OCORRÊNCIA DE MORDIDA ABERTA ANTERIOR E HÁBITOS BUCAIS DELETÉRIOS EM CRIANÇAS DE 4 A 6 ANOS

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Transcrição:

OCORRÊNCIA DE MORDIDA ABERTA ANTERIOR E HÁBITOS BUCAIS DELETÉRIOS EM CRIANÇAS DE 4 A 6 ANOS Occurrence of anterior open bite and harmful oral habits in children from 4 to 6-year old Maritza Zapata (1), Joanna Carolina Bachiega (2), Analúcia Ferreira Marangoni (3), José Eduardo Massucato Jeremias (4), Raquel Agnelli Mesquita Ferrari (5), Sandra Kalil Bussadori (6), Elaine Marcílio Santos (7) 267 RESUMO Objetivo: verifi car a ocorrência de mordida aberta anterior e de hábitos orais deletérios em crianças de quatro a seis anos de idade. Métodos: foram avaliadas 266 crianças de quatro a seis anos incompletos, de ambos os gêneros, na cidade de Suzano São Paulo. As avaliações constaram de aplicação de fi cha de avaliação para detecção de ocorrência de hábitos bucais deletérios aos responsáveis e da realização de exame clínico constituído por avaliação da oclusão das crianças. Resultados: verifi cou-se que 221 crianças (83,1%) apresentaram pelo menos um hábito bucal deletério, sendo o mais frequente o uso de mamadeira 167 (75,6%). A ocorrência simultânea de hábitos deletérios e alterações de oclusão dentária foi observada em 119 crianças (44,1% da amostra) e nestas, a maior prevalência foi a presença da mordida aberta anterior, presente em 89 (79,8%). Conclusão: a mordida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças, havendo associação estatisticamente signifi cante entre hábitos orais deletérios, como uso de mamadeira, chupeta e ocorrência de bruxismo e presença de mordida aberta anterior. DESCRITORES: Oclusão Dentária; Hábitos; Mordida Aberta (1) Dentista; Consultório Maritza Zapata, Suzano, SP; Especialista em Odontopediatria pela Universidade de Mogi das Cruzes. (2) Dentista; Especialista em Odontopediatria; Mestranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade Nove de Julho. (3) Dentista; Marangoni Odontologia, SP; Especialista em Odontopediatria e Ortopedia Funcional dos Maxilares; Mestranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade Nove de Julho. (4) Fisioterapeuta; Prefeitura Municipal de São Sebastião, SP; Mestrando em Ciências da Reabilitação pela Universidade Nove de Julho. (5) Fisioterapeuta; Professora do Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP; Mestre e Doutora em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal de São Carlos. (6) Dentista; Professora do Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP; Mestre em Odontologia (Materiais Dentários) pela Universidade de São Paulo; Doutora em Ciências Odontológicas pela Universidade de São Paulo. (7) Dentista; Professora Titular da Disciplina de Odontopediatria da Universidade Camilo Castelo Branco, São Paulo, SP; Mestre em Odontologia (Patologia Bucal e Ortopedia Funcional dos Maxilares) pela Universidade de São Paulo; Doutora em Odontopediatria pela Universidade de São Paulo. Confl ito de interesses: inexistente INTRODUÇÃO Durante o primeiro ano de vida, a boca é a região mais importante do corpo, e a sucção uma resposta natural da própria espécie, considerada um dos primeiros padrões comportamentais do indivíduo 1. No entanto, a função muscular alterada, induzida por hábitos de sucção não nutritivos, correlacionase com a mordida aberta anterior, levando a uma alteração na deglutição normal e deformação da arcada dentária e palato 2-4. As mordidas abertas anteriores (MAA) são desarmonias oclusais geralmente associadas a hábitos bucais anormais, que são comportamentos adquiridos e que, em função da repetição contínua, automatizam-se e aperfeiçoam-se, tornando-se assim inconscientes 5. Se estes hábitos bucais persistirem durante o período da dentição mista, após o surto de crescimento, é provável que venham a provocar maloclusões, comprometendo ainda mais a deglutição e somando-se aos fatores ambientais, como

