III-205 - ATERRO SANITÁRIO EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE: ESTUDO DO POTENCIAL DE APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS SIMPLIFICADAS NA REGIÃO DO SEMI-ÁRIDO BAIANO Ivan Euler Pereira de Paiva (1) Engenheiro Civil (EP/UFBA), Mestre em Engenharia Ambiental Urbana (EPUFBA). Viviana Maria Zanta Engenheiro Civil (DECiv/ UFSCar), Doutora em Hidráulica e Saneamento (EESC/USP) Prof a. Adjunta do Departamento de Engenharia Ambiental DEA/EPUFBA; Prof a. Permanente do Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana MEAU/EPUFBA Endereço (1) : Rua Aristides Novis, 02 Federação CEP 40210-630 - Salvador - Bahia Brasil - Tel: (71) 3203-9454 - e-mail: euler@ufba.br RESUMO Um dos maiores problemas que enfrenta a sociedade moderna é o manejo inadequado dos resíduos sólidos, sobretudo no tocante ao chamado destino adequado dos resíduos sólidos urbanos. No Brasil este problema ainda é mais crítico porque ainda persiste um número significativo de municípios, principalmente de pequeno porte, que por escassez de recursos humanos e financeiros não tratam e depositam adequadamente os resíduos sólidos, ocasionando impactos negativos. Para os municípios com população urbana de até 20.000 habitantes, considerados de pequeno porte, correspondendo à cerca de 73,1% dos municípios brasileiros, existem algumas tecnologias propostas que primam pela simplicidade de implantação e operação de aterros de disposição, sem prejuízo para o meio ambiente ou à saúde pública como as mencionadas pela CONDER, 2000; CEPIS/OMS, 1991, CETESB,1997; PROSAB, 2003. Esta pesquisa analisou as tecnologias mencionadas juntamente com as condições do semi-árido do baiano a fim de selecionar regiões com potencial de utilização dessas tecnologias. Os resultados indicaram que 54% da região do semi-árido baiano possui alto potencial de aplicação de aterros simplificados, abrangendo 147 municípios de pequeno porte. Em 57% da área considerada adequada o potencial de aplicação é médio, já que há alguma restrição ambiental que deverá ser minimizada pela escolha criteriosa da tecnologia a ser adotada. Conclui-se portanto, que as características ambientais do semi-árido baiano são favoráveis à implantação das tecnologias simplificadas de aterros de disposição final de resíduos sólidos urbanos em municípios de pequeno porte. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos, Aterro sanitário, Aterro simplificado, Semi-árido baiano. INTRODUÇÃO A maior parte dos municípios brasileiros de pequeno porte destina seus resíduos em lixões. Para estas comunidades a adoção de técnicas tradicionais, como a do aterro sanitário, implica em alto investimento inicial, frente à limitação de recursos orçamentários ou a disponibilidade de equipamentos, tais como, trator de esteiras, dificultando a adoção desta tecnologia. No estado da Bahia cerca de 351 municípios possuem população urbana inferior a 20.000 habitantes, sendo que destes, 227 localizam-se na região semi-árida do estado da Bahia. Portanto, aproximadamente 55% dos municípios do estado podem ser considerados como municípios de pequeno porte conforme o critério estabelecido neste trabalho. A fim de propiciar alternativas de disposição final de resíduos sólidos urbanos para municípios de pequeno porte foram desenvolvidas várias tecnologias como as propostas pela CONDER, CETESB, PROSAB e CEPIS/OMS que primam pela simplicidade de implantação e operação de aterros de disposição ou que buscam tratar por processo biológico anaeróbio a fração orgânica dos resíduos aterrados, sem prejuízo para o meio ambiente ou à saúde pública. (CONDER, 2000; CEPIS/OMS, 1991, CETESB,1997; PROSAB, 2003). ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
