Anestesia para procedimento ortopédico em avestruz

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Anestesia para procedimento ortopédico em avestruz (Struthio camelus) Viviane Machado Pinto Maria Eugênia Menezes de Oliveira Jussara Zani Maia Maria Inês Witz Mariane Feser Mariangela da Costa Allgayer RESUMO O objetivo deste trabalho é descrever a anestesia para procedimento ortopédico (amputação de asa), em avestruz. Após jejum sólido de 12 horas, foi realizada contenção física e aplicação de midazolam e butorfanol e indução anestésica com cetamina. A ave foi intubada e a anestesia mantida com halotano, em sistema anestésico inalatório circular com reinalação. Durante os períodos pré, trans e pós-anestésico não foram observadas complicações e uma hora após o fim do procedimento a ave estava em estação. De acordo com os parâmetros cardíacos e respiratórios avaliados e pressão arterial média, o protocolo anestésico estabelecido para o procedimento ortopédico em avestruz foi efetivo proporcionando uma anestesia com bom relaxamento muscular, livre de complicações, além de uma recuperação anestésica tranquila. Palavras-chave: Avestruz. Anestesia. Cirurgia ortopédica. Anesthesia for orthopedic surgery in African ostrich (Struthio camelus) ABSTRACT This summary aims to describe the anesthesia for orthopedic surgery (wing amputation) in African ostrich. After a 12-hour-fasting period a physical restraint and premedication of midazolam and butorfanol were carried out and later the anesthesia induction by ketamine. The ratite was intubated and the anesthesia kept by inhalation of an anesthetic agent (halothane). During presurgery, transurgery and postsurgery, any complications were observed and one hour after the anesthetic procedure, the bird was recovered. According to the parameters of cardiac and respiratory Viviane Machado Pinto, Jussara Zani Maia, Maria Inês Witz e Mariangela da Costa Allgayer Professores Adjuntos do Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Canoas/RS. Maria Eugênia Menezes de Oliveira e Mariane Feser Médicas Veterinárias Autônomas. Veterinária em Foco Canoas v.7 n.2 p.206-214 jan./jun. 2010

frequencies as well as the arterial pressure observed, the anesthetic protocol was effective for the wing amputation surgery in the African ostrich. Keywords: African ostrich. Anesthesia. Orthopedic surgery. INTRODUÇÃO As aves apresentam particularidades anatômicas, fisiológicas e comportamentais que devem ser consideradas e há poucos estudos relatando os efeitos dos anestésicos na grande diversidade de espécies que existe nesta classe animal (NATALINI, 2007). O avestruz (Struthio camelus) vem sendo criado para fins comerciais há aproximadamente 100 anos. No Brasil só em 2004, o rebanho de avestruzes era de 170.000 animais e, em 2005, o número aumentou para 335.425, representando uma taxa de crescimento de 97% (MUNIZ, 2006). Na rotina dos criatórios, são realizados diversos procedimentos para a manutenção da sanidade das aves, assim o uso de agentes anestésicos injetáveis possibilita a imobilização e manipulação dos animais, diminuindo a ocorrência de estresse e o risco de acidentes. Entretanto, ainda há poucos relatos de protocolos anestésicos para a contenção desta espécie e particularidades que possam interferir na administração dos fármacos (CARVALHO et al. 2007). Nas aves, a anestesia geral pode ser mantida com um agente anestésico inalatório, sendo que o primeiro obstáculo ocorre durante a indução ou recuperação anestésica, na qual as aves devem ser contidas para prevenir acidentes. O capuz é um tipo de contenção física utilizado para deixar a ave mais tranquila, reduzindo risco de hipertermia por estresse (UOV, 2008). A medicação pré-anestésica tem como objetivo minimizar traumas físicos, diminuir estresse e agitação (GUIMARÃES; MORAES, 2000), além de reduzir a concentração do anestésico inalatório durante a manutenção anestésica (NATALINI, 2007). A indução anestésica pode ser com fármacos injetáveis ou anetésicos inalatórios. A indução direta na máscara, deverá ter uma atenção especial relacionada com padrão respiratório, pois nesta espécie pode ocorrer rápida depressão. Após indução, um tubo endotraqueal pode ser facilmente colocado e a anestesia pode ser mantida por tempo indeterminado (BRUNING; DOLENSEK, 1986). Todas as espécies de aves irão apresentar rápida diminuição na temperatura corporal, sendo recomendado manter o animal aquecido para auxiliar a manutenção da temperatura. Aferições cloacais de 34,5 C a 35 C têm sido observadas em procedimentos com 2-3 horas de duração, sem que o animal tenha desenvolvido complicações anestésicas (BRUNING; DOLENSEK, 1986). O padrão respiratório e a frequência cardíaca variam inversamente com o tamanho da ave. O maior indicador de profundidade anestésica é a avaliação do padrão respiratório. A respiração se torna menos frequente e mais curta com o aprofundamento da anestesia. Como a apneia pode rapidamente levar à morte, mensurações constantes devem ser realizadas durante a anestesia e a ventilação deve ser instituída logo que a ave não apresente respiração espontânea. Além disso, a frequência cardíaca também deve ser monitorada com estetoscópio ou com monitor cardíaco. Os eletrodos do monitor cardíaco podem ser colocados na região caudal e esterno ou nas posições convencionais. O complexo 207

