3.1. PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO ART. 130 DO CÓDIGO PENAL

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Transcrição:

Capítulo 3 D a Periclita ç ã o Da Vida E Da Saúde Periclitação vem do verbo periclitar que significa estar em perigo, correr perigo. Este capítulo do Código Penal tutela as situações em que a vida ou a saúde correm perigo, e, portanto, não é necessário o dano para a configuração do delito (como é o caso do crime de homicídio). Os crimes a serem estudados neste capítulo são crimes de perigo, diferentemente dos delitos estudados anteriormente (arts. 121 a 129 do CP), que são crimes de dano. 3.1. PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO ART. 130 DO CÓDIGO PENAL Neste crime o agente expõe alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer outro ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado. Elemento objetivo núcleo do tipo Expor por meio de relações sexuais (conjunção carnal, coito anal, sexo oral) ou ato libidinoso (qualquer outro ato sexual). Doença venérea é a transmitida mediante o contato sexual (ex.: gonorreia, cancro mole, sífilis, herpes, HPC condiloma etc.). Elemento subjetivo Dolo de perigo, ou seja, ter a vontade consciente de colocar a vítima em situação de risco, com a possibilidade de contrair a doença sexualmente transmissível. Sujeito ativo Qualquer pessoa que tenha moléstia venérea. 43

claudio mikio suzuki Título I Sujeito passivo Qualquer pessoa com quem o agente pratique o ato sexual. Inclusive prostituta pode ser vítima deste crime. Consumação No momento do ato sexual ou ato libidinoso, independentemente de a vítima ser contaminada. Tentativa É possível, quando o agente quer manter a relação sexual e não consegue (Exemplo: polícia chega, não tem ereção, etc). INTENÇÃO DE TRANSMITIR A MOLÉSTIA ART. 130, 1 o, DO CÓDIGO PENAL Crime de dano, ou seja, aqui o agente quer transmitir efetivamente a moléstia; visa a provocar efetivo dano ao bem jurídico tutelado, que é a saúde da vítima. Trata-se de figura qualificada, em que a pena será de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Só se configura no caso de ocorrer lesão corporal de natureza leve. Se a lesão for de natureza grave ou gravíssima, responde por crime do art. 129 1 o ou 2 o do CP, pois a pena é mais grave. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES Em ambas as situações, seja simples (caput) ou qualificada ( 1 o ), trata-se de crime de ação penal pública condicionada à representação, nos termos do art. 130, 2 o, do CP. Se para determinada doença existe vacina e a vítima já está imunizada não caracteriza crime (ex.: HPV), por ser crime impossível (art. 17 do Código Penal). O uso de preservativo, via de regra, exclui o crime, mas se expõe a vítima a outro ato libidinoso capaz de transmitir a moléstia (como por exemplo, o beijo lascivo), persiste o crime. QUADRO ESQUEMÁTICO PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO OBJETO JURÍDICO ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO A incolumidade física e a saúde das pessoas Praticar relação sexual ou ato libidinoso capaz de transmitir a doença Dolo de perigo 44

Dos Crimes Contra A Pessoa SUJEITO ATIVO SUJEITO PASSIVO CONSUMAÇÃO TENTATIVA QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA AÇÃO PENAL Qualquer pessoa que esteja contaminada com doença venérea Qualquer pessoa ainda não contaminada pela doença venérea No momento da relação sexual, ainda que não haja a contaminação É possível Crime comum, instantâneo, formal, de ação vinculada, doloso, de perigo e de dano Pública condicionada à representação 3.2. PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE ART. 131 DO CÓDIGO PENAL A diferença básica deste tipo penal do crime do art. 130 do Código Penal é que no art. 131 do CP se trata de forma livre de consumação, ou seja, não se vincula à prática de relação sexual, ou ato libidinoso, bem como não se trata de doença venérea, podendo ser qualquer tipo de moléstia grave (que provoca séria perturbação da saúde). Daí por que o delito ter pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além de ser de ação penal pública incondicionada. Vale lembrar, contudo, que se trata de norma penal em branco, havendo necessidade de se buscar o elenco das moléstias consideradas graves no órgão competente do Ministério da Saúde (GRECO, 2015, p. 320). 3.3. PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM ART. 132 DO CÓDIGO PENAL Este delito tutela a vida e a saúde da vítima, não de forma direta, mas somente quando colocadas em situações de perigo, ou seja, de forma subsidiária. A própria redação da lei, quando estabelece a pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, deixa ainda expressa referida situação de subsidiariedade, pois o agente só responderá pelo art. 132 do CP se o fato não constitui crime mais grave. Não há no presente caso, portanto, vontade de matar ou lesionar a vítima, mas apenas a consciência e vontade de expor a vítima a grave perigo, como está expresso na Exposição de Motivos do Código Penal (item 46). O exemplo costumeiramente citado pela doutrina é o caso de não fornecimento por parte do empresário dos equipamentos de proteção individual, causando, portanto, perigo no exercício do trabalho. 45

