Iniciativa Latitude. Modelos de comparticipação do medicamento de ambulatório. Recomendações

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Transcrição:

Iniciativa Latitude Modelos de comparticipação do medicamento de ambulatório Recomendações No âmbito da política do medicamento, o modelo de comparticipação do medicamento de ambulatório constitui um dos mecanismos com mais impacto no acesso ao medicamento. Este modelo determina a medida em que o medicamento de ambulatório é suportado pelo Estado, qual o encargo para os cidadãos que o utilizam, e em que condições esse encargo pode ser reduzido ou limitado. A reflexão sobre modelos de comparticipação constitui por isso um tema incontornável no debate e recomendações a que a Iniciativa Latitude se propõe, contribuindo para construção de um futuro modelo de acesso à inovação na área do medicamento. Na base desta reflexão colocam-se as seguintes questões: Em que medida o actual modelo de comparticipação e co-pagamento assegura o acesso dos cidadãos ao medicamento? Que factores devem ser considerados para desenhar um modelo simultaneamente equitativo do ponto de vista social e eficiente para o sistema de saúde? O modelo protege os cidadãos em condições desfavoráveis? Que mecanismos devem suportar a protecção de grupos vulneráveis? Que critérios devem estar subjacentes a um modelo de comparticipação a aplicar em Portugal e quais as dimensões a contemplar (i.e. produto, doença, indivíduo)? Este documento apresenta a visão do grupo Latitude sobre o actual modelo de comparticipação do medicamento em ambulatório em Portugal e as suas recomendações no âmbito das dimensões em apreço. Outubro de 2014 1

Princípios para o modelo de comparticipação do medicamento de ambulatório em Portugal Assumem-se dois princípios que o modelo deve privilegiar: 1. O acesso equitativo dos cidadãos ao medicamento, garantindo que nenhum doente em Portugal ficará privado do medicamento de que necessita. 2. A sustentabilidade do SNS, na definição dos montantes a cargo do Estado. Referências europeias Apresentam-se os aspectos chave dos diferentes modelos de comparticipação do medicamento em ambulatório na Europa, relevantes no âmbito da discussão do modelo português: 1. Elegibilidade para a comparticipação os racionais base dos modelos de reembolso do medicamento na Europa consideram normalmente a conjugação de critérios de elegibilidade (i) do medicamento (ii) da patologia (iii) da população ou grupos da população, como por exemplo idosos e crianças, e (iv) do consumo, determinando o reembolso a partir de um limiar de gastos. 2. Tipos de co-pagamentos - entre os tipos de co-pagamento, do medicamento de ambulatório, mais comuns na Europa estão os co-pagamentos fixos (por medicamento, por exemplo) e os co-pagamentos variáveis (percentagem do custo do medicamento que fica a cargo do cidadão), ou a conjugação de ambos. Adicionalmente, alguns modelos prevêem também o reembolso pelo Estado a posteriori de parte das despesas. 3. Mecanismos de protecção de grupos vulneráveis estes mecanismos visam a redução dos co-pagamentos a cargo dos cidadãos, e baseiam-se em critérios como a idade, o nível de rendimentos, a doença do indivíduo, ou a deficiência. Outubro de 2014 2

O modelo actual em Portugal Num inquérito 1 de opinião aos portugueses acerca do medicamento, recentemente realizado pela Iniciativa Latitude, foram identificadas as preferências da amostra relativamente a um aumento de nível de comparticipação através de 4 possíveis mecanismos. Questão: Se pudesse, o que mudava no actual sistema de comparticipação dos medicamentos? Os resultados do estudo revelam uma preocupação dos portugueses em direccionar o aumento dos esforços de comparticipação para apoiar os cidadãos para quem os encargos com medicamentos são mais consideráveis, para os que apresentam rendimentos mais baixos ou ainda para os que apresentam doença mais grave, assumindo-se que possam existir interligações. Genericamente, o modelo português assenta numa elegibilidade pelo medicamento, num regime de escalões que definem a percentagem de comparticipação do medicamento pelo Estado, em função dos grupos fármacoterapêuticos em que o medicamento se insere. Neste modelo, o critério base para a atribuição do escalão de comparticipação ao medicamento prende-se com a essencialidade do medicamento. Os utentes do SNS estão transversalmente abrangidos por este Regime Geral. Adicionalmente, o Regime Especial incrementa as taxas de comparticipação nos 1 Estudo on-line sobre o medicamento, Iniciativa Latitude, Dezembro de 2013. 556 respostas Outubro de 2014 3

