AVALIAÇÃO DE DIFERENTES MATERIAIS PARA DATAÇÃO DE CARBONO 14 POR ESPECTROMETRIA DE MASSA COM ACELERADORES (14C-AMS) Carla Carvalho 1, 2, Kita D. Macario 1,, Maria C. Tenório 3, Tania Lima 3, Eduardo Q. Alves 2,4 (D), Fabiana M. Oliveira 2, Ingrid S. Chanca 2 (M), Bruna Netto 2 (M), Rosa Souza 5, Thayse Bertucci 5, Orangel Aguilera 5 1 Departamento de Geoquímica Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ carlac@id.uff.br 2 Laboratório de Radiocarbono Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ 3 Departamento de Antropologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ 4 Oxford Radiocarbon Accelerator Unit, University of Oxford, Oxford - UK 5 Departamento de Biologia Marinha, Instituto de Biologia, Universidade Federal Fluminense, Niterói RJ Resumo: No estudo da dinâmica do ambiente pretérito informações sobre o contexto são de extrema importância. Seja para se estudar o palaeoclima, a paleodiversidade ou a dinâmica oceânica e a geomorfologia, vestígios arqueológicos, por exemplo, retratam as escolhas dos povos nativos, o tipo de assentamento, a alimentação e as limitações impostas pela natureza. Considerando os materiais disponíveis para datação por 14 C-AMS, os mais utilizados são carvões e conchas de moluscos marinhos. A análise cronológica de materiais de origem diferenciada permite conhecer melhor a história de incorporação de carbono em cada ambiente, seja marinho, lacustre ou terrestre. Em sítios arqueológicos costeiros, por exemplo, há uma grande abundância de moluscos terrestres, otólitos de peixes e até dentes de tubarão que poderiam ser utilizados na datação. Este trabalho apresenta comparações entre materiais que podem ser considerados potenciais substitutos dos comumente utilizados para fins de cronologia por 14 C-AMS. Palavras-chave: Materiais para datação; 14 C-AMS; Arqueologia Brasileira. Different materials evaluation for radiocarbon dating purposes through accelerator mass spectrometry technique ( 14 C-AMS) Abstract: The present work shows a comparison between different materials presenting reliable and representatives substitutes for radiocarbon dating purposes. Keywords: Dating materials; 14 C-AMS; Brazilian archaeology. Introdução Os sítios arqueológicos costeiros, conhecidos como sambaquis, representam a primeira evidência de ocupacão humana na costa do Brasil durante o Holoceno. A maior característica desses sítios é o acúmulo intencional de conchas de moluscos, uma vez que sua carne era usada como fonte de alimento e as conchas eram usadas na construção dos montes, como ferramentas ou em rituais funerários (Gaspar 1998). Em alguns sambaquis, conchas de espécies específicas são encontradas dispostas em padrões, com evidências de pinturas ou ainda dispostas de forma circular associadas a túmulos (e.g. Kneip and Machado 1993; Tenório 2007; Klokler 2008). Considerando os materiais disponíveis nos sambaquis brasileiros para a datação de carbono 14 por espectrometria de massa com aceleradores (14C-AMS), os mais utilizados por arqueólogos são carvões e conchas marinhas. Carvões são encontrados em tanto fogueiras com contexto arqueológico como espalhados pelo
sambaqui e, assim, muitas vezes não podem ser associados com confiança a um contexto específico. Além disso, estão sucetíveis ao efeito conhecido como old wood effect, que reflete a idade da madeira utilizada ou invés da idade da sua queima, e esse problema pode ser maior no caso de espécies de árvores que possuem vida longa serem utilizadas em fogueiras arqueológicas (McFadgen 1982). Nesse cenário, conchas de moluscos terrestres presentes nos sítios podem ser uma fonte alternativa de material para a datação por radiocarbono, desde que os moluscos terrestres esteja em equilíbrio isotópico com o carbono atmosférico e que suas conchas