Museu Dom João VI: memória e lugar do ensino artístico



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Transcrição:

Museu Dom João VI: memória e lugar do ensino artístico Carla Costa Dias Museu D. João VI / EBA / UFRJ Introdução O Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes/UFRJ tem sua história iniciada no século XIX. As coleções da antiga Academia Imperial, depois Escola Nacional de Belas Artes e hoje EBA/UFRJ, foram formadas por obras de professores e alunos, provenientes de concursos para prêmios de viajem ou para vagas de professor, cópias realizadas nos museus europeus e todo o material didático das diversas disciplinas. Esse acervo extraordinário, acumulado desde a criação da Academia em 1816, foi desmembrado em 1937. A maior parte ficou no MNBA e a outra parte, voltada ao ensino e, portanto, mais didática, foi distribuída entre as salas e os ateliês da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). As duas instituições, no entanto, ocupavam o mesmo prédio: o MNBA na parte da frente, voltada para a avenida Rio Branco, e a ENBA a sua parte posterior, na esquina das ruas Araújo Porto-Alegre e México.: grande parte dele deu origem ao Museu Nacional de Belas Artes, continuando na Escola, de modo geral, o acervo mais ligado ao ensino e o arquivo documental. Em 1979, o diretor Almir Paredes reuniu esse acervo, disperso pelas salas da Escola, criando o Museu D. João VI, que funcionou até 2008 no segundo andar do Prédio da Reitoria da UFRJ, na Ilha do Fundão, junto à própria Escola, que ocupa vários andares (primeiro, segundo, sexto e sétimo) do prédio. A criação do Museu teve como finalidade primordial a preservação e divulgação do acervo artístico e documental da Escola de Belas Artes, contribuindo dessa maneira para o estudo da memória do ensino artístico no Brasil. É também objetivo do Museu colaborar no desempenho das atividades didáticas a cargo da Escola de Belas Artes. O acervo O acervo do Museu D. João VI é constituído basicamente de duas coleções: a primeira compõe-se de obras relativas à Academia Imperial de Belas Artes, depois Escola de Belas Artes. Além de obras dos seus primeiros mestres como Grandjean de Montiny (vários desenhos arquitetônicos) e Marc Ferrez (alguns bustos), possuímos trabalhos provenientes de Concursos para Cátedra, como o realizado em 1865 para a Cadeira de Pintura de Paisagem, em que concorreram Pedro Américo e Jules Le Chevrel, trabalhos decorrentes dos Concursos ao Prêmio de Viagem, como Moisés Recebendo as Tábuas da Lei de Zeferino da Costa de 1868 e Sacrifício de Abel de Rodolfo Amoêdo de 1878, ao lado de uma série de envios cópias dos primeiros mestres da pintura européia

feitas pelos artistas pensionistas, entre estes envios destacam-se os de Eliseu Visconti, além de vários desenhos, pinturas e esculturas realizados por alunos e professores da Escola, como Lucílio e Georgina de Albuquerque, Marques Junior, Portinari, entre outros. Nesta coleção inclui-se ainda a parte de medalhística, representada pelo acervo do grande gravador e professor Augusto Girardet, acrescida da recente doação das obras do Prof. Leopoldo Campos e a coleção de aquarelas de José Reis de Carvalho; uma sanguínea de Portinari, entre outros. O acervo é, portanto, formado pelas peças usadas em sala de aula como exemplo para os alunos, muitas delas de caráter científico, como desenhos de anatomia, modelos tridimensionais de partes do corpo e de elementos arquitetônicos, fotografias de modelos vivos e outros objetos didáticos, cópias de obras clássicas em gravura e desenho, e reproduções em gesso. Este conjunto de peças é importante pois ilustra todo o processo de ensino acadêmico no Brasil ao longo de mais de cem anos da história das artes no Brasil, e é em especial significativo quando lembramos que a Academia foi por um bom tempo a única instituição superior de ensino artístico no Brasil, e em sua longa e frutífera trajetória foi uma influência decisiva para o desenvolvimento de todas as artes brasileiras, posição que só começou a perder com o surgimento de outros estabelecimentos de ensino superior de arte pelo país a partir das primeiras décadas do século XX. O Museu abriga ainda uma rica biblioteca com obras raras, um arquivo documental que registra toda a história administrativa da instituição, com livros de matrícula, atas e correspondência, fontes primárias indispensáveis para o desenvolvimento de estudos e projetos de pesquisa em arte, quer no campo teórico quer no aplicado. Estes acervos são o resultado do patrimônio acadêmico produzido pela Escola no período compreendido, principalmente, entre 1820 e 1920. O acervo de obras do Museu da Escola de Belas Artes D. João VI tem uma importância singular, seja para o estudo e o entendimento da história da formação artística no país, seja para a construção de uma história da arte brasileira. Finalmente, possui o Museu D. João VI um acervo de documentos da Academia Imperial de Belas Artes, depois Escola de Belas Artes, de inestimável valor para o estudo da arte brasileira nos séculos XIX e XX. O Museu D. João VI possui aproximadamente 3.653 peças museológicas e 6.221 documentos. Trata-se de acervo de enorme importância para a memória da produção artística brasileira nos séculos XIX e XX, uma vez que esta instituição foi responsável não apenas pela formação dos artistas, mas também pelo funcionamento do sistema das artes visuais, organizando exposições, salões e prêmios de viagem.

