O CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS À LUZ DA TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL DE RONALD DWORKIN CLARISSE STEPHAN FARHAT JORGE. MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS PAULINO SOARES DE SOUSA, DA UFJF. BACHAREL EM DIREITO PELA UFJF. CLARISSE_STEPHAN@YAHOO.COM.BR JONATHAS VINICIUS FIGUEIREDO MORAIS ACADÊMICO DO CURSO DE DIREITO DA UFJF. 1. INTRODUÇÃO Hodiernamente a doutrina de Ronald Dworkin vem ganhando espaço entre os juristas nacionais, principalmente pelo seu esforço em legitimar a atividade jurisdicional e tentativa de dar coerência à interpretação do Direito. Dworkin estabelece em sua luta contra o positivismo, uma estreita conexão entre direito e moralidade, ao formular a idéia de que o ordenamento jurídico é integrado não apenas por normas, mas também por princípios, nos quais se ancora a concepção de direito como integridade.
2. DA DECISÃO JUDICIAL O ordenamento jurídico é visto por Dworkin como um conjunto de regras e princípios, sendo que as regras funcionam sob um esquema de tudo ou nada, enquanto os princípios são normas que admitem seus contrários, devendo, no caso concreto, o juiz optar por aquele que tiver mais peso. Assim, para ele, ao contrário de Robert Alexy, princípios são normas e não valores, devendo o juiz realizar um juízo de adequabilidade para se saber qual é o princípio adequado para o caso, a fim de produzir uma decisão justa. Quanto a isso observa Galuppo (2002, p. 186-187): Ao contrário de Alexy, o que Dworkin está dizendo é que não se trata de imaginar uma ponderação, ou seja, imaginar um conflito resolvido pela maior aplicação de um e não-aplicação de outro princípio, orientadas pela sua hierarquização, mas de imaginar que os princípios são normas que podem se excepcionar reciprocamente nos casos concretos, vez que não podem, muitas vezes, ser contemporaneamente aplicados. É claro que um princípio só pode excepcionar a aplicação de outro quando houver fundamentação suficiente do ponto de vista discursivo. Mas, efetivamente, os discursos de aplicação podem apresentar tal fundamentação e, assim, reduzir a indeterminação contida em toda e qualquer norma principiológica. A atividade jurisdicional é caracterizada pelos discursos de aplicação, que baseiam-se na concretude, historicidade e irrepetibilidade. Dworkin busca sistematizar a função interpretativa e recorre a vários métodos para explicá-la Historicismo, Passivismo, Ativismo - que são em seguida refutados. Sua compreensão é de que o ordenamento jurídico deve ser entendido como integridade, pois em um caso concreto, todas as normas do ordenamento conspiram para a sua solução; o Direito deve, pois, ser interpretado de modo a dar integridade às normas. Na interpretação jurídica não há espaço para ponderação de princípios, pois estes não são valores, e sim normas. O papel do aplicador do Direito é o de, no caso
concreto, realizar um juízo de adequação para se saber qual o princípio adequado para o caso, a fim de produzir uma decisão justa. Um conceito central na teoria da decisão judicial dworkiniana é o de Integridade, que consiste na exigência de que as normas públicas sejam produzidas e interpretadas, na medida do possível, de maneira que possa caracterizar um sistema único e coerente de justiça e eqüidade na correta proporção. Explicitando a idéia de Integridade, escreve Baracho Júnior (2000 apud ONMATI, 2005): A integridade é dividida por Dworkin em integridade na legislação e integridade na aplicação. No primeiro caso, aqueles que criam a lei devem mantê-la coerente com seus princípios; no segundo, requerse que aqueles responsáveis por decidir o sentido da lei busquem coerência com a integridade. Isso explicaria porque os juízes devem conceber o corpo de normas que eles administram como um todo, e não como um cenário de decisões discricionárias no qual eles são livres para fazer ou emendar as normas, uma a uma, com um interesse meramente estratégico. Por conseguinte, o Direito visto como Integridade deve ser encarado como uma cadeia lógica de peças (law in chains). Esse Direito em cadeia, contudo, não significa que o juiz apenas vá se mirar no fundamento de decisões anteriores, pois é permitido a ele o uso de seu poder interpretativo para apreender os sinais característicos de cada caso, sendo limitado somente pelos princípios que lhe forem pertinentes. Dworkin também trabalha com a idéia de existência de uma única resposta correta para cada situação de aplicação jurídico-normativa, que, segundo Galuppo (2002) funciona como garantia da própria idéia de Integridade do Direito. Para dar conta da tarefa de encontrar essa resposta, é criada então a figura do Juiz Hércules, um ser com superpoderes e capacidade intelectual ímpar, que lhe
permitem, para cada caso, desenvolver teorias apropriadas ao alcance daquele ideal. No desenvolvimento de sua Tese dos direitos, Dworkin assevera que dois tipos de argumentos poderiam ser invocados para solução de casos difíceis (aqueles em que se verificam ausência de normas claras estabelecendo a decisão): argumentos de política e argumentos de princípio. Conforme leciona: Os argumentos de política justificam uma decisão política, mostrando que a decisão fomenta ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo. (...) Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão justifica ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo. (DWORKIN, 2002, p. 129) Nos casos difíceis, os argumentos que haverão de prevalecer serão sempre os de princípio, pois, não havendo uma regra clara e concreta que permita a aplicação imparcial do Direito, lançar mão de argumentos de política levaria o órgão judiciário a ir além de sua cota de legitimidade democrática, fazendo ponderações sobre objetivos coletivos, atividade própria do legislador. Nessa situação cumpre ao juiz Hércules fazer uma interpretação construtiva do direito como integridade, coerente com os princípios que pautaram os precedentes, mas sensível às peculiaridades do caso, de modo a lograr uma única resposta correta e justa, que proteja o direito moral do indivíduo ou do grupo. 3. DO CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE A partir desse quadro teórico é que Dworkin desenvolve sua Teoria da Decisão Judicial nos Casos Constitucionais. Na seara do Direito Constitucional verificar-se-ão a maioria dos casos difíceis, devido ao alto grau de abstração dos preceitos constitucionais, como a liberdade e a igualdade.