sejam um sistema fechado (Pigati 2015). Conchas de moluscos marinhos são muito abundantes e obviamente relacionadas com a construção dos montes, mas apresentam outro efeito uma vez que as águas oceânicas são empobrecidas em radiocarbono quando comparadas com o ambiente atmosférico e o efeito denominado marine reservoir effect (MRE) (Stuiver et al. 1986) não é conhecido para a maioria das regiões do Brasil. Por esse motivo, alguns resultados da calibração das idades de radiocarbono podem ser equivocados, pelo uso inapropriado das correções do efeito de reservatório de locais diferentes, por conta da inexistência da informação. Outros materiais de origem marinha, como otólitos de peixes, podem representar uma boa opção para a datação, pois refletem as pescarias pré-históricas, se o efeito de reservatório local é conhecido (Alves et al. 2015; Lopes et al. 2016). Ossos humanos e ossos de animais também representam um registro importante, embora o colágeno raramente se mantenha preservado nas diversas áreas de estudo do Brasil por conta da acidez do solo (Okumura and Eggers 2008; Roksandic et al. 2014; Strauss 2016). Alguns estudos com moluscos terrestresem outras regiões do mundo mostraram que alguns moluscos apresentaram idades diferentes do esperado devido à incorporação de carbono antigo proveniente de rochas carbonáticas (e.g. Goodfriend and Stipp 1983). A quantidade de carbono antigo pode variar dependendo entre táxons e entre populações do mesmo táxon que vivem em diferentes habitats. (Goodfriend et al. 1999; Pigati et al. 2010; Pigati 2015). As primeiras idades de radiocarbono obtidas para moluscos terrestres de sítios arqueológicos brasileiros foram reportadas por Carvalho et al. (2015), onde foram comparadas amostras arqueológicas de carvão, moluscos terrestres e moluscos marinhos do mesmo contexto arqueológico, com o objetivo de calcular correções para o efeito de reservatório marinho na região do Sambaqui de Manitiba, Saquarema - R J. Macario et al. (2016) avaliou o uso dos gêneros Thaumastus e Megalobulimus como representantes do carbono de origem atmosférica, nesse trabalho amostras de conchas com idades de coleta conhecida, na sua maioria coletadas vivas, entre os anos de 1948 e 2004 AD, foram analisadas e resultados encontrados coincidiram com a curva de carbono devido aos testes nucleares (Hua et al. 2013; Macario et al. 2016) com uma incerteza menor do que 15 anos. Para os otólitos foram determinadas as idades de radiocarbono e também o efeito de reservatório marinho em amostras coletadas de sítios arqueológicos também da costa do Rio de Janeiro por Alves et al. (2015) e Lopes et al. (2016) onde foram realizadas uma inter-comparações com outros proxies (conchas e carvões) além da difração de raios X para avaliar a geoquímica e o processo de diagênese que pode ter ocorrido durante as condições de enterramento. A proposta deste trabalho é apresentar os estudos comparativos realizados recentemente no Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense para amostras de moluscos terrestres e de otólitos de peixes, com o intuito de validar materiais alternativos para a datação por radiocarbono. Experimental As idades que serão apresentadas e discutidas no presente trabalho foram obtidas através da técnica de datação do carbono 14 por espectrometria de massa com aceleradores de amostras provenientes dos seguintes sítios arqueológicos do Estado do Rio de Janeiro: Sambaqui de Manitiba, Sambaqui da Beirada, Sambaqui de Saquarema e Sambaqui Ponte do Girau na região de Saquarema (22º 55' 66" S, 42º 29' 00" W); Sambaqui de Tariobana região de Rio das Ostras region (22 31' 40" S, 41 56' 22" W); Sambaqui de Camboinhas na região oceânica de Niterói (22 57' 54" S, 44 02' 53" W) e Sambaqui do Algodão na Baía da Ribeira, cidade de Angra dos Reis (22 55' 48" S, 44 20' 48"
