PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social AS (IM) POSSIBILIDADES DE REINSERÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL

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Transcrição:

AS (IM) POSSIBILIDADES DE REINSERÇÃO SOCIAL NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL Carina Furlaneto Frazatto* (Doutoranda, Bolsista CNPq, Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social, PUC-SP, Brasil); Bader Burihan Sawaia (Docente do Programa de Estudos Pósgraduados em Psicologia Social, PUC-SP, Brasil). contato: caryfrazatto@hotmail.com Palavras-chave: Atenção Psicossocial. Reforma Psiquiátrica. Saúde Mental. A expressão reinserção social é encontrada de forma recorrente em publicações provenientes do campo da saúde mental. Refletir criticamente sobre esse conceito e alguns de seus desdobramentos no enfrentamento dos desafios à consolidação da reforma psiquiátrica no Brasil é o objetivo deste texto. A reflexão aqui empreendida é parte de uma pesquisa de doutorado, que se encontra em sua fase inicial e faz parte do Núcleo de Estudos sobre a Dialética Exclusão/ Inclusão (NEXIN) da PUC-SP. Nosso referencial teórico materialismo histórico dialético prevê que o objeto deve ser considerado para além da aparência fenomênica, imediata e empírica, e, embora esta seja importante e abarcada pelo pesquisador, o objetivo é, sobretudo, apreender a essência do objeto, ou seja, sua estrutura e dinâmica (Paulo Netto, 2011). Partindo do nosso objeto de estudo, a reinserção social, começamos por buscar entender em que ela consiste, ainda que por ora, apreendendo apenas sua aparência fenomênica e algumas de suas mediações. A definição de reinserção social por si já é complexa. Ao recorrermos ao dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2015), encontramos que reinserção expressa o ato ou efeito de reinserir, sendo que reinserir indica inserir de novo ; e, por sua vez, inserir significa fazer penetrar, implantar, introduzir; incluir-se num conjunto, integrar, intercalar; estar colocado ou implantado; fazer parte de (um contexto). Ou seja, considerando a última frase desta definição, reinserir seria voltar a fazer parte de um dado contexto. Entendida dessa forma, a reinserção social pode até ser compreendida, por ora, no campo da saúde mental como um retorno físico e concreto de alguém que foi inicialmente retirado de onde vive e isolado em uma instituição psiquiátrica, para então, posteriormente, retornar ao seu lugar de origem. Defender o retorno à comunidade é um princípio básico da reforma psiquiátrica, movimento social que, em meados da década de 70 no Brasil, critica a forma violenta de

tratamento oferecida pelos hospitais psiquiátricos e propõe a criação de serviços para atuar em rede no território e na comunidade (Brasil, 2010). Como um dos avanços promovidos por esse movimento, a aprovação da lei federal 10.216 de 6 de abril de 2001 redirecionou o modelo de cuidado em saúde mental, antes centrado nos hospitais, para uma rede de serviços extrahospitalares (Brasil, 2001). Contudo, se o cuidado, a partir de então, deve ser feito em serviços extra-hospitalares, a pessoa não deveria sair da comunidade, e se não sai, porque se fala em reinserção? Em que momento ela não esteve inserida? Ou seja, considerando aquela definição inicial de que reinserção seria voltar a fazer parte de um contexto, e se a proposta é cuidar sem isolar, a pessoa em sofrimento psíquico não deve sair da comunidade e se não sai, não carece ser reinserida. Então, já há uma contradição na raiz etimológica do conceito. Há que se considerar que quando apresentamos tais ressalvas em relação ao isolamento da pessoa em sofrimento psíquico, não estamos negando que, em alguns momentos, a internação é necessária, entretanto, defendemos que ela seja feita em hospital geral, por menor período possível, em local próximo, evitando ao máximo romper o vínculo familiar e comunitário. Outra contradição da expressão reinserção social repousa no uso do prefixo re, primeiro, por dar a conotação de que havia uma inserção prévia que foi perdida com a condição de sofrimento psíquico, inserção questionável, dado a sociedade capitalista em que vivemos. Segundo, porque concebe o sofrimento psíquico como descolado do contexto no qual emergiu, afirmando uma dicotomia entre indivíduo e comunidade, por meio da qual tal sofrimento é problema do sujeito, assim, este precisa ser ajustado e, quando, pronto, devolvido à comunidade, enquanto lócus harmônico. A reinserção social da pessoa em sofrimento psíquico, portanto, pode ser interpretada como a defesa da intervenção apenas no indivíduo ajustando-o para devolvê-lo ao meio social (quando nem deveria ter saído). Se o problema, então, repousa sobre o indivíduo, basta um movimento para que ele seja empurrado ao isolamento; a intervenção direcionada somente a ele pressupõe uma sociedade harmoniosa, que não tem relação com a loucura, que não precisa ser trabalhada / modificada e que está em perfeito funcionamento. Esses pressupostos são contrários aos princípios da reforma psiquiátrica, que repudiam, em absoluto, o isolamento como prática terapêutica. Dessa forma, a defesa por reinserção social no campo da saúde mental está muito mais associada a uma noção de Psicologia adaptativa, do que ao rompimento com práticas legitimadas neste campo.

