HIDROQUÍMICA DOS AQUÍFEROS SALINOS, FRATURADOS DA REGIÃO DE PETROLINA-PE, SEMIÁRIDO BRASILEIRO Priscila S. Silva 1, Eloi G. Campos 2 e Luciano S. Cunha 2 1 - Serviço Geológico do Brasil CPRM, Sede de Manaus AM, ssilva.priscila@gmail.com 2 - Universidade de Brasília UnB, Brasília DF Resumo: O município de Petrolina apresenta uma série de especificidades que o torna particular do ponto de vista hidrogeológico. A questão da escassez de recursos hídricos se dá, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo. O clima da região é classificado como semiárido. O substrato geológico é representado por rochas do Cráton São Francisco (Paleoarqueano) e da Faixa Móvel Riacho do Pontal (Neoproterozoico), além de sedimentos recentes. As coberturas de solos e regolitos são pouco espessas. Dessa forma, as zonas aquíferas ocorrem em fraturas pouco conectadas o que resulta em uma circulação limitada da água subterrânea. A recarga é reduzida e a salinidade das águas subterrâneas é elevada. Nesse contexto foram realizadas interpretações de análises hidroquímicas e datação de amostras de água subterrânea. A avaliação conjunta dos dados permitiu que contribuições ao conhecimento da causa da elevada salinidade das águas subterrâneas do semiárido nordestino fossem alcançadas. Palavras-chave: Semiárido Nordestino, Salinização, Aquífero Fraturado, Hidroquímica. Geochemistry of saline, fractured aquifers from Petrolina-PE region, Brazilian Semiarid Northeast Region Abstract: Interpretations of hydrochemical analysis and groundwater dating were executed. Contributions to the knowledge about the reasons of the salinization of groundwater from the semiarid Northeast region of Brazil were done. Keywords: Brazilian Semiarid Northeast Region, Salinization, Fractured Aquifer, Hydrochemistry. Introdução O município de Petrolina se localiza no limite sudoeste do estado de Pernambuco próximo a divisa com o estado da Bahia. Na região, a questão da escassez de recursos hídricos se dá, tanto do ponto de vista quantitativo (em função do clima, dos solos e da natureza dos aquíferos); quanto qualitativo (em função da elevada salinidade das águas subterrâneas). O clima é classificado como semiárido, sendo que as temperaturas são elevadas e as chuvas escassas e irregulares temporal e espacialmente. Isso aliado à elevada taxa de evaporação ocasionam uma recarga reduzida dos aquíferos. O substrato geológico é representado por granitos, gnaisses e metassedimentos, pertencentes ao Bloco Gavião do Cráton São Francisco (ao sul do município) e à Faixa Móvel Riacho do Pontal (ao norte do município), de idades do Paleoarqueano ao Neoproterozoico. Além de sedimentos recentes de depósitos aluvionares, lateríticos e paleodunas. As coberturas de solos e regolitos são pouco espessas e os sedimentos aluvionares podem acumular espessuras de 5 a 10 metros. Dessa forma, as zonas aquíferas ocorrem em fraturas pouco conectadas o que resulta em uma circulação limitada da água subterrânea. Aliado a isso, as águas subterrâneas possuem elevada salinidade.
