CERATOCISTO ODONTOGÊNICO NA MAXILA: RELATO DE CASO Odontogenic keratocyst in the maxilla: report of case Cristiane Matsuo de Oliveira 3 Marina de Oliveira Ribas 1 Santo Gentil Forone 2 Edla Barreto 3 Antonio Adilson Soares de Lima 4 Maria Helena Sousa 5 Ana Maria Correa Braga 5 Resumo Considera-se o ceratocisto odontogênico como derivação da lâmina dental, de restos remanecentes dela ou de um cisto primordial de um dente normal ou supranumerário antes da formação dos tecidos calcificados. Os ceratocistos odontogênicos acometem a mandíbula em 70 a 80% e representam cerca de 5 a 10% de todos os cistos dos maxilares. O presente relato apresenta um caso de ceratocisto odontogênico na maxila e discute aspectos clínico, radiográfico e histológico. Palavras-chave: Ceratocisto odontogênico; Dentes extranumerários; Cistos odontogênicos Abstract The odontogenic keratocysts is thought to be derived from the dental lamina or its remnants or from the primordium of a normal or supernumerary tooth before hard tissue formation. Odontogenic keratocysts involve the mandible in 70-80% and account for only 5-10% of all jaw cysts. The present report a case of a maxillary odontogenic keratocyst and discuss its clinical, radiographic and histopathologic features. Keywords: Odontogenic keratocysts; Supernumerary tooth; Odontogenic cyst. 1 Doutora em Odontologia; Professora de Estomatologia e Cirurgia Bucomaxilofacial da PUCPR. e-mail Mariana.ribas@pucpr.br 2 Mestre em Ciências; Professor de Estomatologia e Cirurgia Bucomaxilofacial da PUCPR. 3 Cirurgiã-Dentista. 4 Doutor em Odontologia; Professor de Patologia Bucal da PUCPR 5 Mestre em Ciências; Professora da PUCPR. 139
Cristiane Matsuo de Oliveira et al. Introdução O ceratocisto odontogênico foi descrito pela primeira vez em 1956 (1). Deriva da lâmina dentária, dos seus restos ou dos primórdios de um dente normal ou supranumerário, antes da formação dos tecidos calcificados (2). Por esta razão, também foram chamados de cistos primordiais. Originando-se antes da formação da coroa do dente, apresenta-se como cisto primordial ou cisto envolvendo um dente com hipoplasia do esmalte dentário (3). São cistos com características particulares, pois apresentam aspectos histológicos específicos, alto índice de recidiva (25% a 62,5%) (4) e comportamento clínico agressivo (5). Em 2005, a Organização Mundial da Saúde reclassificou os ceratocistos como tumores benignos, por causa deste comportamento agressivo e alto índice de recidivas (26). Podem ser relacionados com a síndrome dos nevus basocelulares (síndrome Gorlin & Goltz) (2,3,5-7). São tipicamente assintomáticos, podendo atingir tamanho considerável, uma vez que se desenvolvem num sentido ântero-posterior, dentro do osso esponjoso na cavidade medular (2). Os ceratocistos odontogênicos pequenos comumente são assintomáticos, sendo descobertos somente durante exame radiográfico; os grandes podem causar dor, tumefação ou apresentar drenagem, mas também podem ser assintomáticos (3,8). Podem ser observados em radiografias intrabucais e nas panorâmicas que, embora tenham suas limitações, são de grande valia na descoberta destas lesões. A tomografia computadorizada, por outro lado, permite a avaliação da verdadeira extensão da lesão e sua relação com estruturas anatômicas importantes, auxiliando no planejamento cirúrgico (9,11). O ceratocisto odontogênico apresenta-se como área radiotransparente bem evidenciada, com cortical marginal bem definida. Lesões grandes, particularmente na região posterior e ramo da mandíbula podem-se apresentar multinucleadas. Não são raros os cistos multiloculares que se assemelham ao ameloblastoma, especialmente na mandíbula. Essa característica pode ser útil no diagnóstico diferencial clínico e radiográfico, pois os cistos radiculares e dentígeros de tamanho acentuado encontram-se, comumente, associados à expansão óssea (11,12). O ceratocisto odontogênico apresenta uma cápsula fina e friável, muitas vezes difícil de ser