o principal problema no processo de escolarização não era a evasão e sim a repetência (KLEIN, 2006; RIBEIRO, 1991). A partir de então foram adotadas, em parte do sistema educacional, políticas de organização do ensino em ciclos como alternativa à seriação, que resultaram numa significativa queda nas taxas de repetência, principalmente, no período de 1982 a 1997. Mais recentemente, o debate sobre repetência no Brasil ganhou fôlego novamente, com a criação de uma nova perspectiva de análise, que relaciona fluxo com desempenho, dois componentes até então tratados como se fossem independentes. Além disso, a introdução de programas de responsabilização nos sistemas de ensino aumentou a preocupação com a repetência, no sentido dela passar a ser vista como forma de garantir padrões elevados de desempenho entre os alunos. Nesse contexto, a política educacional incorporou uma nova perspectiva que relaciona informações de desempenho em exames padronizados com informações sobre fluxo escolar num novo indicador: o IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, com a finalidade de coibir a reprovação indiscriminada e a aprovação dos alunos sem aprendizagem. Do ponto de vista da pesquisa, no entanto, estudos envolvendo a investigação do efeito de variáveis sociodemográficas do aluno sobre o risco de repetência têm ainda pequena expressão na literatura nacional (GOMES-NETO e HANUSHEK, 1994; SOUZA e SILVA, 1994; LEÓN e MENEZES FILHO, 2002). Mais raros são, ainda, os estudos que investigam o impacto da interação entre variáveis de origem social sobre o risco de repetência. Alves, Ortigão e Franco (2007) investigaram a relação entre a repetência e os diferentes tipos de capital familiar (econômico, cultural e simbólico), destacando que a disponibilidade de recursos educacionais nas casas dos alunos é um fator associado à diminuição do risco de repetência, assim como a instrução familiar é um fator importante no risco da repetência. Alunos cuja família possui instrução até a 4ª série apresentam maior chance de repetência. Entretanto, este efeito é atenuado frente à presença, em casa, de recursos educacionais. O presente trabalho investiga a associação entre repetência escolar, características familiares e motivação do aluno, a partir de um modelo de risco de repetência ao final do primeiro segmento do Ensino Fundamental, construído com base nos questionários contextuais do aluno e dos pais aplicados em uma pesquisa
longitudinal. Realizada entre 2005 e 2008 em 303 escolas públicas e privadas de cinco cidades brasileiras, esta pesquisa conduziu o monitoramento da aprendizagem em Leitura e Matemática de um painel de alunos ao longo dos quatro anos iniciais do Ensino Fundamental. A repetência é um fenômeno social complexo no qual interagem características da escola, do aluno e da família. Neste estudo, no entanto, foi construído um modelo de regressão logística para a probabilidade de repetência de um aluno que considera apenas variáveis do aluno e de seu contexto familiar. Embora cientes de que, para uma análise mais sofisticada, envolvendo as variáveis da escola, da turma e do professor, a literatura estatística recomenda a utilização de modelos multiníveis ou hierárquicos, que levam em consideração a complexidade do plano amostral, não foi essa a nossa opção neste trabalho. A identificação da repetência foi feita empiricamente a partir dos dados longitudinais e, no modelo, foram utilizadas variáveis sobre posse de bens, ocupação e nível de escolaridade dos pais, sobre os motivos e a frequência com que a família comparece à escola e sobre a frequência do aluno a educação infantil, além de itens que indagam sobre a motivação do aluno. Além desta introdução, este artigo está organizado em cinco seções. A próxima seção faz uma breve revisão da literatura que trata da repetência do aluno em articulação com características familiares e com a motivação. A terceira seção descreve o método e os dados utilizados e também as questões que a pesquisa procurou responder. Na sequência são apresentados os resultados das análises descritivas e da estimação do modelo de risco para repetência. As conclusões encerram o texto. 2. Repetência escolar: família e motivação do aluno Tipicamente, as trajetórias escolares e, portanto, a reprovação escolar e a subsequente repetência e suas consequências para a continuidade dos estudos, foram explicadas em razão da origem social dos alunos, mais especificamente em termos de recursos econômicos familiares e de determinadas características do aluno, como o gênero e a cor. Mais recentemente, os estudos nesta área vêm ampliando o foco de interesse, incluindo novas variáveis e constructos relacionados tanto a fatores