Diante desse cenário foram realizadas análises hidroquímicas e datações de amostras de água subterrânea objetivando ampliar o conhecimento sobre as causas e características das altas salinidades das águas subterrâneas dos aquíferos fraturados da região semiárida brasileira. Experimental Foram realizadas análises hidroquímicas completas em 526 amostras de poços tubulares no município de Petrolina-PE o que possibilitou classificar quimicamente as águas e verificar suas elevadas salinidades. A Fig. 1 mostra a distribuição dos poços amostrados bem como o contexto geológico da área. As análises incluíram os seguintes parâmetros: HCO - 3, F -, Cl -, Br -, NO - 3, PO 3 4, SO 2-4, Na +, K +, Fe 2+, Mn 2+, Ca 2+ e Mg 2+, ph, condutividade elétrica (CE) e Sólidos Totais Dissolvidos (TDS). Além das análises hidroquímicas foram realizadas datações pelo método do Carbono 14 e Trítio em 4 amostras de água subterrânea com diferentes condutividades elétricas. As análises foram realizadas no laboratório HIDROISOTOP (Alemanha) pelo método de Accelerator Massspectrometry (AMS); medido em % recente com desvio padrão duplo, 100%-modern = 0,226 Bq/g Carbon. Figura 1 - Mapa de localização do município de Petrolina-PE, do contexto geológico regional e dos pontos de amostragens de água subterrânea. As bolas pretas indicam os locais de amostragem das 526 amostras para análise hidroquímica completa. E as bolas brancas indicam os locais de amostragem das 4 amostras de datação. Resultados e Discussão Os sólidos totais dissolvidos (TDS) observados nas águas subterrâneas do município de Petrolina variam de 104,8 a 19.703,5 mg/l, sendo muito comuns as águas com TDS superiores a 2.000 mg/l. As análises hidroquímicas completas das 526 amostras foram avaliadas quanto a sua confiabilidade pelo cálculo do balanço iônico, que foi realizado com auxílio do software QUALIGRAPH. No total, 232 amostras foram classificadas como confiáveis e foram plotadas no Diagrama de Piper (Fig. 2). A maioria das amostras (39,2 %) foi classificada como mista cloretada. Após a classificação geral, as amostras foram divididas em 8 grupos conforme as suas condutividades elétricas (Tabela 1), objetivando analisar possíveis variações na composição hidroquímica das águas de diferentes salinidades.
Na análise dos grupos foi possível observar que as águas com menores condutividades elétricas, do grupo 1, são enriquecidas em bicarbonato. Os grupos 2 e 3 mostram caráter intermediário. A partir do grupo 4, as amostras apresentam um enriquecimento em cloreto e o bicarbonato diminui significativamente (Fig. 2 e 3). Figura 2 No centro da figura, Diagrama de Piper com as 232 amostras selecionadas pela avaliação do balanço iônico. Nas laterais Diagramas de Piper representativos de cada grupo de amostras separados de acordo com as condutividades elétricas. Sendo, o grupo 1 o menos condutivo e o grupo 8 o mais condutivo. Tabela 1 - Características dos grupos separados para análise hidroquímica. GRUPO INTERVALO DE NÚMERO DE CONDUTIVIDADE ELÉTRICA AMOSTRAS 1 100 μs/cm - 500 μs/cm 19 2 500 μs/cm 1.000 μs/cm 47 3 1.000 μs/cm 2.000 μs/cm 55 4 2.000 μs/cm 4.000 μs/cm 55 5 4.000 μs/cm 5.000 μs/cm 14 6 5.000 μs/cm 10.000 μs/cm 32 7 10.000 μs/cm 20.000 μs/cm 9 8 20.000 μs/cm 30.000 μs/cm 1 Figura 3 - Concentração dos íons das amostras representativas de cada grupo em escala logarítmica. Foram elaborados também gráficos dos principais elementos químicos versus condutividades elétricas das 232 amostras. A determinação dos íons que possuem correlação com a condutividade foi feita com base na análise do R², quando R² > 0,7 a correlação foi considerada
