2º aula presencial Tema: Estética Problema Filosófico?: O que é a beleza? Será possível defini-la objetivamente? Ou será uma noção eminentemente subjetiva.isto é, que depende de cada um? Estética: introdução conceitual Prof. Antonio Sanches (IMAGEM: GOOGLE OBRA DE ROCHELLE COSTI) A obra de Rochelle Costi nos chama a atenção pelo colorido intenso, pela simetria e pelo tamanho. Mesmo sem olhar o titulo, vêm-nos à lembrança toalhas de mesa usadas em casa. Ao observar com mais atenção, entretanto, percebemos que foram fotografadas frutas em decomposição para "imitar" as padronagens de estamparias comuns nessas toalhas. E a mesma imagem que nos atraiu, nos repele. Afinal, alimentos podres causam sempre um impacto negativo, sobretudo se relacionados ao ritual de refeições. O que teria movido a artista a tratar dessa temática? Vamos seguir o seu caminho para chegar a uma interpretação da obra. Apesar da formação universitária em Publicidade, Rochelle Costi é uma artista autodidata, com grande liberdade para usar suportes e técnicas alternativas: a artista compõe o que vai ser fotografado, podemos dizer que cria um cenário; usa o recurso do rebatimento, ou seja, a reprodução da foto em espelho para criar a simetria, tanto esquerda/ direita, como também alto/baixo; emprega o recurso da plotagem para obter cópias muito ampliadas em suportes brilhantes. O trabalho Toalhas faz parte de uma série: são cinco obras inspiradas nas toalhas de mesa populares, de linóleo ou plástico, estampadas com imagens de frutas e vegetais brilhantes. Pagina: 1
Em vez de se apropriar de imagens já prontas, como faz em outras séries, nesse caso Rochelle utiliza flores mortas, verduras mofadas, pés de galinha e cinzeiros sujos para montar as composições. A aparência decorativa de todas essas estampas é negada pelo material empregado na composição. É uma contradição que leva o espectador a refletir: o que é belo? O meio utilizado por Rochelle Costi é a fotografia, que ela encara como um "gesto de colecionar": escolhe a imagem a ser retida e a fixa por meio da foto, passando a possuir o que é representado pela imagem. O fotógrafo, para ela, é um colecionador. A multiplicidade de imagens em torno de um tema - a série - é uma decorrência da ideia de coleção, um método e um meio de trabalho para essa artista. A série Toalhas propõe algumas questões: a volta ao cotidiano, à vida comum, aos rituais domésticos e familiares. A mesa é escolhida como local privilegiado, lugar da refeição e também do encontro, por significar sustento físico, espiritual e afetivo. A artista também dialoga com a história da arte, na medida em que trabalha com o gênero natureza-morta, levando-o, entretanto, a suas últimas consequências ao usar, em suas composições, elementos naturais em processo de decomposição. Com esses dados sobre Rochelle Costi, podemos nos perguntar: o que acontece com nosso cotidiano, com os rituais domésticos e familiares, os encontros afetivos no mundo contemporâneo? Estão também em processo de decomposição? O sentimento de aversão diante da imagem também é causado por esse entendimento da obra? Em que sentido se pode dizer que a obra Toalhas-Frutas podres é bela? Conceito e história do termo estética Embora a arte faça parte do mundo humano desde a Pré-história e tenha ocupado lugar de grande importância em todas as civilizações, a palavra estética foi introduzida no vocabulário filosófico em 1750 pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten. Referia-se à cognição por meio dos sentidos, ou seja, o conhecimento sensível. Mais tarde, passou a usar o termo com referência à percepção da beleza, especialmente na arte. Para Baumgarten, a estética tem exigências próprias em termos de verdade, pois alia a sensação e o sentimento à racionalidade. A estética, para ele, completa a lógica e deve dirigir a faculdade do conhecer pela sensibilidade. Define a beleza estética como "a perfeição - à medida que é observável como fenômeno do que é chamado, em sentido amplo, gosto - é a beleza". Kant daria continuidade a esse uso, utilizando a palavra "estética'' para designar