claudio mikio suzuki Título I Cumpre ressaltar que o equipamento deve ser imprescindível em uma situação concreta de perigo, pois o simples descumprimento das normas de segurança caracteriza somente a contravenção penal do art. 19, 2 o, da Lei n o 8.213/91 (CUNHA, 2015, p. 128). Antes da edição da Lei de Arma de Fogo (Lei n o 9.437/97) posteriormente revogada pelo Estatuto do Desarmamento (Lei n o 10.826/2003), o exemplo clássico deste delito era o disparo de arma de fogo em via pública, cuja conduta se amolda hoje no art. 15 do referido Estatuto. Há a presença da causa de aumento de pena no parágrafo único, em que a pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem decorrer do transporte de pessoas para prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais (ex.: transporte irregular de boias-frias). 3.4. ABANDONO DE INCAPAZ ART. 133 DO CÓDIGO PENAL O que se tutela é a segurança de todo e qualquer incapaz. A conduta do agente que abandona o incapaz, sem a finalidade de causar a morte nem lesão corporal, não configura dano, mas dolo de perigo. A pena para esses casos será de detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos. Elemento objetivo núcleo do tipo Pune-se a conduta de abandonar, ou seja, deixar sem assistência, afastar- -se do incapaz, deixando-o à sua própria sorte (ex.: deixar a vítima em um certo local, sem prestar assistência). As elementares do tipo penal são: cuidado: assistência eventual (ex.: enfermeiro); guarda: assistência duradoura (ex.: menores sob a guarda dos pais); vigilância: assistência acauteladora (ex.: guia de alpinismo); autoridade: é o poder de uma pessoa sobre a outra (ex.: diretor de manicômio judicial). Elemento subjetivo Dolo de perigo. Vontade consciente de abandonar a vítima à própria sorte, criando riscos (à vida e à saúde) resultantes do abandono. Como não há modalidade culposa, nos casos de menores que se perdem no supermercado ou shopping center, por mais que o responsável tenha sido negligente: não há crime. 46

Dos Crimes Contra A Pessoa Sujeito ativo Trata-se de crime próprio, pois só pode ser cometido por aqueles que têm o dever de cuidado, guarda, vigilância ou autoridade (garantes), nos termos do art. 13, 2 o, do Código Penal. Sujeito passivo Pessoa incapaz, de qualquer idade, desde que exista relação de assistência. Consumação O crime se consuma com o abandono. Contudo, o crime é de perigo concreto, ou seja, é imprescindível que o abandono acarrete risco real para a vítima. Tentativa É possível. Exemplo: quando a mãe está deixando a criança em lugar distante e é surpreendida, não houve abandono, mas é inegável que estava em plena execução do delito (NORONHA, 2000, p. 96). FORMAS QUALIFICADAS 1 o e 2 o DO ART. 133 DO CÓDIGO PENAL Aqui são as hipóteses de crimes preterdolosos, ou seja, se por conta do abandono há lesão corporal de natureza grave (cuja pena será de reclusão de 1 a 5 anos) e nos casos de morte da vítima (a pena será de reclusão de 4 a 12 anos). CAUSAS DE AUMENTO DE PENA 3 o DO ART. 133 DO CÓDIGO PENAL Deve ser observado que as majorantes aqui previstas também são aplicáveis às situações dos parágrafos anteriores, que aumentam a pena de um terço, nas situações descritas nos seus incisos (lugar ermo; se o agente é ascendente, descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima; e se a vítima é maior de 60 anos). OBSERVAÇÕES IMPORTANTES Se a criança foge daquele que tem o dever de assistir: não há crime. Se o agente abandona, mas vigia à distância: não há crime. 47