rs na derivação II, que nos mamíferos é positivo, nas aves é normalmente negativo (BENNETT, 1999). Ludders e Mathews (1996) apresentam um demonstrativo destes parâmentros em anestesias realizadas, utilizando vários tranquilizantes e sedativos em diferentes procedimentos cirúrgicos em nove avestruzes e dez emas no Colégio de Medicina Veterinária no Texas, em 1992. Para o controle do plano anestésico são utilizados alguns reflexos. O reflexo palpebral está presente somente em planos muito superficiais, assim como o movimento reflexo em resposta a estímulo. O reflexo corneal (manifestado com o movimento da terceira pálpebra através do olho em resposta ao estímulo corneal) e o reflexo de pedalada permanecem por bastante tempo e são geralmente lentos, mas presentes em um plano cirúrgico de anestesia (LINN; GLEED, 1987). Quando possível, o avestruz deve se ambientar com a clínica ou hospital antes do procedimento anestésico para reduzir o estresse. Após a adaptação da ave ao novo local, é comum aparecerem outros sinais clínicos que não haviam sido observados anteriormente (LUDDERS, 2001). O comportamento do paciente é importante, mas não é o suficiente para avaliar seu estado de saúde. É importante se obter o peso correto, porque as penas podem fazer com que se estime um peso maior para uma ave magra. A preparação para a anestesia deverá levar em conta o temperamento, o procedimento cirúrgico e a equipe disponível para auxiliar. Avestruzes jovens (+/- 30 kg peso) podem ser tratadas da mesma forma que outras espécies de aves, podendo apresentar hipoglicemia, hipotermia, hipotensão e hipoventilação quando anestesiadas (LUDDERS; MATTHEWS, 1996). RELATO DE CASO Foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade Luterana do Brasil um avestruz (Struthio camelus), fêmea, de 8 meses e 36,7kg, que apresentava dificuldade de deambulação. A ave apresentava fratura de úmero e por isso mantinha a asa caída, frequentemente pisoteada durante a locomoção, sendo indicado amputação do membro. Após jejum sólido de 12 horas, foi colocado um capuz sobre a cabeça da ave (Figura 1), e esta foi encaminhada ao bloco cirúrgico. 208

FIGURA 1 Contenção física de avestruz com capuz facilitando a pesagem da ave. Como medicação pré-anestésica (MPA) foi utilizado midazolam e butorfanol, ambos na mesma seringa, e na dose de 0,5mg/kg, por via IM. A indução anestésica foi realizada após 15 min da MPA, com cetamina na dose de 4mg/kg administrada na veia jugular direita. Após indução, o paciente levou em torno de 20 segundos para ficar em decúbito esternal, foi encaminhado à mesa operatória e intubado com sonda orotraqueal n 16, até cerca de 1/3 da traqueia (Figura 2) e conectado ao sistema anestésico circular com absorvedor de CO 2. FIGURA 2 Avestruz após indução anestésica, intubado com sonda orotraqueal n 16. 209