existente. Isso ocorreu para os íons: fluoreto, fosfato, sódio, cálcio e magnésio. O cloreto e o brometo apresentaram forte correlação com R² de 0,9686 e 0,9546, respectivamente. Quanto às datações, os resultados para Trítio foram reduzidos, sempre inferiores ao limite de quantificação do aparelho, e não houve variação entre as amostras. Dessa forma, as idades foram estimadas utilizando o método do Carbono 14. As idades aproximadas foram obtidas utilizando a equação proposta por Allègre (2008) (Tabela 2). T= 8033. ln (At14/A 014 ) (Eq. 1) Tabela 2 - Dados de datação por trítio e carbono 14 para as amostras de água subterrânea do município de Petrolina. Amostra Trítio Carbono 13 (δ13c-dic) Carbono 14 (14C-TIC) %-modern Idades aproximadas (anos) RKF (09/2015) < 0,6-11,1 96,55 ± 0,56 282 ± 45 12.630 113 (09/2015) < 0,6-11,7 93,63 ± 0,54 528 ± 43 3.490 CN (09/2015) 0,6 ± 1,0-12,3 74,99 ± 0,44 2.312 ± 35 1.876 JA (09/2015) < 0,6-13,5 50,13 ± 0,34 5.547 ± 27 2.720 Condutividade Elétrica (μs/cm) Na área estudada as águas subterrâneas tendem a evoluir quimicamente no decorrer do tempo, o que gera modificações regionais determinadas pelo seu tempo de residência. As principais modificações ocorrem no que tange aos ânions, sendo que passam de bicarbonatadas para cloretadas. A explicação para tal comportamento é prevista pela própria mineralogia pela qual a água tem contato. Inicialmente na zona de maior alteração há ampla ocorrência de carbonatos derivados da hidratação e alteração de plagioclásio (principalmente aqueles ricos na molécula de anortita). Esta zona ocorre em porções mais rasas do aquífero e em fraturas mais abertas e mais rasas. Como os carbonatos de cálcio e magnésio são minerais solúveis, são os primeiros a serem incorporados as água subterrâneas. Com a continuidade de infiltração e ampliação das profundidades de contato água-rocha há maior tendência de contato com minerais micáceos menos solúveis principalmente biotita e clorita (muito comumente observados na área). Tais minerais hidratados contém a molécula de hidroxila em sua fórmula química, que pode ser substituída por ânions monovalentes como Cl -, F - e Br -. Desta forma, com o aumento do tempo de contato água-rocha há a incorporação destes ânions e as águas evoluem de bicarbonatadas para cloretadas. Além da fonte geogênica, o cloreto pode ser incorporado às águas a partir da atmosfera, com as águas de recarga. Por se tratar de um ânion que apresenta comportamento conservativo principalmente nas águas subterrâneas há uma tendência em apresentar aumento progressivo de sua concentração nas águas mais antigas presentes nos aquíferos fraturados. Altas concentrações de cloreto ainda podem estar ligadas a contaminação antrópica por efluentes domésticos (Wolfe and Haugh, 2001; Oliva and Kiang, 2002) ou a evolução hidroquímica durante o fluxo das águas subterrâneas (Silva and Rebouças, 1983). O cloreto em solução é estável e inerte e dificilmente é adsorvido pelos argilominerais, assim se torna relativamente enriquecido no momento em que os outros íons vão sendo adsorvidos e ele se torna residual. A origem desse elemento nas águas subterrâneas de Petrolina pode ter contribuição tanto meteórica, quanto por dissolução de minerais sendo que estudos mais detalhados devem ser feitos para maiores esclarecimentos. Quanto à datação, as amostras apresentaram valores bastante precisos de idade com auxílio do método 14 C, sendo associados restritos erros com idades entre 282 e 5.547 anos. Os dados, ainda que restritos, não mostram relação entre a condutividade elétrica e as idades. Muito provavelmente a salinidade não é controlada pelo tempo de contato água-rocha, mas principalmente pelo tipo de rocha, e influência do manto de intemperismo na área de recarga. Locais em que há maior espessura
