DIAMANTINA ALÉM DO CENTRO HISTÓRICO: a expansão urbana e a ocupação das encostas.



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Transcrição:

DIAMANTINA ALÉM DO CENTRO HISTÓRICO: a expansão urbana e a ocupação das encostas. Segundo subtema Expansão vs. Contenção nova cidade / cidade antiga reabilitar / renovar. Rafaele Bogatzky Ribeiro Corrêa Mestranda, Universidade Federal de Viçosa - UFV, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, bolsista da FAPEMIG, rafaelecorrea@yahoo.com.br Regina Esteves Lustoza Prof a. Dr a., Universidade Federal de Viçosa - UFV, Departamento de Arquitetura e Urbanismo -DAU, rlustoza@ufv.br

1. INTRODUÇÃO Do processo de interação do homem com o espaço natural surgem os espaços humanizados, ou seja, espaços onde o homem desenvolve suas atividades. Ao humanizar o espaço, o homem está inserindo-lhe modificações, que nada mais são que adaptações do espaço ás suas demandas, respondendo a determinadas finalidades. (SERRA, 1987). Essas adaptações são construídas coletivamente, vão se acumulando ao longo do tempo e expressando assim as características (cultura e tecnologia) daquela ocupação do espaço, daquele povoamento. Os resultados normalmente negativos de modificações do meio-ambiente podem ser observados na análise da evolução urbana da cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Diamantina é uma cidade mineira histórica, com um núcleo urbano do século XVIII fortemente consolidado e preservado, tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1938, e declarado como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1999. Com uma ocupação inicial à meia-encosta das Serras de Santo Antônio e de São Francisco, a cidade expandiu-se adaptando-se ao espaço natural e também modificando-o. O que se observa hoje, como um dos reflexos negativos dessa expansão urbana a ocupação da Serra dos Cristais e também de áreas marginais aos cursos d água, fruto de adaptações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. O presente estudo tem como objetivo investigar as relações entre a produção, a forma, os usos e as transformações da paisagem urbana na cidade de Diamantina. Além disso, observar e analisar, de modo preliminar, o espaço urbano de Diamantina e os atributos físicos que o definem, as estruturas sociais, econômicas, culturais e ambientais, através de um processo comparativo entre as características do meio físico do sítio e a ocupação das encostas. Justifica-se esse estudo pela ausência de trabalhos sobre a expansão urbana nas encostas das serras em Diamantina. Dada a importância nacional e também mundial da cidade de Diamantina Patrimônio Cultural da Humanidade mais precisamente de seu centro, esse estudo assume papel fundamental na análise desse processo de expansão urbana que já traz conseqüências negativas para o centro histórico. O estudo apresentado se justifica também pela importância da compreensão dos aspectos físicos do sítio para uma melhor análise e entendimento da forma urbana

resultante de sua ocupação. Justifica-se também porque, ao investigar a ocupação das encostas, traz á tona preocupações com relação ao comprometimento da leitura da paisagem urbana e também com relação á segurança dessas ocupações. Com a metodologia de investigação baseada na morfologia urbana tem-se um aporte metodológico para compreender e definir diretrizes para a melhor conjugação das forças de expansão urbana periférica e a preservação do centro histórico. 2. AS CARACTERÍSTICAS DO MEIO FÍSICO OCUPADO A paisagem local é, igualmente, feliz: campos de um verde seco e florido por quase todo o ano, com suas cores valorizadas pelo branco das pedras afloradas. Também branquíssimas são as praias dos ribeirões de águas claras vizinhos da cidade. Tudo é limpo, luminoso, em tons de aquarela ou pastel. (VASCONCELLOS, 1959) Diamantina está implantada na Serra do Espinhaço, o grande divisor hidrográfico interposto entre as bacias do centro-leste brasileiro e a do Rio São Francisco. Analisando a hipsometria da Serra do Espinhaço, observa-se que Diamantina encontra-se na parte central desse planalto, também a parte mais elevada, correspondente ao Planalto Diamantina, onde encontra-se o maior volume topográfico, cujo teto encontra-se em altitude média de 1300m. Do ponto de vista geológico, a característica fundamental da área ocupada é a predominância de quartzitos, compondo uma cobertura rígida, no entanto, densamente fraturada e cisalhada. As formas do relevo resultantes de sua esculturação pela dissecação fluvial são representadas, majoritariamente, por cristais, escarpas e vales profundos adaptados às direções tectônicas e estruturais. Com relação á hidrografia, Diamantina assume a função de ponto irradiador das drenagens dos rios São Francisco, Doce, Jequitinhonha e Aracuaí, confirmando seu caráter de teto orográfico regional. 3. A EVOLUÇÃO URBANA DE DIAMANTINA O Arraial do Tijuco, denominação inicial dada à cidade de Diamantina, teve sua origem à margem direita do córrego do Tijuco, um afluente do Rio Grande. Nesse

