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Transcrição:

Considerações finais Amanda Daniele Silva SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SILVA, AD. Considerações finais. In: Mãe/mulher atrás das grades: a realidade imposta pelo cárcere à família monoparental feminina [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 211-215. ISBN 978-85-7983-703-6. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Considerações finais As reflexões estabelecidas no decorrer desta obra nos permitiram reconhecer que se mostra limitada a atuação de diferentes profissionais que permeiam o cenário tão amplo e diversificado do cárcere feminino brasileiro. Inúmeras são as expressões de injustiça, desigualdade e violação de direitos com as quais as encarceradas deparam-se diariamente, o que torna as dificuldades com o exercício da maternidade apenas uma face deste ambiente desumano chamado prisão. Não tivemos, em nenhum momento, a intenção de esgotar as possibilidades de análise da temática, visto que quanto mais ela é aprofundada, mais nos apresenta enigmas e curiosidades associados aos desafios e inquietações, abrindo, dessa maneira, um rol de perspectivas para futuros pesquisadores. O cárcere ainda não se constituiu como uma instituição aberta e acessível à sociedade liberta. Sua estrutura formal e burocrática, somada ao medo que a sociedade tem dos que se encontram encarcerados, resulta na formação de dois polos distintos e, até mesmo, opostos a prisão e a sociedade que não se comunicam entre si, pois são separados por barreiras mais rígidas que as muralhas ou as grades; são separados pelo preconceito e o temor que a sociedade tem de se contagiar pela periculosidade advinda dos criminosos da prisão. Temor esse que impede a oferta de oportunidades e o

212 AMANDA DANIELE SILVA reconhecimento de que a penalização finda com a sentença condenatória, pois há um julgamento eterno, por parte da sociedade, que incrimina não apenas os reclusos, mas também seus familiares mesmo depois do cumprimento da pena. A prisão deixa marcas visíveis e invisíveis nas pessoas que passam por ela, gerando uma série de violações e exclusões que anulam a condição de cidadãos a homens e mulheres que adquiriram pena condenatória. Muitas são as aniquilações presentes no ambiente prisional, pois, apesar de a sentença proferir o cerceamento da liberdade de locomoção, muitos outros direitos são negados aos aprisionados, principalmente às mulheres, que, além de terem a saúde, a educação, o trabalho, o lazer e o contato com a família refutados, têm, até mesmo, a maternidade interrompida. Contudo, dentre todas as percepções adquiridas no desdobrar-se das análises teórico-metodológicas e empíricas, uma mostrou-se evidente em todo trajeto de pesquisa: estar presa não significa ser presa para uma mulher, principalmente quando ela se responsabiliza pela manutenção de uma família; ao contrário, estar presa representa um momento de reflexão e ponderação acerca das dificuldades passadas e atitudes tomadas, e, acima de tudo, uma oportunidade de percepção, reconhecimento e reconsideração de valores e pessoas que influenciam na conduta e construção de novas perspectivas futuras de vivência que se distanciam de práticas delitivas. O encarceramento para uma mãe tem rebatimentos que ultrapassam sua pessoa e projetam-se para seus filhos, intensificando seu sofrimento por não poder amenizar as dificuldades passadas por eles. Muitas das mulheres chefes de famílias monoparentais femininas que se encontram reclusas já dispunham de uma rede ampliada de parentesco para contribuir com as dificuldades, principalmente financeiras, pelas quais suas famílias passavam. A falta de equipamentos e políticas públicas para amparar essas famílias requer a composição de redes de amizade e solidariedade entre as famílias pobres para que possam superar os momentos de vulnerabilidade. Assim, o conceito de família é ampliado, ultrapassando os laços consanguíneos e as paredes do domicílio, atingindo círculos de