A manutenção anestésica foi realizada com halotano em vaporizador calibrado, e o fluxo de oxigênio foi mantido em 4 litros/min. A veia tibial caudal foi acessada no membro posterior direito, com catéter de polietileno rígido n 20 e a fluidoterapia foi mantida com uma taxa de infusão de 5ml/kg/hora. Foram conectados: o manguito do monitor de pressão no membro posterior direito e os eletrodos do monitor cardíaco no membro anterior direito, membro posterior esquerdo e pescoço. Os parâmetros como frequência cardíaca (FC), frequência respiratória (FR), pressão sistólica (PS), pressão diastólica (PD) e pressão média (PM) foram observados e anotados a cada 5 min. A temperatura cloacal (TC) foi aferida a cada 10 min. Logo após intubação, o fluxo de halotano foi mantido em 3,5%, sendo modificado de acordo com alterações do plano anestésico, conforme demonstra a Tabela 1. O procedimento cirúrgico durou 40 min, mas o paciente continuou anestesiado com a concentração de halotado mantida 1%, para realização de curativo. Ao término da anestesia a ave permaneceu intubada até que apresentasse reflexo palpebral e de deglutição. Passados 20min, foi observado elevação da cabeça e presença de consciência. Foi necessário mais 40 minutos para que a ave ficasse em estação. TABELA 1 Parâmetros mensurados na ave e fluxo de halotano utilizado, durante anestesia. Tempo (min) FC (bpm) FR (mpm) PS PD PM TC ( C) Fluxo Halotano (%) 5 84 8 ----- ----- ----- 40,6 3,5 10 91 8 209 172 185 40,4 3,5 15 c 85 12 209 171 183 40,3 3,5 20 a 80 16 197 161 175 ------ 3,0 25 75 16 203 152 172 40,2 2,5 30 b 73 16 196 130 158 ------ 2,5 35 72 16 197 126 154 40,3 2,5 40 71 16 193 142 159 ------ 2,5 45 64 16 197 139 162 40,2 2,0 50 66 16 198 134 161 ------ 2,0 55 d 65 16 198 134 161 40,3 2,0 60 65 16 199 140 160 ------ 2,0 65 e 65 16 197 144 156 40,4 1,0 OBS.: a presença de reflexo corneal, b ausência de reflexo corneal, c início da cirurgia, d final da cirurgia, e final da anestesia. 210

