IMAGINAÇÃO NARRATIVA, CONSCIÊNCIA DE SI E RELAÇÕES DIALÓGICAS: IMPLICAÇÕES NOS PROCESSOS EDUCATIVOS

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Transcrição:

IMAGINAÇÃO NARRATIVA, CONSCIÊNCIA DE SI E RELAÇÕES DIALÓGICAS: IMPLICAÇÕES NOS PROCESSOS EDUCATIVOS Resumo Sabrina Alves de Souza 1 - UPF Grupo de Trabalho Educação e Direitos Humanos Agência Financiadora: não contou com financiamento O presente artigo partiu do objetivo de discutir, a partir dos pressupostos de Martha Nussbaum e de Mikhail Bakhtin, a interferência da capacidade de imaginação narrativa e das relações dialógicas na constituição da consciência de si e no desenvolvimento do sentimento de empatia nos indivíduos e suas implicações nos processos educativos. A consciência de si e o sentimento de empatia constituíram-se, portanto, como objetos de estudo do presente artigo, tendo como interlocutores Martha Nussbaum, com o conceito de imaginação narrativa, conceito este que ela traz em suas reflexões acerca das teorias das capacidades, e do desenvolvimento humanos, bem como do reconhecimento do sujeito acerca de si mesmo e do outro, no sentido de possibilitar ao sujeito o cultivo das humanidades. Já em Mikhail Bakhtin, o conceito de relações dialógicas, conceito este fundamental em sua teoria, nortearam a discussão deste artigo, pois foi a partir delas que as relações de sentido procuraram ser compreendidas, no sentido de que estas possam ir se estabelecendo para o sujeito, fator este que determinará sua constituição individual e, consequentemente, o desenvolvimento de sua consciência de si e do sentimento de empatia. Dessa forma, estabeleceu-se uma relação entre os autores, bem como foram analisadas as implicações desses desenvolvimentos nos processos educativos, a fim de trazer a capacidade de imaginação narrativa, proporcionada pelas relações dialógicas e pelo desenvolvimento do sentimento de empatia, possibilitarão o desenvolvimento das humanidades nos alunos, a partir de uma consciência de si e do outro que privilegie o compromisso ético e moral nas relações interpessoais. Palavras-chave: Capacidade de imaginação narrativa. Relações dialógicas. Consciência de si. Empatia. Processos Educativos. 1 Psicóloga. Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Doutoranda em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Docente da Universidade Regional Integrada URI, Campus de Santo Ângelo. E- mail: sabrina@urisan.tche.br ISSN 2176-1396

42860 Introdução A teoria das capacidades de Nussbaum (2014) propõe uma reflexão acerca do desenvolvimento das capacidades que permitirão ao indivíduo desenvolver relações de reconhecimento em relação a si mesmo e ao outro, possibilitando o cultivo das humanidades, fator que dependerá do desenvolvimento das capacidades imaginativas e empáticas pelos indivíduos. Martha Nussbaum caracteriza-se por ser uma estudiosa do papel das humanidades na Educação, bem como dos direitos da mulher, da ética e do conceito de capacidades no que se refere às questões do desenvolvimento. Já Bakhtin (2011) enfatiza, em sua filosofia da linguagem, a importância das relações dialógicas nas produções de sentido e na constituição do campo de existência do indivíduo, tendo em vista que essas, as relações dialógicas, são produzidas e apreendidas discursivamente na interação com o outro. Faraco (2009) aponta que o conceito de dialogismo de Bakhtin compreende todos os enunciados que são produzidos em um discurso, sendo que todo discurso estará baseado e será construído a partir do discurso de outro, o que quer dizer que um enunciado somente vai existir em relação a outros enunciados, o que leva a pensar no caráter dialógico da língua. Essa interação com o outro levará à constituição de uma dialogicidade interna do indivíduo e, consequentemente, ao desenvolvimento da consciência de si. A