A Noção de Lingüística Aplicada como Ciência Horizontal com Interseções. O que hoje se entende por Lingüística Aplicada (LA) ainda é algo sem limites
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- Tomás Bayer Castelo
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1 A Noção de Lingüística Aplicada como Ciência Horizontal com Interseções Danilo L. Brito (UFRJ) O que hoje se entende por Lingüística Aplicada (LA) ainda é algo sem limites bem definidos. Na verdade, é esse o quadro dessa área desde sua origem. Quando da primeira referência ao termo Applied Linguistics (Lingüística Aplicada) 1, pensava-se exclusivamente no ensino de línguas, quadro que, grosso modo, não apresentou mudanças até a década de 1970, quando, apesar da permanência do foco, concebeu-se o sujeito cognitivo como alguém situado política e historicamente. Na verdade, essa mudança não aconteceu por acaso: se antes o entorno do sujeito não era considerado uma vez que o foco na aprendizagem era justificado apenas pela necessidade da geopolítica da época de fazer com que militares aprendessem rapidamente línguas estrangeiras nesse momento, as publicações da obra de Bakhtin fora da antiga União Soviética, bem como uma mudança no quadro político internacional, fazem com que a LA comece a considerar os contextos dos sujeitos em questão. Após o fim da segunda guerra mundial, a chamada guerra fria polariza o mundo, de modo que táticas militares eram pensadas a partir da espionagem. Nesse sentido, era importante que fosse desenvolvido nos EUA uma técnica de rápida aprendizagem de língua estrangeira. O acelerado desenvolvimento da lingüística e conseqüentemente da LA, considerada na época como parte da lingüística se deve ao expressivo investimento do governo norteamericano em pesquisas sobre o aprendizado de línguas. Nos anos 70, uma série de fatores de ordem social, política e cultural (surgimento do movimento hippie, conflitos de grande escala no Oriente Médio, crescimento dos movimentos raciais, movimento feminista etc.) 2 modificam o modo como o aprendiz era visto. 1 Referência constante no título da revista Language Learning: A Journal of Applied Linguistics, publicada em 1948, em Michigan. 2 Hobsbawn, 1997.
2 No entanto, dar conta da abordagem, ou descrição, de diferentes contextos não é algo que diga respeito à lingüística. É então que a LA assume um caráter inegavelmente multidisciplinar, num primeiro momento, isto é, ela acabava por servir de apoio a outras ciências que se preocupavam em analisar, por razões variadas, questões de linguagem. Essa situação não demora, porém, a mudar. A partir dos 1990, a LA inverte o quadro, passado a analisar questões de língua e linguagem laçando mão de conhecimentos de outras áreas. Nesse momento, fala-se já em transdisciplinaridade e em interdisciplinaridade. Esses dois conceitos são de fundamental importância para a compreensão do que hoje se entende por LA. A área em questão é inevitavelmente transdisciplinar, uma vez que a análise contextual só pode ser feita a partir de conhecimentos relativos à antropologia, à etnografia, à sociologia e à história. Os pontos de tangência entre esses campos basicamente configuram a transdisciplinaridade. Por outro lado, a interdisciplinaridade vai além disso, à medida que é estabelecido um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, ou seja, por exemplo, se a pesquisa em LA envolve a história, de forma que as duas áreas se complementam. Esse é, aliás, o caso da minha pesquisa, em que, a partir da análise discursiva de diferentes relatos de viagem sobre a Cidade do Rio de Janeiro feitos por ingleses que por aqui passaram no século XVIII, pretendo estabelecer as relações de cunho ideológico (etnocêntrico) que se escondem nas vozes desses homens. A história não é aqui apenas uma ferramenta, mas, para além disso, ela é basilar nessa pesquisa: na verdade, não é possível dizer se, aqui, é a LA que interfere na história, ou se é a história que auxilia a LA. Sendo assim, as duas áreas se complementam, o que caracteriza o caráter interdisciplinar de tal pesquisa. Além disso, a investigação do discurso etnocêntrico é um possível exemplo do que é já uma forte marca da LA contemporânea. Moita Lopes (2006, 102), atenta para a importância de reposicionar o sujeito em LA e
3 não para o fim do sujeito, como alguns autores pós-modernos insistem. Para ele, essa visão parece crucial em áreas como LA, que têm por objetivo fundamental a problematização da vida social, na intenção de compreender as práticas sociais nas quais a linguagem tem papel crucial. Sendo esse então o foco da atual LA, fica clara a relação desta área do conhecimento com outras áreas afins: junto à filosofia filosofia da linguagem a LA pode dar conta das questões de linguagem, até certo ponto, mas quando chegamos à questão social, não se pode mais deixar de lado os ensinamentos de outras áreas. Para além disso, vale lembrar que não se pode pensar em linguagem sem pensar em vida social (Bakhtin, 2006 e Fairclough, 2001) Considerando o rápido e abrangente desenvolvimento da LA, é natural indagarse sobre sua relação com a lingüística. Pensou-se, conforme já dito, em LA como uma subárea da lingüística. No entanto, se a lingüística teórica está completamente alheia a questões sociais (Rajagopalan, 2006), pensa-se já em uma desvinculação entre as duas áreas. De fato, a LA não é uma subárea da lingüística, como muitos ainda costumam pensar, mas a relação entre essas duas áreas existe ainda no que concerce a própria linguagem: ambas estão preocupadas em entender, com maior ou menor profundidade, seu funcionamento, mas lançando mão de focos inegavelmente diferentes, ora os códigos desse sistema, ora as implicações 3 dos discursos feitos por meio desses mesmos códigos. De todo modo, não se pode negar que a decadência da lingüística (Rajagopalan, 2006), ligada ao contexto sócio-histórico do fim da guerra fria, e o desenvolvimento da LA, relacionada com a maior difusão dos discursos das minorias das vozes do sul, conforme as denomina Moite Lopes, 2006 são fruto de uma mesma mudança paradigmática no contexto mundial, que, com o triunfo da ideologia 3 Quanto digo aqui implicações, penso não somente nas ressonâncias e conseqüências desses discursos, mas em suas motivações e seus contextos de produção e consumo (Fairclough, 2001).
4 capitalista/ocidental sobre a socialista/oriental, despertou para a necessidade de se repensar as relações sociais nessa nova conjuntura. Se pensarmos, portanto, em pesquisa nas áreas humanas dentro desse contexto, fica evidente que somente a interdisciplinaridade pode dar conta disso. Moita Lopes (2006) vai ainda além disso ao propor um caráter indisciplinar em LA, ou seja, a inexistência de limites ou regras nas relações estabelecidas entre as áreas do conhecimento. De todo modo, para além de uma necessidade, essa condição da LA contemporânea corrobora a metáfora de Buckingham (1980, apud Celani, 1992) sobre a LA como ciência horizontal com interseções, ou seja, sem hierarquias entre as áreas interrelacionadas. É justamente a LA a área das ciências humanas que melhor representa essa inter-relação.
5 Referências bibliografias BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, ª ed. CELANI, M. A. A. Afinal, o que é a Lingüística Aplicada. In: PASCHOAL, M.S.Z. e M.A.A.Celani. (org.) Lingüística Aplicada: da aplicação da lingüística à lingüística aplicada transdisciplinar. São Paulo: EDUC, HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras, FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança Social. Brasília, Editora da UnB, MOITA LOPES, Luiz Paulo. Lingüística Aplicada e a vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.). Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, RAJAGOPALAN, Kanavillil. Repensar o Papel da Lingüística Aplicada. In: MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.). Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.
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