diferentes escalões para os cidadãos (i) pensionistas de baixos rendimentos e/ou (ii) portadores de patologias específicas, determinadas por lei. Efectivamente, o actual modelo de comparticipação em Portugal considera já, à semelhança de outros países Europeus, as variáveis beneficiários, rendimentos e patologia na determinação dos regimes de protecção especial e consequentes copagamentos a cargo do cidadão. À coluna vertebral do modelo (regime geral; comparticipação com base no medicamento; escalonamento pela essencialidade) têm sido acrescidas componentes adicionais, nomeadamente de novos grupos especiais. Na definição de grupos especiais, o modelo é, no entanto, omisso no que respeita à gravidade da patologia em cada indivíduo, o que poderá potenciar distorções na definição da comparticipação. A mesma patologia pode apresentar uma severidade num indivíduo que lhe exige um consumo elevado de medicamentos e de outros recursos, enquanto noutro a doença assume um grau ligeiro e um respectivo consumo de fármacos/outros recursos reduzido. Relativamente a estes casos, coloca-se em causa a razoabilidade da aplicação do mesmo nível de comparticipação. Por outro lado, a legislação relativa às patologias com comparticipação a 100%, presente em despachos independentes, não parece seguir critérios perceptíveis e equitativos. Em suma, o modelo contempla as variáveis críticas e revela uma coluna vertebral robusta, mas a sua aplicação, fruto de actualizações legislativas sucessivas e independentes, poderá ser merecedora de um processo de revisão. Recomendações para um novo modelo de comparticipação Identificam-se três recomendações de revisão do modelo actual de comparticipações, que permitiriam incrementar a equidade no acesso, e que se apresentam nas páginas seguintes. Estas recomendações seriam integradas de forma complementar e ajustadas no desenho de um novo modelo de comparticipação. Outubro de 2014 4

Recomendação 1 Rever/validar as classificações fármaco-terapêuticas por escalão Reconhece-se a oportunidade de revisão/validação das classificações terapêuticas para efeitos de escalões de comparticipação, de forma a garantir que a matriz reflecte a prática clínica no que respeita à essencialidade do medicamento. Efectivamente, considerando-se a respectiva data de criação (ainda que com revisões), a evolução das terapêuticas e da própria prática clínica, a classificação actual parece merecer um processo de revisão mais aprofundado. Recomendação 2 Rever os critérios subjacentes à comparticipação das patologias nos regimes especiais, para efeitos de comparticipação do medicamento De forma a tornar transparente o modelo, identifica-se a necessidade de definição de critérios claros e equilibrados quer na afectação das patologias ao regime especial, quer na harmonização de modelo(s) entre patologias, visando a equidade. Esta revisão dos critérios subjacentes tornaria mais evidentes os racionais que levam à majoração e à excepcionalidade atribuídas a cada patologia, e a respectiva coerência. Neste contexto, deve ficar evidente a relação entre estes critérios e a prática clínica actual. Na situação actual, algumas patologias listadas em regime especial garantem o acesso a uma comparticipação total da medicação, qualquer que seja o medicamento (podendo mesmo incluir OTCs). Noutros casos, é garantido o acesso sem co-pagamento a uma lista definida de medicamentos, frequentemente dispensados em regime ambulatório hospitalar. Entre estes extremos existem especificidades intermédias consoante a patologia em questão. Recomenda-se ainda a abordagem de lista positiva como base destes regimes. Recomendação 3 Incluir a gravidade da patologia no indivíduo como critério para a determinação da comparticipação Os diferentes graus de gravidade das patologias têm impacto directo nas terapêuticas necessárias a cada indivíduo. A diferenciação do grau de gravidade da patologia poderia ser um factor indutor na equidade do acesso ao Outubro de 2014 5