Imaginação Narrativa em Martha Nussbaum Cabe ressaltar que a compreensão da constituição da consciência de si e do desenvolvimento do sentimento de empatia, a partir da imaginação narrativa e das relações dialógicas, foi realizada a partir do conceito de enunciação de Bakhtin e do desenvolvimento das capacidades em Nussbaum a fim de compreendê-los e, também, de compreender suas implicações nos processos educativos. Ao enfatizar o conceito de capacidades, Nussbaum (2014) refere algumas capacidades humanas como centrais para o desenvolvimento das humanidades, sendo elas: vida; saúde física; integridade física; sentidos, imaginação e pensamento; emoções; razão prática; associação; outras espécies; brincar; e domínio sobre o próprio ambiente. Em sua obra Educação e Justiça Social (2014), Nussbaum, além de apresentar essas capacidades, as coloca como sendo de direito de todo o cidadão desenvolvê-las, já que é esse

42861 desenvolvimento que permitirá o acesso a um conjunto de objetivos estabelecidos e/ou determinados pelo sujeito sobre o seu próprio desenvolvimento. Nussbaum (2014) defende a ideia das capacidades por acreditar que elas poderão orientar o sujeito, a fim de que o mesmo possa utilizar essas capacidades, elencadas acima, para realizar o que ela denomina de inventário parcial de justiça social 2 (2014, p. 32). Essa perspectiva da autora vincula-se à sua visão antropológica, pela qual relaciona o bem viver à vida moderna, com o intuito de compreender a vulnerabilidade humana a partir de sua postura ética, no entendimento por parte do ser humano de suas limitações e nos recursos que ele tem com a autora (2014), como o maior recurso que o ser humano tem à sua disposição, pois são a partir delas, das emoções, que temos acesso aos objetos, às pessoas, ao mundo. São elas que nos permitem fazer conexões com os outros seres humanos, no sentido de reconhecer e manifestar preocupações com o bem-estar dos mesmos. A autora aborda em sua obra Sin Fines de Lucro (2010), abordar a importância do cultivo da imaginação como forma de explorar a vida interior e de se colocar no lugar do outro. Nessa senda, enfatiza, ainda, que o cultivo da imaginação é elemento essencial para que o sujeito possa estabelecer uma relação moral com o outro, no sentido de que consiga respeitar as diferenças humanas e que esse respeito leve a uma boa convivência entre as pessoas. Essa boa convivência pode ser entendida como a capacidade de as pessoas reconhecerem e demonstrarem preocupações umas para com as outras, a fim de conquistar uma boa interação social com os demais. Tais interações deverão ser permeadas pelo sentimento de empatia, que seria a capacidade de as pessoas poderem se colocar umas nos lugares das outras. Esse pensamento empático, enquanto capacidade de perceber o mundo a partir da perspectiva do outro, levará ao desenvolvimento de atitudes e valores éticos e morais nos indivíduos e, consequentemente, em suas relações com os outros. Para que o sentimento de empatia possa se desenvolver nos indivíduos, é necessário que a criança, no percurso de seu desenvolvimento, abra mão (grifo nosso) do egocentrismo que permeará seu crescimento ao longo dos anos. Ao deixar de lado as atitudes e pensamentos egocêntricos, o sujeito, de acordo com Nussbaum (2014), terá condições de reconhecer sua vulnerabilidade, no sentido de poder identificar para si mesmo a importância do outro para sua eudaimonia. 2 Nussbaum refere à esse inventário parcial de justiça social como sendo um conjunto de direitos fundamentais sem os quais nenhuma sociedade pode aspirar à justiça. (NUSSBAUM, 2014, p. 32)