DISCUSSÃO Para a realização da anestesia e cirurgia, o avestruz foi mantido em jejum sólido durante 12 horas, o que, de acordo com Ludders (2001), é uma recomendação controversa. Em geral, aves não devem fazer jejum, mas em alguns casos é recomendado jejum por não mais do que 2 a 3 horas antes da anestesia, devido a sua alta taxa metabólica, pobre reserva de glicogênio hepático e pela possibilidade de desenvolver hipoglicemia durante a anestesia. Entretanto, a regurgitação e subsequente obstrução aérea podem ocorrer nas aves que não passaram por jejum. Alguns veterinários recomendam que aves com baixo peso recebam alimentação durante toda à noite. Na experiência do autor, o jejum durante toda à noite reduz a incidência de problemas associados à regurgitação, não sendo deletério para o animal quando este não se encontra em um balanço metabólico negativo, que pode predispor ao desenvolvimento de hipoglicemia. Para a contenção da ave antes da anestesia, foi utilizado um capuz para bloquear a visão. Conforme UOV (2008), os avestruzes jovens podem ser apanhados segurando as pernas firmemente acima do chão. No caso de animais adultos, a cabeça é apanhada e imediatamente é colocado um capuz, para que a visão do animal seja bloqueada. Uma vez bloqueada a visão, o animal sente-se completamente dominado, sendo possível conduzi-lo facilmente, através de uma pressão no corpo para baixo, para impedir que pule. Como medicação pré-anestésica, o avestruz recebeu midazolam e butorfanol ambos na dose de 0,5mg/kg IM, na mesma seringa. Guimarães e Morais (2000) relatam que a medicação pré-anestésica pode ser indicada para aves com pescoço longo para minimizar os traumas físicos, e antes da indução da anestesia com máscara para reduzir o estresse e agitação. Ludders (2001) comenta que pré-medicações como tranquilizantes, sedativos e analgésicos, são frequentemente utilizadas para a anestesia em aves, pois é reduzida a quantidade de anestésico inalado, necessário para manter a anestesia. O midazolam é frequentemente utilizado como tranquilizante e facilita a contenção e indução anestésica. Embora não exista nenhum estudo investigando seu efeito na concentração alveolar mínima (CAM), o que se sabe é que com o seu uso ocorre uma redução na quantidade requerida de anestésico inalatório, diminuindo a depressão cardiovascular, tipicamente associada a estes anestésicos. O butorfanol (1mg/kg IM) além de analgésico também possui efeitos na redução da CAM. Ludders e Matthews (1996) recomendam o midazolam, na dose de 0,4mg/kg por via IM e citam que este parece ser efetivo como MPA. Concordando com os autores acima o protocolo utilizado como MPA na contenção química do avestruz se mostrou satisfatório produzindo efeito analgésico, sedativo e relaxante muscular. A indução anestésica foi realizada com cetamina, na dose de 4mg/kg, administrada na veia jugular direita, concordando com Ludders e Mathews (1996) e Linn e Gleed (1987), que acreditam que a cetamina seja uma droga confiável, sendo que a dose da droga a ser administrada, varia de espécie a espécie, mas geralmente é inversalmente proporcional ao peso. Murphy e Fialkowski (2001) descrevem que injeção intravenosa 211

de cetamina induz rapidamente anestesia, sendo que quando se administra um benzodiazepínico previamente, a recuperação tende a ser tranquila, porém, mais lenta. Já a tiletamina-zolazepam, por via IM ou IV, produz indução satisfatória, mas a recuperação pode ser brusca e prolongada. Carroll (2001) indica a utilização de diazepam, no dose de 0,2 a 0,3mg/kg e a cetamina, na dose de 2,2mg/kg por via IV para a anestesia de avestruzes. A anestesia da ave foi mantida com anestésico inalatório, conforme sugestão de Linn e Gleed (1987) que descrevem esta técnica como método de escolha para procedimentos demorados, porque pode ser mantida por longo período de tempo, sendo que a profundidade da anestesia pode ser controlada. O anestésico inalatório utilizado foi o halotano, que de acordo com Bruning e Dolensek (1986) é um agente anestésico satisfatório para produzir anestesia geral em avestruzes. Já Bennett (1999) discorda, e considera o isoflurano o anestésico de escolha para as aves, sendo este totalmente excretado pelo sistema respiratório, e desencadeando mínimos efeitos nos sistemas e órgãos. Ludders et al. (1988), descrevem que a anestesia inalatória com halotano em oxigênio tem sido utilizada em várias espécies, porém causa alta incidência de arritmias e várias mortes em psitacídeos. Bennett (1999) cita que a indução anestésica utilizando halotano com concentração entre 2,5-3% em aves de grande porte ocorre em 2-4 minutos. Na manutenção anestésica é recomendada uma concentração de 0,5-1,5%, sendo que a recuperação anestésica se dá em 3-5 min após o fechamento do vaporizador. Bradicardia, hipotensão e hipotermia podem ocorrer com o uso do halotano, mas os problemas podem ser rapidamente solucionados, quando se finaliza a anestesia. Apesar de Ludders et al. (1988) e Goelz et al. (1990) comentarem que a anestesia inalatória com halotano tem sido utilizada em várias espécies de aves, porém causa alta incidência de arritmias (GREENLEES et al., 1990). Não foi observada nenhuma arritmia neste caso. Entre os parâmetros mensurados durante a anestesia do avestruz, foi observado FC entre 64-91 bpm, FR 8-16 mpm, PS 193-209, PD 126-172 e PM 154-185, conforme dados demonstrados na Tabela 1. Os valores coletados discordam dos valores encontrados por Ludders e Mathews, (1996). Utilizando midazolam (0,67mg/kg) e cetamina (6,8 mg/kg) para realização de imobilização, os autores observaram que a FC e FR, assim como a PS, PD e PM se mantiveram em valores menores do que os observados no avestruz do caso relatado. Isso pode ter relação com a idade das aves e com o procedimento realizado, já que a amputação é um procedimento mais invasivo. É importante ressaltar que as doses utilizadas para a anestesia não foram as mesmas e que o paciente era de menor tamanho. O avestruz se recuperou da anestesia, mantendo-se em estação1 hora ap do final do procedimento anestésico. Conforme Ludders e Matthews (1996) a recuperação anestésica, proveniente de uma anestesia inalatória é geralmente prolongada, mesmo quando todos os cuidados foram tomados para manter um plano anestésico superficial, ou quando se diminui a concentração do gás no final da cirurgia. Entretando, segundo 212