medicamento, tratando igualmente o que é igual e distinguindo o que é diferente (à semelhança de critérios descritos em normativos como guidelines, NOCs e protocolos). Considera-se assim que um nível definido de gravidade poderia gerar o acesso ao regime especial associado à patologia, ou a níveis diferentes desse regime. Recomenda-se que esta proposta de abordagem se dirija a patologias onde seja possível identificar uma evolução previsível, permitindo que a comparticipação acompanhe o desenvolvimento da doença no indivíduo e o consequente aumento das terapêuticas necessárias ao seu tratamento. Assim, os níveis menos graves da patologia ficariam associados à comparticipação standard do medicamento (regime geral), enquanto que os indivíduos diagnosticados com níveis mais graves da doença beneficiariam de uma comparticipação mais elevada, eventualmente definida por patamares. Esta diferenciação cumpriria o objectivo de apoiar os cidadãos com maior carga de doença, à semelhança das práticas de protecção de grupos vulneráveis seguidas por outros países europeus. A classificação da gravidade deveria considerar o contexto holístico do doente, incluindo as suas comorbilidades. Em termos de implementação, uma metodologia a considerar poderia ser semelhante à da utilização das escalas internacionais de dano (seguradoras), pela fixação de escalões com critérios consensualizados pela prática clínica. Neste contexto, identifica-se a possibilidade da avaliação clínica ser validada por uma segunda opinião clínica, garantindo uma maior uniformidade na aplicação dos critérios. Como referido, a determinação do nível de gravidade poderia suportar-se no processo definido pelas seguradoras no que respeita à identificação do nível de incapacidade do segurado após um acidente. Ainda que existindo diferenças nos diversos ramos de seguro, genericamente os procedimentos determinam que exista uma avaliação clínica do segurado, que sejam identificados os danos causados no indivíduo na sequência do acidente e que se enquadre a incapacidade daí decorrente na respectiva tabela de incapacidades. Um processo semelhante poderia ser desenvolvido para determinação da gravidade da patologia, avaliando clinicamente o doente no sentido de identificar as suas debilidades resultantes do facto de ser portador da patologia em causa. A operacionalização desta medida poderia passar, em primeira mão, pela identificação da patologia através do código de diagnóstico (que incluísse à Outubro de 2014 6

partida a variável gravidade), eventualmente através do sistema de prescrição médica electrónica. Identifica-se ainda a necessidade da definição transparente dos critérios específicos de diferenciação dos níveis de gravidade da patologia evitando-se, desta forma, a introdução de alguma iniquidade. Adicionalmente, considera-se que, quanto mais simples o modelo definido, maior a equidade esperada na implementação. Em suma, recomenda-se a revisão da comparticipação do medicamento de ambulatório, mantendo-se a universalidade do acesso a todos os utentes do SNS e a estrutura base do modelo de elegibilidade e distribuição por escalão baseada no medicamento (e respectiva classe terapêutica), introduzindo as seguintes alterações e actualizações: 1. Revisão/validação das classes fármaco-terapêuticas por escalão 2. Uniformização dos critérios subjacentes à comparticipação das patologias nos regimes especiais 3. Inclusão da gravidade da patologia como critério para a determinação do regime de comparticipação. O acesso ao Regime Geral e aos Regimes Especiais proposto pode representar-se na seguinte configuração: Regime Especial - Patologia Patologia especial? Sim Gravidade elevada? Sim Medicamento em lista positiva? Sim Isenção 100% Não Não Não Regime Geral /Especial Outubro de 2014 7

Outras recomendações no âmbito do acesso ao medicamento Identificam-se ainda outras recomendações relevantes no âmbito do acesso ao medicamento e da sua utilização racional: Recomendação 4 Desenvolver mecanismos de protecção aos cidadãos vulneráveis sob a perspectiva económica Equacionando o acesso equitativo ao medicamento, identifica-se ainda outras necessidades de protecção dos grupos vulneráveis, nomeadamente os cidadãos com baixos rendimentos. Neste âmbito, no modelo actual estão excluídos do regime especial os cidadãos que, apesar de auferirem baixos rendimentos, não sejam pensionistas. De relevar que a falta de protecção social desta população agudiza as situações de incumprimento da terapêutica, o que se reflecte em maiores gastos em saúde com piores resultados. Considera-se por isso pertinente pensar em formas de colmatar esta questão, criando mecanismos de protecção social, considerando que: - estas medidas, essencialmente de cariz social, devem ser enquadradas nesse mesmo âmbito de acção social, e não como responsabilidade da área da saúde, cujo papel deve ser neutro em matéria social e cujo objecto se enquadra na defesa da saúde da população; - deve ser o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, a definir e implementar estes mecanismos, por possuir capacidade para avaliar as condições económicas dos cidadãos; - a avaliação do impacto financeiro deve ser obrigatória antes de qualquer decisão, nomeadamente considerando-se o princípio base referido da sustentabilidade do sistema. Este ponto vem reforçar a necessidade de maior articulação entre as áreas da saúde e da segurança social, indissociáveis quando se discute em saúde a protecção de grupos vulneráveis, tendo em vista que nenhum cidadão deve ficar sem acesso ao medicamento de que necessita em virtude do seu nível de rendimentos. Outubro de 2014 8

