Resultados da operação reconstrutora da valva mitral em pacientes com idade inferior a 15 anos

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Transcrição:

ARTIGO ORIGINAL Resultados da operação reconstrutora da valva mitral em pacientes com idade inferior a 15 anos Outcomes of mitral valve repair surgery in under 15-year-old patients Celso O. CORDEIRO, Francisco GREGORI Jr., Thelma Elisa F. GREGORI, Alexandre N. MURAKAMI, Adriana ABRÃO RBCCV 44205-678 Resumo Objetivo: Avaliar a evolução dos pacientes portadores de regurgitação valvar mitral menores de 15 anos submetidos à operação reconstrutora da valva mitral. Método: Cento e dezessete pacientes com idade inferior a 15 anos, submetidos à plastia valvar mitral, no período de maio de 1980 a novembro de 2001. A idade variou de 1 a 15 anos, com média de 10 anos. Setenta e quatro pacientes (63,2%) eram do sexo feminino. A etiologia mais freqüente foi a doença reumática (81,2%). Oitenta e sete pacientes (63,2%) apresentavam regurgitação mitral e 30 (25,6%) estenose associada. Outras doenças estiveram presentes em 28 pacientes (23,9%), sendo a doença da valva aórtica a mais comum (13,7%). Diversas técnicas foram aplicadas na reconstrução valvar, como o encurtamento e/ou alongamento de cordas tendíneas, comissurotomia e papilarotomia. O anel valvar mitral foi remodelado em todos os pacientes. Resultados: A evolução tardia mostrou 96,6% dos pacientes vivos e 88.9% com sua própria valva. Quinze pacientes (12,8%) foram reoperados. O anel mitral foi remodelado na totalidade dos pacientes, sendo utilizado o anel de Gregori-Braile em 69 (58,9%) e o de Carpentier em 35 (29,9%). As técnicas mais freqüentes foram o encurtamento de cordas em 66 pacientes (56,4%), e a comissurotomia e/ou papilotomia em 30 pacientes (25,6%). Houve um óbito hospitalar (0,9%) e três (2,6%) óbitos tardios. Conclusão: A operação reconstrutora na regurgitação valvar mitral foi factível, apresentando resultados que orientam para sua aplicabilidade neste grupo de pacientes menores de 15 anos. Descritores: Valva Mitral, crianças. Regurgitação Mitral, técnicas reconstrutoras. Abstract Objective: To evaluate the evolution of under 15-year-old patients suffering from mitral valve reflux submitted to mitral valve repair surgery. Method: A total of 117 under 15-year-old patients, submitted to mitral valve plasty from May 1980 to November 2001 were evaluated. Their ages ranged from 1 to 15 years old, with a mean age of 10 years. Seventy-four patients (63.2%) were female. The most common etiology was Trabalho realizado no Hospital Evangélico de Londrina, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Londrina e Departamento de Clínica Cirúrgica do Hospital Universitário Norte do Paraná da Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondência: Celso Otaviano Cordeiro Rua Paes Leme, 1264 7º and sala 701 Londrina PR. CEP 86010-610 E-mail: tina@sercomtel.br Artigo recebido em novembro de 2002 Artigo aprovado em abril de 2004 115

rheumatic disease (81.2%). Eighty-seven patients (74.4%) presented with mitral valve reflux and 30 (25.6%) also suffered from stenosis. Other diseases were associated in 28 patients (23.9%) with aortic valve disease being the most common (13.7%). Several techniques were employed in the valve repair such as the shortening or lengthening of the chordae tendineae and papillectomy. Results: The late evolution demonstrated that 96.6% of the patients survived and 88.9% retained their native valves. Fifteen patients (12.8%) underwent reoperations. The mitral valve was remodeled in all patients, with Gregori-Braile rings used in 69 (58.9%) of the patients and Carpentier rings in 35 (29.9%). The most commonly used techniques were shortening of the chordae tendineae in 66 patients (56.4%), and commissurotomy and/or papillectomy in 30 patients (25.6%). There was one hospital death (0.9%) and three late deaths (2.6%). Conclusions: Reconstruction surgery to treat reflux of the mitral valve is possible, presenting results that support its use in under 15-year-old patients. Descriptors: Mitral valve, children. Mitral reflux, repair techniques. INTRODUÇÃO Apesar de todo o avanço tecnológico que o mundo tem experimentado nos últimos anos, um substituto valvar ideal ainda não foi desenvolvido, principalmente em crianças. As próteses existentes ainda apresentam complicações difíceis de serem controladas, especialmente a calcificação e a rotura nas próteses