local, instalaram-se os primeiros habitantes, por volta de 1713, provindos de Serro Frio, e que ali se estabeleceram por terem encontrado ouro na confluência dos córregos Pururuca e Rio Grande. (Figura 1a) Esse foi o primeiro povoado, o Arraial do Rio Grande. Com o tempo, outros dois arraiais se formaram, sendo um na entrada do caminho que vinha do Serro Arraial de Baixo, e outro na saída para a Barra do Guaicuí Arraial de Cima. Esses três núcleos determinaram uma formação atípica das cidades históricas mineiras uma aglomeração triangular e densa na área mais plana. (Figura 1b) Essa primeira fase do povoamento pode ser estabelecida entre 1700 e 1720, segundo VASCONCELLOS (1959), caracterizando-se pelo povoamento esparso, em vários arraiais, e de limitação indeterminada. Um quarto arraial surgiu mais tarde, na margem esquerda do Tijuco, junto ao curso do córrego da Caridade o Arraial dos Forros. Assim, a formação antes triangular passou a ser quadrangular. (Figura 1c) Figura 1 Evolução urbana do centro histórico primeira e segunda fase Fonte: arquivos de Rafaele B. R. Corrêa Os caminhos que uniam os quatro arraiais cruzavam-se, conformando o centro urbano da cidade de hoje. Os arraiais periféricos ligavam-se, também, dois-a-dois, por caminhos que se constituíram em uma perimetral da área quadrangular. As saídas se davam pelos ângulos. Essa segunda etapa do desenvolvimento pode ser compreendida entre 1720 e 1750, quando a parte urbana se organizou num reticulado. Tanto desenvolvimento em tão pouco tempo deveu-se à descoberta dos diamantes, nos primeiros anos da década de 1720, e que se faz saber pela Coroa em 1729. Outro diferencial no tecido urbano que constata a rapidez na estruturação do arraial no século XVIII é a presença de igrejas inseridas dentro das quadras, sem o recorrente largo ao seu redor. (Figura 1d)

Uma terceira etapa desse desenvolvimento, entre 1750 e final do século XVIII, se caracterizou pela consolidação de seu traçado urbano e expansão. Nessa fase, os caminhos duplicaram-se em paralelas, e a população expandiu-se subindo as encostas através da Rua da Glória e da Rua da Caridade. Essa fase polarizou-se na capela de Nossa Senhora da Luz, que já é do início do século XIX. (Figura 2) Figura 2 Evolução urbana do centro histórico terceira fase Fonte: Arquivos de Rafaele B. R. Corrêa Figura 3 Evolução urbana do centro histórico quarta fase Fonte: Arquivos de Rafaele B. R. Corrêa Numa quarta fase identificamos os principais fatos históricos propulsores de sua consolidação e expansão de 1800 a 1900: elevação do Arraial a Vila Diamantina (1831); a Vila passa a ser Cidade (1833); o fim do monopólio português e a instituição do garimpo livre (1845); e a instalação de algumas fábricas (têxtil, vinho e lapidação de ouro). (10) Nessa fase, a malha urbana alcançou toda a encosta parcialmente ocupada, avançando-se para oeste e também para leste. O córrego do Rio Grande, que fazia as vezes de conter a expansão urbana rumo à Serra dos Cristais, foi transposto, e o pé da Serra começou a ser ocupado. (Figura 3) O século XX trouxe para Diamantina a ferrovia, e com ela uma infinidade de melhorias. Nessa fase, a cidade passou a ser o centro administrativo da micro região do Vale do Alto Jequitinhonha. A Matriz de Santo Antônio, a primeira do povoamento (junto à Rua Direita), foi demolida e em seu lugar construída a atual Catedral. As influências políticas de Juscelino Kubitscheck trouxeram para Diamantina três edificações de Niemeyer hotel, escola e clube além da criação da Faculdade de Odontologia de Diamantina. Em 1970, a ferrovia foi desativada e a expansão urbana passou a ser pela rodovia. Nessa etapa, verificou-se uma expansão urbana em todos os sentidos, seguindo soluções adotadas pelo crescimento espontâneo, ou seja,