268 Zapata M, Bachiega JC, Marangoni AF, Jeremias JEM, Ferrari RAM, Bussadori SK, Santos EM hipertrofi a de amígdalas, respiração bucal e defi - ciências fonoarticulatórias 6-9. Estudos relatam que crianças que abandonam o hábito deletério até os seis anos de idade apresentam correção espontânea das maloclusões associadas à MAA 10-12. Quando a criança tem amamentação natural ela suga o alimento, o que lhe traz prazer oral e satisfaz sua fome, além de exercitar sua musculatura. Já uma criança que recebe o alimento por mamadeiras apresenta tendência para colocar o dedo na boca e, como o bico da mamadeira permite um maior fl uxo de saída de leite, é nesse momento que sugar se torna um hábito nocivo, podendo ocasionar alterações na forma do arco e profundidade do palato 13,14. O uso de mamadeiras e chupetas faz com que o bebê não seja devidamente estimulado na área sensório-motora, podendo se desinteressar pela sucção do leite materno. A partir deste momento, a musculatura perioral e da língua podem tornar-se hipotônicas, levando a uma alteração na deglutição normal, ocasionando mordida aberta anterior ou posterior 15. Os hábitos bucais deletérios constituem motivos para estudos multidisciplinares em relação às suas origens e consequências nos meios médico, psicológico, fonoaudiológico e odontológico, a fi m de que os resultados adquiridos sejam mais rápidos, efetivos e estáveis 16-18. Os fatores ambientais (hábitos) são determinantes na incidência da maloclusão em idade precoce, assim como os problemas de ordem genética o são em idades mais avançadas 19. Os distúrbios funcionais podem ser considerados como agentes etiológicos primários ou secundários, além de poder corroborar a predisposição a desordens temporomandibulares 20. Diante das considerações anteriores, o presente estudo objetivou verifi car a ocorrência da mordida aberta anterior e sua relação com a presença de hábitos bucais deletérios em crianças. MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal, descritivo, elaborado de acordo com as diretrizes da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e realizada mediante a autorização da direção da escola onde foi executada. Os responsáveis pelas crianças foram devidamente informados quanto à metodologia utilizada e, após concordância, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram assumidos como critérios de inclusão todos os responsáveis pelos voluntários que leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e crianças na faixa etária de quatro a seis anos. Como critérios de exclusão, crianças portadoras de dentes com anomalias de forma e tamanho e já submetidas ou em tratamento ortodôntico. Foram avaliadas 266 crianças, de ambos os gêneros, com idade de quatro a seis anos que frequentavam a escola Toshio Utyama, do Município de Suzano, SP. A avaliação foi iniciada pelo preenchimento de fi chas de avaliação pelos responsáveis, relacionando à presença ou não de hábitos parafuncionais (mamadeira, chupeta, onicofagia, bruxismo, interposição ou sucção de objeto ou dedo), em relação ao seu tipo e frequência, aplicadas pelo cirurgião-dentista responsável. Na sequência, as crianças foram submetidas à avaliação clínica pelo próprio pesquisador (cirurgião-dentista), na qual foram utilizadas espátulas de madeira e luz natural para a observação da presença ou não de maloclusões. O diagnóstico de oclusão foi sempre obtido em relação cêntrica (RC). Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Mogi das Cruzes, com protocolo nº 174/2005. Os dados foram analisados com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS@ for Windows 10.0, SPSS Inc., Chicago, IL). A ocorrência dos hábitos orais deletérios mamadeira, chupeta, onicofagia, bruxismo, interposição de objetos e dedo foi comparada entre as crianças que apresentavam ou não alterações oclusais, utilizando-se o teste do qui-quadrado de Pearson e o teste exato de Fisher. Valores de p menores que 0,05 foram considerados estatisticamente signifi cantes. RESULTADOS Das 266 crianças, cujos responsáveis responderam aos questionários, 132 (49,6%) eram do gênero masculino e 134 (51,4%) do feminino. A idade média foi de 4,7 anos com desvio padrão de 0,6. Em relação à cor da pele 200 (75,2%) crianças foram classifi cadas como leucodermas, 34 (12,8%) melanodermas e 32 (12%) como xantodermas. Com relação à dentição, 174 (65,4%) crianças apresentavam dentição exclusivamente decídua, enquanto 92 (34,6%) apresentavam dentição mista. Apenas 45 (16,9%) das 266 crianças avaliadas não apresentavam hábitos orais deletérios, enquanto 221 (83,1%) apresentavam pelo menos um hábito, sendo que o uso da mamadeira foi o mais comum, presente em 167 (75,6%) seguido por chupeta 93 (42,1%) e onicofagia 52 (23,52%). A ocorrência dos demais hábitos orais deletérios está demonstrada na Tabela 1. A presença simultânea de dois ou mais hábitos deletérios foi muito comum, sendo verifi cada em 134 crianças (60,63%) das 221 crianças que

Mordida aberta e hábitos orais deletérios 269 Tabela 1 Hábitos orais deletérios apresentados pelas crianças avaliadas Hábito deletério Ocorrência N=221 (%) Mamadeira 167 (75,6 %) Chupeta 93 (42,1 %) Onicofagia 52 (23,5 %) Bruxismo 48 (21,1 %) Objeto 31 (14 %) Dedo 12 (5,4 %) apresentavam hábitos deletérios. A associação mais encontrada foi a de mamadeira e chupeta 72 crianças (53,73%), seguida de mamadeira e onicofagia (36 crianças, 26,8%), mamadeira e bruxismo (31 crianças, 23,13%), mamadeira, chupeta e bruxismo (17 crianças, 12,6%) e mamadeira e interposição de objetos (14 crianças, 10,44%), como ilustrada na Tabela 2. Alterações de oclusão dentária foram detectadas em 119 (44,7%) das 266 crianças avaliadas. Aplicou-se teste Qui-quadrado com correlação de Pearson e teste Exato de Fisher e constatou-se que a mordida aberta anterior foi a alteração mais frequente estando presente em 89 (74,8%) das 119 crianças que apresentaram alguma alteração de oclusão, sendo que a mordida aberta posterior foi encontrada em apenas um caso (0,8%) e a mordida cruzada anterior esteve presente em seis (5,0%) e a posterior em 18 crianças (15,2%), considerando que 5 crianças (4,2%) apresentaram associação das mordidas cruzada anterior e posterior, conforme evidenciado na Tabela 3. Em relação à presença de hábitos deletérios e mordida aberta anterior, das 89 crianças com essa alteração oclusal, 30 (33,8%) tinham o hábito de tomar mamadeira, 25 (28,1%) de chupar chupeta e 11 (12,3%) tinham bruxismo. Houve associação estatisticamente signifi cante entre a MAA e os hábitos mamadeira (p= 0,006), chupeta (p < 0,001) e bruxismo (p = 0,03), conforme resultados descritos na Tabela 4. Tabela 2 Frequência de associações de hábitos orais deletérios nas crianças avaliadas Associação de hábitos deletérios (n=134) Mamadeira/chupeta 72 (53,3%) Mamadeira/onicofagia 36 (26,8%) Mamadeira/bruxismo 31 (23,13%) Mamadeira/chupeta/bruxismo 17 (12,6%) Mamadeira/interposição de objetos 14 (10,44%) Tabela 3 Prevalência de alterações de oclusão nas 119 das 266 crianças avaliadas Alteração de Oclusão Prevalência N=119 Mordida Aberta Anterior 89 (74,8 %) Posterior 1 (0,8 %) Mordida Cruzada Anterior 6 (5,0%) Posterior 18 (15,2 %) Anterior e Posterior 5 (4,2 %) Tabela 4 Ocorrência dos hábitos orais deletérios de acordo com a presença ou não de mordida aberta anterior das 266 crianças avaliadas Hábito deletério Mordida Aberta Anterior Sim (n = 89) Não (n = 177) p Mamadeira 30 (33,8 %) 93 (52,5 %) 0,006 Chupeta 25 (28,1 %) 27 (15,2 %) < 0,001 Onicofagia 8 (9,0%) 36 (20,3 %) 0,9 Bruxismo 11 (12,3 %) 25 (14,1 %) 0,03 Objeto 4 (4,5 %) 24 (13,5 %) 0,6 Dedo 3 (3,4 %) 7 (4,0 %) 0,2

