VERIFICAÇÃO DE LESÃO RENAL EM CÃES COM ANEMIA NÃO REGENERATIVA

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Transcrição:

VERIFICAÇÃO DE LESÃO RENAL EM CÃES COM ANEMIA NÃO REGENERATIVA ANUÁRIO DA PRODUÇÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DISCENTE Vol. 13, N. 20, Ano 2010 Paulo Francisco Navarri Junior Prof. Karina Medici Madureira Curso: Medicina Veterinária CENTRO UNIVERSITÁRIO ANHANGUERA - UNIDADE LEME RESUMO As lesões renais promovem alterações orgânicas significativas nos animais acometidos, manifestadas nas mais diversas formas, entre elas anemia, anorexia, êmese, poliúria e polidipsia. Porém, quando os sinais clínicos se manifestam, grande parte dos néfrons já encontram-se comprometidos, dificultando o tratamento e tornando o prognóstico mau. Muitos dos animais com lesão renal apresentam diminuição da quantidade de eritrócitos circulantes, em virtude da baixa ou parada na produção do hormônio eritropoetina, sintetizado neste órgão. Portanto, o objetivo deste trabalho foi verificar a existência de lesão renal em cães que apresentavam anemia normocítica normocrômica não regenerativa. Foram avaliados 15 animais, após serem selecionados pelo exame físico e eritrograma. Nos animais que apresentaram anemia, foram realizadas a determinação dos níveis séricos de uréia e creatinina, além da urinálise. Em todos os animais avaliados foram encontrados aumentos nos níveis de uréia, creatinina e alterações em alguns parâmetros da urinálise, caracterizando a importância de se avaliar a função renal em todos os animais portadores de anemia, independentemente de apresentarem ou não sinais clínicos compatíveis com a lesão renal. Palavras-Chave: rins, cães, eritrograma, função renal, urinálise. Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, SP - CEP 13278-181 rc.ipade@aesapar.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Publicação: 5 de novembro de 2012 Trabalho realizado com o incentivo e fomento da Anhanguera Educacional 161

162 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa 1. INTRODUÇÃO A anemia é caracterizada por um estado mórbido, causado por uma diminuição da quantidade de hemoglobina circulante. Raramente a anemia é um distúrbio primário, aparecendo mais como uma manifestação secundária de uma doença em algum outro órgão ou sistema. Na anemia ocorrem três fenômenos interligados: diminuição da volemia, hipóxia tecidual e compensação do organismo. Os exames laboratoriais, como a determinação do valor do microhematócrito, taxa de hemoglobina e o número de eritrócitos por mm³ de sangue, servem como auxílio no diagnóstico desta enfermidade (GARCIA-NAVARRO, 2005). As anemias podem ser classificadas em regenerativas e não regenerativas ou aplásicas, onde não há eritropoese (GARCIA-NAVARRO, 2005). Estas podem ser causadas por medicamentos antineoplásicos, imunossupressores, produtos químicos, toxinas, estrógeno e agentes infecciosos, além de doenças inflamatórias, insuficiência renal crônica, doenças endócrinas e deficiências nutricionais (THRALL et al., 2006). Entre estas causas, a insuficiência renal crônica é uma das principais causadoras de anemia, pois leva á incapacidade dos rins em sintetizar a eritropoetina (WALLNER et al., 1976). A eritropoetina (EPO) é um hormônio produzido em resposta à necessidade tecidual de oxigênio e estimula a produção de novos eritrócitos através de sua atividade da medula óssea. O rim é o principal local de produção de EPO em mamíferos adultos e o único local em cães. A produção de EPO extra-renal, em certos mamíferos e humanos, ajuda a manter a eritropoese durante a anemia causada por graves doenças renais. A anemia é uma seqüela comum de nefrite intersticial crônica em cães, devido à falta da fonte extra-renal de EPO (REECE, 2006). Invariavelmente, ocorrem quadros de anemia em animais com insuficiência renal crônica e freqüentes complicações de largo espectro, associado á outras doenças crônicas. Isso é concluído, devido a evidências de que os níveis séricos de eritropoetina são baixos em relação ao grau da anemia em casos de doenças crônicas ou insuficiência renal. Em casos de animais apresentando uremia, ocorre a inibição da síntese da molécula heme na medula (WALLNER et. al. 1976), além de um aumento da fragilidade dos eritrócitos (FONTANELLAS et al., 1996). O diagnóstico das lesões renais deve ser realizado associando-se as manifestações clínicas e laboratoriais, como a mensuração dos níveis séricos de uréia, creatinina, albumina, proteínas totais, fosfatase alcalina, sódio, potássio, cálcio e fósforo, realização de urinálise (THRAL, 2006), radiografia e ultrasonografia (BIRCHARD; SHERDING, 2008).

