Uma Avaliação do Clima para a Região Demarcada do Douro: Uma análise das condições climáticas do passado, presente e futuro para a produção de vinho

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Transcrição:

Uma Avaliação do Clima para a Região Demarcada do Douro: Uma análise das condições climáticas do passado, presente e futuro para a produção de vinho Gregory Jones Departamento de Estudos Ambientais Universidade South Oregon Ashland, Oregon 97520, EUA 2013 Em colaboração com: Fernando Alves ADVID Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense Peso da Régua, 5050-106 Portugal Apoio adicional de: Marco Moriondo e Roberto Ferrise Dipartimento di Scienze delle Produzioni Agroalimentari e dell'ambiente Universidade de Florença, Itália João Santos e Aureliano Malheiro Centro de Investigação e de Tecnologias Agro-Ambientais e Biológicas. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Vila Real, Portugal

FICHA TÉCNICA Uma Avaliação do Clima para a Região Demarcada do Douro: Uma análise das condições climáticas do passado, presente e futuro para a produção de vinho Edição: ADVID - Associação para o Desenvolvmento da Viticultura Duriense Autor: Gregory Jones Colaboração: Fernando Alves - ADVID Apoio adicional de: Marco Moriondo, Roberto Ferrise, João Santos e Aureliano Malheiro Ano: 2013 Nº de exemplares: 50 Distribuição: ADVID - Associação para o Desenvolvmento da Viticultura Duriense Design de capa: HL Design Fotografia de Capa: José Marafona Dreamstime. com ISBN: 978-989-98368-0-8 Dep.Legal: 360808/13

índice

ÍNDICE Prefácio...1 Sumário Executivo...3 Introdução...5 Estrutura meteorológica e climática para a qualidade e produção de vinho...5 Aptidão climática para as castas...7 Variabilidade climática em regiões vinícolas...9 Alterações climáticas, viticultura e vinho...11 A Região Demarcada do Douro...18 Dados e métodos...21 Normais climatológicas históricas...21 Estações meteorológicas da Região Demarcada do Douro...22 Circulação regional e padrões meteorológicos...24 Clima espacial: histórico...25 Clima espacial: projecções futuras...26 Resultados e discussão...28 Normais climatológicas históricas...28 Estações meteorológicas da Região Demarcada do Douro...31 Circulação regional e padrões meteorológicos...47 Clima espacial: histórico...51 Clima espacial: projecções futuras...65 Conclusões...80 Agradecimentos...84 Referências bibliográficas...85 Apêndice...93

prefácio

PREFÁCIO A ADVID Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense é uma associação sem fins lucrativos, constituída em 1982 por um grupo de empresas ligadas à produção e comércio de vinhos da Região Demarcada do Douro (RDD). A ADVID tem como objectivos estudar, demonstrar e divulgar técnicas vitivinícolas adequadas às especificidades da região, de modo a promover a competitividade dos seus vinhos nos mercados nacionais e internacionais. Na sequência de candidatura apresentada ao Estado Português (COMPETE, Ministério da Economia, 2008) foi reconhecido o Cluster dos Vinhos da Região do Douro como uma Estratégia de Eficiência Colectiva, do qual, a ADVID é a entidade gestora e dinamizadora. No âmbito do Plano de Acção apresentado, a temática do impacto das Alterações Climáticas na Produção de Vinho, pela importância económica que pode representar para o sector do vinho, constitui um dos Projectos- Âncora do Cluster. Este Projecto- Âncora procura responder a um conjunto de preocupações e actividades da ADVID, sustentado num relatório de diagnóstico, publicado em 2007, com as propostas para a base do caderno de encargos nesta temática, preparado e reflectido pelo sector, para uma abordagem integrada e consequente na procura de soluções junto das Universidades, nacionais e internacionais. Procurou- se, desta forma, responder a uma necessidade identificada pelo sector empresarial ligado à indústria do vinho na região, para encontrar soluções para os cenários globais à escala regional e local. Para a realização deste projecto dedicado à compreensão do funcionamento do clima na Região do Douro, a ADVID contou com a colaboração do prestigiado cientista americano, Prof. Dr. Gregory Jones (Southern Oregon University), especialista nas consequências das alterações climáticas sobre a viticultura. O trabalho consistiu na análise, estabilização e credibilização de bases de dados climáticos existentes e na estruturação de novas abordagens para a interpretação do clima regional, contribuindo para a sua melhor compreensão, uma condição essencial à projecção de cenários futuros. Actualmente, este Projecto- Âncora está alicerçado em três acções complementares entre si: a avaliação do clima da Região do Douro - análise das condições climáticas do passado, presente e futuro para a produção de vinho, a definição das estratégias de adaptação mais eficazes e a previsão das consequências para a qualidade do vinho. Estas acções, promovidas e financiadas pelo Cluster dos Vinhos da Região do Douro, integram vários atores importantes do Cluster, nomeadamente na concretização dos projectos ClimeVineSafe, vocacionado para medidas de curto prazo na mitigação do efeito das alterações climáticas e ainda pelo apoio ao projecto Modelização da evolução da qualidade do vinho na RDD. Ainda no domínio das estratégias de adaptação, importa referir que o Plano de Acção do Cluster nos seus diversos Projectos- Âncora executa actividades convergentes, nomeadamente o estudo de uma mais eficiente utilização de água pelas plantas, a criação de ferramentas de mapeamento vitícola (zonagem) à escala da região e da propriedade, a promoção da sustentabilidade integrada da produção em viticultura, a racionalização das operações de cultivo da vinha em encosta, o estudo do comportamento de castas e porta- enxertos e, não menos importante, a preservação da biodiversidade genética do património vitícola originário do território português. A Direcção da ADVID, Julho de 2012 1