através de caminhos naturais em desordenada expansão. Com o surto do progresso, percebeu-se a expansão do povoamento no sentido linear sudeste-noroeste. Figura 4 Esquema da evolução urbana de Diamantina Fonte: Arquivos de Rafaele B. R. Corrêa Desde 2001, verifica-se a presença da malha urbana por todas as encostas. O crescimento urbano acontece por iniciativa da própria população, e é fruto daquelas adaptações do espaço, sem planejamento e controle por parte dos órgãos competentes. Por todos os lados, encontra-se uma rua sendo aberta, edificações sendo construídas e condomínios sendo formados. Esse crescimento desenfreado é resultado, dentre outros, da chegada da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri na cidade, que consigo traz uma população crescente de estudantes, professores, funcionários e acompanhantes. Despreparada para tal, a cidade segue nas mãos do povo. (Figura 4) Com um centro urbano tombado pelo IPHAN, a tendência é a ocupação das áreas mais periféricas, que são também áreas de encostas e áreas marginais aos córregos d água.

4. IDENTIFICANDO OS MOTIVOS E AGENTES PROPULSORES DA ATUAL EXPANSÃO URBANA O conjunto arquitetônico da cidade foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 1938, recebendo o título de Patrimônio Histórico Nacional. Em 1999, foi tombado pela UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) como Patrimônio Cultural da Humanidade. A partir de então, Diamantina passou por um processo de supervalorização do espaço, do conjunto arquitetônico e da cultura. A área central se tornou alvo dos grandes investimentos turísticos e imobiliários. Nesse processo, com o impulso dado pela exploração turística, o morar está sendo substituído pelo alugar, o valor de uso está sendo substituído pelo valor de troca. Os espaços públicos, que deveriam ser utilizados pela e para a população local, cada vez mais se tornam palcos de apresentações para os turistas. O diamantinense, que sabia usufruir de seu patrimônio e de sua cultura agora a empacota e vende, num processo de banalização do que se tem de mais precioso seu patrimônio. Aliado à indústria do turismo, estão também os interesses políticos municipais. O turismo é visto como uma fonte de renda e de empregos para toda a população, que se beneficia direta e/ou indiretamente da exploração do patrimônio e cultura locais. O resultado financeiro decorrente desse processo é suficiente para camuflar os males causados por ele. Além dos grandes investimentos ligados ao turismo, a cidade de Diamantina também apresenta um investimento imobiliário crescente e explosivo nos últimos seis anos, devido à presença da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM. Os novos cursos ofertados têm trazido para a cidade uma população cada vez maior de alunos, professores, funcionários e novos investidores. Esse aumento populacional provocou, primeiramente, um adensamento da área central, e posteriormente, um crescimento urbano periférico. Nesse processo de expansão urbana fica evidente a força da iniciativa privada, responsável pelos novos loteamentos, condomínios e pelos grandes investimentos locais, induzindo e definindo seus rumos. A expansão urbana, orientada pelos interesses imobiliários da elite local, se espacializa ao longo das vias de comunicação, num crescimento em forma de tentáculos. (Figura 4) O eixo de expansão privilegiado é no sentido Oeste e Sudeste, no qual identificamos respectivamente: expansão pela rodovia que leva a Belo

Horizonte e expansão pela estrada de terra que leva a Serro, investimentos imobiliários para classe média e alta e ocupação residencial da classe baixa. Uma das conseqüências diretas desse processo de expansão urbana é a segregação social e espacial que se espacializa através dos modos de uso e ocupação do solo. O surgimento de novas áreas ocupadas nas periferias influem diretamente no uso e ocupação do solo nas áreas mais centrais. Nessas novas áreas, novas centralidades tendem a se manifestar como conseqüência da raridade do espaço no centro, gerando forças políticas, sociais e econômicas capazes de supervalorizar determinados locais do tecido urbano. Essa supervalorização do solo urbano, explorada principalmente pelos investidores imobiliários, tende a acontecer tanto nas áreas mais centrais de Diamantina, onde o espaço se torna raro, como também no entorno dessas novas centralidades em formação. 5. AS DIRETRIZES LEGAIS URBANÍSTICAS No início da ocupação não haviam diretrizes, já que esta evolução urbana aconteceu espontaneamente. Apenas quando da criação da Real Extração, em 1772, é que se tem início da administração direta da Coroa sobre, não só os diamantes, mas também sobre a localidade. É dessa época o Regimento Diamantino, a primeira legislação da cidade. Contida não só pelas características físicas do sítio, como também pelo excesso de controle administrativo da Coroa, a cidade pouco se desenvolveu, com relação às outras do mesmo período. A primeira legislação municipal referente ao uso e ocupação do solo em Diamantina, e também seu primeiro plano diretor, são de 1999, quando a cidade se estruturou para ser consagrada pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Nessa legislação, não há nenhum tipo de proibição e/ou restrição de ocupação das encostas, e também nenhuma referência aos riscos de deslizamentos de terras por conta de uma ocupação inadequada. A única restrição prevista refere-se á ocupação da Serra dos Cristais, que faz parte do patrimônio natural da cidade, emoldurando-a. Essa legislação foi revista e reelaborada em 2008, mas ainda não entrou em vigor. Novamente, percebe-se a falta de diretrizes para controlar e orientar a ocupação das encostas (as poucas que ainda não foram ocupadas), e também a falta de limitações das áreas a serem ocupadas levando-se em consideração o risco de