42862 Aí se encontra a importância das emoções na constituição dos seres humanos, pois são elas que permitirão ao sujeito desenvolver-se e relacionar-se no mundo, bem como retirar dessas relações externas os elementos considerados essenciais pelo sujeito para o seu bemestar. De acordo com Nussbaum (2008, p. 44): [...] as emoções são efetivamente um reconhecimento de nossas necessidades e de nossa falta de autossuficiência. Daí decorre o fato de que, segundo Nussbaum (2008), as emoções vão produzindo modificações nas formas como a consciência do indivíduo vai dando significado ao mundo, no sentido de que este mundo possa ser aprendido de modo inteligente, a partir de uma conduta reflexiva e do sentimento de empatia. Nussbaum entende a empatia (2010, p. 132) como sendo a: Capacidade de pensar como seria estar no lugar de outra pessoa, de interpretar com inteligência o relato dessa pessoa e de entender os sentimentos, os desejos e as expectativas que poderia ter essa pessoa. Para tanto, a capacidade de imaginação narrativa torna-se essencial para o desenvolvimento do sentimento de empatia. Com relação a essa capacidade, Dalbosco (2015, p. 138) comenta: A imaginação narrativa exerce um poder extraordinário para a construção de uma boa sociabilidade humana porque consegue fazer, talvez mais do que qualquer outra capacidade humana, o aspecto de abertura, de estímulo para ir ao encontro do outro, vendo-o não como um simples concorrente, mas também como um parceiro igual na longa e penosa caminhada humana. Nesse sentido, é por meio da imaginação narrativa que se desperta o sentimento de compaixão pelo outro. O sentimento de compaixão, para Dalbosco (2015), dependerá do desenvolvimento de capacidades morais, estando a capacidade de imaginação narrativa dentre essas capacidades. Por todas essas questões é que Camps (2011) ressalta que, para Nussbaum, é importante despertar as emoções nas crianças. Isso porque são justamente as emoções que permitirão o desenvolvimento, pela criança, de seu próprio mapa de mundo (termo utilizado por Camps em sua obra El Gobierno de las Emociones 2011, p. 39), bem como atuarão as emoções sobre todo o comportamento humano, principalmente no sentido de reconhecimento do sujeito de sua própria vulnerabilidade, no que diz respeito ao necessitar do outro para sua própria constituição enquanto sujeito reflexivo e atuante no mundo. O reconhecimento dessa vulnerabilidade e o sentimento de empatia serão obtidos a partir do desenvolvimento da capacidade de imaginação narrativa, possibilitando ao sujeito responder com compaixão ante a situação do outro.

42863 As Relações Dialógicas em Mikhail Bakhtin Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em 1895, em Orel, e morreu em 1975 em Moscou Rússia. Bakhtin pode ser considerado um dos maiores estudiosos da linguagem humana, sendo que sua teoria influenciou vários pensadores de diversas áreas como Psicologia, Antropologia, Filosofia, História, Educação, entre outras. De acordo com Faraco; Tezza; Castro & Brait (Orgs,1996), Bakhtin buscou compreender a realidade do homem a partir de uma visão globalizada dessa realidade, que foi chamada de Antropologia Filosófica ou dialogismo. Todos os círculos acadêmicos, dos quais Bakhtin fez parte, trataram de discutir e compreender o principal conceito bakhtiniano, que é o de dialogismo. O chamado círculo de Bakhtin (denominado assim pelos estudiosos de seu trabalho) era composto por profissionais de diferentes áreas. De acordo com Faraco (2009), Valentin Voloshinov e Pavel Medvedev eram dois grandes estudiosos e intelectuais que, fomentados por laços de amizade, se reuniram durante dez anos com Bakhtin a fim de estudar uma Filosofia da Linguagem (discussão essa mais vinculada a Voloshinov) e, igualmente, para discutir Estudos Literários (vinculados a Medvedev). O dialogismo bakhtiniano, segundo Faraco; Tezza; Castro & Brait (Orgs,1996), compreende o homem como um ser de linguagem, ou seja, um ser que se constitui na e pela interação social por meio da linguagem. Conforme os mesmos autores (1996), Bakhtin