enucleada do osso sem fragmentar-se. A luz do cisto pode conter um líquido claro, semelhante ao transudado do plasma, ou pode estar preenchida com um material caseoso, que submetida ao exame microscópico consiste em restos de ceratina (2,3). Histopatologicamente o epitélio cístico é paraceratinizado, uniforme, composto de cinco a oito camadas de células, que na coloração de HE apresentam intensa basofilia, com a camada basal em paliçada e o limite epitélio mesenquimal plano. Sobrevindo inflamação e infecção, o forramento do cisto tomar-se-á indistinto de um cisto radicular, perdendo suas características típicas. O exame histológico de apenas um fragmento da parede cística poderá levar, portanto, a diagnóstico enganoso (2,4,8,12,13). Relato do caso Paciente masculino, 22 anos de idade, feoderma, procurou a clínica odontológica e foi encaminhado à disciplina de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da PUCPR para extrações de terceiros molares. Ao exame clínico, apresentava discreto aumento de volume na região posterior da maxila esquerda e dor localizada; os terceiros molares apresentavam-se semi-inclusos. Relatou estar em perfeitas condições de saúde, não estar sob medicação e ter sido acometido de febre reumática na infância (sic). A radiografia panorâmica (Figura 1) mostrou dentes extranumerários distalmente aos dentes 18, 38 e 48 e imagem sugestiva de lesão cística na maxila esquerda, região da tuberosidade. 140
Fig. 2 - HE 40x - Observa-se uma parede de fibras colágenas de densidade variável, sendo o epitélio voltado para a luz do cisto estratificado do tipo pavimentoso ceratinizado. Presença de algumas áreas de tecido inflamatório crônico junto ao conjuntivo. O paciente está sob controle anual, sem ocorrência de recidiva da lesão. Discussão Fig. 1 - Radiografia panorâmica região da maxila com a área cística posterior ao 28 e extranumerário junto ao 38. Na tomografia, observou-se lesão cística insuflativa na região alveolar da maxila esquerda, de conteúdo líquido, com elevação e afilamento da parede do assoalho do seio maxilar do mesmo lado e sugestão de rompimento da tábua óssea junto ao 28. Cirurgia: remoção dos dentes extranumerários e dos terceiros molares e curetagem da lesão osteolítica. No ato de remoção do 28, foi realizada a punção aspirativa, obtendo-se líquido citrino. A seguir, realizou-se incisão de Mead com uma extensão do divertículo vestibular anterior para fundo de sulco; ampliou-se a osteotomia para posterior e realizou-se enucleação da lesão cística, onde se pode observar a diferença de espessura da cápsula cística. O diagnóstico histológico foi ceratocisto odontogênico (Figura 2). A mandíbula é afetada em 60 a 80% dos casos de ceratocisto, com acentuada tendência para ocorrer na região posterior e o ramo mandibular (3,5,8). Na maxila, embora seja raro, pode haver comprometimento do seio maxilar. São tipicamente assintomáticos, porém podem atingir um tamanho considerável pela tendência a crescimento em sentido ântero-posterior, dentro do osso esponjoso na cavidade medular (2). Os ceratocistos odontogênicos pequenos geralmente são assintomáticos, sendo descobertos somente durante exame radiográfico; os grandes podem estar associados à dor, tumefação ou drenagem, mas também poderão ser assintomáticos (3). Há nítida predileção pelo sexo masculino (5,8). Presume-se que os ceratocistos derivem da lâmina dentária ou de seus restos, ou dos primórdios de um dente normal ou supranumerário, antes da formação dos tecidos calcificados (2). Devido ao comprometimento do seio maxilar ser relativamente raro, considera-se a tomografia computadorizada indicação indispensável para o planejamento cirúrgico, pois com ela será possível determinar os limites precisos da lesão (9-11). 141