deslizamento de terras. Continua ainda como única diretriz restritiva a ocupação das encostas (o que restou) da Serra dos Cristais. No entanto, o que se observa na prática é o desrespeito a essa legislação, já que a população de mais baixa renda escolheu a subida da Serra dos Cristais para sua ocupação. A escolha se deve, principalmente, à ocupação clandestina das terras, sem a preocupação com os trâmites legais, e também por ser a área muito próxima do centro. Verifica-se também, nesse momento, a ineficácia dos órgãos fiscalizadores, permitindo essa ocupação conflituosa com a paisagem. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ocupar o espaço natural, humanizá-lo e modificá-lo... nesse percurso o homem defronta inevitavelmente com as características do meio físico. No caso de Diamantina, como a ocupação se deu por motivos econômicos, os exploradores mineiros não tiveram o direito de escolha de um sítio com melhores condições para ocupação se quisessem explorar aquelas minas, era ali que teriam que se estabelecer. Assim, percebe-se que a ocupação se deu à meia-encosta das Serras de Santo Antônio e São Francisco, local mais favorável para a ocupação. Toda a expansão urbana posterior foi delineada, tanto pelas características físicas do local quanto pelas possibilidades de comunicação com o restante da região. Nesse processo, a expansão urbana avançou sem que preocupações com as questões ambientais e patrimoniais fossem levadas em consideração. A única encosta que ainda resiste a essa ocupação é a da Serra dos Cristais, que apesar de protegida pelo IPHAN, já se apresenta ameaçada pela expansão urbana. Esse processo comparativo entre as características do meio físico e a ocupação urbana permite concluir que essas ocupações são conflitantes e também agressivas ao meio natural e à paisagem urbana. O que se percebe com relação à atual legislação urbanística é a falta de diretrizes para controlar e orientar a expansão urbana de Diamantina. O que foi discutido durante a revisão do Plano Diretor, em 2008, foi suficiente para divulgar a intenção do poder público quanto a investimentos. A região noroeste se firmou como vetor de crescimento urbano, tanto por espontaneamente estar acontecendo, quanto por interesses políticos e econômicos locais. A expansão sentido sudeste, é negada pelo poder público, uma vez que se refere á ocupação irregular, de baixa renda e avançando sobre áreas de proteção ambiental.

Decorrente dessas induções legislativas e políticas, percebe-se uma expansão urbana em dois sentidos opostos, com objetivos e meios contraditórios. No sentido de expansão sudeste, a ocupação das áreas acontece de forma clandestina, sem a preocupação com os trâmites legais de loteamento. A população de classe baixa, escoltada pela ineficácia dos órgãos fiscalizadores, ocupa as margens da estrada de terra que leva a Serro, a encosta da Serra dos Cristais e também invade as áreas de preservação ambiental. No sentido de expansão noroeste, a ocupação que margeia a rodovia que leva a Belo Horizonte acontece através de loteamentos devidamente aprovados na prefeitura, implantados por construtores e com o foco na população de classe média e alta. As áreas marginais aos muitos córregos ali existentes vão sendo legalmente ocupadas. Ter uma legislação atualizada poderia auxiliar no controle do uso e ocupação do solo e promover uma paisagem urbana mais homogênea e menos descaracterizada. O patrimônio arquitetônico e também paisagístico poderiam ser mais bem preservados e protegidos. 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA LAMAS, J.M.R. Morfologia urbana e desenho da cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2000. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo / Lisboa: Ed. Martins Fontes, 1985. MACHADO FILHO, Aires da Mata. Arraial do Tijuco cidade de Diamantina. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980. PESSÔA, José. Atlas de centros históricos do Brasil / José Pessôa, Giorgio Piccinato Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007. SAADI, Allaoua. A geomorfologia da Serra do Espinhanço em Minas Gerais e de suas margens. IGC/UFMG Centro de Pesquisa. SERRA, Geraldo. O espaço natural e a forma urbana. São Paulo: Nobel, 1936. VASCONCELLOS, S. Formação urbana do Arraial do Tejuco. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, p. 121-134, 1959.