claudio mikio suzuki Título I QUADRO ESQUEMÁTICO ABANDONO DE INCAPAZ OBJETO JURÍDICO ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO SUJEITO ATIVO SUJEITO PASSIVO CONSUMAÇÃO TENTATIVA QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA AÇÃO PENAL A vida e a saúde da vítima Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos decorrentes do abandono Dolo de perigo Crime próprio onde só o comete quem está no dever de zelar pela vítima, na situação de garante (art. 13, 2 o, do CP) Qualquer pessoa que estiver sob guarda, vigilância, cuidado ou autoridade No momento do abandono, desde que capaz de expor a vítima a risco É possível Crime próprio, simples, instantâneo, comissivo ou omissivo, doloso, de perigo concreto Pública incondicionada 3.5. EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO ART. 134 DO CÓDIGO PENAL A diferença deste tipo penal para o crime do art. 133 do Código Penal é que para a configuração deste delito, o sujeito passivo é necessariamente um bebê, e o motivo do abandono se dá para que a genitora oculte desonra própria (ex.: mãe solteira, filho fora do casamento etc.). A pena é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Trata-se de crime próprio, contudo em desuso, já que a conduta ocultar desonra própria, não é mais empregada nos dias de hoje, já que a sociedade aceita a situação de ter um filho de relacionamento extraconjugal etc. 3.6. OMISSÃO DE SOCORRO ART. 135 DO CÓDIGO PENAL A vida em sociedade traz direitos e deveres mútuos, sendo que, como regra, devemos prestar assistência a terceiros, mesmo sem os conhecer. A ausência desse dever de auxílio configura, em tese, crime de omissão de socorro, cuja pena é de detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa. Trata-se de um crime omissivo próprio, e, portanto, um crime de mera conduta (não precisa de qualquer tipo de resultado). 48

Dos Crimes Contra A Pessoa Elemento objetivo núcleo do tipo É deixar de prestar assistência (socorro), que pode se dar de duas maneiras: a) falta de assistência imediata (direta) quando o agente pode prestar socorro e mesmo assim nada faz (ex.: agente vê outra pessoa se afogando e mesmo sabendo nadar, nada faz). b) falta de assistência mediata (indireta) não podendo prestar socorro pessoalmente, para não colocar a sua vida em risco, deixa de solicitar auxílio à autoridade pública (ex.: agente vê outra pessoa se afogando, e não sabendo nadar, não noticia o acontecimento à autoridade pública). Elemento subjetivo Dolo de perigo. Sujeito ativo Qualquer pessoa, pois não há vinculação jurídica entre o agente e a vítima. Sujeito passivo A lei descreve as pessoas que podem ser vítimas deste crime, sendo elas: criança abandonada: é aquela deixada à própria sorte pelo seu responsável; criança extraviada: é aquela que está perdida, não sabe onde reside. LEMBRE-SE! Em ambos os casos, criança é toda pessoa de até 12 anos incompletos, conforme o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente art. 2 o da Lei n o 8.069/90). pessoa inválida, ao desamparo: é o deficiente, sob o aspecto físico ou mental (aquele que não pode se valer de si próprio para a prática de atos normais do cotidiano). Idoso também é considerado inválido nesse contexto, desde que não consiga livrar-se do perigo por conta própria. pessoa ferida, ao desamparo: é a pessoa que sofreu algum tipo de lesão corporal, estando impossibilitada temporariamente. pessoa em grave e iminente perigo: toda e qualquer pessoa que se encontra impedida de livrar-se do perigo por suas próprias forças, sendo que a pessoa não é inválida nem está ferida (ex.: alguém sobe na árvore e está prestes a cair de uma altura considerável. Ou uma pessoa presa no interior de um veículo durante uma enchente ocasionada por forte chuva). 49

