Memórias de um Grupo 5 Período: Vespertino 1º semestre/2013 Professora: Raquel Lima Paiva Coordenadora Pedagógica: Júlia Souto Guimarães Araújo
Uso a palavra para compor meus silêncios Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão tipo água pedra sapo. Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim esse atraso de nascença. Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. Tenho abundância de ser feliz por isso. Meu quintal é maior do que o mundo. Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as boas moscas. Queria que a minha voz tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios. Manoel de Barros
Cheganças A estreia de novos encontros e relações reinventadas, o começo, um novo Grupo... Chegamos ao Grupo 5, o início de um momento de grandes desafios com a leveza da poesia do instante, inda soberana... Vimo-nos em Roda, juntos, se conhecendo e reconhecendo, escutando falas graves e de pé do ouvido. Com o tempo, essas vozes se misturaram e vestimos um o som do outro, compartilhando falas e escutas. Mergulhamos de cabeça em cavernas submersas de palavras e Áfricas, cheios de vivacidades para o oculto, olhos fixos e grandes: visíveis reflexões. O pensamento se alimenta por disparos de novas experiências, ideias e conceitos, é gostoso ver a espontaneidade das perguntas, conclusões sem ponto final, as criações... Corpos latejantes, querendo extensões nas pernas e braços, a consciência dos ossos, músculos e articulações velados em momentos de respiros pós-quintais. Uma relação construída no miúdo de todo dia: explosões corporais, ideias e conversas. Por vezes, o mundo gira ao contrário, aprendemos muito nesses dias, uma tragédia quase teatral, que, na sua madureza, colhemos sorrisos e soluções... Assim, rompemos as cancelas e a palavra que voa para fora, esta que debate e surpreende, agora, quer alcançar, nas tintas e grafites, o papel. Escrevivência Um trabalho de artesão: faz um traço, outro, os olhos apontam o céu, se fecham, a boca faz mímicas de palavra, nina seu corpo partido em sílabas e hesita para escutar seu som intrigante... São possibilidades abertas, deitadas, de pé, se olhando no espelho, na folha. Vivemos a escrita assim, livres, cada um no seu tempo, sendo desafiados a arriscar e ganhando a confiança da soltura. Nesses dias e meses, tivemos momentos para pensar sobre as palavras e em como eternizá-las na ponta do lápis; alguns deles causaram emoções coletivas diárias: a letra do dia, que, no começo, era uma brincadeira no fim da Roda, passou a ser sua centralidade, pois os estudantes já vinham de casa com a letra desejada na chapa da língua e uma relação
de palavras cuidadosamente pensada e organizada, na expectativa de ser sorteado para chover ditados e ganhar abraços apertados. As lições também eram motivo de euforia, o ar maduro que ventava na entrega das folhas timbradas causava satisfação geral. Ouvia-se murmurinhos pensantes ou gritos distantes: Como é o P? ; Ma...ma...ma ; O C é assim ou assim? ; Qual é a letra T, mesmo? ; Borracha! ; Precisa ser a palavra toda? ; Sa... só pode ser o A.... É emocionante viver esse momento com o Grupo, a descoberta de um novo jeito de ver o espaço, as relações e sentimentos, de nomear, de colocar abaixo de qualquer traço, pintura ou desenho o seu nome... Um registro prenhe de dizeres fecundados na boca do mundo. África, Áfricas No Grupo, vive uma disposição para os ocultos, uma gana de alcançar lugares sem ter que chegar a um específico, já que o gostoso da viagem é não saber o que nos espera. E assim foi com o nosso Tema Africanidades Brasileiras. Iniciamos nossa caminhada no continente África, passamos por desertos, savanas, florestas, estudamos os tipos de fauna e flora destes lugares, seus encantos e povos. Descobrimos que existem mais de 50 países africanos e que sua costa já foi aninhada à costa brasileira. Conhecemos alguns povos: os Surmas, da Etiópia, com seus chapéus de folhas e flores; os Xonas, do Zimbábue, e sua arte em pedras; os Ndebeles, da África do sul, com suas mulheres-girafas e belos adereços, e os Bosquímanos, de Botsuana, e sua hábil caçada de arco e flecha na savana. Foi com os Yorubás que vivemos mais tempo nessa viagem. Eles habitam vários países do centro-oeste africano; lá, encontramos as histórias do Rei Xangô, que se transformou em trovão. Na Nigéria, país de cultura yorubá, conhecemos Nafisa, um griot, que nos contou a história de como os africanos chegaram ao Brasil. Este cenário ganhou vida na nossa visita ao Museu Afro-Brasil... os deuses e deusas, Reis e Rainhas, amuletos, adereços e ferramentas.
Os estudantes se embrenharam nesta cultura e artistaram em miçangas, conchas, tecido, madeira... Criaram bonecas, esculturas, pinturas vivas de cores, desenhos e amuletos. No Brasil, Zumbi dos Palmares foi quem nos recebeu, e adentramos os mocambos quilombolas, estes cantos milagreiros da vida. No corpo, sentimos a batida do Samba de Roda e do Jongo, ficamos por ali celebrando a resistência e a beleza da mistura cultural que nos gestou. Neste semestre, tecemos uma trama, cada um trouxe sua linha, de tamanhos e cores diferentes. Foi comovente viver essa costura, sentir que fomos arrebatados um pelo outro e que nosso Grupo miúdo ganhou um infinito todinho, de horizonte aberto... Tornamo-nos gigantes sedentos por saber. E sabedores que são estes pesquisadores, encantados por mitologias e descobertas milenares, preencheram veredas, imaginaram e inventaram histórias faceiras. Desvendaram matemáticas, entortaram os troncos das árvores, enrolaram o cabelo da figura humana, descobriram no dedinho a curva do S, encontraram na audição a trança do diálogo. Por aqui, já vivem marejadas lembranças e desejos de mais traços nessa estrada... Agradeço demais, Raquel.