A criação de uma linha de pesquisa na EBA sobre a sua própria história É notório que a Escola de Belas Artes - criada em 1816, aberta em 1826 como Academia Imperial de Belas Artes, transformada em 1890 em Escola Nacional de Belas Artes e finalmente incorporada em 1972 à Universidade Federal do Rio de Janeiro simplesmente como Escola de Belas Artes - desempenhou, ao longo de sua trajetória de mais de 180 anos, um papel central na história das artes visuais do nosso país : referência obrigatória tanto na formulação do ensino oficial, quanto na vivência e produção do campo artístico, sobretudo através da sua vinculação aos salões e às premiações, constituindo interlocutor indispensável, mesmo para seus opositores. Representa, portanto, um estudo de caso privilegiado, uma vez que revela toda a problemática da arte brasileira nos séculos XIX e XX - a relação com o Estado e a participação em projetos políticos; a interação com os movimentos artísticos europeus e a construção da modernidade possível no Brasil; a questão do ensino artístico e, posteriormente, a inserção no ambiente universitário. A consciência das limitações e lacunas da historiografia tradicional e das possibilidades de outras leituras na reavaliação crítica da Escola levou a Pós-graduação da Escola de Belas Artes atualmente Programa de Pós-graduação em Artes Visuais (Mestrado e Doutorado) - a investir desde os anos 1990 numa linha de pesquisa sobre a história do ensino artístico no Brasil, tomando como caso de estudo a sua própria trajetória como instituição. A motivação para o interesse nesse estudo é evidente. Por um lado, é a nossa própria história no sentido em que vivemos ainda na Escola de hoje os sucessos e as limitações de um sistema de ensino artístico que, apesar de muito reformado, ainda guarda linhas de continuidade com o passado. Por outro lado, as fontes privilegiadas para esse estudo grande parte das obras e dos documentos ligados diretamente às questões de ensino encontram-se no Museu da Escola de Belas Artes D. João VI. Mudanças em curso - Modernização da exposição permanente A partir de 2002, com a nova direção da Profa. Dra. Angela Ancora da Luz e dando continuidade a essa linha de pesquisa, avançamos para uma nova intervenção no Museu D. João VI, visando complementar a identificação e pesquisa do acervo (especialmente o banco de dados informatizados), promover a conservação de parte de seu acervo e disponibilizá-lo para pesquisa (com a reestruturação da reserva técnica) e visitação (com a modernização da exposição permanente).