foi pioneiro em pensar e propor uma teoria da linguagem sem dissociá-la da vida social, tendo em vista que os indivíduos são socialmente organizados e constituídos pelas relações sociais nas quais estão imersos. Corroborando com essa ideia de Bakhtin, Faraco; Tezza; Castro & Brait (Orgs,1996, p.128) afirmam: Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face. Ao contrário, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para construir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Ademais, não se pode pensar o dialogismo em termos de relações lógicas ou semânticas, pois o que é dialógico no discurso são posições de sujeitos sociais, são pontos de vista acerca da realidade. Bakhtin propõe compreender o discurso e, por sua vez, o uso da linguagem - a enunciação - pelo dialogismo. Tendo em vista que um discurso é sempre produzido através do discurso de outro, é que a teoria bakhtiniana assume algumas características, apontadas pelo próprio Bakhtin, como a contradição, a pluralidade e a incompletude. Essas características

42864 podem ser entendidas a partir dos conceitos bakhtinianos de gêneros do discurso e vozes do discurso. Os gêneros do discurso manifestam-se em todo tipo de comunicação, através dos códigos que são percebidos pelos interlocutores de um diálogo, ou seja, pelo fato de que um diálogo somente tem sentido para aqueles que estão envolvidos no mesmo. Essa questão remete à característica da contradição presente na teoria bakhtiniana. Já as características da pluralidade e da incompletude podem ser compreendidas a partir do conceito de vozes do discurso que o antecedem, sendo que os mesmos não pertencem a uma única pessoa, mas ao meio social no qual está inserida. Daí resulta outra concepção bakhtiniana, a de que todo discurso é ideológico. Faraco (2009), em sua obra Linguagem e Diálogo. As ideias linguísticas do circulo de Bakhtin, refere: Nos textos do círculo, a palavra ideologia é usada, em geral, para designar o universo dos produtos do espírito humano, aquilo que algumas vezes é chamado por outros autores de cultura imaterial ou produção espiritual (talvez como herança de um pensamento idealista); e, igualmente, de formas de consciência social (num vocabulário de sabor mais materialista) [...] Ideologia é o nome que o circulo costuma dar, então, para o universo que engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais (para usar certa terminologia da tradução marxista). (Faraco, 2009, p. 46). Tudo o que é ideológico possui um significado e é, portanto, um signo. O signo se torna um elemento essencial da ideologia e toda a ideologia possui um valor semiótico. Entende-se por semiótica o estudo de todos os sistemas de significação, incluindo, aqui, tanto as palavras quanto as imagens. As palavras, de acordo com Bakhtin (1997), possuem um sentido ideológico ou vivencial; isso quer dizer que toda a palavra faz parte de uma cadeia verbal, ou seja, das enunciações, pois o sentido de cada palavra será determinado pelo seu contexto. Portanto, o ato da fala, a sua enunciação, jamais pode ser considerado como um produto individual, mas como algo produzido socialmente, tendo em vista a fala de Bakhtin (1997, p. 109) de que a enunciação é de natureza social. Bakhtin em sua obra Estética da Criação Verbal (2011, p. 275) aponta que: Os limites de cada enunciado concreto como unidade da comunicação discursiva são definidos pela alternância dos sujeitos do discurso, ou seja, pela alternância dos falantes. Todo enunciado da réplica sucinta (monovocal) do diálogo cotidiano ao grande romance ou tratado científico tem, por assim dizer, um princípio absoluto e um fim absoluto: antes do seu início, os enunciados de outros, depois do seu término, os enunciados responsivos de outros (ou ao menos uma compreensão ativamente responsiva baseada nessa compreensão).

