REFLETIR SOBRE A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL: UMA REPOSTA AO RACISMO



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Transcrição:

REFLETIR SOBRE A HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL: UMA REPOSTA AO RACISMO FREITAS, Madalena Dias Silva 1 Universidade Estadual de Goiás - Unidade Universitária de Iporá ¹madalenafreitasf@hotmail.com RESUMO O texto que se apresenta visa discutir a situação em que os negros foram submetidos no Brasil, como escravos e como homens livres, onde se mantiveram desprovidos dos principais direitos, tendo ainda por objetivo reconhecer a importância de medidas para a construção de uma sociedade de igualdade racial. Um dos meios seria o debate das questões étnicas racial nas escolas, de modo abrir possibilidade para os alunos e professores interferirem nas atitudes racistas inerente. Trazer para a sala de aula a História da África e a Cultura afro-brasileira com objetivo de superar a supremacia branca presente na história. Para isso deve-se buscar mecanismos para o cumprimento das Leis que visa a superação da grande desigualdade entre negros e brancos existente no Brasil. Para tanto reconhece a importância e a necessidade da implementação da lei 10639 de 2003, da formação de professores e que o Estado cumpre o papel de combater a exclusão social e racial tão presente no Brasil. Palavras Chaves: História, identidade étnica, preconceito. INTRODUÇÃO O Brasil é o país com maior número de negros fora do continente africano, sendo também o país das Américas que mais usufruiu da mão-de-obra escrava negra e o que manteve a escravidão por mais tempo. Mesmo reconhecendo que os africanos tiveram grande importância na construção econômica e social, o Brasil é uma nação racista comprovada pelos dados estatísticos que apresentam a desvantagem dos negros em relação aos brancos. Segundo os dados do IBGE divulgado em novembro de 2006 assinala que: A escolaridade dos pretos e pardos é menor que a dos brancos. Há desigualdade também nos indicadores educacionais. A população em idade ativa preta e parda tinha 7,1 anos de estudo, em média, e era menos escolarizada que a população branca (8,7 anos de estudo, em média). Foi apurado, também, que 6,7% das pessoas pretas e pardas com 10 a 17 anos de idade não frequentavam escola, contra 4,7% dos brancos. E enquanto 25,5% dos brancos com mais de 18 anos frequentavam ou já haviam frequentado curso superior, o percentual era de apenas 8,2% para os pretos e 1 Professora do curso de História da UEG-Unidade de Iporá, mestranda pela PUC-Goiás e desenvolve pesquisa sobre a cultura afro-brasileira. 116

pardos. Mas houve alguma evolução neste indicador: em setembro de 2002, apenas 6,7% dos pretos e pardos frequentavam ou já haviam freqüentado curso superior. (IBGE, 2010) Essa situação de desigualdade entre negros e brancos, apresentada pelos dados do IBGE é resultado da trajetória histórica dos povos negros no Brasil, pois, permaneceram por três séculos como escravos e quando libertos passaram a compor a franja marginal da sociedade já que, o sistema privilegiava em todas as instâncias de poder uma elite branca que continua a ver os negros livres como submissos e subordinados a ordem vigente. O escravo liberto está no sopé da escala social agrária e mal se distingue da massa de escravos, pois, embora liberto, continua a dever a seu antigo senhor a mesma obediência, a mesma humildade.(...) MATTOSO (1988, p. 203) O Estado brasileiro do Império a República continuou articulando mecanismo de exclusão do negro na sociedade, a situação desses no Brasil era de invisibilidades nos direitos legais, uma vez que a própria Constituição Brasileira de 1884 não falou sobre os escravos, como se esses não fosse digno de direito, de certo modo a lei também era excludente, uma vez que nega o direito a educação e exige ser alfabetizado para exercer os direitos políticos. Isso significa que o poder sócio-político e econômico permaneceu centrado nas mãos das elites brancas por quase toda a história do Brasil. Tanto que mesmo depois de mais de um século da abolição o negro ainda vive em condições de desigualdade em relação ao branco. É preciso refletir sobre a realidade da população negra brasileira, compreender a história, mas não usá-las apenas como justificativas para todas as mazelas que estão sujeitadas. A ausência de políticas para inclusão dos negros na sociedade desde a abolição deve ser considerada como fator de negligência da sociedade e do Estado brasileiro, desse modo faz necessário considerar a urgência em desenvolver medidas de inserção dos negros em todos os espaços sociais, pois se entende que não é possível lutar com igualdade uma vez que a história entre negros e brancos é de desigualdade. Para que se entenda a necessidade de medidas inclusivas para os povos negros no Brasil é necessário retomar a história de exclusão a que estiveram submetidos ao longo dos séculos. Para isso, faz-se necessária uma síntese da trajetória de migração forçada dos africanos para o país desde o século XVI ao XIX. Sujeitos à escravidão perderam seus direitos como homens, pois como escravo não exercia nenhum poder sobre si, há muitos foram negados o direito sobre o próprio corpo, crenças e tradições. 117