SUMÁRIO EXECUTIVO A História mundial da viticultura mostra claramente que as uvas destinadas à produção de vinho são uma espécie de cultivo particularmente sensível às condições climáticas, em que a qualidade de produção se atinge apenas numa faixa geográfica bastante restrita. Para além disso, estas são uvas cultivadas maioritariamente em regiões de média altitude propensas a elevada variabilidade climática, o que resulta em diferenças relativamente significativas ao nível da colheita, em termos de qualidade e produtividade. A evolução histórica e as projecções futuras dos parâmetros climáticos para regiões vinícolas mostram- nos ainda que ocorreram alterações, e que provavelmente estas continuarão a verificar- se no futuro. Esta investigação fornece uma avaliação de vários aspectos do clima numa das mais históricas regiões vinícolas do mundo o Vale do Douro português com o objectivo de documentar e analisar as condições climáticas históricas, atuais e futuras da região. Embora se conheça genericamente o clima da Região Demarcada do Douro, a criação de um banco de dados completo, de alta qualidade e longo prazo para a região a partir de uma estação meteorológica tem conhecido limitações quer em termos espaciais, quer temporais. Por esse motivo, esta avaliação do clima serve- se dos melhores dados disponíveis de três tipos principais: 1) normais climatológicas históricas; 2) estações meteorológicas na Região Demarcada do Douro; 3) dados climáticos espaciais, para registos passados e futuros do clima na região. Para além disso, a avaliação inclui uma análise das relações entre os controlos de circulação atmosférica locais de larga escala e a variabilidade climática na Região Demarcada do Douro. Dados climáticos espaciais actualizados para o período 1950-2000 revelam condições climáticas semelhantes ao normal climatológico de 1931-1960 ao longo da Região Demarcada do Douro. No ciclo vegetativo, a região apresenta uma temperatura média de 17,8 C, sendo 65% espacialmente classificada como um tipo de clima Temperado, 24% como um tipo de clima Intermédio e praticamente 10% como um tipo de clima Quente no índice do ciclo vegetativo. As tendências observadas na região foram analisadas tanto ao nível das estações individuais, como espacialmente em toda a extensão da região. As diferenças entre os dados de 1931-1960 e 1950-2000 revelam que o último período foi mais quente em média 0,9 C em termos de temperaturas anuais ao longo da região, com o ciclo vegetativo e o inverno a registarem temperaturas superiores em 1,2 C e 0,4 C, respectivamente. Analisando três estações de longo prazo na região constata- se um aquecimento maior nas temperaturas mínimas comparativamente às temperaturas máximas, com taxas entre os 1,2 C e 3,6 C durante este período. Os resultados de uma análise de eventos extremos nas três estações demonstram alterações significativas para ambos os extremos das temperaturas máximas e mínimas, com globalmente noites mais quentes, dias mais quentes, um declínio geral na amplitude térmica diurna, um maior número de eventos de tensão térmica, alguma evidência de vagas de calor mais prolongadas e uma clara redução na duração das vagas de frio. As condições climáticas futuras na Região Demarcada do Douro foram analisadas utilizando projecções SRES do IPCC para três cenários de emissões de gases de estufa (B2, AB1 e A2) e três intervalos temporais futuros (2020, 2050 e 2080). Estima- se um aumento das temperaturas 3

médias anuais para todos os cenários de emissões e para cada intervalo temporal. As projecções variam entre 0,5-1,4 C em 2020, 1,4-3,3 C em 2050 e 2,1-5,1 C em 2080. Em termos de temperatura no ciclo vegetativo, estima- se que a região passe de uma aptidão climática predominantemente Pouco Quente (65% da área) em 1950-2000 para uma crescente área de aptidão climática Quente em 2020 (43%) e até uma aptidão climática Muito Quente em 2050 (36%). Em 2080, prevê- se que o padrão espacial de temperatura no ciclo vegetativo apresente 19% da paisagem como Demasiado Quente, 54% Muito Quente, 25% Quente e menos de 3% Frio, Temperado ou Pouco Quente. O padrão das alterações mostra o aquecimento a aumentar mais rapidamente ao longo das principais secções da bacia fluvial, depois no Douro Superior, e em 2080 nos pontos mais altos abrangendo a maior parte da região. A nível de precipitação, estima- se que as alterações para a Região Demarcada do Douro sejam relativamente baixas ou moderadamente elevadas, em função do cenário e período temporal. Prevê- se que as alterações em termos de precipitação média anual variem entre zero e até menos 21,6% no cenário A1B em 2080. A maioria das alterações, na precipitação, é esperada durante o ciclo vegetativo, estimando- se uma diminuição na ordem dos 10-42% em 2080. As projecções futuras para o clima na região resultantes desta avaliação estão, em termos gerais, em sintonia com outros estudos conduzidos para a Europa, a Península Ibérica e Portugal. As regiões vinícolas evoluíram ao longo do tempo de modo a adaptarem- se da melhor forma às condições ambientais locais, permitindo uma maturação genericamente consistente das castas consideradas mais adequadas às regiões. Uma vez que a estrutura climática global das regiões determina a aptidão e a variabilidade climática influencia de forma decisiva as variações na produção e qualidade vindima após vindima, a taxa estimada e magnitude das futuras alterações climáticas trará consigo muito provavelmente inúmeros potenciais impactos para a indústria vinícola. No entanto, a Região Demarcada do Douro é rica em características fisiográficas e vegetativas que poderão ajudar a mitigar os efeitos nefastos das alterações climáticas. Em primeiro lugar, a geomorfologia da região e seu relevo contribuem para múltiplas situações de meso e microclima, que poderão criar estratégias de adaptação espacial. Para além disso, a fisiografia proporciona aos viticultores várias opções em termos de técnicas de cultivo, permitindo- lhes gerir a dimensão ecofisiológica do meio. Um aspecto que se revestirá de grande importância será a forma como os viticultores irão adaptar a paisagem e a vinha para ajudar a equilibrar globalmente a actividade fotossintética da videira e as perdas de água por transpiração. Um factor de grande importância na gestão das mudanças que venham a ser impostas por via das alterações climáticas reside no património genético do material vegetativo, sobretudo nas castas e respectivo comportamento enológico. Ainda que a nível dos porta- enxertos, tenham vindo a ser estudadas características e aptidões para a resistência à secura, é sobretudo no vasto património das castas cultivadas na Região Demarcada do Douro, que residirão algumas das ferramentas com maior potencial ao dispor do viticultor, quer pela diferente exigência térmica das variedades e elasticidade de comportamento fenológico, quer pelas diferentes respostas fisiológicas. Mediante a adopção de estratégias sustentáveis e uma abordagem inovadora de todo o sistema de produção, a Região Demarcada do Douro conseguirá indiscutivelmente reduzir a sua vulnerabilidade e aumentar a sua capacidade de adaptação perante um clima em mudança. 4