42865 Bakhtin (2011) acredita que o enunciado é uma unidade real, delimitada pela alternância dos sujeitos do discurso. Essa alternância, por sua vez, é determinada pelo contexto de um determinado enunciado, de um determinado falante, sendo a inteireza de dado enunciado que possibilita a resposta ou compreensão responsiva. Somente quando compreendemos o significado de um enunciado, é que tomamos uma atitude responsiva com relação ao mesmo. Por isso, como bem coloca Bakhtin (2011, p. 289): [...] cada enunciado caracteriza-se, antes de tudo, por um determinado conteúdo semântico-objetal. Todas essas questões remetem à forma como o círculo de Bakhtin entende as relações dialógicas, sendo as mesmas compreendidas como [...] espaços de tensão entre enunciados. (Faraco, 2009 p. 69). A atitude responsiva implica nesse entendimento das relações dialógicas como espaços entre os enunciados, ou seja, a responsividade implica em uma adesão ao diálogo de outro que, por sua vez, traze consigo outras vozes sociais ou diálogos de outros. De acordo com Faraco (2009), Bakhtin, ao apresentar a sua concepção de dialogismo, refere-se ao jogo de vozes que circulam socialmente e que estão presentes em todos os discursos, em todas as enunciações. Nesse sentido, pode-se dizer que o círculo de Bakhtin procurou entender o homem a partir das suas relações sociais, pois, segundo o mesmo autor (2009), é dessa diversidade de vozes e de relações dialógicas que surgem as singularidades. Essas singularidades, por sua vez, serão construídas a partir dessa [...] tensão dialógica das vozes sociais (Faraco, 2009 p. 87), as quais determinam o desenvolvimento da consciência de si. A Imaginação Narrativa e as Relações Dialógicas na Constituição da Consciência de Si e no Desenvolvimento do Sentimento de Empatia pelos Indivíduos Para Bakhtin, de acordo com Pires (2003), a enunciação representa o momento de uso da linguagem, cujo processo envolve primordialmente a interação entre duas pessoas em um contexto social específico. A enunciação pode ser entendida como sendo a realidade da linguagem a partir de um princípio dialógico. Esse princípio dialógico da enunciação levará ao desenvolvimento da consciência de si, pois parte do princípio de que a constituição individual do ser humano dar-se-á pelo reconhecimento do outra para que esse desenvolvimento individual se efetive, numa relação dialógica Eu-Tu. A esse respeito Pires (2003) salienta que o Tu é condição para a existência do Eu, não podendo o Eu existir em sua individualidade sem a interferência de um Tu.

42866 Brait (2013) refere que essas relações dialógicas, que se dão pela interação Eu-Tu, acontecerão a partir do diálogo interior, numa vida interior desenvolvida dialogicamente. (BRAIT, 2013, p. 67). Essas relações dialógicas possibilitarão ao sujeito tanto a construção da realidade como o desenvolvimento da consciência de si. A enunciação marca a interação com o outro, a partir da dialógica eu-tu, levando ao desenvolvimento da consciência de si, que se dará pela apropriação feita pelos indivíduos da realidade e do mundo no qual estão inseridos, pelo reconhecimento de si pelo outro. Tal reconhecimento de si pelo outro pode ser um reconhecimento, de acordo com Brait (2005), da cultura e da sociedade, que levarão ao reconhecimento de si enquanto sujeito imerso em uma rede discursiva. Essa rede discursiva aponta para as diferentes vozes de um discurso, que possibilitarão o reconhecimento da contradição e da ambivalência entre as dimensões individuais e sociais do ato da enunciação. Tudo isto levará, conforme a mesma autora (2005), à descoberta, por parte do indivíduo, da sua individualidade e da consciência de si. A consciência de si, constituída a partir da dialógica eu-tu, influenciará o desenvolvimento do sentimento de empatia pelos indivíduos, tendo em vista que somente quando o indivíduo conseguir se dar conta de sua vulnerabilidade enquanto ser humano e compreender que essa vulnerabilidade depende do reconhecimento da importância do outro para a constituição individual, é que poderá pensar no surgimento de um sentimento de empatia de uma pessoa para com a outra. Esse sentimento de empatia, por sua vez, dependerá da capacidade de imaginação narrativa, capacidade essa que dependerá das relações de sentido constituídas pelos indivíduos a partir de uma perspectiva dialógica. Ao abordar as relações dialógicas, Faraco (2009, p. 66, grifo do autor) afirma que: Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição de um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e não apenas empírico do termo), isto é, fazer réplicas do dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a palavra de outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é, relações que geram significação responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas. De acordo com o mesmo autor (2009), as relações dialógicas podem ser compreendidas como unidades de interação social, inerentes a todo enunciado, demarcando índices sociais e de valores dos indivíduos, os quais são socialmente organizados, pois se constituem a partir das relações sociais. Tais interações são eventos que estabelecem uma relação entre a situação social mais imediata e o meio social mais amplo, ambos se

42867 entrecruzando em cada evento e tendo aí papel condicionador dos atos de dizer e de sua significação (Faraco, 2009, p. 12). Ao pensar nas relações sociais, Dalbosco (2015) refere que Nussbaum traz a capacidade de imaginação narrativa como sendo fundamental para o exercício da sociabilidade humana, pois abre espaço para que o indivíduo vá em busca do outro. Para Dalbosco (2015), a capacidade de imaginação narrativa auxilia a criança (indivíduo) a formar o seu mundo interior, tornando-lhe familiar o que até então lhe parecia estranho. Esse tornar familiar permitirá tanto o desenvolvimento da consciência de si quanto do sentimento de empatia, pois possibilita um pensar reflexivo que levará tanto ao desenvolvimento do sentimento de empatia quanto da consciência de si. Essas questões remetem ao não-álibi no existir que Bakhtin traz em sua obra Para uma Filosofia do Ato Responsável, termo este, que de acordo com o autor, representa esse viver único e individual de cada ser humano e, ainda, a incapacidade de transferir para o outro aquilo que é de sua responsabilidade, responsabilidade esta que decorre da pertença ao outro, ou seja, do compromisso moral diante do outro. O sentimento de empatia poderá levar ao desenvolvimento dessa responsabilidade moral, justamente por permitir ao indivíduo colocarse no lugar do outro. Bakhtin (2011, p. 22) coloca: Viver a partir de si mesmo, se seu próprio lugar singular, assevera Bakhtin, não significa viver para si, por conta própria; antes é somente de seu próprio lugar único que é possível o reconhecimento da impossibilidade da não-diferença pelo outro, a responsabilidade sem álibi em seus confrontos, e por um outro concreto, também ele singular e, portanto, insubstituível. Nesse sentido, Bakhtin (2011) argumenta que esse viver próprio, no sentido de viver a singularidade em sua existência, implica que o indivíduo assuma a responsabilidade sobre si mesmo e sobre os outros. Implica, também, uma responsabilidade sobre tudo aquilo que é do outro e que está impregnado em sua personalidade, levando o indivíduo a preocupar-se tanto com o seu existir quanto com o do outro. Tudo isso corresponderia ao sentimento de empatia mencionado por Nussbaum, sentimento que emergirá as relações dialógicas e que determinará a constituição da consciência de si. Implicações nos Processos Educativos Pensar a capacidade de imaginação narrativa, as relações dialógicas, o sentimento de empatia na constituição da consciência de si, remete à interferência dos processos educativos

42868 sobre o desenvolvimento destas capacidades. Faz-se necessário, pensar os processos educativos a partir dos ideais de justiça social, de cidadania e de democracia, sendo necessário, para tanto, que os processos educativos se envolvam no desenvolvimento da capacidade de imaginação narrativa e do sentimento de empatia com vistas ao desenvolvimento de uma consciência de si. Nussbaum em sua obra Educação e Justiça Social (2014) aborda o desenvolvimento das capacidades como sendo algo de direito de todos os indivíduos, a fim de obter uma compreensão a respeito do que cada ser humano têm condições de fazer e de ser. Para a autora (2014, p. 32): A linguagem das capacidades encontra-se muito próxima da dos direitos, no entanto, eu diria que além de a complementar ela lhe confere uma muito maior precisão. Isso devido ao fato de que as discussões baseadas nos princípios dos direitos humanos levanta uma série de questões filosóficas, sendo uma delas a própria questão do desenvolvimento das capacidades citadas por Nussbaum, mais especificamente, a capacidade de imaginação narrativa, e suas implicações nos processos educativos. A capacidade de imaginação