Paulo Francisco Navarri Junior, Karina Medici Madureira 163 Notomi et al. (2006) realizaram um estudo restrospectivo em 191 animais, atendidos no Hospital Veterinário durante o período de 1999 a 2002, e observaram que dois terços dos cães diagnosticados com insuficiência renal crônica apresentavam anemia normocítica normocrômica, além de outras alterações como hiperfosfatemia, uremia, acidúria, proteinúria, cilindrúria e isostenúria. Miyamoto et al. (1997) examinaram um cão de seis meses de idade, da raça Golden Retriever, que apresentava poliúria e polidipsia. Os exames laboratoriais revelaram anemia não regenerativa, azotemia, hipercalcemia, hiperfosfatemia, além de proteinúria e isostenúria. Os autores concluíram que as alterações observadas são de extrema importância para a detecção de lesão renal, independentemente da causa. 2. OBJETIVO O objetivo do presente trabalho foi determinar a frequência dos aumentos séricos de uréia e creatinina, assim como identificar as alterações encontradas na urinálise, em cães portadores de anemia normocítica normocrômica não regenerativa. 3. METODOLOGIA Os animais foram submetidos inicialmente ao exame físico, selecionando para pesquisa apenas animais adultos, e que apresentaram um ou mais sinais clínicos compatíveis com a presença de anemia, como palidez de mucosas, taquicardia e taquipnéia. Após a seleção dos animais, foram colhidas as amostras sanguíneas para a realização do eritrograma, contagem de reticulócitos, mensuração de uréia e creatinina séricas, através da punção da veia jugular ou cefálica, além da colheita de urina obtida por cateterismo. 4. DESENVOLVIMENTO 4.1. Seleção dos Animais e Colheita das Amostras Foram utilizados 14 cães, atendidos no Hospital Veterinário e cuja queixa principal dos proprietários relacionava-se á presença de sinais compatíveis com anemia, como fraqueza e anorexia. Estes animais então foram submetidos ao exame físico, segundo os procedimentos descritos por Feitosa (2008), selecionando para pesquisa apenas animais machos adultos, e que apresentaram, além dos sinais relatados pelos proprietários, palidez de mucosas, taquicardia e taquipnéia.

164 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa Após a realização do exame físico e seleção dos animais, as amostras destinadas á realização dos testes hematológicos e bioquímicos sanguíneos foram colhidas através de punção das veias jugular externa ou cefálica, após a contenção do animal e se necessário a tricotomia do local a ser puncionado. Para a colheita do sangue foram utilizadas agulhas com sistema á vácuo e tubos contendo EDTA, para a determinação do eritrograma, além de tubos sem anticoagulante, para a realização das provas bioquímicas, ambos do sistema Vacutainer. A colheita das amostras de urina foi realizada por cateterização vesical, já que muitos proprietários não autorizaram a colheita de urina por cistocentese. Após a devida contenção do animal, realizou-se o corte dos pêlos ao redor do prepúcio e limpeza da região com algodão embebido em solução de clorexidina. Promoveu-se então a exposição e fixação do pênis, utilizando-se luva e gaze estéril e introduzindo-se sonda uretral estéril, de tamanhos que variavam conforme o tamanho e peso do animal (Figura 1). Algumas gotas de urina foram desprezadas, promovendo a lavagem do trato urinário inferior e minimizando as chances de contaminação da amostra (FEITOSA, 2008). As amostras de urina foram então obtidas através do acoplamento de seringas estéreis de 10 ml, obtendose a quantidade de 15 a 20mL de urina, em duas colheitas seqüenciais. Uma dificuldade encontrada no presente trabalho e que promoveu a diminuição do número de animais utilizados no projeto foi a obtenção necessária do volume de urina, suficiente para se promover uma urinálise adequada. Segundo Thrall et al., (2006) um volume urinário de 15mL é necessário para se obter uma quantidade suficiente de sedimento, etapa extremamente importante do exame. No momento da colheita verificouse neste trabalho que alguns animais estavam com a vesícula urinária vazia, pois foram caminhando até o Hospital Veterinário ou urinaram no estacionamento assim que desceram do carro, impossibilitando desta forma, a colheita da urina. Tanto as amostras de sangue quanto as de urina obtidas foram imediatamente ser encaminhadas ao laboratório e processadas.