INTRODUÇÃO O clima é um factor indissociável do sucesso de todos os sistemas agrícolas, ao influenciar a adaptação de uma casta a uma determinada região e controlar a respectiva produção e qualidade, potenciando assim a sustentabilidade económica. Em nenhuma outra actividade agro- alimentar a influência do clima é mais evidente do que na vitivinicultura, sendo especialmente crítica em termos globais no amadurecimento do fruto com vista à obtenção das características óptimas para a produção de um dado tipo de vinho. Qualquer análise climática para a produção de vinho terá de considerar um grande número de factores que atuam a diferentes escalas temporais e espaciais. Concretamente, a influência climática pode ocorrer à macroescala (clima sinóptico), à mesoescala (clima regional) à topoescala (clima local), à microescala (clima ao nível da videira e da vinha). Para além disso, a influência climática depende quer de condições gerais, quer de fenómenos meteorológicos singulares, que se manifestam através de várias variáveis, tais como a temperatura, a precipitação e a humidade. Para compreender o papel do clima na vitivinicultura há que considerar 1) a estrutura meteorológica e climática necessária à obtenção das características óptimas de qualidade e produção, 2) a aptidão climática para as diferentes castas, 3) a variabilidade climática em regiões vinícolas e 4) a influência das alterações climáticas na estrutura, adequação e variabilidade do clima. ESTRUTURA METEOROLÓGICA E CLIMÁTICA PARA A QUALIDADE E PRODUÇÃO DE VINHO A nível mundial, são as condições climáticas médias das regiões vinícolas que determinam em larga escala as castas que aí podem ser plantadas, enquanto a produção e qualidade dos vinhos é influenciada por factores específicos do local, decisões ao nível da cultura e a variabilidade climática de curto prazo (Jones e Hellman, 2003). Os vários factores meteorológicos/climáticos que afectam a vitivinicultura e a qualidade do vinho incluem a radiação solar, a temperatura média, os extremos de temperatura (tais como gelo no inverno, geadas primaveris e outonais, e stress térmico no verão), a acumulação de calor, o vento, a precipitação, a humidade e características do balanço hídrico do solo. Apesar da ocorrência de inúmeros efeitos individuais e interactivos entre estes factores climáticos, a caracterização mais comum do mesoclima em regiões vitícolas pode ser feita matematicamente em função da temperatura, o que permite o cálculo de índices bioclimáticos (Fregoni, 2003; Jones et al., 2010). Estes índices são geralmente determinados ao longo de um período de tempo importante para o crescimento e produção da videira (habitualmente os 6 ou 7 meses do ciclo de crescimento e desenvolvimento da videira). As relações entre a acumulação de calor, o crescimento da videira e o potencial de maturação foram postuladas por A.P. de Candolle no século XIX a partir da observação de que o crescimento da videira iniciava quando a temperatura média diária atingia os 10 C. À medida que foram sendo criados, os vários índices foram geralmente relacionados com a tipicidade dos vinhos passíveis de produção com classes associadas a vinhos de castas de climas frios, até vinhos de castas de climas quentes, até vinhos generosos e uvas de mesa. Desenvolveram- se variadas formas destes índices bioclimáticos, nos quais se incluem a formulação dias- grau do Índice de Winkler (Amerine e Winkler, 1944), formas distintas de um Índice Heliotérmico (Branas, 1974; e 5

Huglin, 1978), o Índice de Qualidade de Fregoni (2003), um Índice Latitude- Temperatura (Jackson e Cherry 1988; Kenny e Shao, 1992), e um índice de temperatura média do ciclo vegetativo (Jones, 2006), todos eles contribuindo para aferir a aptidão de uma região para a plantação de determinadas castas. Face à importância de que se reveste para o equilíbrio da videira, a qualidade e produção do fruto, bem como a pressão de doenças, o conhecimento das relações hídricas assume grande relevo para qualquer região vinícola. Como tal, estes factores deverão ser avaliados sob diferentes perspectivas: 1) humidade do ar, 2) frequência e distribuição temporal da precipitação local, e 3) capacidade de retenção de água do solo. Para além disso, cada um destes aspectos da disponibilidade de água pode também ser avaliado em termos de um balanço hídrico. Uma precipitação intensa na fase inicial do ciclo vegetativo é benéfica (Jones e Davis, 2000a, 2000b), mas durante a floração pode reduzir ou retardar a abertura dos botões, e durante o período de crescimento dos bagos pode aumentar a probabilidade de ocorrência de doenças fúngicas, continuando durante a maturação a potenciar os fungos responsáveis por doenças, e provocar o amarelecimento e a diluição dos bagos, e dessa forma reduzir os níveis de açúcar e sabor, e limitar consideravelmente a respectiva produtividade e qualidade (Mullins et al., 1992). Uma análise das regiões vitícolas espalhadas pelo mundo sugere que não existe um limite máximo para a quantidade de precipitação necessária ao óptimo crescimento e produção da videira (Gladstones, 1992). Por outro lado, a viabilidade da videira parece estar, em alguns climas quentes, condicionada por níveis de precipitação inferiores a 500 mm, apesar disto poder ser ultrapassado por irrigação periódica, se possível. Eventos meteorológicos extremos, como é o caso de tempestades com ocorrência de trovoadas e de granizo, apesar de pouco frequentes na generalidade das regiões vitícolas, são altamente prejudiciais para a cultura. Estes eventos podem danificar gravemente folhas, gavinhas e bagos durante o seu crescimento. No período de maturação, podem ainda conduzir ao fendilhamento dos bagos, provocando oxidação, fermentação precoce e uma redução considerável do volume e da qualidade da vindima. Integrando uma série de parâmetros climáticos, um balanço hídrico do solo considera as variações sazonais da temperatura, a precipitação e a humidade do solo disponível visando calcular as necessidades em termos de água (seja ela de origem natural ou irrigada). No essencial, um balanço de água define as necessidades hídricas das plantas e da atmosfera em qualquer região. A maioria das regiões vitícolas regista entre o final do outono e final da primavera um período com um excedente de água no solo, a que no verão se segue um período de diminuição da humidade do solo através de evaporação (pela atmosfera) e transpiração (pelas plantas), que se estende até ao início do outono, altura em que a precipitação dá início à reposição dos níveis no solo. Um bom restabelecimento da humidade no solo durante a primavera pode fomentar o crescimento da videira e potenciar uma floração e um vingamento mais eficazes (Williams, 2000). Apesar da existência de alguma humidade no solo durante o período de crescimento no verão poder reduzir o stress térmico, uma humidade demasiado elevada pode resultar num incremento excessivo do crescimento vegetativo e numa maturação inadequada (Matthews e Anderson, 1988), acompanhados de um atraso na queda da folhagem, que torna a videira mais vulnerável a eventos de geada/gelo no final do outono. 6