claudio mikio suzuki Título I Não importa se foi a própria vítima que criou ou se autocolocou em grave e iminente perigo, ou se estas situações vêm das forças da natureza. Consumação No momento em que se omite, ou seja, deixa de prestar assistência quando pode fazê-lo. Tentativa É impossível, pois ou o agente deixa de socorrer e o crime está consumado, ou alguém presta o auxílio, afastando o delito. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA ART. 135, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL Nessas hipóteses há a figura preterdolosa. Só se configura o aumento de pena se ficar provado que se o agente tivesse socorrido a vítima, poderia ter evitado a ocorrência do resultado agravador, no caso lesão grave cuja pena é dobrada; e em caso de morte, a pena é triplicada. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES Se a vítima recusa auxílio, o agente responde pelo delito de qualquer jeito. Só não responde se a vítima impede o auxílio. Omissão de socorro em acidente de trânsito configura tipificação legal no art. 304 do CTB (Lei n o 9.503/97), somente se for o condutor do veículo envolvido no acidente. No caso de condutor que culposamente provoca homicídio ou lesão corporal e omite socorro, responde pelos arts. 302 e 303, respectivamente, do CTB, com aumento de pena. Há omissão de socorro no Estatuto do Idoso (art. 97 da Lei n o 10.741/2003), nos casos de a vítima ser pessoa idosa (mais de 60 anos), e em situações mais específicas, quando será afastada a aplicação do art. 135 do Código Penal. Se a omissão for de pai para filho, enfermeiro para paciente, ou outras situações de assistência de garantidores (art. 13, 2 o, do CP) poderá haver crime de abandono de incapaz (art. 133 do CP). Se várias pessoas negam assistência à vítima, todas respondem pelo delito. Se apenas um presta socorro, havendo várias pessoas que poderiam fazê- -lo, os demais não cometem crime, pois a vítima foi socorrida, e como é uma obrigação solidária, o ato de uma desobriga a todas as outras. 50

Dos Crimes Contra A Pessoa Se é caso de lesão corporal culposa, e não prestam socorro à vítima, é caso de lesão corporal culposa com pena agravada (art. 129, 7 o, do CP). Se o agente tentou lesionar ou matar uma pessoa e não prestou socorro, responderá pela lesão corporal ou homicídio, sendo o crime de omissão absorvido pela conduta específica (princípio da consunção). Se, mesmo sabendo nadar, liga apenas para a autoridade, em tese, responderá pelo crime, já que não há previsão legal que exclua a tipicidade do crime nesse sentido. QUADRO ESQUEMÁTICO OMISSÃO DE SOCORRO OBJETO JURÍDICO ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO SUJEITO ATIVO SUJEITO PASSIVO CONSUMAÇÃO TENTATIVA QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA AÇÃO PENAL A vida e a saúde das pessoas e o dever de assistência mútua entre os mesmos Deixar de prestar socorro quando possível fazê-lo às pessoas em situação de risco enumeradas no tipo penal, ou não pedir socorro à autoridade pública Dolo de perigo Qualquer pessoa Apenas as pessoas expressamente descritas no tipo penal No momento da omissão É impossível Crime comum, simples, instantâneo, omissivo próprio, de perigo abstrato ou de perigo concreto Pública incondicionada 3.7. CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPI- TALAR EMERGENCIAL ART. 135-A DO CÓDIGO PENAL O presente tipo penal foi introduzido pela Lei n o 12.653, de 28 de maio de 2012, e criminaliza a exigência de qualquer garantia para atendimento médico-hospitalar emergencial, que até então era prática usual de inúmeros hospitais que se valiam do estado de saúde do paciente, para então fazer inúmeras exigências para garantir o pagamento do tratamento médico. A pena é de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. A lei, em seu art. 2 o, trouxe ainda uma exigência interessante, qual seja a da obrigatoriedade de todo estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial ser obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente com a informação do presente tipo penal em estudo. Na prática, contudo, observamos que infelizmente não é essa a realidade dos hospitais de nosso país. 51

claudio mikio suzuki Título I Elemento objetivo núcleo do tipo É exigir, ou seja, ordenar, demandar, requerer um cheque-caução (cheque garantidor, geralmente em branco ou em quantia exorbitante tem regulamentação própria na Lei de Cheque Lei n o 7.357/85), nota promissória (nas mesmas condições do cheque-caução, lembrando que ambos os institutos são considerados títulos executivos extrajudiciais, conforme prevê o art. 784 do novo Código de Processo Civil, ou do art. 585 do antigo CPC) ou qualquer garantia (ex.: ouro, escrituras de imóvel, documentos etc.), ou ainda requerer o preenchimento prévio de formulários administrativos, para que só então o paciente seja atendido pelo corpo medico hospitalar de urgência. Observações importantes A obrigatoriedade para o preenchimento de formulários deve ser sempre prévio ao atendimento, e não posterior (BITENCOURT, 2014, p. 306). Vale ressaltar que em determinados casos é lícita a exigência de prévio preenchimento de formulários, nas ocasiões em que tal informação seja necessário para a vida e saúde do paciente, como em determinadas intervenções cirúrgicas que possam colocar a vida do paciente em risco, como por exemplo: a especificação do tipo sanguíneo do indivíduo a ser atendido, que pode ser necessário em determinadas intervenções médicas, sendo nesse caso uma conduta atípica. Elemento subjetivo Dolo de exigir alguma forma de garantia, ou preenchimento de formulário, como condição de atendimento médico emergencial do paciente. Sujeito ativo É crime próprio, pois só configura como autor do crime aquele que determina que o atendimento médico-hospitalar de urgência apenas será realizado se houver a entrega de uma das garantias elencadas no tipo penal, ou ainda a exigência de preenchimento de formulários para tanto, como por exemplo, o diretor, gestor, sócios etc. Contudo, na prática, quem faz essa imposição de garantias normalmente são os atendentes do estabelecimento médico, que embora sujeito a ordens, também deverá responder pelo delito, em concurso de agentes. Sujeito passivo Qualquer pessoa que estiver necessitada do atendimento médico- -hospitalar de urgência, bem como a pessoa da qual, em virtude de alguma impossibilidade do paciente, forem exigidas as garantias descritas no tipo penal para que haja o atendimento (GRECO, 2015, p. 378). 52