Não é pretensão de o texto retratar toda a saga vivida pelos negros africanos desde a travessia do Atlântico às senzalas das fazendas espalhadas por várias partes da colônia, porém é importante saber que o início do tráfico negreiro se dá em uma fase de ambição do capitalismo europeu que desejava a extração de grande quantidade de produtos da terra descoberta, o chamado Novo Mundo. Para isso, foram criados fortes mecanismos de dominação no continente africano, o que tornou o tráfico uma das atividades econômicas de lucro imediato e por consequência, a exploração do trabalho escravo garantia essa dinâmica. Como afirma FLORENTINO (1995, p. 24) Ao aumento do volume de exportações de produtos tropicais correspondia o da importação de mercadorias muito especiais os homens 2. ESCRAVIDÃO E LUTA O sistema escravista foi responsável pela violência em que os negros africanos foram submetidos 3, atribuindo a eles um valor para compra e venda. O sistema recorria a todo mecanismo possível para coerção, violência física, violência psicológica e diversos tipos de humilhação, inclusive sendo assassinados em nome dessa ordem. Mesmo com todo aparato de um sistema institucionalizado 4 os negros organizaram diferentes formas de resistências contra a dominação como fugas, boicote ao trabalho, organização de quilombos, trata se de comunidades originalmente constituídas por negros fugidos da escravidão. Os quilombos e mocambos são constantes na paisagem brasileira desde o século XVI. MATOSO (1988, p.158). Esse espaço constituía um local de liberdade e de organização contra o sistema proporcionando a resistência cultural, mantendo tradições e costumes, elementos importantes na construção da identidade do povo negro no Brasil. As lutas dos negros contra a escravidão deixam claro que a abolição não foi um presente de princesa, pois a resistência dos negros já havia tornado muitos africanos livres das amarras do trabalho escravo através das fugas e do próprio desgaste do sistema escravista. Vale ressaltar também que as mudanças do século XIX, como a formação de um 2 Para Manolo Florentino entre os séculos XVI e XIX, 40% dos quase 10 milhões de africanos importados pelas Américas desembarcaram em portos brasileiros. (1997: 23) A análise do autor inclui os que chegaram vivos que saíram do continente africano chega a 12,5 milhões. 3 A mortalidade na travessia estava relacionada com as péssimas condições de higiene, alimentação e de espaço físico nos apertados porões dos navios. 4 Legalizado pelos Estados Português e Brasileiro. 118

imperialismo, que buscavam outros modos de exploração contribuíram para o fim da escravidão. Contudo, a abolição da escravidão no Brasil não foi capaz de eliminar a violência e o racismo contra os negros. Assim, a carga de exclusão do negro no sistema escravista continuou sendo um forte atributo dos negros livres. A escravidão racial que estava submetida na escravidão emerge, após a abolição, transpondo-se ao primeiro plano de opressão contra os negros. Mais do que isso, ela passou a ser um dos determinantes do destino social, econômico, político e cultural dos afro-brasileiros (SANTOS, 2005, p. 21) Nesse contexto, a luta pela verdadeira abolição ainda continua. O fato de não serem escravos não significou a reconquista da dignidade, uma vez que libertos da obrigação do trabalho forçado, um aglomerado de pessoas ficaram vagando, sem apoio para recomeçar uma vida de liberdade. Como não foram estabelecidas políticas para esses negros encontrarem novas moradias, novos trabalhos, restou a competição desigual com os brancos para se inserirem na sociedade. Lembrando que foi no conjunto da abolição que o governo brasileiro investiu na migração de europeus para assumirem a produção no lugar dos escravos, visando com esse projeto, o branqueamento 5 da população brasileira, acreditando que a grande entrada de brancos seria a solução para eliminar a cor preta: (...) dessa forma, paralelamente ao processo que culminaria com a libertação dos escravos, iniciou-se uma política agressiva de incentivo a migração... (SCHWARCZ, 1999, 187). A LEI QUE NEGA O DIREITO O Estado brasileiro, além de procurar eliminar o negro da sociedade através do projeto de miscigenação, criou Leis para que ele permanecesse na condição de subordinado, negando vários direitos, inclusive o da Educação, o negro enquanto escravo era proibido de frequentar escolas e quando livres era rejeitado, mesmo não sendo de modo explícito a proibição. Desse modo, quando o chamado Estado Democrático Brasileiro, através da Constituição de 1988, buscou-se legalizar o direito entre os homens, os negros já haviam acumulado uma grande perda de direitos, sendo marginalizados em toda esfera nacional. 5 Política de miscigenação, de tornar a proporção de brancos maior que a de negros até chegar o ponto de suprimi-los. 119