Devido às particularidades de concepção de cada uma delas é importante analisá-las sob a perspectiva das características ambientais da região onde podem ser implantadas. Neste sentido, o presente trabalho identificou o potencial de aplicação das tecnologias, anteriormente citadas, considerando vários critérios de seleção de áreas para a região do semi-árido baiano. OBJETIVO Indicar as áreas da região do semi-árido baiano com potencial de aplicação de tecnologias simplificadas de aterros de resíduos sólidos urbanos. MÉTODO O projeto foi desenvolvido em três etapas. A 1ª etapa consistiu na revisão da literatura técnica e científica com o objetivo de conhecer as tecnologias simplificadas de disposição de resíduos sólidos urbanos para pequenas comunidades e as características ambientais da região semi-árida do estado da Bahia. A 2ª etapa constituiu-se de uma análise comparativa entre as principais tecnologias simplificadas identificadas com intuito de identificar suas características comuns e particulares. Na 3ª etapa compreendeu a sistematização dos dados relacionando a concepção das tecnologias estudadas com critérios ambientais de seleção de áreas para a região do semi-árido baiano visando à identificação das regiões do estado da Bahia com potencial de implantação de tecnologias simplificadas de disposição dos resíduos sólidos urbanos. Nesta ultima etapa empregou-se critérios eliminatórios e classificatórios. Os critérios utilizados como eliminatórios foram; população urbana inferior ou igual a 20.000 habitantes e a delimitação geográfica da região do semi-árido baiano. Já os adotados como classificatórios são apresentados no Quadro 01. Para cada critério classificatório elaborou-se mapas na escala 1/1.000.000 baseados nas fontes disponíveis (CPRM, CBPM, SRH, Projeto RadamBrasil). De acordo com as características ambientais que favoreciam ou não um maior risco de contaminação dos mananciais as áreas receberam, notas variando de 0, 1 ou 2 significando, respectivamente, uso adequado, restrito ou inadequado. A sobreposição destas cartas originou o mapa final adotando-se que somente as áreas que não tivessem recebido nota 0 em todos as cartas parciais, seriam consideradas adequadas, as que não tivessem recebido nota 2, mas tivessem recebido pelo menos uma nota 1 como restritas e as que tiveram pelo menos uma nota 2, considerada inadequada. Os mapas foram elaborados com o auxilio do programa Arcview versão 8.0. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
Quadro 01: Resumo da classificação em relação as características ambientais CLASSIFICAÇÃO / NOTA Adequado Nota 0 Restrito Nota 1 Inadequado Nota 02 CRITÉRIO CLASSIFICATÓRIO/ CARACTERISTICAS AMBIENTAIS Pluviometria Solos Hidrogeologia Geologia p < 800 mm/ano p > 800 mm/ano - Solo profundo Solo com textura argilosa Solo pouco profundo Solo textura media a arenosa Solo raso Solo com percentual elevado de areia Solo com alta concentração de fragmentos rochosos Solo com alto teor de argila expansiva Solos hidromórficos Domínio com pouca capacidade de armazenar água e que em sua maioria são águas salobras Domínio alto potencial de água de boa qualidade e elevado grau de porosidade Domínio com facilidade de a água abrir caminhos por meio da dissolução da rocha. Baixa permeabilidade intersticial protegendo as águas subterrâneas Boa capacidade de suporte Sujeitos a deslizamentos, expansão, deformação, compactação Alta permeabilidade intersticial Elevada permeabilidade fissural por cavidades de dissolução Elevada permoporosidade Áreas inundadas RESULTADOS E DISCUSSÃO As tecnologias identificadas na literatura pertinente foram o aterro em valas (CETESB, 1997), aterro sanitário simplificado (CONDER, 2002), aterro manual (CEPIS/OMS, 1991) e o aterro sustentável (PROSAB, 2003). O Quadro 02 apresenta as principais características de concepção de cada uma das tecnologias mencionadas. Observam-se vários pontos em comuns, tais como, escavação de valas ou trincheiras, uso de equipamentos de baixo custo, uso de cobertura diária dos resíduos, entre outras. Dentre as tecnologias analisadas o aterro sanitário simplificado (CONDER, 