Paulo Francisco Navarri Junior, Karina Medici Madureira 165 Fonte: Arquivo Pessoal, 2010 Figura 1 Cateterização vesical 4.2. Análise das Amostras 4.2.1 Realização do Eritrograma Para a realização do eritrograma, foram realizadas a contagem total de eritrócitos, a determinação do volume globular, a mensuração da hemoglobina sanguínea e o cálculo dos índices hematimétricos Volume Corpuscular Médio (VCM) e Concentração Hemoglobínica Corpuscular Média (CHCM). Portanto, num primeiro momento, os tubos das amostras de sangue com EDTA foram homogeneizadas várias vezes, evitando assim a precipitação das células no fundo do tubo e promovendo erros na determinação dos valores. Para a determinação do número total de eritrócitos, as amostras foram diluídas, na proporção 1:200, em pipetas de Thoma para glóbulos vermelhos, utilizando-se o líquido de Gower como diluente. Após, uma alíquota foi colocada em câmara de Neubauer e coberta com lamínula, contando-se no microscópio óptico, em aumento de 400x, o número de eritrócitos/mm 3 de sangue (BIRGEL, 1982). Para a determinação do volume globular, ou microhematócrito, capilares de vidro foram preenchidos com sangue, até 75% de sua capacidade, vedados com massa de modelar e centrifugados a 15.000 rpm, durante 5 minutos. O valor do microhematócrito foi determinado através da leitura do capilar de vidro em cartão próprio, obtendo-se o valor em porcentagem. A determinação do valor da hemoglobina sanguínea foi realizada através da diluição da amostra de sangue total, na proporção de 1:250, em líquido de Drabkin e a leitura realizada em espectrofotômetro, obtendo-se o valor da hemoglobina em g/dl.

166 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa Os índices hematimétricos Volume Corpuscular Médio - VCM e Concentração Hemoglobínica Corpuscular Média - CHCM, foram calculadas através da utilização das fórmulas matemáticas: VCM (fl) = volume globular x 10/ Hemáceas CHCM (%) = hemoglobina X 100 / volume globular 4.2.2 Mensuração dos níveis séricos de uréia e creatinina Os tubos contendo as amostras de sangue sem anticoagulante foram centrifugados, a 2.500 rpm, durante 10 minutos. O soro obtido após a centrifugação foi acondicionado em tubos plásticos, com capacidade de 1,5 ml. Para a determinação dos níveis séricos de uréia e creatinina foram utilizados kits cinéticos comerciais, e a leitura realizada em analisador bioquímico semi-automático, segundo as especificações do fabricante. 4.2.3 Urinálise As amostras de urina foram submetidas ás provas físicas, químicas e citológicas. Para isso, os volumes obtidos nas seringas foram transferidos para tubos de vidro transparentes e estéreis, realizando inicialmente o exame físico da urina (cor, odor e transparência) e a densidade urinária, utilizando-se o método de refratometria. Para o exame químico da urina foram utilizadas tiras reativas (Combur Test ), obtendo-se o ph urinário e alguns constituintes químicos presentes na urina, como proteína, glicose, cetonas, sangue oculto, nitritos, urobilinogênio, bilirrubina e leucócitos. Para o exame de sedimento urinário, a amostra de urina foi transferida para um tubo Falcon estéril, com capacidade de 15 ml, que foi centrifugado a 2000 rpm, durante 5 minutos. O sobrenadante obtido após a centrifugação foi desprezado, mantendo-se apenas 1 ml no fundo do tubo, que foi posteriormente ressuspendido através de agitação leve do tubo. Uma gota do sedimento então foi colocada em lâmina de vidro limpa e desengordurada, coberta com lamínula e observada em microscópio óptico. Os constituintes do sedimento (cristais, cilindros, leucócitos, hemácias, leveduras, bactérias, muco, contaminantes, gotículas de gordura, células epiteliais, parasitas ou seus ovos, espermatozóides), quando presentes, foram classificados de forma qualitativa, em escala de 0 (nenhum) a 3+ (grande quantidade) (GARCIA-NAVARRO, 2005b).