os julgamentos de beleza, tanto na arte quanto na natureza. Mais tarde, no século XX, a constatação da existência de muitos valores estéticos além da beleza levou o objeto da estética a deixar de ser "a produção voluntária do belo''. Mais recentemente, o conceito foi ampliado para se referir, além de aos julgamentos e às avaliações, também às qualidades de um objeto, às atitudes do sujeito para considerar o objeto e, principalmente, à experiência prazerosa que o indivíduo pode ter diante de uma obra de arte. Mais importante do que tudo, o estético passou a denominar outros valores artísticos, que não só a beleza no sentido tradicional. Por isso, sob o nome estética enquadramos um ramo da filosofia que estuda racionalmente os valores propostos pelas obras de arte e o sentimento que suscita nos seres humanos. Ao estudar a história das artes, entretanto, encontramos expressões como: estética renascentista, estética realista, estética socialista etc. Nesses casos, a palavra "estética'', usada como substantivo, designa um conjunto de características formais que a arte assume em determinado período, que corresponde ao que chamamos estilo. Esse é um significado restrito do termo estética. Pagina: 2
O belo e o feio: a questão do gosto A beleza De Platão ao classicismo, os filósofos tentaram fundamentar a objetividade da arte e da beleza. Para Platão, a beleza é a única ideia que resplandece no mundo. Se, por um lado, ele reconhece o caráter sensível do belo, por outro, continua a afirmar sua essência ideal, objetiva. Segundo o pensamento platônico, somos obrigados a admitir a existência do "belo em si" independentemente das obras individuais que, na medida do possível, devem se aproximar desse ideal universal. O classicismo vai ainda mais longe, pois deduz regras para o fazer artístico a partir do belo ideal, fundando a estética normativa. É o objeto que passa a ter qualidades que o tornam mais ou menos agradável, independentemente do sujeito que as percebe. Nos séculos XVII e XVIII, do outro lado da polêmica, os filósofos empiristas Locke e Hume relativizam a beleza, uma vez que ela não é uma qualidade das coisas, mas só o sentimento na mente de quem as contempla. Por isso, o julgamento de beleza depende tão somente da presença ou ausência de prazer em nossas mentes. Todos os julgamentos de beleza, portanto, são verdadeiros, e todos os gostos são igualmente válidos. Aquilo que depende do gosto e da opinião pessoal não pode ser discutido racionalmente, donde o ditado: "Gosto não se discute". O belo, portanto, não está mais no objeto, mas nas condições de recepção do sujeito. Voltaremos ao tema no capítulo "Concepções estéticas", nesta Unidade. No século seguinte, Kant, na tentativa de superar a dualidade objetividade-subjetividade, debruça-se sobre os julgamentos estéticos, ou de beleza, e não sobre a experiência estética. Afirma que o belo é "aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justificá-lo intelectualmente". Para ele, o objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito, e não o conceito do objeto. Entretanto, esse sentimento é despertado pela presença do objeto. Embora seja um sentimento, portanto, subjetivo, individual, há a possibilidade de universalização desse juízo, pois as condições subjetivas da faculdade de julgar são as mesmas em cada ser humano. Belo, portanto, é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir um certo estado da nossa subjetividade. Sendo assim, não há uma ideia de belo nem pode haver regras para produzi-lo. Há objetos belos, modelos exemplares e inimitáveis. Hegel, em seguida, introduz o conceito de história ao estudo do belo, e, a partir do século XIX, a beleza muda de face e de aspecto através dos tempos. Essa mudança (devir), que se reflete na arte, depende mais da cultura e da visão de mundo vigentes do que de uma exigência interna do belo. Hoje em dia, de uma perspectiva fenomenológica, consideramos o belo como uma qualidade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Beleza é, também, a imanência total de um sentido ao sensível. O objeto é belo porque realiza sua.finalidade, é autêntico, verdadeiramente segundo seu modo de ser, isto é, por ser um objeto singular, sensível, carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não existe mais a ideia de um único valor estético baseado no qual julgamos todas as obras. Cada objeto singular estabelece seu próprio tipo de beleza. o feio Pagina: 3
