DIJK, Teun A. van. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2008, 281p.

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Transcrição:

Revista Língua & Literatura 109 DIJK, Teun A. van. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2008, 281p. O livro de Teun A. van Dijk, organizado por Karina Falcone e Judith Hoffnagel, reúne oito ensaios que tratam da relação entre discurso e poder, sobretudo do abuso de poder, termo utilizado pelo autor o qual designa a dominação exercida pelas elites simbólicas. Apreendendo os fenômenos sociais de modo interdisciplinar e fundamentando suas análises a partir do arcabouço metodológico da Análise de Discurso Crítica, o autor conclui que as elites simbólicas controlam a reprodução discursiva da dominação da sociedade nas diversas dimensões das práticas sociais, como na política, na mídia e na ciência. Estabelecendo uma interface entre discurso, cognição e sociedade, van Dijk explicita como certos modelos mentais e cognições sociais são responsáveis por fenômenos sociais como o racismo, por exemplo, na medida em que este não é inato, mas aprendido por meio dos discursos públicos controlados pelas elites. Com seu livro, o autor tenta contribuir para o debate acerca dos fundamentos dos Estudos Críticos do Discurso, a partir do desenvolvimento de noções teóricas e aplicação das mesmas em exemplos concretos de análise crítica de textos escritos e de reproduções de textos falados retirados principalmente da mídia impressa inglesa e americana. No primeiro capítulo, Discurso e dominação: uma introdução, o autor define os Estudos Críticos do Discurso (ECD) como "um movimento científico especificamente interessado na formação de teoria e na análise crítica da reprodução discursiva de abuso de poder" (p. 9), isto é, nas formas de dominação que resultam em desigualdade e injustiças sociais. No entanto, salienta, uma vez que a noção de poder se revela bastante complexa, esses estudos devem focalizar aquelas dimensões de poder que são diretamente relevantes ao estudo do uso linguístico, do R. Língua & Literatura Frederico Westphalen v. 12 n. 19 p. 109-114 Dez. 2010. Recebido em: 03 dez. 2010 Aprovado em: 20 dez. 2010

110 Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões discurso e da comunicação. O estudioso nota que existem muitos conceitos de poder na filosofia e nas ciências sociais. Entretanto, define que o poder do qual trata em seu livro é o "poder social em termos de controle, isto é, de controle de um grupo sobre outros grupos e seus membros" (p. 17). Propõe uma reflexão muito pertinente ao lembrar que controle é tradicionalmente definido como controle sobre as ações de outros e que quando o controle é exercido no interesse daqueles que detêm o poder, em detrimento dos interesses daqueles que são controlados, observa-se uma situação de abuso de poder. A contribuição capital do primeiro ensaio de Van Dijk é a conclusão que controlar o discurso é algo crucial para as elites e organizações poderosas e que estas o fazem, principalmente, controlando o acesso ao discurso, de modo que o/a analista deve examinar as maneiras como o acesso ao discurso está sendo regulado por aqueles que estão no poder. O segundo capítulo, Estruturas do discurso e estruturas do poder, discute o aspecto interacional do poder, na medida em que este não existe por si só, mas precisa ser legitimado, revelando como as relações de poder se manifestam na interação. Destarte, van Dijk direciona sua reflexão para as relações entre discurso e poder social, buscando elucidar as formas "como esse poder é exercido, manifestado, descrito, disfarçado ou legitimado por textos e declarações orais dentro do contexto social" (p. 39). O autor salienta que para se ter o controle da sociedade é preciso controlar o discurso, e convida os pesquisadores a inquirirem, por exemplo, quem pode falar ou escrever o quê, para quem, em quais situações; ou, quem tem acesso aos vários gêneros e formas do discurso ou aos meios de sua reprodução, em busca das estratégias utilizadas pelos poderosos para manter o poder. Considerando o conceito de "poder simbólico", de Bourdieu, van Dijk afirma que o modo de produção do discurso é controlado por "elites simbólicas" (jornalistas, escritores, artistas, diretores, acadêmicos e outros grupos) que dão sustentação ao aparato ideológico que permite o exercício e a manutenção do poder nas sociedades. Sob o título Discurso, poder e acesso, no terceiro capítulo de seu livro, o pesquisador holandês distingue os padrões de acesso ao discurso e a eventos comunicativos como uma dimensão importante da dominação. Nesse sentido, Van Dijk destaca principalmente que para