de saprólitos ou solos com caráter salino ou sálico deverão apresentar maior TDS independentemente da idade das águas. Conclusões Estudos de hidroquímica em águas subterrâneas e superficiais do nordeste brasileiro mostram que salinidades elevadas são comuns nessa região (Santiago et al., 2000). A origem da mineralização das águas subterrâneas ainda não está clara. Existem várias hipóteses para explicar o fenômeno (Gascoyne and Kamineni, 1994; Hofmann and Tröger, 1998; Santiago et al., 2000; Costa et al., 2006; Lima, 2010; Silva Junior et al., 1999; Silveira and Silva Junior, 2002; Andrade and Leal, 2010). Sobre a causa das elevadas salinidades observadas nas águas subterrâneas dos aquíferos fraturados do município de Petrolina, o que se percebe é que um conjunto de fatores tem influência, entre eles: recarga restrita; solos pouco lixiviado e ricos em elementos alcalinos e alcalinos terrosos; clima (elevadas temperaturas, taxa de evaporação e irradiação solar aliado a chuvas escassas); relevo suave ondulado a plano; característica das fraturas (baixa conectividade); e processo de interação água-rocha. A salinidade das águas (expressa pela condutividade elétrica) não possui uma relação explícita com as idades. Sendo assim, os dados permitem concluir que a causa da elevada salinidade das águas está ligada predominantemente a processos superficiais com influência dos solos e do clima (elevada taxa de evaporação). O processo de interação água-rocha pode contribuir, mas em menor proporção comparado com os processos superficiais. Como o relevo é plano, as precipitações se acumulam na superfície onde os íons são dissolvidos. A evaporação deixa a água residual concentrada em íons. Quando ocorre infiltração a água já apresenta certo enriquecimento em sais. Posteriormente nos aquíferos o processo de interação água-rocha pode contribuir para o maior enriquecimento em sais. Entretanto, em função da falta de correlação entre TDS e idades, estima-se que o enriquecimento a partir dos solos seja predominante. Referências Bibliográficas Allègre, Claude J. 2008. Isotope Geology, 534 p. Cambridge: Cambridge University Press. Andrade, João B.M., and Luiz Leal. 2010. Fatores influentes no potencial e processos de salinização dos aquíferos fraturados cristalinos do alto da Bacia do Rio Vaza-Barris, região de Uauá, Bahia, Brasil. Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Bahia. Costa, Ana M.B., José Melo and Fernando Silva. 2006. Aspectos da salinização das águas do aquífero cristalino no Estado do Rio Grande do Norte, nordeste do Brasil. Águas Subterrâneas 20: 67-82. Gascoyne, M., and D.C. Kamineni. 1994. The Hydrogeochemistry of fractured plutonic rocks in the Canadian Shield. Applied Hydrogeology 02: 43-49. Hofmann, T., and U. Tröger. 1998. Hydrogeological basic survey in the region of Água Fria, Bahia, Brazil. Zbl. Geol. Paläont. Teil 1 3-6: 823-834. Lima, Olivar A.L. 2010. Estruturas geoelétrica e hidroquímica do sistema aquífero cristalino da Bacia do Alto Rio Curaçá, semiárido da Bahia. Revista Brasileira de Geofísica 28: 445-461. Oliva, Andresa, and Chang Kiang. 2002. Caracterização hidroquímica de águas subterrâneas no município de Rio Claro SP. Livro de resumos do XII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas. Santiago, Maria M.F., Horst Frischkorn, and Josué Filho. 2000. Mecanismos de salinização em água do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí. Anais do 1st Joint World Congress on Groundwater. Silva, Rosa B.G., and Aldo Rebouças. 1983. Estudo hidroquímico e isotópico das águas subterrâneas do Aquífero Botucatu no estado de São Paulo. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. Silva Junior, Luiz G.A., Hans Gheyi, and José Medeiros. 1999. Composição química de águas do cristalino do nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 03: 11-17. Silveira, Carla S., and Gerson Silva Junior. 2002. O uso de isótopos ambientais em estudos hidrogeológicos no Brasil: Uma resenha crítica. Anuário do Instituto de Geociência UFRJ 25: 25-43. Wolfe, William J., and Connor Haugh. 2001. Preliminary conceptual models of chlorinated-solvent accumulation in karst aquifers. U.S. Geological Survey 01-4011: 157-162.