biológicas e o tromboembolismo nas valvas mecânicas. Esse fato tem levado autores a, cada vez mais, utilizarem técnicas restauradoras no tratamento da regurgitação valvar mitral. Desde os estudos iniciais de LILLEHEI [1] até outros mais recentes [2,3], sabemos que as paredes do ventrículo esquerdo, os músculos papilares, as cordas tendíneas, os folhetos e o anel mitral desempenham papel importante na fisiologia da contração ventricular esquerda e que há um prejuízo significativo da função ventricular, quando da retirada de partes desses elementos, como ocorre nas substituições valvares. O empenho em preservar a valva mitral com regurgitação adquire importância ainda maior quando o paciente está na faixa etária abaixo dos 15 anos de idade, já que está sujeito a um número maior de reoperações futuras. Antes mesmo do advento da circulação extracorpórea, em 1902, BURTON [4] propôs a possibilidade de plastia mitral, ocasião em que alguns autores realizaram esse procedimento, porém com resultados pouco animadores [5,6,7]. Após o início da circulação extracorpórea, LILLEHEI et al. [8] realizaram com sucesso a primeira correção da regurgitação mitral, com plicatura do anel mitral dilatado, sob visão direta. Muitos cirurgiões passaram a desenvolver técnicas para reconstrução, principalmente do anel da valva mitral, entre eles MERENDINO et al. [9], MCGOON [10], REED et al. [11] e WOOLER et al. [12]. Porém, a maior contribuição no tratamento da regurgitação mitral, por introduzir o conceito de reconstrução valvar mitral, demonstrando a importância da correção do aparelho valvar como um todo deve-se a CARPENTIER [13]. Em nosso meio, esses procedimentos foram pioneiramente empregados por RIBEIRO et al. [14] e GREGORI et al. [15]. Estes desenvolveram diversas técnicas empregadas nos pacientes deste estudo, como neocorda, encurtamento de cordas alongadas utilizando os folhetos[16], transplante de cordas da valva tricúspide para a valva mitral[17], além de uma prótese aberta[18] para remodelação do anel valvar mitral. Contribuições importantes também foram apresentadas por CARVALHO et al. [19], POMERANTZEFF et al. [20] e BRAILE et al. [21]. O presente estudo visa avaliar a evolução pós-operatória dos pacientes portadores de regurgitação valvar mitral menores de 15 anos submetidos à operação reconstrutora. MÉTODO Entre maio de 1980 e novembro de 2001 foram submetidos à operação conservadora da valva mitral 117 pacientes menores de 15 anos de idade, portadores de regurgitação valvar mitral. Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital Evangélico de Londrina. Todos ao descrições cirúrgicas e prontuários foram analisados retrospectivamente. A idade variou de 1 a 15 anos, com média de 10 anos. Quarenta e três pacientes (36,8%) eram do sexo masculino e 74 (63,2%) do sexo feminino. Oitenta e sete pacientes (74,4%) eram portadores de regurgitação mitral pura e 30 (25,6%) apresentavam estenose associada. A etiologia era a reumática em 95 (81,2%), congênita em 16 (13,7%), endocardite infecciosa em cinco (4,3%) e degeneração mixomatosa em um (0,9%). Todos os pacientes encontravam-se nas classes funcionais III e IV. Os pacientes foram operados com o auxílio de circulação extracorpórea (CEC) e hipotermia moderada, sendo a proteção miocárdica realizada com desclampeamento intermitente da aorta a cada 15 minutos. O tempo médio de CEC foi de 68 minutos (22-158) e o de isquemia do miocárdio de 38 minutos (8-108). Na plastia valvar mitral foram analisadas todas as 116

características que ocasionavam a regurgitação mitral, sendo empregado as técnicas necessárias para correção. O anel valvar foi remodelado em todos os pacientes, utilizando-se o anel de Gregori-Braile, Carpentier ou fita de pericárdio bovino. Outras técnicas como encurtamento ou alongamento de cordas, comissurotomia e papilarotomia também foram empregadas. A valva mitral foi avaliada no ato operatório sob visão direta após o desclampeamento aórtico e retorno dos batimentos cardíacos. Além do refluxo foi dada importância também ao formato mais anatômico possível da valva após a correção, assim como à mobilidade valvar pós-implante do anel. Após a saída de circulação extracorpórea foi realizada a ausculta direta do átrio esquerdo com estetoscópio esterilizado. A classe funcional (NYHA) foi avaliada em todos os pacientes no pós-operatório tardio. RESULTADOS Em todos os pacientes o anel valvar mitral foi remodelado. Próteses ou tecidos de