O Museu D. João VI entrou numa fase de reformulação de seus objetivos e de sua atuação. Sendo um museu universitário, deve estar voltado prioritariamente para atender às necessidades acadêmicas da EBA. Guarda um acervo museológico e arquivístico importante para a pesquisa sobre a história passada da EBA em particular e do ensino artístico em geral. Mas precisa também estar engajado na história presente da EBA. O plano básico da curadoria apoiou-se na divisão em cinco módulos, quatro dos quais retraçam os grandes blocos históricos, em que a trajetória da Academia e da Escola pode ser compreendida, além de um quinto módulo reservado ao acervo de arte européia pertencente à instituição. Segundo Sonia Gomes Pereira, responsável pelo projeto de mudança do conceito museologico do museu que foi implementado a partir da constatação da especificidade do Museu e sua localização dificil - fora do circuito cultural da cidade a perspectiva de revitalização não poderia estar colocada nos mesmos padrões da maioria dos museus e espaços culturais da cidade (PEREIRA, 2011). O partido escolhido junto a arquiteta Marize Malta foi conferir um perfil bem definido e que legitimasse sua trajetória e inserção em uma escola de artes quase bicentenária (MALTA, 2011). O projeto desenvolvido buscou priorizar a potencialidade para pesquisa e apoio didático, deixando disponível o conjunto do acervo, isto é, suprimindo a área expositiva o museu se transformou em uma grande reserva técnica e todas as suas salas e circulação foram disponibilizados como espaço para guarda/ exibição do acervo. Em dezembro de 2008 o novo Museu foi inaugurado e desde então temos podido acompanhar cotidianamente a apropriação do publico ao conjunto das obras expostas. Entendo a particularidade e dimensão de um processo de ensino que é dinamicamente atualizado. O Museu D. João VI atende, em primeira instância, à Escola de Belas Artes, que possui atualmente 2.500 alunos, distribuídos em dez cursos de graduação e três de pósgraduação. Em segunda instância, atende a toda a população da UFRJ, localizando-se em situação de destaque no próprio Prédio da Reitoria e sempre incluído no roteiro de personalidades em visita à Universidade. Em terceira instância, pela importância de seu acervo referência obrigatória para pesquisadores da arte brasileira dos séculos XIX e boa parte do XX -, o Museu atinge todo o Brasil e mesmo o exterior, através da pesquisa in loco, do banco de dados e das publicações; além disso, o Museu tem emprestado peças do seu acervo a várias exposições de importância nacional, como a Mostra dos 500 Anos, assim como atende regularmente às solicitações de fotografia do seu acervo para fins editoriais. Como museu universitário, atende a estudiosos de todo Brasil e mesmo do exterior uma

vez que seu acervo é importante para a compreensão da arte brasileira dos séculos XIX e XX. Além disso, tem servido de base para uma das principais linhas de investigação da Pós-graduação, com uma produção significativa de dissertações, teses e publicações sobre a história da instituição e a questão do ensino artístico. A fundação do Museu não se restringe apenas à preservação do seu acervo, mas também cumpre outro papel primordial como museu universitário: por estar ligado a uma escola de arte seria inadmissível pensarmos numa escola de arte sem obras de arte! Tem um compromisso fundamental com a pesquisa e a produção do conhecimento. Todos sabemos as fortunas fabulosas que as universidades americanas gastam para dotar os seus departamentos de arte de coleções que possam servir de referências para seus estudos, igualando-se em importância à biblioteca como apoio à formação do artista. Assim, o acervo do Museu D. João VI serve às aulas de desenho e história da arte, é usado como laboratório nas disciplinas ligadas à restauração e contribui na formação dos alunos dos oito cursos de graduação da EBA, pois para todos os profissionais no campo da visualidade, é importante a compreensão tanto da tradição quanto da contemporaneidade. Os museus assumiram o papel de educadores públicos e árbitros do gosto e do conhecimento. Neles a diversidade conceitual transparece, assim como a das formas. Constituem-se, por isso, em lugar privilegiado para a alfabetização visual e são também espaços totalizadores, onde vários discursos podem ser construídos a partir do que se guarda ou do que se expõe. Eles são vistos como instituições que guardam, conservam, protegem e expõem ao olhar aquilo que deve ser lembrado, num processo em que memória e esquecimento são vértices de uma mesma construção. Referencia Bibliografica ALEXANDER, Edward Porter. Museums in motion. An introduction to the history and functions of museums. Nashville: American Association for State and Local History. 1979. MALTA, Marize. Projeto Museografico do Museu D. João VI e a questão da reserva técnica exibida In: O Ensino artístico, a Historia da Arte e o Museu D. João VI. Rio de Janeiro, EBA, 2010. PESSANHA, José Américo da Motta. "O sentido dos museus na cultura. In: O museu em perspectiva. Rio de Janeiro, Funarte, CFCP, (Encontros e Estudos, 2). 1996. PEREIRA, Sonia Gomes. O projeto de revitalização do Museu D. João VI da EBA/UFRJ, a reinterpretação do acervo do Museu e sua nova curadoria. Arte&Ensaios (UFRJ), v.17, p.54-63, 2008