Dimenstein (2000, p. 102) citando Yamamoto explica que: De forma sucinta, pode-se dizer que a Psicologia cresceu comprometida com o capital e o consumo servindo principalmente de suporte científico das ideologias dominantes e de auxílio na perpetuação do status quo ao longo do seu percurso de legitimação social. Esses aspectos estão presentes no Decreto 53.464 de 20 de janeiro de 1964 (responsável por regulamentar a Lei 4.119/62 que dispõe sobre a profissão do psicólogo), demonstrando que esta profissão preza pela adaptação dos indivíduos, conforme previsto no artigo 4º, que inclui dentre as funções do psicólogo: a solução de problemas de ajustamento (Brasil, 1964). Defender reinserção social nos parece, portanto, um retrocesso. Com essas críticas e apontamentos não queremos negar a importância dos avanços do movimento antimanicomial, pelo contrário, essa pesquisa se propõe a colaborar para que eles se efetivem e avancem nessa direção. Partilhamos com Mello & Patto (2012) da necessidade de revisão conceitual e da reflexão sobre a ciência que praticamos, para superar a fossilização das ideias eugenistas e higienistas, buscando conceitos que garantam a intencionalidade da reforma psiquiátrica enquanto a negação da lógica manicomial. É necessário, portanto, além de discutir a elaboração de políticas públicas junto ao Estado e de rever a prática cotidiana dos profissionais, revisar os conceitos, observando se eles não carregam em si a lógica manicomial. Amarante (2003) alerta que o processo de reforma psiquiátrica tem sido reduzido às questões técnico-assistenciais, no entanto, estas seriam apenas uma das seguintes quatro dimensões descritas por ele como componentes de tal processo: 1) epistemológica, ou teórico conceitual, aquela que se refere ao campo da construção dos saberes sobre a loucura; 2) técnicoassistencial, que se refere ao exercício do cuidado à loucura; 3) jurídico-político, que perpassa as noções de periculosidade, incapacidade, irracionalidade e irresponsabilidade civil; 4) sociocultural, que diz respeito à transformação do lugar social da loucura. Entendemos que todas essas dimensões estão ligadas entre si e devem funcionar de modo articulado, porém, dado os limites desse texto, aqui direcionamos o nosso olhar à epistemológica na medida em que discutimos o conceito de reinserção e sua interface com o movimento de reforma psiquiátrica. Atuar nessa interface exige que se coloque a pessoa em sofrimento psíquico como parte de um contexto social e histórico, sem perder a crítica social de que a sociedade capitalista é caracterizada pela dialética exclusão/inclusão, ou seja, de que a sociedade exclui

para incluir, promovendo diferentes formas de inclusão perversa do ponto de vista da justiça, da desigualdade social e do sofrimento (Sawaia, 2014). Assim, não basta retirá-lo do hospital e colocá-lo na comunidade, mas compreender a contraditoriedade que constitui esta relação, para planejar possíveis ações. Essas ações, portanto, devem contemplar o meio onde ele vive, o exercício do cuidado por meio de uma rede de serviços, tendo a intersetorialidade como estratégia, priorizando o trabalho extra-muros dos serviços de saúde mental e considerando, sobretudo, a comunidade como parte da assistência em saúde mental. Buscando com isso ir além da reinserção social, ou seja, superando a lógica do cuidado centrada no indivíduo e no isolamento, atuando nessa relação entre o sujeito que sofre e o corpo social, pois o (...) cuidar significa ocupar-se aqui e agora, de fazer com que se transformem os modos de viver e sentir o sofrimento do paciente e que, ao mesmo tempo, se transforme sua vida concreta e cotidiana, que alimenta este sofrimento (Rotelli, Leonardis & Mauri, 2001, p. 33, grifo do autor). Referências Amarante, P. (2003). A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. In: AMARANTE, Paulo (Org.). Arquivos de Saúde Mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: NAU Editora. Brasil. Ministério da Saúde. (2010). De volta para casa: De volta para casa já atinge 537 municípios e tem mais de 3.500 beneficiados. Recuperado em 30 março, 2010, de http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29814&janela=1 Brasil. (2001). Lei nº 10.216. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Presidência da República: Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Recuperado em 20 junho, 2014, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm Brasil. (1964). Decreto 53.464. Regulamenta a Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre a profissão de psicólogo. Brasília, DF: Presidência da República: Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Recuperado em 20 março, 2015, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/d53464.htm Dimenstein, M. (2000). A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista:implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia, 5(1), p. 95-121. Inserir (2015). In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Recuperado 13 de março de 2015 de http://www.priberam.pt/dlpo/reinser%c3%a7%c3%a3o Mello, S. L. de & Patto, M. H. S. (2012). Psicologia da violência ou violência da psicologia? In PATTO, M. H. S. (org) Formação de psicólogos e relações de poder: sobre a miséria da psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Paulo Netto, J. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular. Reinserção (2015). In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Recuperado 13 de março de 2015 de http://www.priberam.pt/dlpo/reinser%c3%a7%c3%a3o Reinserir (2015). In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Recuperade 13 de março de 2015 de http://www.priberam.pt/dlpo/reinserir Rotelli, F., Leonardis, O. de & Mauri, D. (2001). Desinstitucionalização (2ª ed.). São Paulo: Hucitec. Sawaia, B. (2014). Introdução: exclusão ou inclusão perversa? In: Sawaia, B. (org). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 14ª ed. Petrópolis: Vozes.