Paulo Francisco Navarri Junior, Karina Medici Madureira 167 4.2.4 Determinação das proteínas totais plasmáticas As proteínas totais plasmáticas foram determinadas por refratometria, após o preenchimento do capilar de vidro com sangue total e fechamento do mesmo com massa de modelar. As amostras foram centrifugadas por cinco minutos, a 15.000 rpm, em centrífuga de micro hematócrito. Após a centrifugação, os capilares foram quebrados, no limite entre o plasma e o anel leucocitário, e algumas gotas de plasma foram depositadas no refratômetro, ocorrendo a leitura em g/dl (THRALL et al., 2006). 5. RESULTADOS Para os parâmetros hematológicos, bioquímicos os resultados foram apresentados nas tabelas 01 e 02, respectivamente. Os dados referentes aos parâmetros físico-químicos e exame do sedimento estão apresentados nas Tabelas 03, 04, 05 e 06, respectivamente. Como se pôde verificar na Tabela 01, os valores de hemácias, hematócrito e hemoglobina ficaram abaixo dos valores de normalidade determinados por Thrall et al., (2006). Como os valores de VCM e CHCM estão dentro dos valores de normalidade, pode-se classificar a anemia como sendo normocítica normocrômica. A regeneração não foi constatada em nenhum animal, após a determinação da contagem de reticulócitos, portanto, a anemia apresentada por todos os animais era do tipo não regenerativa. Os valores de uréia e creatinina séricos ficaram acima dos valores de referência, caracterizando uma azotemia e possível lesão renal. A uréia sanguínea é um parâmetro importante de avaliação da filtração glomerular, pois a maior parte da uréia é excretada na urina. Além das causas renais, a desidratação e a ingestão de grandes quantidades de proteínas na dieta podem aumentar os valores de uréia sanguíneos. Para excluir a possibilidade de interferência da desidratação nos valores de uréia, determinou-se neste trabalho, o valor das proteínas plasmáticas. Conforme demonstrado na Tabela 2, os valores de proteínas plasmáticas totais foram semelhantes ao valor de referência, excluindo-se, portanto, a presença da desidratação nos animais estudados. Além disso, como a produção de creatinina está vinculada á condensação e desidratação da creatina muscular, não existe influência de fatores extra-renais, ao contrário do que ocorre com a uréia, nos valores de creatinina sanguínea. Como a excreção da creatinina também ocorre através da filtração glomelurar, os valores aumentados nos animais utilizados também caracterizam uma lesão renal.

168 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa Os parâmetros físicos cor, aspecto, odor, na maioria dos animais permaneceram dentro dos parâmetros considerados normais para a espécie canina. Apenas no animal 6 a urina apresentava aspecto turvo. A turbidez da urina reflete a quantidade de partículas presentes na mesma, que podem ser células, gordura, cristais e bactérias (Thrall et al., 2006), conforme pode ser verificado pelos dados apresentados nas Tabelas 5 e 6. O valor médio da densidade encontra-se dentro do valor normal para a espécie, que varia de 1,008 a 1,030, assim como o valor do ph, que deve ser ácido em animais carnívoros (THRALL et al., 2006). Com relação aos dados apresentados na Tabela 04, houve proteinúria (2+ ou 3+) em 6 animais. Destes, 3 animais apresentaram 2+ ou 3+ para a presença de sangue oculto na urina, que pode ser justificado pelo método de colheita da urina utilizado no presente trabalho. A cateterização vesical pode traumatizar, de forma transitória, a mucosa do trato urinário inferior e consequentemente, ocorrer a liberação de hemácias na urina. No animal 1, a proteinúria pode ser justificada pelo processo inflamatório apresentado pelo animal, verificado pela presença de grande quantidade de leucócitos e hemácias na urina, conforme apresentado na Tabela 5. Segundo Thrall et al., (2006) até três hemácias e leucócitos por campo é considerado normal. Apenas um animal apresentou 3+ para a presença de glicose na urina. Para confirmar a presença de Diabetes, seria necessário quantificar a glicose plasmática, porém, como não era o objetivo do projeto, essa prova não foi realizada. Além da Diabetes, a glicose na urina pode aparecer em casos de nefropatias tóxicas, excesso de glicose na alimentação ou distúrbios hereditários (THRALL et al., 2006). Tabela 1 - Média e desvio-padrão do eritrograma de cães. T a Valores de Referência bvariável Média / Desvio Padrão e (THRALL et al., 2006) l Hematócrito (%) a 23 ± 8,59 37 55 Hemoglobina (g/dl) 6,97 ± 2,87 12 18 0 1 Hemácias (x 106/mm³ de sangue) 3,83 ± 1,58 5,5 8,5 VCM (fl) 69,86 ± 4,92 60 77 CHCM (%) 29,63 ± 3,13 31 36