Dos Crimes Contra A Pessoa Consumação No momento em que há a exigência das garantias ou preenchimento dos formulários elencados no caput do tipo penal. Tentativa Embora com divergência na doutrina, entendemos que não é possível a tentativa deste delito, já que se há exigência para o atendimento o crime já está consumado, impossibilitando o fracionamento de sua execução (BITENCOURT, 2014, p. 308). CAUSA DE AUMENTO DE PENA PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 135-A DO CÓDIGO PENAL A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resultar lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima), e será triplicada se houver a morte da vítima/paciente. Trata-se de crime preterdoloso. QUADRO ESQUEMÁTICO CONDICIONAMENTO DE ATENDIMENTO MÉDICO- -HOSPITALAR EMERGENCIAL OBJETO JURÍDICO ELEMENTO OBJETIVO ELEMENTO SUBJETIVO SUJEITO ATIVO SUJEITO PASSIVO CONSUMAÇÃO TENTATIVA QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA AÇÃO PENAL A vida e a saúde das pessoas e o dever de atendimento médico- -hospitalar em casos de urgência Exigir as garantias e/ou preenchimento de formulários como condição de atendimento médico-hospitalar emergencial Dolo Trata-se de crime próprio, e só comete o crime quem estiver em condições de fazer as exigências descritas no caput para realização do atendimento médico Qualquer pessoa que esteja na condição de paciente, ou pessoa exigida para que o paciente seja atendido No momento da exigência É impossível Crime próprio, simples, instantâneo, comissivo, de perigo abstrato Pública incondicionada 3.8. MAUS-TRATOS ART. 136 DO CÓDIGO PENAL Historicamente, desde a época do Direito Romano ao pater familias era concedido poder irrestrito para fins disciplinares e educativos, mas, com o passar do tempo, a lei penal passou a tutelar os abusos dos meios corretivos e maus-tratos nas relações familiares. O tipo penal, ora descrito, prevê a 53

claudio mikio suzuki Título I punição dos maus-tratos, desde que haja um vínculo entre o agente e a vítima, de modo a controlar o poder disciplinar da pessoa que se valha da posição de superioridade. Elemento objetivo núcleo do tipo É expor a vida ou a saúde da vítima a perigo, nas seguintes situações: privando a vítima de alimentação ou cuidados indispensáveis (roupa, remédios, higiene etc.). sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado: é o trabalho exagerado, como carregar peso desproporcional à sua capacidade; ou trabalho impróprio, como, por exemplo, fazer com que uma pessoa doente trabalhe de noite e ao relento. abusando dos meios de correção e disciplina: abusar é o mesmo que exceder, usar em excesso, extrapolar. Dar uma palmada nas nádegas no seu filho para corrigi-lo é exercício regular do direito. Agora, socar com o fim de correção, configura maus-tratos. Elemento subjetivo Dolo, vontade de maltratar a vítima. Sujeito ativo É crime próprio, pois só configura como autor do crime aquele que tem autoridade sobre o outro, pais, tutores, babás, cuidadores, professores, médicos, enfermeiros, carcereiros etc. LEMBRE-SE! Marido não pode ser sujeito ativo em relação à mulher, pois não há vínculo de autoridade sobre ela. Sujeito passivo Pessoa incapaz, de qualquer idade, desde que exista relação de assistência, nas situações previstas na lei. Consumação No momento em que a vítima se expõe ao perigo. Tentativa Só é possível nas condutas comissivas (ex.: iria dar um soco no filho e alguém não deixa). Nas condutas omissivas a tentativa é impossível. 54