socioculturais familiares como à motivação, à autoestima e ao engajamento escolar do aluno. Por um lado, os estudos sobre as relações família-escola indicam que, além das vantagens econômicas familiares, características como o nível de instrução, as atitudes e aspirações dos pais, o clima e os hábitos linguísticos familiares e as atitudes de valorização e interesse pelos estudos dos filhos tornam certas famílias mais capazes do que outras de incitarem seus filhos ao êxito escolar, reduzindo assim o risco de repetência (NOGUEIRA, 1991; FORQUIN 1995; LAHIRE, 1997; NOGUEIRA, 2005 e BRANDÃO, 2003; 2005; 2006). Trata-se de estudos desenvolvidos na área da sociologia que fizeram da família um objeto privilegiado de estudo tanto nos aspectos econômicos como nos esforços que esta instituição desenvolve visando o acesso e a distribuição de bens simbólicos e materiais entre seus membros. Essa literatura aponta que a mobilização escolar familiar contribui para a superação dos constrangimentos econômicos e culturais que pesam sobre as famílias e seus membros, podendo propiciar um ambiente de apoio aos estudos com efeitos positivos sobre a trajetória e o desempenho escolar do aluno. Esse ambiente envolve a participação da família na escola, em termos de frequência a reuniões, de atendimento de demandas dos professores, de apoio ao dever de casa. Envolve, também, a organização da vida doméstica, nos termos descritos por Lahire (1997) como regularidade das atividades, dos horários, de regras de vida estritas e recorrentes, dos ordenamentos e disposições que produzem estruturas cognitivas ordenadas, capazes de pôr ordem e de gerir e organizar os pensamentos. A mobilização escolar da família pode, assim, resultar em um suporte cognitivo e emocional para os filhos que não está condicionado exclusivamente pelo nível socioeconômico ou de instrução dos pais. Também as consequências negativas para os alunos que decorrem da experiência de repetência como a perda da autoestima e da convivência com seus pares, além de uma menor aprendizagem têm sido objeto de estudo e de resultados recorrentes nas pesquisas, como mostra a meta-análise de pesquisas sobre o tema elaborada por Crahay (2006). As pesquisas na área da psicologia consideram que a motivação escolar não é um traço relativamente estável da personalidade. É antes um processo psicológico, no qual características da personalidade interagem com características ambientais percebidas.
Essa interação coloca possibilidades de mudanças na motivação dos alunos, não só a partir deles próprios e de seus interesses como também em razão de modificações no ambiente escolar (LENS, SIMONS e DEWITTE, 2008; PEDROSA, 2012). A motivação do aluno para aprender pode ser entendida como um fator que estimula o aluno a estudar, a dar início às suas tarefas e a perseverar nelas até cumprilas. Por outro lado, alunos desmotivados estão frequentemente distraídos, não participam ativamente das aulas, estudam e aprendem pouco e correm mais risco de repetir e de evadir da escola (BZUNECK, 2010; PEDROSA, 2012). Um resultado recorrente das pesquisas na área de psicologia educacional aponta um declínio da motivação intrínseca dos alunos ao longo da escolaridade, que envolve baixo desempenho escolar, principalmente em Ciências e Matemática, e um risco maior de repetência e descontinuidade dos estudos (OTIS, GROUZET e PELLETIER, 2005). 3. Dados No presente estudo a variável independente é repetência e as variáveis explicativas ou dependentes são os fatores de risco da repetência. Em nosso estudo a variável repetência foi construída a partir do acompanhamento dos alunos ao longo dos 5 ciclos de avaliação do estudo longitudinal. Para o propósito desse estudo, a repetência foi transformada em uma variável binária que assume valor 1 se o aluno repetiu de ano alguma vez, e 0 se nunca repetiu. O modelo estatístico utilizado é o modelo de regressão logística, que leva em consideração o fato de a variável de desfecho ser binária e a interpretação dos parâmetros estimados é dado em termos de razão de chance. A forma simplificada desse modelo é descrita pela equação abaixo: Pr( repetência) 1 ( β 0 β1x 1 β 2 X 2 β p X p ) 1+ ε =... Onde Pr(repetência) é a probabilidade de repetência, e X,..., 1, X 2 X p são as variáveis explicativas do modelo e 0, β1, β2 β p são os parâmetros desconhecidos do modelo, β,..., a serem estimados.