Paulo Francisco Navarri Junior, Karina Medici Madureira 169 Tabela 02 Média e Desvio Padrão dos Parâmetros Bioquímicos Variável Média / Desvio Padrão Valores de Referência (THRALL et al., 2006) Uréia (mg/dl) 233,3 ± 152,3 7,0 28 Creatinina (mg/dl) 6,0 ± 4,9 0,9 1,7 Proteína Plasmática Total (g/dl) 7,12 ± 1,29 6,0 8,0 Tabela 03 Exame físico-químico da urina. Amostra Cor Aspecto Odor Densidade ph 1 Amarelo Claro Turva "sui generis" 1,030 6 2 Amarelo Palha Límpida "sui generis" 1,008 6 3 Amarelo Claro Límpida "sui generis" 1,016 5 4 Amarelo Citrino Ligeiramente Turva "sui generis" 1,027 6,5 5 Amarelo Claro Ligeiramente Turva "sui generis" 1,004 5,5 6 Amarelo Claro Límpida "sui generis" 1,012 5,5 7 Amarelo Escuro Turva "sui generis" 1,022 6 8 Amarelo Claro Límpida "sui generis" 1,010 5 9 Amarelo Citrino Ligeiramente Turva "sui generis" 1,05 7 10 Amarelo Citrino Ligeiramente Turva "sui generis" 1,018 5 11 Amarelo Citrino Límpida "sui generis" 1,018 5 12 Amarelo Citrino Ligeiramente Turva "sui generis" 1,020 6,5 13 Amarelo Claro Ligeiramente Turva "sui generis" 1,012 5 14 Amarelo Palha Límpida "sui generis" 1,008 5 Média e Desviopadrão 1,018 0,011 5,64 0,69

170 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa Amostra Proteín a (mg/dl) Sangue Oculto Tabela 4 Exame físico químico da urina. Ac. Ascórbico Nitrito Glicose (mg/dl) Urobilinogêni o (mg/dl) Bilirrubina Corpos Cetônicos 1 3+ (500) 1+ Ausente Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 2 Traços 1+ Ausente Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 3 1+ (30) 2+ Ausente Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 4 2+ (30) 2+ Ausente Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 5 3+ (500) 3+ Ausente Positivo Ausente Normal Ausente Ausentes 6 2+ (100) 1+ Ausente Negativo 2+ (250) Normal Ausente Ausentes 7 1+ (30 3+ 1+ Negativo Ausente Normal 1+ Ausentes 8 Ausente Ausente Ausente Negativo 1+ (50) Normal Ausente Ausentes 9 Traços Ausente Ausente Negativo Ausente Normal 1+ Ausentes 10 Ausente 1+ 2+ Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 11 3+ (500) 2+ Ausente Negativo Ausente Normal Ausente Ausentes 12 2+ (100) 1+ Ausente Negativo 3+ Normal Ausente Ausentes 13 1+ (30) Traços Ausente Negativo Traços Normal Ausente Ausentes 14 1+ (30) 2+ Ausente Positivo Ausente Normal Ausente Ausentes Amostra Células Renais Tabela 5 Exame do sedimento urinário (componentes orgânicos). Células Transição Células Descamação Leucócitos Hemácias Bactérias Cilindros 1 Ausentes 3+ Ausentes Incontáveis 152/Campo Ausentes Ausentes 2 Ausentes Ausentes Ausentes 10/Campo 10/Campo Ausentes Ausentes 3 Ausentes Ausentes Ausentes 4/Campo 3/Campo Ausentes Ausentes 4 Ausentes 2+ Ausentes 17/Campo 36/Campo Ausentes Hialinos (Raros) 5 3+ 2+ 2+ 3/Campo Incontáveis Ausentes Ausentes 6 2+ 1+ 1+ 3/Campo 2/Campo Ausentes Ausentes 7 2+ 1+ 1+ 5/Campo 20/Campo Ausentes Granulosos (+) 8 Ausentes Ausentes Raras 2/Campo 2/Campo Ausentes Ausentes 9 1+ 1+ Ausentes 5/Campo 8/Campo Ausentes Ausentes 10 1+ 1+ 2+ 25/Campo 34/Campo Ausentes Ausentes 11 Ausentes Ausentes 1+ 4/Campo 6/Campo Ausentes Ausentes 12 Ausentes 2+ 2+ 2/Campo 10/Campo Ausentes Ausentes 13 Ausentes Ausentes 2+ 4/Campo 13/Campo Ausentes Ausentes 14 2+ 2+ 2+ 112/Campo 105/Campo Ausentes Granulosos (+)