APTIDÃO CLIMÁTICA PARA AS CASTAS A aptidão de uma casta a uma dada região é determinada pelo clima de base. Historicamente têm sido utilizados inúmeros sistemas de medição com base na temperatura (por ex. dias- grau, temperatura média do mês mais quente, temperaturas médias do ciclo vegetativo, etc.) para definir climas óptimos para as várias castas (Gladstones, 1992). À escala global, os limites gerais que determinam uma aptidão climática para viticultura situam- se entre os 12-22 C para o ciclo vegetativo em cada hemisfério (Gladstones, 2004; Jones, 2007; Figura 1). Como se depreende da Figura 1, a delimitação climática de 12-22 C ilustra genericamente uma aptidão de média latitude para a produção da uva, sendo que várias zonas subtropicais a tropicais em cotas mais elevadas também se inserem nessas zonas climáticas. Além disso, qualquer representação geral de temperaturas médias irá também incluir zonas extensas habitualmente não associadas ao cultivo da vinha. Isso mesmo se depreende da Figura 1, em que vastas áreas da Europa de leste, do oeste da Ásia, da China, do centro- oeste e leste dos Estados Unidos, do sudeste da Argentina e do sudeste da África do Sul, bem como o sul da Austrália, se inserem nos limiares 12-22 C. Apesar destas regiões apresentarem temperaturas propícias ao cultivo da vinha no ciclo vegetativo, outros factores condicionantes, caso das temperaturas mínimas no inverno, das geadas primaveris e outonais, da curta duração das estações de crescimento e da disponibilidade de água, colocariam entraves à maioria das regiões mapeadas em função das condições médias. Figura 1: Regiões vinícolas globais e zonas com isotérmicas de 12-22 C para o ciclo vegetativo (Abril a Outubro no Hemisfério Norte e Outubro a Abril no Hemisfério Sul). As regiões vinícolas derivam de delimitações definidas pelas entidades dos diversos países (por ex., as "American Viticultural Areas nos Estados Unidos, Geographical Indications na Austrália e no Brasil, e Wine of Origin na África do Sul) ou são áreas de cultivo da vinha identificadas por detecção remota (por ex., Corine Land Cover para a Europa) ou por imagens aéreas (por ex., Canadá, Chile, Argentina e Nova Zelândia). (Jones et al., 2012). Analisando em mais pormenor a aptidão climática de muitas das castas mais difundidas pelo mundo, Jones (2006) mostra que a produção de vinho de alta qualidade está condicionada por temperaturas médias do ciclo vegetativo na ordem dos 13-21 C (Figura 2). A zonagem clima- maturação na Figura 2 teve por base o clima e ciclo vegetativo de muitas castas cultivadas em regiões frias a quentes, nas zonas de referência para essas vinhas em todo o mundo. Apesar de 7

muitas dessas castas serem cultivadas e utilizadas para a produção de vinho fora dos limites individuais ilustrados na Figura 2, trata- se predominantemente de vinhos a granel (de grande produção) para um segmento inferior de mercado, que geralmente não atingem a tipicidade ou qualidade que essas mesmas castas revelam quando se desenvolvem no seu clima ideal. Além disso, temperaturas médias do ciclo vegetativo inferiores a 13 C estão habitualmente limitadas a castas híbridas ou de maturação precoce que poderão não ter um forte apelo comercial. Nos limites de clima superiores pode encontrar- se também alguma produção com temperaturas médias no ciclo vegetativo superiores a 21 C, não obstante esta consista quase exclusivamente em vinhos generosos, uvas de mesa e uvas passas. Pesquisas recentes conduziram ao mapeamento destes limites climáticos na Europa (Jones et al., 2009), na Austrália (Hall e Jones, 2010) e na zona oeste dos Estados Unidos (Jones et al., 2010), detalhando no âmbito da adequação climática da região os tipos de clima frio, temperado, pouco quente e quente. Este estudo contribui para a representação da estrutura climática espacial efectiva das regiões vinícolas, em substituição da prática comum de recorrer às estações meteorológicas, que claramente não caracterizam com rigor os climas sentidos nas regiões de plantação de vinha. Castas: agrupamentos clima / maturação Frio Intermédio Temperado Quente e Temperatura média do ciclo vegetativo (HN Abr- Out; HS Out- Abr) Comprimento do rectângulo indica o espaço estimado de maturação da variedade Figura 2: Agrupamentos, clima- maturação, baseados nas relações entre requisitos fenológicos e temperaturas médias no ciclo vegetativo para a produção de vinho de qualidade alta a premium nas regiões de referência em todo o mundo para muitas das castas mais comuns a nível mundial. A linha pontilhada na extremidade das barras indica que poderão ainda ocorrer ajustes à medida que ficarem disponíveis mais dados, sendo altamente improváveis alterações superiores a +/- 0,2-0,5 C (Jones, 2006). 8

VARIABILIDADE CLIMÁTICA EM REGIÕES VINÍCOLAS Enquanto a estrutura climática média de uma região determina genericamente a aptidão das castas, a variabilidade climática influencia questões do foro do risco de produção e qualidade relacionadas com a equidade do clima ano após ano. A variabilidade climática nas regiões vinícolas tem impacto sobre a produção da uva e do vinho através de extremos da temperatura mínima durante o inverno em algumas regiões, a frequência e severidade de geadas na primavera e no outono, eventos de temperaturas elevadas durante o verão, precipitação ou granizo intensos, assim como condições de seca espaciais e temporais generalizadas. Os mecanismos de variabilidade climática que influenciam as regiões vinícolas estão associados a interacções atmosféricas e oceânicas de larga escala que atuam em escalas espaciais e temporais distintas (Figura 3). O maior de entre estes é o fenómeno de larga escala El Niño- Oscilação Sul na zona do Pacífico (ENSO) (Glantz, 2001), com ampla influência nos climas das regiões vinícolas da América do Norte, Austrália e Nova Zelândia, África do Sul, América do Sul e Europa (Jones et al., 2012). No entanto, a dimensão dos efeitos do ENSO na variabilidade climática das regiões vinícolas varia grandemente, podendo apresentar um sinal contrário em função da localização da respectiva região vinícola, e estando frequentemente aliado a outros mecanismos regionais mais influentes (Jones e Goodrich, 2008). Figura 3: Regiões vinícolas globais, mecanismos da variabilidade climática e suas áreas de influência conhecidas, conforme descrito no texto. ENSO El Niño- Oscilação Sul, PDO Oscilação Decadal do Pacífico, NAO Oscilação do Atlântico Norte, IOD Dipolo do Oceano Índico, AO Oscilação Ártica, AAO Oscilação Antártica, SST Temperatura da Superfície do Mar. As regiões vinícolas são as descritas na Figura 1 (Jones et al., 2012). No que se refere à Europa, o mecanismo de variabilidade climática dominante é a Oscilação do Atlântico Norte (NAO; Figura 3), que exerce uma grande influência climática sobre o Oceano Atlântico Norte e as massas de terra adjacentes (Hurrell, 2003). A NAO está associada a alterações nos ventos de oeste ao longo da superfície do Atlântico Norte devido a uma oscilação de larga escala na massa atmosférica entre a alta subtropical e a baixa polar. O índice correspondente que caracteriza numericamente a NAO varia de ano para ano, sinalizando todavia uma tendência para permanecer numa mesma fase por períodos que duram vários anos. A fase positiva do índice NAO revela um centro de alta pressão subtropical mais forte do que habitual 9