A questão do feio está implícita na problemática do belo. Por princípio, o feio não pode ser objeto da arte. No entanto, podemos distinguir, de imediato, dois modos de representação do feio: a representação do assunto "feio'', como na obra de Rochelle Costi; e a forma de representação feia. No primeiro caso, embora o assunto "feio'' tenha sido banido do território artístico durante séculos (pelo menos desde a Antiguidade grega até a época medieval), no século XIX ele vem a ser reabilitado. No momento em que a arte rompe com a ideia de ser cópia do real para ser considerada criação autônoma que tem a função de revelar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de acordo com a autenticidade da sua proposta e sua capacidade de falar ao sentimento 'Arte como forma de pensamento''. No segundo caso, trata-se de percebermos que o problema do belo e do feio foi deslocado do assunto para o modo de representação. Só haverá obras feias na medida em que forem malfeitas, isto é, que não correspondam plenamente a sua proposta. Em outras palavras, se houver uma obra feia- neste último sentido -, não haverá obra de arte. Gosto e subjetividade O conceito de gosto não deve ser encarado como uma preferência arbitrária e imperiosa da nossa subjetividade. Quando o gosto é entendido dessa forma, ele refere-se mais a si mesmo do que ao mundo dentro do qual ele se forma, e esse tipo de julgamento estético decide o que prefiro em virtude do que sou. Passo a ser a medida absoluta de tudo (aquilo de que eu gosto é bom e aquilo de que eu não gosto é ruim), e essa atitude só pode levar ao dogmatismo e ao preconceito. A subjetividade em relação ao objeto estético precisa estar mais interessada em conhecer, entregando- se às particularidades de cada objeto, do que em preferir. Nesse sentido, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. É a própria presença da obra de arte que forma o gosto: torna-nos disponíveis, supera as particularidades da subjetividade, converte o particular em universal. A obra de arte convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura para o objeto, e o conteúdo particular a se pôr a serviço da compreensão em lugar de ofuscá-la fazendo prevalecer as suas inclinações. À medida que o sujeito exerce a aptidão de se abrir, desenvolve a aptidão de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra. Gosto é, finalmente, comunicação com a obra para além de todo saber e de toda técnica. O poder de fazer justiça ao objeto estético é a via da universalidade do julgamento do gosto. 2 DUFRENNE, Mikel. Phénoménologie de l'expérience esthétique. v. II. Paris: PUF, 1967. p. 100. (Tradução nossa) A atitude estética Apreciar as qualidades estéticas de uma obra de arte é bem diferente de notar suas propriedades físicas: tamanho, peso, material de que é feito. Seu valor econômico, de troca, também não entra em consideração na apreciação estética. Costuma-se dizer que a experiência estética, ou a experiência do belo, é gratuita, é desinteressada, ou seja, não visa a um interesse prático imediato. Só nesse sentido podemos entender a gratuidade dessa experiência; jamais como inutilidade, uma vez que ela responde a uma necessidade humana e social. Pagina: 4