Cristiane Matsuo de Oliveira et al. Com o objetivo de reduzir a alta recorrência do ceratocisto odontogênico, tem-se buscado várias técnicas para prevenção, incluindo ressecções com margem de segurança, aplicação de solução de Carnoy e crioterapia no leito cirúrgico. Os mais conservadores optam pela marsupialização (5,11,15-19). Ao observar o tamanho da área osteolítica e a intimidade com o dente 28 semi-incluso, presume-se a presença de processo inflamatório e maior atividade proliferativa nas células epiteliais de ceratocisto odontogênico inflamado, ser associada ao rompimento da estrutura típica do revestimento do ceratocisto odontogênico (13), situação que contra-indica o tratamento por esvaziamento progressivo da lesão, na técnica de marsupialização. Porém, na marsupialização de ceratocistos odontogênicos, os autores (18) afirmam que, ao exame microscópico, houve mudanças de epitélio paraceratinizado ou ortoceratinizado para epitélio escamoso não queratinizado e hiperplásico após a técnica de marsupialização, recomendando a técnica para grandes cistos e tornando-os preferencialmente menos agressivo. O resultado de estudos sugerem a existência de maior atividade proliferativa nas células epiteliais de ceratocisto odontogênico inflamado, que pode ser associado com o rompimento da estrutura típica do revestimento do ceratocisto odontogênico (13). A positividade de bcl-2 da camada basal do ceratocisto odontogênico poderia apontar para um controle anormal do ciclo celular. A sobre-expressão da proteína de bcl-2 poderia, então, produzir um aumento na sobrevivência das células epiteliais, e, em troca, isso aumentaria a duração, conduzindo ao padrão de crescimento agressivo peculiar do ceratocisto odontogênico (14). Frente às dificuldades cirúrgicas no tratamento do ceratocisto odontogênico, é imperativo estabelecer o diagnóstico antes que um tratamento definitivo seja iniciado. Deve-se examinar um aspirado do conteúdo cístico em busca de escamas ceratinizadas. No entanto, elas não são patognomônicas do ceratocisto odontogênico, uma vez que a ceratina poderá estar presente em outros cistos e tumores odontogênicos. A eletroforese do conteúdo cístico demonstra que os ceratocistos possuem baixo nível de proteínas solúveis. Níveis menores de 3,5 g/dl sugerem fortemente o diagnóstico de ceratocisto. Porém, o único método confiável para o estabelecimento de diagnóstico é o exame microscópico da membrana cística (20). O prognóstico para o ceratocisto odontogênico é bom, apesar da tendência à recidiva. A maioria das recidivas apresentou-se dentro de 5 anos, mas há casos que aconteceram até mesmo após 25 anos (19). É, pois, necessário o controle clínico e radiográfico por períodos prolongados. A recidiva ocorre mais no ceratocisto odontogênico da mandíbula, principalmente na região posterior do corpo e no ramo mandibular (3). Referências 1. Philipsen HP. Om keratocyster (kolesteatom) I kaeberbe. Tandlaegebladet 1956;60:963-80. 2. Cawson RA, Binnie WH, Eveson JW. Atlas colorido de enfermidades da boca. Correlações clínicas e patológicas. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas; 1997. Neville BW, Dann DD, Allen CM, Bouquot JE. Patologia oral & maxilofacial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. 3. Kramer IRH, Pindborg JJ, Histological typing of odontogenic tumors. 2 ed. Geneva: Whord Health Organization; 1992. 4. Meara JG, Shah SS, Li KK, Cunnigham M. The odontogenic keratocyst: a 20-year clinicopathologic review. Laryngoscope 1998; 108: 280-283. 5. Barreto DC, Chimenos EK. New considerations about the diagnosis of odontogenic keratocyst. Med Oral 2001; 6: 350-357. 6. Lo Muzio L et al. Expression of cell cycle and apoptosis-related proteins in sporadic odontogenic keratocysts and odontogenic keratocysts associated with the nevoid basal cell carcinoma syndrome. J Dent Res 1999; 78: 1345-1353. 7. Reichart PA, Philipsen HP. Patologia Bucal. Porto Alegre: Artmed; 2000. 8. Marzella ML, Poon CY, Peck R. Odontogenic keratocyst of the maxilla presenting as periodontal abscess. Singapore Dent J 2000; 23 Suppl 1: 45-8. 9. Cotti E,Vargiu P,Dettori C, Mallarini G. 142
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