Revista Língua & Literatura 111 cada domínio social, profissão, organização ou situação o/a analista pode traçar um esboço das condições e estratégias de acesso interrogando "quem controla a preparação, os participantes, os objetivos, a linguagem, o gênero, os atos de fala [...], entre outros aspectos textuais dos eventos comunicativos" (p. 110-111). Assim, o enfoque é dado sobre o acesso preferencial ao discurso público, uma vez que este abre espaço para o controle da mente pública configurando uma forma fundamental de poder. Van Dijk destaca a falta de acesso das minorias à mídia como uma das maiores evidências da dominância simbólica das elites brancas, citando, entre outros aspectos, o fato de que questões e tópicos relevantes para as minorias, como racismo, discriminação ou violência policial recebem menos atenção da mídia. Do mesmo modo, observa que há uma enorme carência de estudos sobre questões cruciais para as minorias revelando baixos padrões de acesso ao discurso educacional e acadêmico, concluindo que, quando existem, esses estudos contemplam, em geral, crimes, diferenças e desvios culturais ou problemas educacionais, reproduzindo estereótipos acadêmicos dominantes. O capítulo Análise de Discurso Crítica traça o percurso dos fundamentos da ADC destacando que esta visa "oferecer um "modo" ou uma "perspectiva" diferente de teorização, análise e aplicação ao longo de todos os campos" (p.114) e retoma a questão da necessária consciência dos analistas críticos do discurso de seu papel na sociedade. No que concerne aos campos de investigação da ADC, van Dijk distingue que pesquisas sobre gênero, discurso da mídia, discurso político, nacionalismo e questões étnicas como etnocentrismo, antissemitismo e racismo, têm surgido paulatinamente. Relativamente aos estudos críticos sobre o discurso da mídia, por exemplo, o autor conclui que estes estudos têm revelado "imagens preconceituosas, estereotipadas, sexistas ou racistas em textos, ilustrações e fotos" (p. 124). Ao final do capítulo, o autor reconhece o valor teórico e metodológico da ADC, mas atenta para o fato de existirem "muitas lacunas" a serem preenchidas. Primeiramente, aponta para a ausência de explicitação sobre a interface cognitiva entre as estruturas do discurso e aquelas do contexto social nesses estudos. Em seguida chama a atenção para o fato de que os estudos mais linguisticamente orientados sobre o discurso muitas vezes ignoram ora questões acerca do abuso de poder e da desigualdade, ora a necessidade de se desenvolver uma análise de

112 Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões discurso mais detalhada. Fechando a questão, ressalta a importância da integração de várias abordagens para que se chegue "a uma forma satisfatória de ADC multidisciplinar" (p. 131). No quinto capítulo, Discurso e racismo, van Dijk explicita que no mundo contemporâneo a escrita e a fala desempenham um papel salutar na reprodução do racismo e lembra que são as elites que controlam em grande parte o discurso escrito e falado, por exemplo, "em reuniões de gabinete e debates parlamentares, em entrevistas de emprego, em notícias jornalísticas, na publicidade, em aulas, em livros didáticos, em artigos acadêmicos, em filmes ou talk shows" (p. 133). Desse modo, o discurso desempenha um papel capital para a dimensão cognitiva do racismo, na medida em que "as ideologias e os preconceitos étnicos não são inatos e não se desenvolvem espontaneamente na interação étnica. Eles são adquiridos e apreendidos, e isso normalmente ocorre através da comunicação" (p. 135), por meio da conversação cotidiana e dos discursos institucionais. Retomando a questão do controle social pelas elites simbólicas e as estratégias que estas lançam mão para legitimá-lo, acrescenta que os discursos públicos revelam modelos mentais e representações sociais compartilhadas pelas elites que se configuram de acordo com os propósitos, funções ou participantes envolvidos. Dentre essas estratégias, observa-se a estratégia global de autoapresentação positiva e outroapresentação negativa e a polarização "nós" e "eles". Salientando que a negação do racismo é uma das características centrais do racismo contemporâneo, no sexto capítulo, O discurso e a negação do racismo, van Dijk procura examinar as estratégias discursivas de várias formas de negação do racismo em diferentes gêneros discursivos. O autor observa que a negação do racismo assume formas variadas de acordo com situações específicas ou gerais, pessoais ou grupais. Dentre as variadas formas de negação, destaca a defesa (no caso de acusações explícitas ou implícitas, usa-se o argumento da não intencionalidade, como "eu não queria dizer isso"); as mitigações (amenização, minimização ou emprego de eufemismos ao descrever as próprias ações, como "Eu não o ameacei, apenas fiz uma advertência amigável"); ou a reversão (contra-ataque direto e agressivo, como "Nós não somos racistas, eles é que são os verdadeiros racistas"). Esse tipo de discurso pode ser encontrado em todos os níveis da sociedade e em