W). A preparação e análise das amostras foram realizadas no Laboratório de Radiocarbono da Universidade Federal Fluminense (LAC-UFF) (Macario et al. 2013). Amostras de cochas de moluscos e de otólitos de peixe passaram pelo mesmo tratamento físico e químico: 40 mg de material passaram por uma lavagem com água ultra-pura, as amostras foram então submetidas à imersão em ácido clorídrico 0.1M, para extração da camada externa na ordem de 50%, e em seguida foram hidrolizadas com ácido fosfórico. O gás obtido foi purificado através de armadilhas de temperatura e o dióxido de carbono foi transferido para tubos de pyrex contendo zinco e hidreto de titânio e um tubo interno contendo ferro. A grafitização foi então realizada em um forno mufla a 520ºC por 7h (Macario et al. 2015). As medidas foram realizadas num sistema do tipo Single Stage AMS System - NEC, de 250kV. Os resultados foram então calibrados com o software OxCal v 4.2.4 (Bronk Ramsey 2009) usando a curva SHCal13 (Hogg et al. 2013). Resultados e Discussão Apesar da grande abundância em sítios arqueológicos brasileiros, conchas de moluscos terrestres têm sido ignoradas em estudos científicos. O presente trabalho realizou uma comparação da datação por radiocarbono de carvões arqueológicos e conchas terrestres de moluscos em Sambaquis na costa sudeste do Brasil, e observou que os gêneros de moluscos terrestres Thaumastus e Megalobulimus não se mostraram apenas contemporâneos ao contexto arqueológico, mas também são uma alternativa importante para estudos cronológicos por estarem em equilíbrio isotópico com as concentrações de carbono atmosférico. Foi obtida concordância entre as idades dos carvões e das conchas terrestres para todos os sítios estudados: Sambaqui de Manitiba (camada IV) 4.2-3.7 ka cal BP (95.4%), contemporâneo ao Sambaqui de Saquarema ocupado entre 4.3-3.6 ka cal BP (95.4%). Para o Sambaqui de Usiminas os resultados das conchas de moluscos terrestres demonstraram resultados tão bons quanto os obtidos pela datação de amostras de carvão para nas diferentes camadas de ocupação entre 1.6 e 1.3 ka cal BP (95.4%) [Setor 1C 30-40 cm], entre 2.3 e 2.1 ka cal BP (95.4%) [Setor 1D 80-90 cm]. Um modelo de fase foi construído e as amostras foram agrupadas em uma única fase com concordância de 97%. Os resultados obtidos para os otólitos de peixes mostram que as distribuições das idades de radiocarbono para cada um dos sítios arqueológicos estão de acordo com os resultados da literatura, baseados em carvão e conchas de moluscos. No entanto, carvões e conchas de diferentes espécies apresentaram maior dispersão quando comparados com os resultados de otólitos. A dispersão das datas de radiocarbono é aproximadamente 25% menor para as amostras de otólitos, levando a uma estimativa mais precisa do período ocupacional em cada caso. Os resultados da inter-comparação entre carvão vegetal, concha e otólito mostraram que este último representa um bom material para fins de datação por radiocarbono levando a datas mais precisas. Muitos sambaquis no Brasil possuem otólitos e moluscos terrestres em suas camadas estratigráficas e o trabalho aqui apresentado mostra uma nova possibilidade, em termos de datação por radiocarbono, de fortalecer a compreensão das tendências ocupacionais e a cronologia de linha de base para as assinaturas isotópicas em pesquisas paleocanográficas. Conclusões Os resultados obtidos se demonstraram suficientes para validar o uso de conchas de moluscos terrestres e otólitos de peixes como potenciais materiais para datação do radiocarbono através da técnica de espectrometria de massa por aceleradores. Agradecimentos Os autores gostariam de agradecer às agências de fomento CNPq, CAPES e FAPERJ pelo suporte financeiro.