Bennett (1992) o tempo de recuperação pode variar de três a cinco minutos, 9,8 ± 3,55 minutos (GUIMARÃES, 1999) e cinco e 15 minutos (SKARDA et al., 1995). CONCLUSÃO Os parâmetros mensurados de FC, FR, PS, PD, PM, presença ou ausência de reflexo corneal e temperatura cloacal, apresentaram-se dentro da média esperada para a espécie, não demonstrando alterações dignas de nota durante os períodos pré, trans e pós-anestésicos. Conclui-se que o protocolo anestésico estabelecido para o procedimento ortopédico em avestruz foi efetivo proporcionando uma anestesia com bom relaxamento muscular, livre de complicações, além de uma recuperação anestésica tranquila. REFERÊNCIAS BENNETT, R. A. Current Methods in Avian Anesthesia. In:. Anesthesia and Surgery Procedures in Birds, Reptiles and Small Mammals. Sorocaba, 1999. BENNETT, R. A. Current methods in avian anesthesia. In: ACVS VETERINARY SYMPOSIUM, 20, 1992, Miami. Proceedings... Miami: American College of Veterinary Surgeons, 1992. 636p. p.619 624. BRUNING, D. F.; DOLENSEK, E. P. Ratites. In: FOWLER, M. E. Zoo & Wild Animal. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1986. CARROLL, L. Procedimentos anestésicos em aves de estimação exóticas. In: MUIR, W. W. et al. Manual de Anestesia Veterinária. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. CARVALHO, H. S. et al. Anatomia do sistema porta renal e suas implicações no emprego de agentes anestésicos na contenção de avestruzes (struthio camelus).ciência Rural, Santa Maria, v37, n6, p.1688-1694, Nov./dez. 2007. GOELZ, M. F.; HAHN, A. W.; KELLEY, S. T. Effects of halothane and isoflurane on mean arterial blood pressure, heart rate, and respiratory rate in adult Pekin ducks. Am J Vet Res, v.51, n.3, p.458-460, 1990. GREENLEES, K. J.; CLUTTON, R. E., LARSEN, C. T. et al. Effect of halothane, isoflurane and pentobarbital anesthesia on myocardial irritability in chickens. Am J Vet Res, v.51, n.5, p.757 758, 1990. GUIMARÃES, L. D.; MORAES, A. N. Anestesia em aves: agentes anestésicos. Ciência Rural, v.30, n.6, p.1073-1081, 2000. GUIMARÃES, L. D. Anestesia geral de aves e comparação entre sevoflurano, halotano e isoflurano em Gallus domesticus. Santa Maria/RS, 1999. 109p. Dissertação (Mestrado em Cirurgia Veterinária) Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria, 1999. LINN, K. A.; GLEED, R. D. Avian and wildlife. In: SHORT, C. E. Principles & practice of veterinary anesthesia. Baltimore: Williams & Wilkins, 1987. LUDDERS, J. W. Inhaled Anesthesia for Birds. In: GLEED, R. D.; LUDDERS, J. W. Recent Advances in Veterinary Anesthesia: Companion Animals. International Veterinary Information Service. Ithaca NY (www.ivis.org), 2001; A1410.0301. 213

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