2002), pode ser considerada a mais simples, dispensando sistemas de drenagem de gases e de lixiviado, e também a barreira impermeabilizante de argila ou liner sintético, usando somente a capacidade de atenuação do solo natural. Por sua vez, o aterro sustentável (PROSAB, 2003) apresenta vários sistemas de proteção ambiental, tais como, barreiras de fundo e lateral, sistemas de drenagem de gases e lixiviado ou mesmo o uso de técnicas como a recirculação do lixiviado podendo ser considerada a mais complexa. Certamente as tecnologias simplificadas constituem-se em alternativas mais viáveis para disposição final dos resíduos sólidos urbanos de pequenos municípios. No entanto ressalta-se a necessidade da análise rigorosa do local selecionado, com o intuito de verificar a compatibilidade das características da tecnologia escolhida com a capacidade suporte do meio. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
Quadro 02: Principais características de várias tecnologias simplificadas para disposição de resíduos sólidos Elementos Aterro em valas (a) Aterro sanitário simplificado (b) Aterro manual (c) Aterro sustentável (d) População máxima a ser atendida 25.000 hab. 20.000 hab. 30.000 hab. 20.000 hab. Peso máximo de resíduos depositado por dia Método construtivo para o confinamento 10 t/d 20 t/d 15 t/d 20 t/d Valas Trincheiras e aterramento celular Área e Trincheiras Trincheiras Profundidade do aterro (p) 3m p 4m 2 a 4m 2 a 3m Barreira inferior impermeável e liner sintético impermeável impermeável e liner sintético impermeável e liner sintético Sistema de drenagem de pluviais Existente Existente Existente Existente Sistema de drenagem de gás Não existente Não existente Existente Existente Sistema de drenagem de lixiviado Não existente Não existente Existente Existente Sistema de tratamento do gás Não existente Não existente Existente Existente Sistema de tratamento do lixiviado Forma de compactação dos resíduos sólidos Não existente Não existente Existente Existente Manual Manual Uso de equipamentos manuais Uso de equipamentos manuais Grau de compactação 500kg/m 3 400kg/m 3 400-500kg/m 3 * 500kg/m 3 Cobertura intermediária dos resíduos Vida útil de uma unidade (vala ou trincheira) Tipo de solo recomendado para se implantar o aterro Restrição da tecnologia quanto à valores de índice pluviométrico Diária Diária Diária Diária 1 mês 1 ano 1 ano 2 a 4 meses Não mencionado Não mencionado Não mencionado Não mencionado * Dados referentes ao aterro sustentável implantado em Catas Alta/MG (Fonte: PROSAB, 2003) (a) CETESB, 1997 (b) CONDER, 2000 (c) CEPIS/OMS, 1991 (d) PROSAB,2003 A carta apresentada pela Figura 1 indica áreas do semi-árido baiano com potencial de aplicação de tecnologias simplificadas para disposição de resíduos sólidos urbanos. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
Figura 01: Mapa final de áreas do semi-árido baiano com potencial de aplicação de tecnologias simplificadas para disposição de resíduos sólidos urbanos Os resultados obtidos permitiram indicar o maior ou menor potencial de uso das tecnologias simplificadas frente os critérios ambientais utilizados neste trabalho. Cabe ressaltar, entretanto, que devido ao nível de detalhamento das informações e mapas usados nesse estudo (escala 1: 1.000.000), são necessários estudos em escalas mais apropriadas que permitam um maior grau de detalhamento, bem como, a inclusão de outros critérios ambientais. Para áreas consideradas adequadas o uso da tecnologia CONDER parece ser viável por se ter uma menor geração de lixiviado e condições de solo mais adequadas. Para áreas identificas como restritas deve-se adotar alternativas que possuam sistemas de proteção ambiental compatíveis com as características ambientais desfavoráveis. Nestas condições, áreas com alto índice pluviométrico ou solo muito permeáveis sugere-se o uso do aterro sustentável (PROSAB) por considerar a possibilidade do uso de barreiras