Ao assumirmos como definição de risco a probabilidade de ocorrência de um evento adverso, interpretaremos a regressão logística para a probabilidade de repetência como um modelo de risco de repetência, cujas variáveis explicativas incorporadas ao modelo são interpretadas como fatores de risco da repetência, ou simplesmente fatores de risco. Desta forma, um modelo de risco de repetência, no qual as variáveis Masculino e Pré-escola aparecem significativas, indica que ser menino e não ter cursado a pré-escola acarretam maior risco de repetência relativamente à ser menina e ter cursado a pré-escola. Se o modelo de regressão logística for estimado sem nenhuma variável explicativa, o resultado é simplesmente a proporção dos alunos que já repetiu de ano alguma vez. Uma vez incluído um fator de risco, por exemplo, cor, os resultados são as proporções de alunos repetentes de cada estrato de cor, sem controlar por outras variáveis. Assim, para estimar o efeito de cor na repetência escolar controlada por outros fatores, devemos incluir outras variáveis no modelo e o resultado obtido fornecerá a probabilidade de repetência para cada estrato de cor controlada pelos outros fatores. A título de esclarecimento, o coeficiente ( β p ) de um dado fator ( X p ) ao ser exponenciado representa a razão de chance, que indica como as chances da repetência se modificam quando se transita pelas diferentes categorias de um mesmo fator de risco em relação à respectiva categoria tomada como referência. Por exemplo, em nosso modelo, considerando o fator de risco cor e as diferentes categorias desse fator (branco, pardo e preto), obtivemos a razão de chance do aluno de cor preta igual a 2,402. Isto pode ser interpretado como a chance de um aluno de cor preta ser reprovado é mais que duas vezes maior do que a chance de um aluno de cor branca, tomada como categoria de referência para este fator. Tudo isso controlado pelas outras variáveis incluídas no modelo (ceteris paribus). Com base em pesquisas educacionais sobre o tema, é possível que o pesquisador queira investigar se as chances de repetência entre alunos de cor preta e alunos brancos são diferentes quando se considera os diferentes níveis socioeconômicos. Neste caso é possível incluir no modelo, além da variável cor, uma nova variável que é o resultado da interação entre duas variáveis cor e nível socioeconômico (NSE). Cabe ressaltar que ao introduzirmos interações entre os fatores de risco, a interpretação dos coeficientes é
modificada. Neste caso, como consideramos a categoria de referência para NSE o nível BAIXO, então o coeficiente de cor preta representa a diferença na chance de repetência entre alunos pretos e os alunos brancos pertencentes ao nível socioeconômico mais baixo. 4. Resultados Nesta seção apresentamos, em primeiro lugar, a análise exploratória bivariada, sobre o percentual de alunos com experiência de repetência para as diversas variáveis do aluno e da família. Em segundo lugar, apresentamos a análise da estimação dos modelos multivariados de regressão logística, com a repetência prévia como variável dependente. Análise exploratória A Tabela 1 apresenta o percentual de alunos com experiência prévia de repetência, nos anos iniciais do Ensino Fundamental nas escolas públicas e privadas participantes do estudo longitudinal. Tabela 1. Distribuição dos alunos segundo a experiência prévia de repetência. Repetência Frequência Percentual Não 9.342 86,2 Sim 1.494 13,8 Total 10.836 100,0 Do total de 10.836 alunos, 13,8%, que equivale a 1.494 alunos, tiveram alguma experiência prévia de repetência nas séries avaliadas pela pesquisa. Em relação à distribuição dos alunos por gênero segundo sua experiência prévia de repetência, esta é maior entre os meninos do que entre as meninas, em 4.9 pontos percentuais.