Paulo Francisco Navarri Junior, Karina Medici Madureira 171 Tabela 6 Exame do sedimento urinário (componentes inorgânicos) Amostra Cristais Espermatozóides 1 Ausentes Ausentes 2 Ausentes Ausentes 3 Ausentes Ausentes 4 Ausentes 2+ 5 Ausentes Ausentes 6 Oxalato de Cálcio (2+) Ausentes 7 Uratos Amorfos (3+) Ausentes 8 Uratos Amorfos (1+) Ausentes 9 Fosfato Triplo (1+) Ausentes 10 Ausentes Ausentes 11 Uratos Amorfos (2+) Ausentes 12 Fosfatos Amorfos (3+) Ausentes 13 Ausentes Ausentes 14 Ausentes Ausentes 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente projeto foi possível compreender a importância do exame físico dos animais e a importância de se analisar em conjunto os diversos resultados obtidos, para assim se ter uma diretriz firme para um bom diagnóstico e um tratamento que forneça ao animal bom prognóstico. Os resultados obtidos ao longo deste projeto foram condizentes com os analisados em literatura e esperados pela pesquisa, mostrando que em animais que possuam anemia normocítica normocrômica não regenerativa deve-se mensurar a função renal e a análise da urina, mesmo em situações onde não existe a presença dos sinais clínicos compatíveis com lesão renal, pois assim será possível verificar uma lesão renal o quanto antes, levando a um tratamento adequado. REFERÊNCIAS BIRCHARD, S.J.; SHERDING, R.G. Manual Saunders Clínica de Pequenos Animais. 3 ed. São Paulo: Roca, 2008. BIRGEL, E. H. Hematologia clínica veterinária. In: BIRGEL, E. H.; LARSSON, M.H.M.A.; HAGIWARA, M.K.; VASCONCELOS, S.A.; LARSSON, C.E.; BENESI, F. J. Patologia clínica veterinária. São Paulo: Sociedade Paulista de Medicina Veterinária, 1982, p. 2-49. FEITOSA, F. L. Semiologia veterinária: a arte do diagnóstico. 2ª ed. São Paulo: Roca, 2008.

172 Verificação de lesão renal em cães com anemia não regenerativa FONTANELLAS, A.; HERRERO, J.A.; TROBO, J.I.; MORAN, M.J.; CORONEL, F.; BARRIENTOS, A.; SALAMANCA, R.E. Abnormalities of heme biosynthesis in experimental acute renal failure. J. Am. Soc. Nephrol., v.7, p.628-632, 1996. GARCIA-NAVARRO, C.E.K. Manual de Hematologia Veterinária. 1ª ed. São Paulo: Varella, 2005. GARCIA-NAVARRO, C.E.K. Manual de Urinálise Veterinária, 2ª ed. São Paulo: Varela, 2005. MIYAMOTO, T.; WAKIZAKA, S.; MATSUYAMA, S.; BABA, E.; OHASHI, F.; KUWAMURA, M.; YAMATI, J.; KOTANI, T. A control of a Golden Retriever with renal dysplasia. J.Vet. Med. Sci., v.59, n.10, p.939-942, 1997. NOTOMI, M.K.; KOGIKA, M.M.; YUZUKI, J.; IKESAKI, H.; MONTEIRO, P.R.G.; MARQUES, M.L. Estudo retrospectivo de casos de insuficiência renal crônica em cães no período de 1999 a 2002. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v.43, 2006. REECE, William O. Fisiologia de Animais Domésticos. 12ª ed. São Paulo: Roca, 2006. THRAL, M.A et al. Hematologia e Bioquímica Clínica Veterinária. 1ª ed. São Paulo: ROCA, 2006. WALLNER, S.F.; KURNICK, J.E.; WARD, H.P.; VAUTRIN, R.; ALFREY, A.C. The anemia of chronic renal failure and chronic diseases: in vitro studies of erythropoiesis. Blood, v.47, p.561-569, 1976.