impermeabilizantes e o uso de sistema de drenagem e tratamento de lixiviado Ainda em relação às áreas restritas estudos, in loco, podem permitir a seleção de áreas com melhores condições, assim recomenda-se que para as áreas restritas: (1) devido a presença de solo pouco profundo, deve-se procurar locais onde exista um nível profundo de rocha alterada mole (regolito ou manto de alteração residual), passível de escavação; (2) em relação à textura arenosa do solo, deve-se fazer um estudo para a busca de solos que tenham um teor maior de argila, para que se possam escavar as valas sem perigo de desmoronamento. Este solo também servirá para impermeabilizar taludes e base de aterro; (3) a colocação de uma camada espessa de solo com textura argilosa, fazendo o papel de barreira impermeabilizante, sob os domínios das bacias sedimentares, minimiza os impactos causados pelo lixiviado, como a contaminação dos mananciais subterrâneos; (4) em decorrência de se situarem em regiões de relevo muito ondulado a montanhoso, deve-se procurar áreas mais suaves, com menor presença de matacões e afloramento de rocha, para facilitar a escavação e a drenagem de águas. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5
CONCLUSÕES Os resultados desta pesquisa indicam que 54% da região do semi-árido baiano possui potencial para o uso da tecnologia simplificada o que abrange 147 municípios de pequeno porte. Em 57% desta área, considerada adequada, o potencial é mediano, já que existe alguma restrição ambiental que deverá ser minimizada pela tecnologia simplificada a ser adotada. Dentre essas tecnologias, o aterro sanitário simplificado e o aterro sustentável são as mais promissoras para aplicação à região do semi-árido baiano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BRASIL. Ministério de Minas e Energias. Projeto Radambrasil - mapa de solos do estado da Bahia. Rio de Janeiro: 1983. Color. Escala 1:1.000.000. 2. CASTILHOS JÚNIOR, A. B. et al. (Org.) Alternativas de disposição de resíduos sólidos urbanos para pequenas comunidades. Rio Janeiro: RiMa: ABES, 2002. 3. CENTRO PANAMERICANO DE INGENIERÍA SANITARIA Y CIENCIAS DEL AMBIENTE/ ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD (CEPIS/OPS). Residuos sólidos municipales. Guía para el diseño, construcción y operación de rellenos sanitarios manuales. Programa de Salud Ambiental. Serie Técnica nº 28. Washington D. C., 2002. 4. COMPANHIA BAIANA DE PESQUISA MINERAL (CBPM). Texto explicativo para o mapa geológico do estado da Bahia. Escala 1:1.000.000. Superintendência. Salvador: de Geologia e Recursos Minerais (SGM), 2000. 382p. 5. COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO ESTADO DA BAHIA. Projeto, concepção e manual de operação de aterros sanitários manuais - modelo CONDER, Salvador, 2002. 6. COMPANHIA DE PESQUISAS E RECURSOS MINERAIS (CPRM). Mapa geológico do estado da Bahia. São Paulo: 2003. Color. Escala 1:1.000.000. 7. COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL (CETESB) Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Aterros sanitários em valas, apostilas ambientais, São Paulo, 1997. 8. FIÚZA, J. M. S. Nova Tendência de disposição final de resíduos sólidos no estado da Bahia: Aterro sanitário simplificado. SIMPÓSIO ÍTALO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, VI., 2002, Vitória ES. Anais... Rio Janeiro: ABES, 2002. 9. JARAMILLO, J. A. Efectos de la inadecuada gestión de residuos sólidos. 2002. Centro Panamericano de Ingeniería y Ciencias del Ambiente. Disponível em: <www.eco2site.com > Acesso em: agosto. 2003. 10. PROGRAMA DE PESQUISA EM SANEAMENTO BÁSICO (PROSAB). Resíduos Sólidos Urbanos: Aterro Sustentável para Municípios de Pequeno Porte. Rio de Janeiro: ABES, RiMa, 2003. 11. SUPERINTENDÊNCIA DE RECURSOS HÍDRICOS - SRH (Bahia). Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado da Bahia. Salvador: 2004. CD-ROM. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 6