(anticiclone dos Açores) e uma depressão excepcionalmente mais intensa na Islândia. A maior diferença de pressão sobre o Atlântico Norte resulta em tempestades de inverno mais fortes e frequentes sobre o Oceano Atlântico numa latitude mais a norte. No que toca à Europa, a fase positiva traduz- se em invernos mais quentes e húmidos nas regiões a norte e condições mais quentes e secas ao longo da bacia do Mediterrâneo. Para além disso, o norte do Canadá e a Gronelândia assistem a invernos frios e secos, enquanto o leste dos EUA regista condições de inverno amenas e húmidas. A fase negativa do índice NAO revela uma alta subtropical e depressão da Islândia pouco intensas, sendo que o menor gradiente de pressão resulta em tempestades de inverno menos fortes e frequentes com um trajecto mais orientado de este para oeste. Regra geral isto reflecte- se em condições de advecção de ar húmido e maior precipitação no Mediterrâneo, bem como condições de frio e seca no norte da Europa. A costa leste dos EUA assinala mais vagas de ar frio, que se traduzem em condições meteorológicas de neve, ao passo que a Gronelândia conta com temperaturas de inverno mais amenas. As relações entre a NAO e o cultivo da vinha na Europa são pouco claras, revelando no essencial pouca ou nenhuma correlação (Jones, 1997). Isto deve- se provavelmente ao facto de a NAO ser em larga medida um mecanismo de inverno, com efeitos decrescentes ao longo do ciclo vegetativo. No entanto, há indícios de que a fase positiva da NAO fomenta estações de crescimento mais secas na Península Ibérica e no Mediterrâneo, que se traduzem numa menor qualidade e produtividade (Esteves e Manso- Orgaz, 2001; Grifoni et al., 2006). Ambas as fases podem acarretar problemas para as vinhas do norte da Europa, sendo que uma NAO positiva importa numa maior precipitação e pressão de doenças, enquanto a fase negativa apresenta um risco de geada mais acentuado durante a primavera. Além disso, recorrendo a dados históricos de vindimas no nordeste de França e na Suíça, Souriau e Yiou (2001) demonstraram correlações significativas entre esses dados das vindimas e a NAO, recomendando a utilização do registo como um instrumento interessante para reconstruir a NAO recuando no tempo. Não obstante o ENSO desempenhar um papel importante na determinação da variabilidade climática interanual em latitudes inferiores, a sua influência no clima europeu é reduzida (Mathieu et al., 2004) ou dificilmente distinguível dos efeitos da NAO (Rodó e Comín, 2000). Sem desconsiderar o impacto óbvio das alterações climáticas nas condições climáticas médias das regiões vinícolas a nível mundial (ver abaixo), não pode no entanto ser igualmente descurada a importância da variabilidade do clima. Uma intensificação da variabilidade climática de uma dada região iria acentuar os riscos associados aos extremos climáticos, o que por sua vez ameaçaria a viabilidade económica da produção de vinho em qualquer região. Ambas as observações e modelos sugerem que os climas sofrem alterações quer em termos de temperatura média quer em termos de variabilidade das temperaturas nas regiões vinícolas e restantes zonas (Jones, 2007). Por exemplo, se a reacção às alterações de um aquecimento climático só ocorresse ao nível da média, haveria menos tempo frio e mais tempo quente e recordes de calor. Por outro lado, o acentuar da variação da temperatura, por si só, resultaria em mais tempo frio e quente, bem como condições recorde. No entanto, as evidências deixam antever que um aumento quer na média quer na variabilidade teria como consequência menos eventos de tempo frio e muitos mais eventos de tempo quente e recordes de calor (IPCC, 2007). Schär et al., (2004), por exemplo, 10

demonstraram que a estrutura climática europeia no verão deverá sofrer um aumento acentuado na sua variabilidade ao longo dos anos em reacção aos gases com efeito de estufa. Sendo as ondas de calor provocadas por padrões entranhados de alta pressão e bloqueio, um tal aumento na variabilidade poderia explicar o verão europeu atípico de 2003, reflectindo- se fortemente na incidência futura de ondas de calor e períodos de seca. Também Jones (2005) e Jones et al. (2005a) encontraram indícios para uma mudança na variabilidade climática em regiões vinícolas, na medida em que o coeficiente de variabilidade nos climas das estações de crescimento em todo o oeste dos EUA e muitas outras regiões vinícolas tem vindo a aumentar globalmente ao longo dos últimos 50 anos. Jones et al. (2005a) constataram ainda que as projecções do modelo até 2050 mostram um crescimento contínuo do coeficiente de variabilidade das temperaturas no ciclo vegetativo em 20 de 27 regiões vinícolas globalmente consideradas. ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS, VITICULTURA E VINHO Da abordagem anterior à estrutura climática, aptidão e variabilidade associadas à produção de vinho regional a mundial, depreende- se claramente que as regiões vitícolas se localizam em áreas geográficas e climáticas relativamente restritas. Acresce a isso o facto de as castas apresentarem grandes diferenças a nível da aptidão climática, o que vem limitar a presença de certas vinhas a zonas ainda mais restritas adequadas à sua plantação. Estes pequenos nichos, sinónimo de qualidade e produção óptima, tornam a plantação de vinhas para produção de vinho mais susceptível à variabilidade climática de curto prazo e a alterações climáticas de longo prazo do que outras culturas realizadas em extensões maiores (Jones, 2007). Regra geral, em termos globais o tipo de vinho produzido numa determinada região é resultado do clima de base, enquanto a variabilidade climática determina as diferenças de qualidade a nível da vindima. As alterações climáticas reflectem- se quer na variabilidade, quer nas condições médias, podendo portanto provocar alterações nos tipos de vinho (Jones, 2007). O nosso entendimento das alterações climáticas e respectivos potenciais impactos na viticultura e produção de vinho reveste- se de importância crescente à medida que o sistema terrestre é sujeito a ciclos e flutuações naturais, bem como a variações nas concentrações dos gases com efeito de estufa e a alterações nas características da superfície terrestre, as quais modificam o balanço de radiação da Terra, a circulação atmosférica e o ciclo hidrológico (IPCC, 2007). As tendências de aquecimento observadas ao longo dos últimos cem anos têm- se revelado assimétricas relativamente aos ciclos sazonais e diurnos, com aquecimento mais acentuado durante o inverno e a primavera e à noite (Karl et al., 1993; Easterling et al., 2000). As tendências observadas a nível das temperaturas têm sido associadas à viabilidade da produção agrícola, uma vez que influenciam a potencial resistência ao inverno, a ocorrência de geadas e a duração das estações de crescimento (Carter et al., 1991; Menzel e Fabian, 1999; Easterling et al., 2000; Nemani et al., 2001; Moonen et al., 2002; Jones, 2005). Para situar a vitivinicultura no contexto da aptidão climática e do potencial impacto derivado das alterações climáticas, a Figura 2 fornece o enquadramento para a análise do actual potencial de amadurecimento clima- maturação para castas de primeira qualidade cultivadas em climas frios, temperados, pouco quentes e quentes (Jones, 2006). A Cabernet Sauvignon, por 11