Ressalte-se que a experiência estética: não visa ao conhecimento lógico, medido em termos de verdade; não tem como alvo a ação imediata; e não pode ser julgada em termos de utilidade para determinado fim. Algumas vezes essa atitude desinteressada é chamada de contemplativa. Não nos enganemos, entretanto, com o significado dessa palavra. A contemplação não se opõe à ação: ao contrário, ela é também uma ação, pois é percepção ativa, que envolve a antecipação e a reconstrução. É o que se verifica na experiência musical; nas artes visuais (sobretudo em seus aspectos formais, como a relação da figura com o fundo, formas, cores e tonalidades, diferentes planos etc.); na literatura (na estrutura narrativa). Por exemplo, nosso interesse pelo brade Rochelle Costi, que abriu este capítulo, não é guiado pelo fato de estarmos com fome e desejarmos comer as frutas; nem por uma eventual necessidade de comprar uma toalha de mesa. O interesse é pelo uso inusitado de frutas podres na composição da cena e que resulta em uma padronagem altamente decorativa; pela escolha do tema "toalhas de mesa", sim, separado de sua utilidade prática e ligado ao fato de ser incomum em arte e de acrescentar significados à obra. O interesse se volta, ainda, para a composição, para o material brilhante sobre o qual foi impressa a imagem e para o seu tamanho. Todos esses aspectos formais da obra de arte contribuem para que possamos fazer uma leitura de seus significados. A recepção estética A experiência estética é a experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe. Nenhum argumento racional ou conjunto de regras poderá nos convencer de que um objeto é belo se não pudermos percebê-lo por nós mesmos, se não estivermos frente a frente com ele. A obra de arte, como já dissemos, pede uma recepção justa, que se abra para ela e ao mesmo tempo não lhe imponha normas externas. Essa recepção tem por finalidade o desvelamento do objeto, por meio de um sentimento que o acolhe e que lhe é solidário. A obra de arte espera que aquele que a aprecia "jogue o seu jogo", isto é, entre no seu mundo, de acordo com as regras ditadas pela própria obra para que seus múltiplos sentidos possam aparecer. O espectador, ao acolhê-la, atualiza as possibilidades de significado da arte e testemunha o surgimento de algumas significações contidas na obra. Outros a verão, e outros significados surgirão. Todos igualmente verdadeiros. A compreensão pelos sentidos Agora fica mais fácil entender a definição de estética como "compreensão pelos sentidos" e "percepção totalizante". A arte desafia o nosso intelecto tanto quanto as nossas capacidades perceptivas e emocionais. Quando nos expomos a uma obra de arte - seja ela erudita ou popularde peito aberto, sem preconceitos e sem impor limites à experiência, todo o nosso ser, tudo o que somos, pensamos e sentimos, se faz presente e contribui para o surgimento de um sentido no sensível. Ao mesmo tempo, cada experiência estética educa o nosso gosto, torna a nossa sensibilidade mais aguda, nos enriquece emocional e intelectualmente, por meio do prazer e da compreensão que nos proporciona. Pagina: 5
( A NOITE ESTRELADA VAN GOGH IMAGEM: GOOGLE) Van Gogh, o valor das cores Van Gogh usou pinceladas curtas, com tinta grossa e cores contrastantes. O artista se inspirou na paisagem que via da janela de seu quarto em um sanatório no sul da França, mas pintou a cena de memória, acrescentando lembranças de sua juventude e infância (como a torre da igreja). O céu, que toma dois terços da tela, quase parece um mar revolto, como se as estrelas estivessem em movimento incessante. O movimento é dado pelas pinceladas que formam linhas curvas e pelas cores justapostas. Essa movimentação contrasta com a aparente calma do vilarejo. O cipreste, característico dessa região da França batida pelos ventos, estabelece uma ligação entre céu e terra. Formalmente, é o contraponto vertical a uma paisagem basicamente horizontal. Van Gogh compreendia o valor emocional das cores que dão um "estilo grandioso para as coisas". Usava as cores pelo seu valor expressivo, não se preocupando com o realismo, e menos ainda com a ideia de criar uma ilusão de realidade, da cena. O pintor holandês Van Gogh foi um dos principais artistas a ter suas obras expostas na Segunda Exposição Pós- Impressionista da Galeria Grafton, em 1912, em Londres, organizada por Roger Fry. Como você interpreta essa obra de arte? Que tipo de sentimento ela desperta em você? **(Conteúdo extraído do livro didático: Filosofando Introdução à Filosofia, São Paulo; Moderna, 2009. Pg.400-405 ; Maria Lúcia de Arruda Aranha/ Maria Helena Pires Martins) Pagina: 6