sustentação não foram utilizados em apenas sete pacientes. Em seis (5.1%) foram empregadas fita de pericárdio bovino, em 35 (29.9%) anel de Carpentier e nos últimos 69 (59,0%) o anel de Gregori Braile. A anuloplastia isolada foi realizada em 22 pacientes (18,8%) e em 95 (81,2%) houve necessidade de atuação sobre os folhetos da valva e/ou do aparelho subvalvar. Sessenta e seis pacientes (56,4%) foram submetidos ao encurtamento de cordas alongadas, 30 (25,6%) à comissurotomia e/ou papilotomia, 11 (9,4%) à ressecção parcial do folheto posterior, nove (7,7%) à ressecção da folheto anterior, seis (5,1%) à plicatura da folheto posterior, cinco (4,3%) à transposição de cordas, cinco (4,3%) à transferência de cordas, cinco (4,3%) à secção de cordas retráteis, quatro (3,4%) à sutura de orifícios nas folhetos e dois (1,7%) à retirada de cálcio da folheto anterior. Em associação foram realizados os seguintes procedimentos: plastia valvar tricúspide em seis pacientes (5,1%), fechamento de comunicação interatrial em três (2,6%), ligadura do canal arterial persistente em dois (1,7%), troca valvar aórtica em 10 (8,5%), plastia valvar aórtica em seis (5,1%), ressecção de anel fibroso subaórtico em um (0,9%), correção de canal atrioventricular em um (0,9%) e operação de Cox sem crioablação em um (0,9%). Quinze (12,8%) pacientes necessitaram de reoperações. Dentre os 87 pacientes com regurgitação mitral pura, 10 (11,5%) foram reoperados e dos 30 pacientes com estenose mitral associada, cinco (16,7%) necessitaram reoperação. Em quatro pacientes (26,7%) foi realizada nova plastia e em 11 (73,3%) a substituição valvar. Ocorreu novo surto de atividade reumática em cinco pacientes e endocardite infecciosa ativa em um. Não ocorreram fenômenos tromboembólicos. Cento e treze pacientes (96,6%) estão vivos, 104 (88,9%) com suas valvas nativas. Noventa e nove (84,6%) encontram-se em classe funcional I e II (NYHA). A mortalidade hospitalar foi de um (0,9%) paciente com insuficiência cardíaca incontrolável e a tardia foi de três (2,6%) pacientes, sendo que dois destes óbitos ocorreram em reoperações. COMENTÁRIOS A operação conservadora para o tratamento da regurgitação valvar mitral é praticamente um consenso universal, especialmente em crianças nas quais a substituição valvar é seguida de grande número de reoperações. Os trabalhos iniciais apresentavam técnicas que objetivavam apenas o tratamento do anel valvar [9,12]. A partir das técnicas propostas por CARPENTIER et al. [13] em 1969, e com uma melhor compreensão da importância de todo o aparelho valvar na função ventricular, vários procedimentos foram apresentados para atuação tanto no anel [22,23] como nos outros componentes da valva mitral [15-17,24]. A evolução tardia das plásticas mostra também a importância do emprego de algum tipo de prótese para remodelação do anel, seja ele flexível ou rígido. A superioridade da plástica sobre a substituição valvar também é evidenciada na morbi-mortalidade, com sobrevida maior e melhor desempenho da função ventricular e com menor número de reoperações [25,26]. Há quem sugira que a reconstrução valvar, ainda que não totalmente perfeita, seja melhor que a substituição valvar [27]. A regurgitação mitral pode ser secundária a múltiplas lesões nas comissuras, folhetos e aparelho subvalvar, observando-se em todos os pacientes a dilatação do anel mitral. Isso se deve ao afastamento da sua porção posterior, já que a porção anterior está limitada pelos trígonos fibrosos direito e esquerdo do coração. A anuloplastia foi realizada em todos os pacientes dessa série, porém somente em 22 (18,8%) deles foi procedimento único, mostrando que na grande maioria (81,2%) foi necessária a associação de alguma outra técnica. Em apenas sete pacientes (6,0%) a anuloplastia foi realizada sem anel protético ou tecidos de sustentação. Nos últimos 69 (59,0%) pacientes, o anel Gregori-Braile foi empregado para a remodelação do anel mitral que, por ser aberto, permite o crescimento normal do anel mitral. Isso é importante em crianças, pois possibilita ainda melhor manipulação e correção de lesões residuais mesmo após a sua fixação. CARPENTIER at al. [28] relataram experiência com plastia após 10 anos, mostrando mortalidade hospitalar de 4,2% e 117