exemplo, é cultivada em regiões que abrangem desde climas temperados a quentes, com estações de crescimento oscilando aproximadamente entre 16,8 e 20,2 C (caso de Bordéus ou Napa). As castas formatadas para climas mais frios, por exemplo a Pinot Noir, são geralmente cultivadas em regiões com climas frios a temperados baixos, cujas estações de crescimento registam temperaturas aproximadas entre 14,0 e 16,0 C (caso do norte do estado do Oregon ou da Borgonha). Dos limites gerais que a aptidão climática fria a quente impõe à produção de vinho de elevada qualidade depreende- se claramente que o impacto das alterações climáticas não tende a ser uniforme em todas as castas e regiões, estando em princípio mais proximamente relacionado com os limiares climáticos, sendo que um aquecimento continuado comprometeria uma região em termos da sua capacidade de produzir vinho de qualidade com as castas existentes. Por exemplo, se uma região possuir uma temperatura média no ciclo vegetativo de 15 C e o clima sofrer um aquecimento de 1 C, então essa região será climaticamente mais propícia ao amadurecimento de algumas castas, e potencialmente menos para outras. Se a magnitude do aquecimento for de 2 C ou mais, então uma região poderá potencialmente passar para outro tipo de clima de maturação (por ex. de temperado a pouco quente). Embora a quantidade de eventuais castas com bom amadurecimento numa região possa aumentar em muitos casos, se uma região corresponder a um tipo de clima de maturação quente e aquecer para além do que é considerado viável, então o cultivo da vinha ficará comprometido e poderá mesmo tornar- se inviável. Para além disso, as observações e modelações efectuadas mostraram que as alterações climáticas não se manifestam, nem se manifestarão provavelmente no futuro, unicamente em termos de alterações ao nível da média, mas também em termos de variação, com maior probabilidade de eventos de calor extremo, pese embora ainda com eventos esporádicos de frio extremo (IPCC, 2007). Como tal, embora seja possível que a estrutura climática melhore em algumas regiões, a variabilidade continuará a ser a nota dominante, possivelmente até de forma mais limitadora do que acontece actualmente. A História mostra- nos que as regiões de cultivo da vinha se desenvolveram quando o clima era mais propício e que no passado ocorreram mudanças a nível da viabilidade de regiões vinícolas devido a alterações no clima que tornaram a produção mais difícil ou fácil (Le Roy Ladurie, 1971; Pfister, 1988; Gladstones, 1992). Na Europa, há praticamente mil anos que é mantido um registo das datas de vindima e da produtividade (Penning- Roswell, 1989; Le Roy Ladurie, 1971), revelando períodos com temperaturas mais favoráveis no ciclo vegetativo, maior produtividade e indiscutível melhor qualidade em algumas regiões. Outras evidências indicam que as vinhas foram plantadas em locais tão a norte quanto as zonas costeiras do Mar Báltico e o sul de Inglaterra durante o período medieval designado por Pequeno Óptimo Climático (aproximadamente entre 900 e 1300 a.d.), quando as temperaturas subiram em até 1 C (Gladstones, 1992). Durante a Alta Idade Média (séculos XII e XIII), a vindima tinha lugar no início de Setembro, comparativamente a início a fim de Outubro durante grande parte do século XX (Pfister, 1988; Gladstones, 1992). Ainda assim, durante o século XIV vertiginosas descidas de temperatura conduziram à Pequena Idade do Gelo (que se prolongou até finais do século XIX), o que ditou progressivamente o fim da maioria das vinhas a norte e gerou estações de crescimento de tal forma curtas que a produção de uvas se tornou difícil em grande parte do resto da Europa. 12