Quanto à cor declarada, a experiência prévia de repetência entre os alunos autodeclarados pretos é 6,6 pontos percentuais maior do que entre os alunos não-pretos; 7,6 pontos percentuais maior que entre alunos autodeclarados brancos; 8,4 pontos percentuais maior que entre alunos autodeclarados pardos; 3,6 pontos percentuais maior que entre alunos autodeclarados amarelos e 6,9% maior que a entre alunos autodeclarados índigenas. Quanto à frequência à pré-escola, a experiência prévia de repetência entre alunos que não chegaram a cursá-la é 9,9 pontos percentuais maior do que entre os alunos que a freqüentaram.. Quanto ao nível socioeconômico, a distribuição da experiência prévia de repetência entre alunos com NSE Baixo é 7,9 pontos percentuais maior que entre alunos com NSE Médio e 13,6 pontos percentuais maior que entre alunos com NSE Alto. Quanto à motivação e ao esforço empenhado para fazer as atividades para casa, a experiência prévia de repetência entre alunos que nunca se esforçam para fazer tais tarefas quando estas não valem nota é 8,5 pontos percentuais maior que a encontrada entre alunos que às vezes se esforçam e 9,3 pontos percentuais maior que as encontradas entre alunos que sempre se esforçam para fazer as tarefas, mesmo quando estas não valem pontos. Quanto à realização do dever de casa, a experiência prévia de repetência entre os alunos que sempre fazem suas tarefas de casa por obrigação é 0,9 pontos percentuais menor que entre aqueles que às vezes o fazem por obrigação e 4,6 pontos percentuais maior do que aqueles nunca fazem o dever de casa por obrigação. Quanto à frequência do comparecimento dos pais à escola, a experiência prévia de repetência entre os alunos cujos pais não foram nenhuma vez à escola (no ano letivo perguntado) é maior 0,7 pontos percentuais do que entre os alunos cujos pais foram apenas uma vez a escola e 2,8 pontos percentuais maior do que entre os alunos cujos pais foram à escola mais que duas vezes. Dentre os alunos cujos pais compareceram à escola, a experiência prévia de repetência entre aqueles que os pais compareceram para uma conversa com o professor ou coordenador é o dobro (7,1 pontos percentuais a mais) do que a encontrada entre os alunos cujos pais compareceram apenas para reunião; é 3 pontos percentuais maior do que entre os alunos que os pais compareceram para atividades comunitárias e 2,5 pontos
percentuais maior do que entre os alunos cujos pais compareceram à unidade escolar por outros motivos. Resultado do modelo de risco de repetência A seguir, apresentamos os resultados da estimação do modelo de risco de repetência para os alunos participantes do estudo longitudinal. As variáveis selecionadas dizem respeito às características demográficas do aluno, de seus hábitos de estudo e motivação. Além disso, as características socioeconômicas e relação família-escola também foram consideradas. Como dito anteriormente, os resultados da estimação do modelo de risco são expressos em termos de razão de chance entre uma determinada categoria do fator de risco e sua categoria de referência. Um resultado estatisticamente significativo da razão de chance quer dizer que há diferença de risco de repetência entre a categoria que está sendo investigada para este fator de risco e sua categoria de referencia, controlando-se pelos outros fatores de risco presentes no modelo. Na Tabela 2, em anexo, são apresentadas as variáveis utilizadas no modelo de risco de repetência, cujos resultados discutiremos a seguir: a) gênero: em conformidade com literatura, nosso modelo mostra que a chance de repetência dos alunos do gênero masculino é maior do que a chance de repetência dos alunos do gênero feminino. Para os alunos que participaram das cinco avaliações do estudo longitudinal, essa chance é aproximadamente 55% maior. b) cor (há interação com o NSE): os alunos pretos e pardos aparecem com maiores chances de repetir do que alunos brancos. O resultado se inverte quando consideramos a parcela da razão de chance associada à interação entre a cor e NSE. Observa-se que a chance de repetência dos pretos e pardos passa a ser menor do que a chance de repetência dos brancos, quando comparamos alunos de alto NSE com alunos de baixo NSE. O mesmo acontece quando comparamos alunos de médio NSE com alunos de baixo NSE. Este resultado difere do de outras pesquisas realizados com dados do