270 Zapata M, Bachiega JC, Marangoni AF, Jeremias JEM, Ferrari RAM, Bussadori SK, Santos EM DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo evidenciaram que a mordida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças avaliadas. Além disso, foi observada associação estatisticamente signifi cante entre mamadeira, chupeta ou bruxismo e a presença de mordida aberta anterior, sugerindo que estes hábitos orais deletérios estejam relacionados a este tipo de maloclusão 14,15,20. Os principais fatores causadores de mordida aberta anterior são os hábitos de sucção digital ou de chupeta, mamadeira, deglutição atípica e interposição de língua ou lábio, podendo também corroborar as disfunções temporomandibulares 7,20,21. A mordida aberta anterior esteve presente em 89 crianças, sendo estes dados semelhantes aos encontrados em estudo anterior 22, onde foram avaliadas 904 crianças de três a seis anos, com esta alteração oclusal em 27,6% da amostra. Quanto aos hábitos deletérios mais comumente relacionados à desarmonia oclusal, os encontrados neste estudo reafi rmam estudos realizados anteriormente 23,24. A remoção de hábitos de sucção em crianças em fase de dentição decídua pode proporcionar a correção ou atenuação de maloclusão do tipo mordida aberta anterior, a adequação de estruturas e o redirecionamento de funções do sistema estomatognático. Porém, somente a remoção dos hábitos pode não promover total adequação destas funções, sendo assim, a utilização da Terapia Miofuncional Orofacial pode favorecer o aumento da força muscular, provocar mudanças positivas nos padrões funcionais, e assim prevenir desvios no desenvolvimento craniofacial 12,25-27. A ocorrência da associação de mais de um hábito oral deletério foi muito comum 9, o também foi evidenciado em estudo anterior 28. Com base nos resultados encontrados torna-se evidente a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para detecção, prevenção e intervenção precoce no que se refere à presença de hábitos orais deletérios, de forma a minimizar a ocorrência de alterações oclusais, uma vez que o tratamento em fases tardias é mais complexo, envolvendo, em alguns casos, a cirurgia ortognática 7,20. Além disso, no diagnóstico da mordida aberta anterior, o conhecimento do fator etiológico é fundamental para que se possa atuar de maneira objetiva, eliminando os fatores predisponentes com o tratamento adequado, permitindo assim que haja crescimento e desenvolvimento faciais normais, sem o estabelecimento de maloclusões na dentadura permanente 5. Este tipo de abordagem em relação à mordida aberta anterior faz observar a necessidade de mais estudos, tanto em relação à incidência e prevalência da mesma, quanto aos métodos que podem ser mais efi cazes no restabelecimento da oclusão do paciente, para que haja um pronto restabelecimento da função estomatognática do paciente. CONCLUSÃO A mordida aberta anterior (MAA) foi a alteração oclusal mais prevalente nas crianças. Houve associação estatisticamente signifi cante entre hábitos deletérios a presença de mordida aberta anterior, sugerindo que este tipo de maloclusão possa estar associado aos hábitos orais deletérios. ABSTRACT Purpose: to determine the occurrence of anterior open bite and harmful oral habits in children from four to six-year old. Methods: a total of 266 four-to-six-year-old male and female children in the city of Suzano (São Paulo, Brazil) were evaluated. An assessment chart for detecting the occurrence of harmful oral habits was administered to the guardians and clinical exams were performed for assessing occlusion in the children. Results: a total of 221 children (83.1%) had at least one harmful oral habit, the most frequent of which was the use of a feeding bottle (n=167; 75.6%). The occurrence of simultaneous harmful habits and dental occlusion abnormalities was observed in 119 children (44.1% of the sample); among these children, the greatest prevalence was of anterior open bite (n=89; 79.8%). Conclusion: anterior open bite was the most prevalent occlusion alteration in the children and had a statistically signifi cant association with harmful oral habits, such as the use of a bottle and/ or pacifi er and teeth grinding. KEYWORDS: Dental Occlusion; Habits; Open Bite

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