Quanto à possibilidade do controle de constitucionalidade de leis por uma Suprema Corte, Dworkin não oferece objeções, assinalando que nem mesmo a vontade de uma maioria pode suprimir os direitos morais de um indivíduo ou um grupo. Eis sua lição: O cerne de uma pretensão de direito, mesmo na análise desmitologizada dos direitos que estou utilizando, é que um indivíduo tem direito à proteção contra a maioria, mesmo à custa do interesse geral. Sem dúvida, o conforto da maioria exigirá alguma adaptação por parte das minorias, mas apenas na medida necessária da preservação da ordem. (DWORKIN, 2002, p. 230) Portanto, a decisão do Juiz Marshall no caso Marbury versus Madison, em 1803, inaugurando o controle judicial de constitucionalidade nos Estados Unidos (que não tinha previsão na Constituição Americana), foi acertada do ponto de vista teórico, possibilitando àquela nação, segundo Dworkin, ser uma sociedade mais justa do que teria sido se seus direitos constitucionais tivessem sido confiados à consciência de instituições majoritárias. (2002, p. 426) Contrapondo a doutrina do Historicismo, segundo a qual o juiz constitucional deve respeitar a vontade dos fundadores da Constituição, Dworkin assevera que a interpretação dos princípios varia de acordo com cada época. Além disso, quando da promulgação da Carta Constitucional, os fundadores não previram todas as situações de aplicação que viriam a se apresentar no decorrer dos anos, de modo que uma interpretação que não leve em conta as peculiaridades do caso atual, inclusive no que concerne às questões políticas imanentes ao mesmo, certamente não proporcionará eqüidade às partes que vierem a juízo. Hércules nesses casos deve ser guiado por um senso de integridade constitucional. No que atine à discussão entre as doutrinas do Passivismo e do Ativismo, Dworkin não se afilia nem a uma nem a outra. Compreende que um juiz nem sempre
deverá se subordinar à vontade das autoridades eleitas, vez que uma compreensão adequada de Democracia leva em conta os direitos morais das minorias. Por outro lado, defende que Hércules não substituirá o legislador quando a questão trazida à baila for fundamentalmente política, ou seja: [...] quando o argumento for sobre as melhores estratégias para satisfazer inteiramente o interesse coletivo por meio de metas, tais como a prosperidade, a erradicação da pobreza ou o correto equilíbrio entre economia e preservação. (DWORKIN, 2003, p. 475). Por conseguinte, a partir de uma compreensão do Direito como Integridade, em que os direitos morais dos cidadãos são levados a sério, é possível afirmar com Dworkin que as decisões sobre justiça e eqüidade no tratamento adequado desses direitos não poderiam ser deixadas ao total arbítrio do Legislador, de modo que o papel desempenhado por uma Corte Constitucional num Estado Democrático de Direito representa uma das garantias fundamentais para preservação e desenvolvimento da própria Democracia. 4. CONCLUSÃO O controle de constitucionalidade visto nos moldes dworkinianos provem não só maior legitimidade às decisões judiciais que permeiam questões constitucionais, mas também maior garantia de proteção aos direitos morais. Nesse sentido, os órgãos responsáveis por desempenhar essa atividade não precisam ir além de sua cota de legitimidade, sobretudo na decisão de casos difíceis, seja sendo arbitrário diante da ausência de regras, seja desenvolvendo políticas no lugar do legislador. Por outro lado, não deixa os direitos dos cidadãos à mercê das
autoridades eleitas, assim preservando, num plano concreto, a autonomia dos mesmos, e numa dimensão mais ampla, a própria Democracia. Certamente é uma teoria que merece atenção em nosso país, especialmente diante de uma Suprema Corte como a nossa que, nos últimos anos, passou de uma Jurisprudência que se recusava a decidir supostas questões políticas, a uma Jurisprudência que protege valores substantivos, determinados, muitas vezes, por interesses governamentais. BIBLIOGRAFIA CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: elementos de filosofia constitucional contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004. DWORKIN, Ronald. A constituição. In:. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003, cap. X, p. 425-476. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2002. GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e Diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebíades. Ronald Dworkin e a Dissolução da Oposição Jus Naturalismo e Positivismo Jurídico. Disponível em: http://www.estacio.br/graduacao/direito/revista/revista4/artigo6.htm. Acesso em: 10 Ago. 2005. OMMATI, José Emílio Medauar. Da inconstitucionalidade da cobrança do adicional ao SEBRAE para as médias e grandes empresas. Um caso de interpretação conforme a Constituição. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1423>. Acesso em: 10 ago. 2005.