narrativa e o sentimento de empatia terão incidência sobre o exame que o sujeito fará sobre si mesmo. Neste sentido, Dalbosco (2015) ao citar a experiência socrática, faz referência à elaboração da ideia democrática de educação a partir do exame de si mesmo. A esse respeito o autor (2015) comenta que o exame permanente de si mesmo, no sentido de o sujeito questionar suas ações e pensamentos, levará ao desenvolvimento de uma postura crítica. Dalbosco (2015) enfatiza o pensamento socrático, ao reafirmar que a maior virtude do homem está em viver uma vida baseada no autoexame constante, tanto no sentido de examinar a si mesmo, quanto de examinar o outro. Esse autoexame pode ser buscado, nos processos educativos, pelo desenvolvimento da capacidade de imaginação narrativa e pelo desenvolvimento do sentimento de empatia a partir das relações dialógicas estabelecidas entre os indivíduos. De acordo com Dalbosco (2015, p. 132): O auto-exame proposto por Sócrates e o modo como o colocou em prática tornou-se uma referência indispensável às experiências democráticas ocidentais. O auto-exame nada mais é do que o esforço em fazer o agente volta-se permanentemente sobre si mesmo, retomando aquilo que ele experienciou em pensamento ou ação. O autoexame é a possibilidade que está à disposição de todo o ser humano de dialogar consigo mesmo, de tomar suas ações e seus próprios pensamentos como alvo de sua reflexão. Diz respeito, portanto, a esta necessária solidão de pensar sobre seus próprios pensamentos e ações que é tomada por Sócrates como condição da sociabilidade humana e de sua exposição pública de modo transparente e democrático.

42869 O autoexame pode ser exercitado pela prática dialógica, entre os interlocutores e entre o indivíduo e ele mesmo, levando a uma compreensão responsiva dessa prática dialógica. Dalbosco (2015) refere que somente quem tem condições de realizar esse autoexame, ou seja, somente aquele que consegue olhar e cuidar de si terá condições de cuidar do outro. Tudo isso remete à justiça social elencada por Nussbaum (2014) que será conseguida a partir do desenvolvimento das capacidades como a de imaginação narrativa e o sentimento de empatia, podendo estas capacidades serem desenvolvidas na vivência pelo indivíduo dos processos educativos aos quais irá passar ao longo de seu desenvolvimento, com o intuito de corroborar que a educação para a justiça social precisa ser formada. Uma das maneiras de se formar um indivíduo para a justiça social, é para Nussbaum, de acordo com Dalbosco (2015) através das narrativas literárias, pois estas auxiliam o desenvolvimento de uma compreensão imaginativa das situações da vida cotidiana. Nesse sentido, os processos educativos precisam favorecer o desenvolvimento do indivíduo a fim de que este possa, pela capacidade de imaginação narrativa e pelo sentimento de empatia, constituir-se a partir dos princípios da justiça social, da democracia e da cidadania. Para tanto, faz-se necessário que, dialogicamente, este indivíduo constitua, na relação eu-outro, a consciência de si pelo autoexame e pelo pensamento crítico e reflexivo acerca dele mesmo e do outro. Barbosa (2014) ao discutir a relação entre educação, sociedade e desenvolvimento, afirma que: O desenvolvimento de que hoje precisamos, diante de desafios inéditos e preocupantes, como o aumento galopante da diversidade cultural, a dramática degradação dos ecossistemas, ou, ainda, as problemáticas da governação, da justiça e dos direitos humanos num mundo simultaneamente global e desigual, não pode ignorar as pessoas. São elas que, doravante, devem estar no centro do desenvolvimento. O desenvolvimento, para estar à altura desses desafios, tem que apostar nas pessoas, nos seus saberes, nas suas capacidades, nas suas competências e nos seus valores. O que verdadeiramente interessa é um desenvolvimento de pessoas, para as pessoas e com as pessoas. Todas estas questões remetem ao comprometimento que a educação e seus processos precisam ter com o desenvolvimento das capacidades de seus alunos, favorecendo a interação dialógica e a imaginação narrativa, a fim de instaurar no indivíduo, pela alteridade, o sentimento de empatia e de justiça social. Para tanto as relações intersubjetivas favorecerão todo esse processo, com vistas ao desenvolvimento, por parte dos educandos, de uma consciência de si constituída a partir das linguagens das capacidades, e que levem ao desenvolvimento do sentimento de justiça social e à democracia.