MÃE/MULHER ATRÁS DAS GRADES 213 amizade e a vizinhança. Há um reconhecimento, entre as famílias, das dificuldades em comum passadas por ambas, gerando um esforço mútuo para sua superação. A incerteza que o cárcere repassa às mulheres quanto a seus destinos faz que as mesmas também não possam garantir o futuro de seus filhos. A existência de pessoas ou famílias que contribuam para o cuidado e manutenção destas crianças e adolescentes durante o aprisionamento materno mostra-se como uma segurança de aproximação entre mãe e filhos, assim como a garantia de retorno destas crianças ao lar. Entretanto, a realidade financeira desfavorável das famílias das reclusas gera um compartilhamento de responsabilidades, fazendo que cada familiar se responsabilize por um número determinado de crianças. Todavia, esta alternativa ainda se apresenta como mais favorável e menos dolorosa à reclusa e seus filhos que a entrega destes para institucionalização ou adoção. Práticas desta natureza ocorrem, principalmente, mediante sucessivas reclusões, o que, à primeira vista, apresenta-se como mera arbitrariedade judicial que recrimina e mulher infratora e retira seus filhos para castigá-la, contudo, a colocação da assistente social entrevistada neste estudo ratifica que todas as ações judiciais têm como principal fundamento o bem-estar e proteção dos menores. Muitas são as modificações percebidas na organização familiar quando, repentinamente, ocorre o afastamento de um membro que acondiciona para si as principais responsabilidades do lar, sejam elas afetivas financeiras ou legais. O aprisionamento da mulher chefe de família monoparental feminina pauta algumas dificuldades que, mesmo já tendo sido identificadas antes da reclusão, ganham visibilidade e maior proporção com o encarceramento. Dentre elas podemos elencar a desresponsabilização paterna diante dos cuidados com os filhos; a ausência de políticas e equipamentos públicos especificamente creches que possam favorecer a conciliação entre os afazeres domésticos e maternos com o trabalho remunerado; a dependência de programas de transferência de renda ou de ajuda de terceiros para arcar com as despesas do lar e as diversas alternativas lícitas e ilícitas principalmente o tráfico de entorpecentes

214 AMANDA DANIELE SILVA e a prostituição para auferir renda. O encarceramento traz ainda um agravante mediante essa situação de extrema vulnerabilidade já vivenciada pela família: a perda da autoridade da mãe sobre os filhos, assim como a falta de identificação que estes têm em relação ao poder familiar que ela exerce sobre eles; mesmo estando aprisionadas, as mulheres participantes desta pesquisa, ratificaram este sentimento de impotência frente ao comportamento de seus filhos longe da figura materna. Com isso, este estudo empenhou-se na confirmação do alto grau de esquecimento e negligência que as famílias de reclusas encontram-se em relação às ações públicas. A falta de informações sobre quem são e onde estão os filhos das presas apresenta-se como a evidência mais certeira de que pouco ou nada se faz para garantir condições básicas de sobrevivência a eles. As constantes violações das legislações específicas para encarceradas não atingem apenas as mulheres, mas incidem diretamente no desenvolvimento de seus filhos, interrompendo a formação ou manutenção de vínculos socioafetivos e intensificando o grau de estigmatização e vulnerabilidade em que convivem no meio social por decorrência do olhar preconceituoso que são vistos pela população em sua quase totalidade. Assim, a separação materno-filial apresenta-se como apenas mais um elo na série de múltiplas violações e negações que a família sofreu durante toda trajetória de existência, uma vez que identificamos uma repetição, na vida dessas crianças e adolescentes, de toda a história vivida por suas mães, o que, em muitas situações resulta na naturalização deste ambiente de violência e perdas. Da mesma forma que a sociedade livre ainda não se preparou para as modificações ocorridas tanto na organização familiar como na conduta delitiva das mulheres, o ambiente prisional também se encontra inapto para lidar com as implicações que a junção entre monoparentalidade feminina e encarceramento pode gerar. Ser mulher e encarcerada significa o pagamento de uma penalidade individual, contudo ser mulher, encarcerada e mãe expressa o compartilhamento de todo repúdio e preconceito com a família. Definitivamente presenciamos o fato de que a pena de uma mãe no

MÃE/MULHER ATRÁS DAS GRADES 215 Brasil não finda em sua pessoa, mas é relegada de herança para seus descendentes. Por isso, imprescindíveis se fazem esforços mútuos para frear este círculo de rejeição, culpabilização e penalização da família brasileira pobre.