Referências Bibliográficas Alves E, Macario K, Souza R, Aguilera O, Goulart AC, Scheel-Ybert R, Bachelet C, Carvalho C, Oliveira F, Douka K. 2015. Marine reservoir corrections on the southeastern coast of Brazil: paired samples from the Saquarema shellmound. Radiocarbon 57: 1-9. Bronk Ramsey C, van der Plicht J, Weninger B. 2001. "Wiggle matching" radiocarbon dates. Radiocarbon. 43(2; PART A):381-90. Carvalho C, Macario KD, Oliveira MI, Oliveira FM, Chanca IS, Alves EQ, Souza RCCL, Aguilera O, Douka K. 2015. Potential use of archaeological snail shells for the calculation of local marine reservoir effect. Radiocarbon 57 (3): 459-467. Gaspar M. 1998. Considerations of the sambaquis of the Brazilian coast. Antiquity 72(277):592 615. Goodfriend GA, Ellis GL, Toolin LJ. 1999. Radiocarbon age anomalies in land snail shells from Texas: ontogenetic, individual, and geographic patterns of variation. Radiocarbon 41:149-56. Goodfriend GA, Stipp JJ. 1983. Limestone and the problem of radiocarbon dating of land-snail shell carbonate. Geology 11:575-577. Hogg AG, Hua Q, Blackwell PG, Niu M, Buck CE, Guilderson TP, Heaton TJ, Palmer JG, Reimer PJ, Reimer RW, Turney CSM, Zimmerman SRH. 2013. SHCal13 Southern Hemisphere Calibration, 0 50,000 Years cal BP. Radiocarbon 55:1889 1903. Hua Q, Barbetti M, Rakowski AZ. 2013. Atmospheric radiocarbon for the period 1950-2010. Radiocarbon 55:2059 2072. Klokler D. 2008. Food for Body and Soul: Mortuary Ritual in Shell Mounds (Laguna Brazil). PhD Dissertation (Anthropology). University of Arizona, Tucson. Kneip LM, Machado L C. 1993. Os ritos funerários das populações Pré-históricas de Saquarema, RJ: Sambaquis da Beirada, Moa e Pontinha. Documento de Trabalho. Série Arqueologia. Museu Nacional. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Lopes MS, Bertucci TC, Rapagnã L, de Almeida Tubino R, Monteiro-Neto C, Tomas AR, Tenório MC, Lima T, Souza R, Carrillo-Briceño JD, Haimovici M., Macario K., Carvalho C., Aguilera O. 2016. The Path towards Endangered Species: Prehistoric Fisheries in Southeastern Brazil. PloS one. 11(6):e0154476. Macario KD, Gomes PRS, Anjos RM, Carvalho C, Linares R, Alves EQ, Oliveira FM, Castro MD, Chanca IS, Silveira MFM, Pessenda LCR, Moraes LMB, Campos TB, Cherkinsky A. 2013. The Brazilian AMS Radiocarbon Laboratory (LAC-UFF) and the Intercomparison of Results with CENA and UGAMS. Radiocarbon 55: 325-330.
Macario KD, Oliveira FM, Carvalho C, Santos G M, Xu X, Chanca IS, Eduardo Q Alves, Jou RM, Oliveira MI, Pereira BB, Moreira V, Muniz MC, Linares R, Gomes PRS, Anjos RM, Castro MD, Anjos L, Marques AN, Rodrigues LF. 2015. Advances in the graphitization protocol at the Radiocarbon Laboratory of the Universidade Federal Fluminense (LAC-UFF) in Brazil. Nuclear Instr. And Meth. In Phys. Res. B 361:402-405. Macario KD, Alves EQ, Carvalho C, Oliveira FM, Ramsey CB, Chivall D, Souza R, Simone LRL, Cavallari DC. 2016. The use of the terrestrial snails of the genera Megalobulimus and Thaumastus as representatives of the atmospheric carbon reservoir. Nature Publishing Group. Scientific Reports 6: 27395. McFadgen B. 1982. Dating New Zealand archaeology by radiocarbon. New Zeal. J. Sci. 25: 379 392. Mello B, Coelho ACS. 1989. Moluscos encontrados no Sambaqui de Camboinhas, Itaipu, Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro 84(4): 377-380. Okumura MM, Eggers S. 2008. Natural and cultural formation processes on the archaeological record: A case study regarding skeletal remains from a Brazilian shellmound. Archaeology Research Trends/Ed. AR Suárez and MN Vásquez. New York: Nova Science Publishers, Inc 1-39. Pigati J, Rech J, Nekola J. 2010. Radiocarbon dating of small terrestrial gastropod shells in North America. Quat. Geochronol 5: 519 532. Pigati JS. 2015. Radiocarbon Dating of Terrestrial Carbonates. Encyclopedia of Scientific Dating Methods 680-5. Roksandic M, de Souza SM, Eggers S, Burchell M, Klokler D. 2014. The cultural dynamics of shell-matrix sites. UNM Press. Strauss A. 2016. The burial patterns in the Archaeological Site of Lapa do Santo (early Holocene, east-central Brazil). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas 11(1):243-76. Stuiver M, Pearson GW, Braziunas T. 1986. Radiocarbon age calibration of marine samples back to 9000 cal yr BP. Radiocarbon 28(2B):980-1021. Tenório MC. 2007. Sítio Condomínio do Atalaia: um estudo de caso para entender porque os construores de sambaquis acumulavam alimentos. Anais do XII Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Rio de Janeiro.