42870 Considerações Finais Pensar a interferência da capacidade de imaginação narrativa e das relações dialógicas na constituição da consciência de si e no desenvolvimento do sentimento de empatia, e suas implicações nos processos educativos, implica necessariamente olhar para o desenvolvimento do indivíduo a partir do autoexame e do exame do outro, no sentido de fazer com que este indivíduo desenvolva um pensamento crítico e reflexivo de suas atitudes e pensamentos, com vistas à constituição da consciência de si e do sentimento de justiça social. Para que estas questões possam se efetivar, faz-se necessário, de acordo com Dalbosco (2015), que os processos educativos possam se focar no desenvolvimento das capacidades, como a de imaginação literária, pois esta possibilitará ao indivíduo refletir sobre sua vida cotidiana, bem como, desenvolver a cidadania e o pensamento democrático. A dialogicidade das relações, de acordo com Bakhtin (2011), levará ao desenvolvimento da consciência de si por parte do indivíduo, consciência esta que deverá considerar tanto o si mesmo, quanto o outro, no processo compreensão responsiva e no sentimento de justiça social. O sentimento de empatia tornar-se-á, portanto, essencial para este processo de constituição da consciência de si baseada nestes princípios. Neste sentido é que o desenvolvimento das capacidades de Nussbaum (2008) poderão auxiliar os processos educativos, no sentido de que estes possam dar conta do desenvolvimento da democracia, a partir da constituição da consciência de si. REFERÊNCIAS BARBOSA, Manuel Gonçalves. Educação e desenvolvimento: cultivando a humanidade nas esferas da sociedade civil. v.21, n. 1, Passo Fundo, p. 41-60, jan./jun. 2014. Disponível em: <www.upf.br/seer/index.php/rep>. Acesso em: 05 de julho de 2015. BAKHTIN, Mikhail. Para uma Filosofia do Ato Responsável. Tradução: Valdemir Miottelo& Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. BAKHTIN, Mikhail. Estética da comunicação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BRAIT, Beth (org). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. São Paulo: Unicamp, 2005. BRAIT, Beth (org). Bakhtin, Dialogismo e Polifonia. São Paulo: Contexto, 2013. CAMPS, Victória. El gobierno de las emociones. Barcelona: Herder, 2011.

42871 DALBOSCO, Cláudio Almir. Educação superior e os desafios da formação para a cidadania democrática. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v.20, n.1, p. 123-142, mar./ 2015. FARACO, C. A.; TEZZA, C.;CASTRO, G. de & BRAIT, B. (0rgs). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: UFPR, 1996. FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e Diálogo: As ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola, 2009. NUSSBAUM, Martha C. Paisajes del pensamento: la inteligencia de las emociones. Barcelona: Paidós Ibérica, 2008. NUSSBAUM, Martha C. Sin fines de lucro: Por qué la democracia necesita de las humanidades. Buenos Aires: Madrid, Katz, 2010. NUSSBAUM, Martha C. Educação e Justiça Social. Portugal: Editora Pedago, 2014. PIRES, Vera Lúcia. Dialogismo e alteridade ou a teoria da enunciação em Bakhtin. Organon (UFRGS), UFRGS - Porto Alegre, v. 16, n.32/33, p. 35-48, 2003.