Revista Língua & Literatura 113 todos os contextos sociais. O sétimo capítulo, Discurso político e cognição política, explora magistralmente a interface entre política, cognição e discurso, levando em consideração que o estudo da cognição política trata das representações mentais compartilhadas pelas pessoas enquanto atores políticos e que estas representações são adquiridas, transformadas ou confirmadas pelo discurso durante nossa socialização por meio da conversação, da educação formal e da mídia. Sua teoria sobre a relação entre discurso político e cognição política tem um elemento crucial que a diferencia de outros estudos sobre o assunto, a saber, os "modelos mentais, que servem como a interface necessária entre as cognições políticas socialmente partilhadas, de um lado, e as crenças pessoais, do outro (p. 202). Assim, van Dijk trata de vários conceitos basilares que compõem a "memória episódica" (formada por experiências pessoais e modelos subjetivos), e a "memória social" (formada por conhecimento, atitudes, ideologias, normas, valores e modelos socialmente compartilhados) que entram em jogo na construção do discurso político. O autor conclui que a fala e a escrita políticas se relacionam ao contexto e ao evento político imediatos, porém o que tem um peso capital são os modelos que os participantes constroem do contexto interacional e comunicativo. Discurso e manipulação, o último capítulo do livro, examina com grande lucidez como, por exemplo, os políticos e a mídia manipulam seus eleitores e leitores por intermédio de algum tipo de influência discursiva ilegítima. Van Dijk associa manipulação com abuso de poder e atenta para a necessária consciência que esse tipo de controle perpassa inicialmente o controle da mente das pessoas (por meio de crenças, conhecimentos, opiniões e ideologias) para, consequentemente, atingir o controle de suas ações. O autor segue argumentando que o lugar em que a manipulação se realiza é o discurso, "em um sentido amplo, incluindo características não verbais como gestos, expressões faciais, layout de texto, imagens, sons, música" (p. 251) e analisa diversas dimensões discursivas da manipulação a partir do exame de um pronunciamento de Tony Blair legitimando a guerra contra o Iraque. A investigação minuciosa do texto revela que, para manipular a opinião pública, o então primeiro-ministro britânico utiliza estratégias como a polarização ideológica (Nós/

114 Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões democratas versus Eles/ditadores); a autoapresentação positiva, evocando a superioridade e credibilidade moral britânica; e a outroapresentação negativa, com acusações que promovem a difamação do inimigo, bem como a descredibilidade de seus opositores políticos. Enfim, o livro Discurso e poder, de Teun A. van Dijk constitui uma leitura capital para estudantes e profissionais da Análise de Discurso, pois problematiza questões de extrema relevância para as relações sociais contemporâneas sob o olhar da linguística crítica, apontando como as relações de dominação se concretizam nas práticas de linguagem cotidianas. Os oito ensaios que compõem o livro oferecem aos analistas modelos de investigação e temas de pesquisa que podem contribuir para a formação de leitores e ouvintes críticos e conscientes do papel do discurso na sociedade, sob uma ótica até então de certa forma negligenciada, a cognição social. Ana Cláudia Barbosa Giraud Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística - Universidade Federal do Ceará (UFC)