tardia de 7% numa série de 551 pacientes adultos e crianças. No entanto, não encontraram diferença significativa da mortalidade nas diferentes faixas etárias. O índice de reoperação (12,8%) também foi de acordo com dados da literatura [28]. Devemos salientar que, dos 15 pacientes reoperados, cinco apresentaram um novo surto de atividade reumática e um endocardite bacteriana. A mortalidade hospitalar e tardia foi considerada muito baixa e tem sido confirmada por outros autores. BORDIGNON et al. [29], em nosso meio, relata mortalidade hospitalar de 4,3% e 8,6% respectivamente, em uma série de 70 crianças. Desta forma, é bastante animador observar que na evolução tardia, 113 pacientes (96,6%) estão vivos, 104 (88,9%) com a valva nativa preservada e 99 apresentam evolução clínica bastante satisfatória, estando em classe funcional I e II (NYHA). CONCLUSÃO A operação reconstrutora na regurgitação valvar mitral utilizando a remodelação do anel com prótese aberta em associação com técnicas de reparação do aparelho valvar mitral foi factível, apresentando resultados que orientam para sua aplicabilidade neste grupo de pacientes menores de 15 anos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. Lillehei CW, Levy MJ, Bonnabeau RC. Mitral valve replacement with preservation of the papillary muscles and the chordae tendineae. J Thorac Cardiovasc Surg 1964; 47:532-43. 02. David TE, Burns RJ, Bacchus CM, Druck MN. Mitral valve replacement of mitral regurgitation with and without preservation of chordae tendineae. J Thorac Cardiovasc Surg 1984; 88:718-25 03. Sarris GE, Cahill PD, Hansen DE, Derby GC, Miller DC. Restoration of left ventricular systolic performance after reattachment of the mitral chordae tendineae: the importance of valvular-interaction.j Thorac Cardiovasc Surg 1988; 95:969-79 04. Burton L. Preliminary note on the possibility of treating mitral stenosis by surgical methods. Lancet. 1902; 1:352-386. 05. Davila JC, Mattson WW Jr, O Neill TJEl. A method for the surgical correction of mitral insufficiency. Sur Ginecol Obstet 1954; 98:407-12. 06. Harken DH, Ellis LB, Dexter L. The surgical correction of mitral insufficiency. J Thorac Surg 1954; 28:604-27. 07. Bailey CP, Jamison WL, Bakst AE. The surgical correction of mitral Insufficiency by the use of pericardial grafts. J Thorac Surg 1954; 28:551-603. 08. Lillehei CW, Gott VL, Dewall RA. The surgical treatment of stenotic or regurgitant lesions of the mitral and aortic valve by direct vision utilizing a pump-oxygenator. J Thorac Surg 1958; 35:154-89. 09. Merendino AK, Thomas GI, Jesseph JE, Herron PW, Winterscheid LC, Vetto RR. The open correction of rheumatic mitral regurgitation and or stenosis with special reference to regurgitation treated by posterior-medial annuloplasty utilizing a pump-oxygenator. An Surg 1959; 1950:5-15 10. McGoon DW. Repair of mitral insufficiency due to ruptured chordae tendineae. J Thorac Cardiovasc Surg 1960; 39:357-62 11. Reed GE, Tice DA, Clauss RH. Asymmetric exaggerated mitral annuloplasty: repair of mitral insufficiency with hemodynamic predictability. J Thorac Cardiovasc Surg 1985: 49:752-61. 12. Wooler GH, Nixon PGF, Grimshaw VA. Experiences with the repair of the mitral valve in mitral incompetence. Thorax 1962; 17:49 13. Carpentier A. A new reconstructive operation for correction of mitral and tricuspid insufficiency. J Thorac cardiovasc Surg. 1971; 86:323-37. 14. Ribeiro EJ, Carvalho RG, Brofman PR. Operação Conservadora da Válvula Mitral. Arq Bras Cardiol 1983; 41:341-43 15. Gregori Jr. F, Takeda RT, Silva SS, Façanha LA, Méier MA. A new technique for repair of mitral insufficiency caused by ruptured chordae of the anterior leaflet. J Thorac Cardiovasc Surg. 1988; 96:765-68. 16. Gregori Jr. F, Silva SS, Façanha LA, Cordeiro CO, Aquino WK, Moure O. Preliminary results with a new technique for repairing elongated chordae tendineae of the anterior mitral valve leaflet. J. Thorac. Cardiovasc. Surg. 107:321-3, 1994.( Letter) 17. Gregori Jr. F, Cordeiro CO, Crotti UA, Hayashi SS, Silva SS, Gregori TEF. Partial tricuspid valve transfer for repair of mitral insufficiency due to ruptured chordae tendineae. Ann Thorac Surg 1999; 68:1686-1691.( Letter) 18. Gregori Jr., Silva SS, Hayashi SS, Aquino W, Cordeiro C, Silva LR et al. Mitral valvuloplasty with a new prosthetic ring. Eur J Cardio-Thorac Surg. 1994; 8:168-72 19. Carvalho RG, Giublin PR, Lopes CR, Mulinari L, Loures DRR Plástica da válvula mitral com emprego do anel de Gregori- Braile: Análise de 66 pacientes. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1999; 13:295-316. 118

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