Recomendação 5 Criar políticas para incrementar a literacia e a responsabilização do cidadão O cidadão desempenha um papel fundamental na manutenção do seu nível de saúde, mas também na gestão eficiente dos recursos do sistema. Os ganhos em saúde resultam também das acções do próprio cidadão, que deve ser encarado como parceiro do sistema e não apenas como utilizador. O cidadão deve ser educado na valorização do acesso à Saúde recebido da solidariedade colectiva e no respeito pela utilização dos serviços dentro das suas necessidades responsabilidade pessoal por sensibilização. É por isso essencial que sejam criados mecanismos para aumentar a literacia e a responsabilização de todos os que usufruem do sistema de saúde. Esta capacitação é relevante na adesão a estilos de vida saudáveis; no compromisso com hábitos de prevenção; mas também, por exemplo, na adequada utilização do medicamento, nomeadamente em termos de adesão. Os efeitos da má utilização do medicamento impactam não apenas os resultados clínicos em saúde, como também no desperdício de recursos do sistema. Neste contexto, torna-se crítico integrar o objectivo de literacia nas prioridades da política da saúde o que permitirá capacitar o sistema de saúde com actividades em conformidade. Tema adicional debatido no âmbito da comparticipação do medicamento em ambulatório Co-pagamentos determinados pelo nível de rendimentos e de consumo de medicamentos Equacionou-se ainda a implementação de um modelo diferente de comparticipação, baseado na fixação de co-pagamentos em função do nível de consumo de medicamentos. Neste modelo, a comparticipação dos medicamentos pelo Estado manter-se-ia numa base variável por escalões com base na essencialidade do medicamento, mas ocorreria apenas depois de o cidadão ultrapassar um limite anual de despesa. Este limite poderia ser único ou escalonado de acordo com o nível de Outubro de 2014 9

rendimentos. Após o valor suportado pelo cidadão ultrapassar esse limite anual, aplicar-se-ia o regime de comparticipação do medicamento de ambulatório. Este modelo é utilizado nos países nórdicos, por exemplo, e pretende concentrar a comparticipação do Estado no apoio aos cidadãos que têm encargos significativos com medicamentos em virtude da sua doença. É verdade que as diferenças de enquadramento social, cultural e dos sistemas não permitem transposições diretas para realidades distintas e, uma reflexão sobre o sistema levou o grupo a concluir que este tipo de mecanismos deve ser pensado de uma forma global, combatendo as diferenças sociais não na saúde mas implementando um regime fiscal que seja efectivamente redistributivo dos rendimentos. Essa é uma missão que deverá ser cumprida pela área das Finanças no que respeita à política fiscal. Adicionalmente, haveria que garantir, à partida, que os encargos dos cidadãos com a Saúde não iriam crescer. Efectivamente, Portugal está já entre os países em que a proporção das despesas dos cidadãos com a Saúde é das mais elevadas na Europa. A Saúde deve centrar-se nas suas competências e funções, nomeadamente no que respeita aos doentes, às patologias e aos medicamentos. Deve por isso desenvolver a sua política em articulação com as outras estruturas do Estado, mas não substituir outras funções do Estado, quer na acção social (recomendação 4), quer na política de redistribuição de rendimentos. A Saúde em Portugal deve assumir um papel cada vez mais central na definição das políticas públicas, decorrente do seu papel basilar na economia/criação de riqueza: através da manutenção de indivíduos saudáveis, mais produtivos, e consequentemente com maior capacidade de geração de rendimento e menores níveis de dependência do Estado. Estas recomendações foram discutidas no subgrupo temático constituído por: Carlos Maurício Barbosa (Coordenador), António Faria Vaz, Carlos Ferreira, Luis Drummond Borges, Maria de Belém Roseira, Mário Morais de Almeida, Óscar Gaspar, Rui Ivo e Nídia Afonso e as propostas finais debatidas na sessão plenária da Iniciativa Latitude de 14 de Outubro de 2014. Outubro de 2014 10

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