Nesses cem anos que separam a abolição da Constituição de 1988, o estado brasileiro não contribuiu com a vida social do negro e fechou os olhos para todas as formas de negação de direito. Isso não significa que as Leis seriam a luz capaz de resolver as desigualdades entre brancos e negros, mas uma maneira de abrir possibilidades que tornassem possíveis reverter a disparidade que até então fora legalizada. É com o intuito de abrir possibilidades que, a partir desse resumo histórico o texto se propõe a apresentar a importância de políticas de inserção do negro na Educação. Sendo assim iniciar-se este com o seguinte questiona-se: porque a Lei? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seus primeiros textos não se preocupou com a questão de raça no Brasil, uma vez que era cultivada no país a mentalidade do mito da democracia racial 6. Os pontos referentes, como o Capítulo III, afirmam que o Ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas, raças etnias para a formação do povo brasileiro. (SCHWARCZ, 1999:56), foi palavras ao vento, isso por que nada foi feito na prática, junto à sociedade. Sendo assim, não serão enumerados os pontos da LDB que trata da questão em voga. Mas propõe-se refletir sobre a conjuntura da alteração da Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 pela Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003. DO RECONHECIMENTO A LEI 10639/03 A Lei 10639/03 7 vem como um reconhecimento das lutas antirracistas feitas pelos movimentos sociais, pelos intelectuais e pelos movimentos negros, que por mais de meio século propuseram-se a obrigatoriedade da História do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil e da cultura negra brasileira e do negro na formação nacional brasileira. (SANTOS, 2005, p. 34) A Lei teve uma grande importância no debate das questões raciais no Brasil, inclusive do reconhecimento da existência do racismo contra os negros, atitude violenta que sempre foi negada pela sociedade. Ressalta-se que a implementação da Lei foi uma das formas de admitilo. 6 Negação do preconceito racial no Brasil e a ideia de boa consciência, sem questionamento a harmonia racial. É entendido como o mito da democracia racial, sendo que as injustiças contra os negros atreladas a discriminação e ao preconceito é evidente na História. (SCHWARCZ, 1999) 7 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Em 9 de janeiro de 2003 torna obrigatório a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e africana nos currículos da Educação básica. (Texto da Lei) 120