Complementarmente, a investigação tem recorrido a datas de vindima recentes da região da Borgonha para reconstruir as temperaturas na primavera- verão entre 1370 e 2003 e, se os resultados indicam que temperaturas ao nível das da década quente de 1990 ocorreram várias vezes na região desde 1370, o invulgarmente quente verão de 2003 parece ter superado todos os outros em termos de calor desde 1370 (Chuine et al., 2004). Numa investigação mais recente sobre o impacto das alterações climáticas na qualidade do vinho, Jones et al. (2005a) analisaram as temperaturas no ciclo vegetativo em 27 daquelas que são geralmente reconhecidas como as melhores regiões produtoras de vinho do mundo, tendo concluído que as temperaturas médias nessa estação subiram 1,3 C nos últimos 50 anos. Todavia, o aquecimento não se deu de forma uniforme em todas as regiões, sendo mais pronunciado na zona oeste dos EUA e na Europa e menos no Chile, na África do Sul e na Austrália. O maior aquecimento foi registado na Península Ibéria, no sul de França e em áreas dos estados de Washington e da Califórnia, com valores superiores a 2,5 C. Por exemplo, Jones et al. (2005a) concluíram que o aquecimento observado durante 1950-1999 nas regiões da Borgonha, Vale do Reno, Barolo e Bórdeus variou entre 0,7 e 1,8 C. Análises regionalmente mais específicas de resolução temporal revelam um alinhamento com as observações globais nas tendências a nível das temperaturas nas regiões vinícolas (Jones e Davis, 2000a,b; Jones et al., 2005b; Jones, 2007; Webb et al., 2008; Hall e Jones, 2009; Ramos et al., 2008). Globalmente, durante os últimos 30-70 anos, muitas das regiões vinícolas do mundo apresentaram um decréscimo na frequência de geadas, oscilações na ocorrência temporal das geadas e estações de crescimento mais quentes com maior acumulação de calor. Na América do Norte, a investigação tem mostrado alterações significativas nos climas das estações de crescimento, particularmente na zona oeste dos EUA. Por exemplo, durante 1948-2002, nas principais regiões de cultivo da vinha (Califórnia, Oregon e Washington), as estações de crescimento ficaram mais quentes em 0,9 C, essencialmente devido a alterações nas temperaturas mínimas, com maior acumulação de calor, uma diminuição na frequência de geadas, que é mais significativa no período de repouso vegetativo e na primavera, geadas de fim de primavera mais precoces, primeiras geadas de outono mais tardias e períodos mais longos sem ocorrência de geadas (Jones, 2005). Alterações temporais no Vale de Napa desde 1930 (Jones e Goodrich, 2008) mostram que a acumulação de calor é superior em mais de 350 unidades (dias- grau em unidades C) e tem sido o resultado de um aquecimento nocturno significativo, com as temperaturas mínimas a crescerem 3,0 C enquanto as temperaturas diurnas não revelam grandes alterações. Os valores e timings da precipitação são altamente variáveis no oeste dos EUA, estando mais associados, a mecanismos de variabilidade climática de larga escala, caso do El Niño ou da Oscilação Decadal do Pacífico, do que a tendências estruturais (Jones e Goodrich, 2008). Investigação recente para a Europa mostra resultados semelhantes aos obtidos para a América do Norte atrás descritos (Jones et al., 2005b). Uma análise de tendências climáticas e fenológicas ao longo dos últimos 30-50 anos para onze locais com vários tipos de clima na Europa (frio a quente) e para 16 castas mostra que o aquecimento ocorreu de forma transversal na maioria das estações, sendo todavia mais forte na primavera e no verão. Nas regiões vinícolas estudadas, o aquecimento no ciclo vegetativo foi em média de 1,7 C, a maior parte do qual a verificar- se à noite. A acumulação de calor registou igualmente um aumento, com 13

os dias- grau a subirem em 250-300 unidades ( C), enquanto a frequência e quantidades de precipitação não se alteraram significativamente. Em Espanha, Jones et al. (2005b) concluíram que as estações de crescimento aqueceram em média 0,8-1,2 C nas regiões da Galiza e de Valladolid, com os valores a surgirem muito mais destacados à noite (temperaturas mínimas com aumentos de 1,1-2,1 C) do que durante o dia (sem significado). A acumulação de calor, seja medida pelo Índice de Huglin ou Índice de Winkler (ver abaixo), aumentou no interior mas não se alterou significativamente na região mais costeira da Galiza. Ramos et al. (2008) constataram igualmente um aquecimento generalizado a nível das estações de crescimento nas regiões vinícolas de Penedès, Priorat e Segrià, no nordeste de Espanha, na ordem dos 1,0-2,2 C. O estudo revelou também o potencial de maior stress hídrico, uma vez que a descida da precipitação na primavera e no verão, combinada com o aquecimento observado, resulta num reforço das necessidades hídricas de 6-14% numa região já de si semiárida. Paralelamente a alterações em muitos parâmetros de temperatura, no nordeste de Espanha constatam- se alterações concomitantes em parâmetros da videira e do vinho, incluindo eventos fenológicos mais precoces, maior qualidade do vinho com maiores amplitudes térmicas diurnas no amadurecimento, e menor produção nas vindimas dos anos mais quentes (Ramos et al., 2008). Para além disso, na Europa em geral, a evolução dos estados fenológicos da videira mostrou uma forte correlação com o aquecimento observado, com tendência para uma precocidade de 6 a 25 dias em inúmeras castas e localizações (Jones et al., 2005b). As projecções de climas futuros são obtidas com recurso a modelos assentes no conhecimento do funcionamento do sistema climático, sendo usadas para analisar a forma como o meio ambiente, neste caso a viticultura e a produção de vinho, responde a estas mudanças. Estes modelos climáticos são representações matemáticas complexas a três dimensões do nosso sistema Terra - Atmosfera, apresentando análises espaciais e temporais das leis de energia, massa, humidade e transferência de momento na atmosfera e entre a atmosfera e a superfície do globo. Adicionalmente, os modelos climáticos têm por base cenários de emissões do IPCC (IPCC, 2007) que reflectem estimativas de como a actividade humana influenciará a emissão de CO 2 no futuro. Os muitos modelos em uso actualmente, aliados ao facto de estarem a modelar um sistema não- linear e a usar diferentes cenários de emissões, resultam numa gama de potenciais alterações a nível de temperatura e precipitação no planeta (IPCC, 2007). O trabalho realizado nas últimas três décadas usando projecções de modelos mostra que as tendências de aquecimento observadas nas regiões vinícolas em todo o mundo irão previsivelmente continuar a verificar- se. Uma das análises pioneiras sobre o impacto das alterações climáticas na viticultura sugeria um alongamento das estações de crescimento na Europa e um aumento da qualidade do vinho nas regiões de Champagne e Bordéus (Lough et al., 1983). Estes resultados foram largamente provados como correctos (Jones et al., 2005a). Para além disso, a investigação com base em modelos espaciais tem também apontado para uma potencial deslocalização e/ou expansão da zona geográfica das regiões vitícolas, com previsão de que partes do sul da Europa irão tornar- se demasiado quentes para produzir vinhos de qualidade e de que as regiões setentrionais irão novamente tornar- se mais estáveis em termos de consistência do clima para amadurecimento e/ou viáveis (Kenny e Harrison, 1992; Butterfield et al., 2000). Analisando castas específicas 14