SAEB, cuja amostra é representativa do país e inclui alunos com níveis mais altos de escolaridade. c) motivação intrínseca: a variável relativa à motivação, selecionada do questionário do aluno, é a seguinte: Eu me esforço bastante nos trabalhos de casa, mesmo sabendo que não vão valer como nota. Os alunos que responderam SIM, SEMPRE ou SIM, ÀS VEZES para esta pergunta apresentam menor chance de repetir quando comparados aos alunos que responderam NÃO, NUNCA. Cabe ressaltar que quase não há diferença entre os que se esforçam sempre ou às vezes. A diferença existe entre os que não se esforçam e os que se esforçam, independente do esforço ser sempre ou às vezes. d) dever de casa: alunos que afirmaram Eu faço o dever de casa por obrigação sempre ou às vezes têm maiores chances de repetir do que alunos que nunca fazem o dever de casa por obrigação. O que equivale dizer que dever de casa funciona como fator de proteção para a repetência quando é feito espontaneamente pelo aluno; caso contrário funciona como fator de risco. Os resultados mostram que o risco é maior quando o dever é feito por obrigação às vezes. Ou seja, fazer dever de casa sempre, mesmo que seja por obrigação, diminui o risco de repetência. e) pré-escola: alunos que afirmaram ter cursado a pré-escola ou a educação infantil antes do 1º ano do Ensino Fundamental têm quase 47% menos chances de repetir do que alunos que não cursaram. f) relação família-escola: esta variável foi selecionada do questionário dos pais e refere-se ao motivo que faz com que os pais compareçam à escola após iniciado o ano letivo. As possibilidades de respostas foram reagrupadas para os seguintes motivos: Reunião de pais e mestres, conversa com o professor ou coordenador e outros (por exemplo: atividades para a comunidade). A presença dos pais na escola a fim de participar de reunião funciona como fator de proteção contra a repetência e os valores estimados apontam que a razão de chance dos alunos cujos pais frequentam as reuniões é quase 30% menor de repetir do que alunos cujos pais não o fazem. Por outro lado, o
comparecimento dos pais para conversas individuais com professores ou coordenadores aparece como fator de risco. Ou seja, alunos cujos pais são chamados para esse tipo de conversa têm maiores chances de repetir do que alunos cujos pais não são chamados. 5. Conclusões Apesar da queda na taxa de repetência na Educação Básica registrada na década de 1990, o Brasil ainda apresenta a maior taxa de repetência entre os países latinoamericanos. Há consenso nas pesquisas, e recorrência dos seus resultados no tempo, sobre as consequências negativas para os alunos que decorrem da experiência de repetência, tais como a perda da autoestima e da convivência com seus pares, além de uma menor aprendizagem. Ou seja, a repetência é tida como uma medida ineficaz de recuperação das aprendizagens de alunos reprovados. De modo a contribuir com o conhecimento sobre este indicador, implementamos um modelo de regressão logística que incorpora variáveis do aluno e do seu contexto familiar para investigar o efeito de algumas características do aluno e de suas famílias sobre a repetência nos anos iniciais do Ensino Fundamental, um segmento ainda pouco estudado por meio de avaliações educacionais em larga escala. Há dois tipos de resultados que merecem destaque. O estudo aponta que a distribuição da repetência apresenta diferenças segundo a motivação do aluno e confirma as diferenças encontradas pela literatura por gênero, cor e nível socioeconômico dos alunos. Entre os fatores mais relevantes de proteção contra a repetência, contam-se a frequência do aluno à Educação Infantil e a participação das famílias nas reuniões da escola. Estes resultados mostram a importância das recentes políticas de ampliação da oferta de vagas na Educação Infantil e chamam a atenção das redes de ensino e das unidades escolares sobre a importância da implementação de estratégias de estreitamento da relação família-escola.
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Anexos Tabela 2: Variáveis utilizadas na análise Variáveis do Aluno Gênero (0 = Feminino) Masculino Cor (0 = Branco) Pardo Preto Motivação intrínseca (0 = Não) Às vezes Sempre Dever de casa por obrigação ( 0 = Nunca) Às vezes Sempre Cursou a pré_escola ( 0 = Não) Ida dos Pais à escola REUNIÃO (0 = Não) Ida dos Pais à escola CONVERSA (0 = Não) Cor x NSE Quadro 1: Modelo de risco de repetência para alunos do Ensino Fundamental das escolas participantes do estudo longitudinal. Modelo de Risco de Repetência _ Estudo Longitudinal Gênero (0 = Feminino) Masculino 1,547 Cor (0 = Branco) Pardo Preto 1,396 2,402 Motivação intrínseca (0 = Nunca) Às vezes Sempre 0,501 0,509 Dever de casa ( 0 = Nunca) Às vezes Sempre 1,777 1,429 Cursou a pré_escola ( 0 = Não) 0,532 Ida dos Pais à escola REUNIÃO (0 = Não) 0,702 Sim Ida dos Pais à escola CONVERSA (0 = Não) Sim 1,270 Pardo x NSE médio 0,641 Pardo x NSE alto 0,327 Negro x NSE médio 0,505 Negro x NSE alto 0,390 Constante 0,199