Contudo, considerando a realidade em que a Lei foi proposta, esta não alcançou sua amplitude, uma vez que sua obrigatoriedade não se estendeu aos cursos de formação de professores, licenciaturas e outros e também não tratou de reformular os manuais didáticos e nem criou meios de formação de educadores. Dessa forma, nove anos já se passaram e pouco se tem sobre a aplicação da Lei, a não ser o caso de alguns professores que buscaram formação e informação para desenvolverem projetos temáticos cuja abordagem pudesse ocasionar o estudo sobre o povo negro no Brasil e sobre a História do continente africano. Cita-se, como exemplo, os alunos estagiários do Curso de História da UEG-Unidade de Iporá, os quais têm desenvolvido projetos nas escolas campo desde 2009, ano de introdução dos componentes curriculares (Temas de História da África e Cultura Afro-brasileira) na matriz do curso. Os resultados desses trabalhos são recebidos pela comunidade escolar como uma proposta positiva, servindo de motivação para debater as atitudes inerentes aos espaços educativos, pois mesmo que grande parte dos educadores sinta-se inseguros diante do fazer pedagógico da diversidade racial brasileira, estes reconhecem a necessidade e a importância de desenvolverem atividades que possam debater a história africana e a cultura afro-brasileira, nesse sentido, os professores têm um grande desafio: (...) realizar uma revisão de posturas, valores, conhecimentos, currículos na perspectiva da diversidade étnico-racial. Nos dias atuais, a superação da situação de subalternização dos saberes produzidos pela comunidade negra, a presença dos estereótipos raciais nos manuais didáticos, e a estigmatização do negro, os apelidos pejorativos e a versão pedagógica do mito da democracia racial (igualdade que apaga as diferenças) precisam e devem ser superadas no ambiente escolar. (GOMES, 2010, p. 104) Acredita-se que esse reconhecimento por parte de alguns educadores foi provocado pelos debates a partir da Lei 10639/03 e pelas medidas afirmativas, como a Lei das cotas para negros na Universidade, que incomodou muitas pessoas que estavam acomodadas com a submissão dos negros. As cotas não fazem parte dos estudos desse texto, porém registrar-se sua contribuição para vir à tona o reconhecimento de que existe o racismo no Brasil, e possibilitar a criação de meios para combatê-la. Essas ações visa o direito à igualdade sendo assim é uma de muitas outras a ser implementadas como medidas emergenciais para a concretização da igualdade racial. 121

CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que grande parte do povo negro no Brasil compõe a franja marginal da sociedade sujeitando, a subordinação profissional, tendo os piores salários e os empregos considerados sujos ou pesados, de modo a relacioná-los à cor, à pobreza ou fracasso. A Situação dos povos negros no Brasil é um reflexo da situação em que foi submetida de homens escravizados a homens livres, além da marca deixada pelo sistema escravista a sociedade capitalista e assalariada que não oportunizou sua ascensão social, pois estiveram sempre em desvantagem em relação aos brancos. Visualiza-se na educação um espaço que possibilitará o conhecimento sobre a história do negro no Brasil podendo reconhecer a importância de criar mecanismos que possam combater as práticas racistas que têm prejudicado os negros de diferentes formas. È preciso pensar em uma educação étnico-racial que reconheça a totalidade sobre a história dos africanos trazidos para o Brasil, reconhecendo a cultura, a religiosidade e as tradições ligadas as ancestralidade africana. Para isso os professores são desafiados a reverem posturas e valores agregados aos materiais pedagógicos e a buscarem formação para intervenção nos currículos escolares de forma a abrirem espaço para que se cumpra a obrigatoriedade da Lei 10639/03. As tensões raciais chegando às escolas possibilitam o posicionamento contra o silêncio que tem prevalecido em todos os seguimentos da sociedade. Objetiva-se com esse texto ressaltar alguns pontos importantes a serem pensados sobre as relações raciais, mas acredita-se que este contribuirá para uma reflexão necessária na construção de uma sociedade mais justa. Os avanços têm sido significantes e promissores e sendo assim sinta-se convidados todos os professores e alunos a se engajarem em uma luta com a coragem e a dignidade que merecem os povos negros do Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Diretrizes Curriculares nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de história e cultura Afro-Brasileira e Africana. Lei nº 10639, de 09 de janeiro de 2003, Brasília, 2004. 122

FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: Uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de janeiro. Campanhinha das Letras. São Paulo 2002. GOMES, Nilma Lino. Um Olharem além das Fronteiras educação e relações raciais, Autêntica Belo Horizonte, 2010. MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. Brasilense. São Paulo, 1988. SANTOS, Sales dos Anjos. A Lei nº 10639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In Educação antirracista abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 SCHWARCZ, Lilia Moritz, O espetáculo das raças. Companhia das Letras, São Paulo, 2010. Nem preto nem Branco, muito pelo contrário: Cor e raça na Intimidade. Companhia da Letras, São Paulo. 1999. SILVIA, Ana Célia da. A desconstrução da discriminação do Livro Didático. In MUNANGA, Kabengele, (org.) Superando o Racismo na Escola. Segunda edição, Ministério da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília, 2005. www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=737 www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm (Lei de Diretriz de Base da Educação) 123