(Sangiovese e Cabernet Sauvignon), Bindi et al. (1996) e Bindi e Fibbi (2000) concluíram que as alterações climáticas em Itália deverão conduzir a intervalos de crescimento mais curtos mas com aumentos na variabilidade da produtividade. Outros estudos sobre o impacto das alterações climáticas, nas actividades vitícola e vinícola, revelam a importância das mudanças na distribuição geográfica das áreas de cultivo, em virtude de alterações na temperatura e precipitação, maior pressão de pragas e doenças devido a invernos mais suaves, alterações no nível do mar que potencialmente alteram a influência de uma zona costeira nos climas de viticultura, e o efeito que aumentos no CO 2 poderão ter no crescimento da videira e na qualidade da uva e até na textura da madeira de carvalho usada para fabricar as barricas para vinho (Tate, 2001; Renner, 1989; Schultz, 2000; McInnes et al., 2003). Conforme já abordado na secção sobre aptidão climática, a escala mais alargada de aptidão global para a viticultura mostra que as zonas consideradas óptimas se encontram entre as isotérmicas de 10-20 C, valores relativos à temperatura média anual (de Blij, 1983; Johnson, 1985), ou entre as isotérmicas de 12-22 C para o ciclo vegetativo (Gladstones, 2004; Jones, 2006). Para analisar estes limites latitudinais globais de aptidão para viticultura devido ao clima, Jones (2007) usou dados do CCSM (Community Climate System Model) com uma resolução latitude/longitude de 1,4 x1,4 e os cenários de emissões B1 (moderado), A1B (médio) e A2 (elevado) para representar as deslocações das isotérmicas de 12-22 C para três períodos 2000, 2050 e 2100. Alterações do período base de 2000 mostram simultaneamente mudanças na quantidade de área apta para viticultura e uma deslocação latitudinal geral em direcção aos Polos. Em 2050, as isotérmicas de 12 C e 22 C terão avançado 150-300 km em direcção aos Polos em ambos os hemisférios dependendo do cenário de emissões (não apresentado). Em 2100, as mesmas isotérmicas terão avançado mais 125-250 km na mesma direcção (ver Figura 4 para o cenário médio A1B). As deslocações são marginalmente maiores na orla polar do que na orla equatorial em ambos os hemisférios. No entanto, a área relativa de massa terrestre que se encaixa entre as isotérmicas nos vários continentes aumenta ligeiramente no Hemisfério Norte, reduzindo no Hemisfério Sul devido a diferenças de massa terrestre (Figura 4). Deslocações semelhantes são observadas em 2100 para todos os cenários de emissões (não apresentado). Figura 4: Alterações nas zonas climáticas globais para viticultura entre 2000 e 2100. Os dados climáticos provêem do CCSM (Community Climate System Model) do National Center for Atmospheric Research para dados observados 15

(2000) e um A1B (cenário médio). As regiões vinícolas derivam de delimitações definidas pelas entidades dos diversos países (por ex., as "American Viticultural Areas nos Estados Unidos, Geographical Indications na Austrália e no Brasil, e Wine of Origin na África do Sul) ou são áreas de cultivo da vinha identificadas por detecção remota (por ex., Corine Land Cover para a Europa) ou por imagens aéreas (por ex., Canadá, Chile, Argentina e Nova Zelândia). As zonas climáticas globais são determinadas pelas temperaturas médias de 12-22 C no ciclo vegetativo (Abr - Out no Hemisfério Norte e Out - Abr no Hemisfério Sul). Usando dados do modelo climático do Hadley Centre (HadCM3) e um cenário de emissões A2 para 2049 para 27 das melhores regiões produtoras de vinho do mundo, Jones et al. (2005a) compararam os climas médios de dois períodos: 1950-1999 e 2000-2049. Os resultados sugerem que as temperaturas médias no ciclo vegetativo poderão aumentar em média 1,3 C nas regiões vinícolas estudadas, com regiões prestigiadas como as da Borgonha (Beaujolais), Vale do Reno, Barolo e Bordéus potencialmente a registarem um aquecimento a variar entre 0,9 e 1,4 C. As alterações estimadas são também maiores para o Hemisfério Norte (1,3 C) do que para o Hemisfério Sul (0,9 C). Analisando a taxa de alterações prevista para o período 2000-2049, surgem alterações significativas em cada região vinícola com tendências entre 0,2 C a 0,6 C por década. As tendências gerais durante o período 2000-2049 apontam para uma média de 2 C em todas as regiões, com o menor aquecimento a ocorrer na África do Sul (0,9 C/50 anos) e o maior a ter lugar em Portugal (2,9 C/50 anos). Para além disso, Jones et al. (2005a) mostraram que muitas das regiões vinícolas poderão estar na sua temperatura óptima de ciclo vegetativo (ou perto dela) para uma produção de vinho de alta qualidade, e que novos aumentos, conforme previsto pelas diferenças entre as médias dos períodos 1950-1999 e 2000-2049, irão colocar algumas regiões fora do seu clima óptimo teórico no ciclo vegetativo. A magnitude destas alterações médias ao nível do ciclo vegetativo indica potenciais mudanças nos tipos de clima de maturação para muitas regiões num determinado limiar de potencial de amadurecimento (ou perto dele) para as castas actualmente cultivadas nessa região. Para os Estados Unidos globalmente considerados, White et al. (2006) usaram um modelo climático regional de alta resolução (25 km) compelido por um cenário de emissões de gases com efeito de estufa A2 do IPCC e estimaram que a potencial área premium para a produção de uvas para vinho nos Estados Unidos (excluindo Alasca e Havai) poderá ter diminuído em até 81% no final do século XXI. Esta investigação concluiu que aumentos na acumulação de calor irão possivelmente alterar a produção de vinho para castas mais adaptadas a climas quentes e/ou gerar vinhos de menor qualidade. Adicionalmente, os modelos mostram que embora os problemas com a geada se vejam reduzidos, aumentos na frequência de dias extremamente quentes (>35 C) no ciclo vegetativo poderão comprometer gravemente ou eliminar por completo a produção de uvas para vinho em muitas áreas dos Estados Unidos. Acresce que a produção de uvas e de vinho ficará provavelmente restrita a uma estreita região da costa oeste e ao noroeste e nordeste, áreas onde a humidade excessiva já é problemática (White et al., 2006). Outros estudos de carácter regional na Europa (Kenny e Harrison, 1992; Butterfield et al., 2000; Stock et al., 2005), na Austrália (McInnes et al., 2003; Webb et al., 2005; Hall e Jones, 2009) e na África do Sul (Carter, 2006) debruçaram- se sobre as alterações climáticas servindo- se de outras abordagens de modelação, tendo no entanto obtido resultados semelhantes aos atrás 16