Imigração e refúgio no Brasil e no mundo hoje: a hora e a vez dos museus

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Transcrição:

Imigração e refúgio no Brasil e no mundo hoje: a hora e a vez dos museus Marília Bonas Diretora Executiva do Museu da Imigração do Estado de São Paulo Museus no Brasil: história, imigrações e identidade Os museus surgiram no mundo a partir de uma lógica de colecionismo enciclopédico, baseados em conjuntos de objetos que materializavam em sua amostragem aspectos científicos ou construções ideológicas, entre a beleza e a instrução. No Brasil, eles nascem no fim do século XIX e início do XX, aliados à Academia e às elites intelectuais nacionais. No caso dos museus de história e a construção da identidade nacional, o Museu Paulista (1895) e o Museu Histórico Nacional (1922) são duas das grandes instituições constituídas seguindo moldes europeus e, ao longo de sua história, se desenvolveram meio às discussões acadêmicas sobre o campo da história e da cultura material, lidando de maneiras distintas com o desafio de transpor - ainda que em pequena escala frente à sua vultosa produção científica - pesquisas e produtos para seus públicos visitantes. Já os museus de cidade e de imigração brasileiros são um fenômeno bem mais recente. No caso dos museus da imigração, foram constituídos em sua maioria a partir da década de 1980/1990, da ideia de valorizar a contribuição de imigrantes do século XIX e XX à transformação das cidades das cidades e estados brasileiros. Em sua gênese, constam aspectos especialmente complexos para a sociedade contemporânea: o típico, o folclórico ou a mensuração da contribuição cultural de imigrantes vinculada a seus aspectos de origem cultural e não sua relação com a sociedade brasileira. Muitos museus, em especial os de menor porte, nasceram do reconhecimento a imigrantes politicamente proeminentes, numa narrativa que raramente aborda os contextos políticos, econômicos e sociais que possibilitaram a ascensão de tais personagens. Em museus de cidade ou de imigração, o mais recorrente é que o imigrante valorizado nesse contexto, no Brasil, seja europeu, branco e católico - ainda que existam museus ligado à contribuição dos japoneses e, em menor escala, a imigrantes de origem árabe. As coleções preservadas nessas instituições, no entanto, são extremamente ricas e, por sua natureza, ampliam a ideia presente nas narrativas expográficas do que é o patrimônio imigrante no Brasil: objetos cotidianos, do trabalho, lazer, das celebrações, religiões e, claro, muito do considerado típicos de culturas de origem. Tal material dispõe de camadas e camadas de informação e significado ligados à vida, adaptação, herança, identidades plurais e afetos que compõem a diversidade brasileira, num rico manancial para tais museus. Como instituições de preservação de seu tempo, ao longo de sua história, estes museus acompanharam ou traduziram tendências políticas e identitárias e chegaram, hoje, a um mundo contemporâneo hiperconectado, fragmentado e hipertextual. Se o conhecimento científico hoje é transpassado pela interdisciplinaridade, não linear, o que podemos dizer, então, das identidades? Quais são os desafios e novas possibilidades destes museus hoje? As expectativas sobre museus no Brasil ou a ausência delas

Arte, ciência, história, sociedade: independente da tipologia, o engajamento do público brasileiro com seus museus, comparado com outros países, é ainda bastante baixo. Em uma pesquisa realizada entre 2015 e 2016 1 sobre os hábitos culturais do Estado de São Paulo, na capital considerada a meca da programação cultural do país - dentre as pessoas entrevistadas, só 26% realizam atividades culturais no seu tempo livre; dessa porcentagem, somente 20% foram a museus. No total, 52% dos entrevistados disseram não visitar museus por não ter interesse. Ainda que desde a década de 1970 o país tenha ações pioneiras na frente de educação em museus e o público escolar seja numericamente muito expressivo dentro do total de visitantes, nunca houve uma parceria duradora com ministérios, secretarias estaduais ou municipais de educação. Mesmo passados dez anos de florescimento, enriquecimento em várias perspectivas e diversificação de programações, os museus não são, até hoje, opções visíveis ou viáveis para a maior parte da população brasileira. As expectativas institucionais a respeito dos museus, em grandes esferas, também não são grandes. As parcas verbas, os contínuos cortes e a dificuldade em se pensar uma política de estado para a área da cultura, como um todo, deixam tais instituições em segundo plano nos grandes projetos políticos, mesmo com o sucesso da emulação de modelos catapultadores de revitalização urbana, como é o caso do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. O lugar modesto ocupado pelos museus na sociedade brasileira, no entanto, representa uma oportunidade única em comparação a outras instituições e outros contextos culturais: temos, nesse ambiente, liberdade de proposição. Dada essa relativa invisibilidade institucional, há pouca interferência real nos discursos museológicos por parte de governos e partidos políticos. A expectativa do público em relação a programas e projetos se pautam na boa experiência aliada a um tanto de conhecimento. Profissionalmente, no universo da gestão, é evidente que há questões prementes: orçamento, captação de recursos, crescimento de visitação, diversificação de públicos e, acima de tudo, a luta pela construção de uma cultura museológica no país. No entanto, é importante lembrarmos que conceitos como pertencimento, engajamento, construção de empatia e ações colaborativas circulam, essencialmente, no campo das expectativas dos museus e parceiros da área da cultura e não da maior parte dos seus públicos. Assim, com todos os desafios práticos, no tal mundo hipertextual, hiperconectado e cheio de abismos sociais, os museus tem ferramentas privilegiadas e todo um campo de atuação no qual vem se especializando historicamente: conectar pessoas e oferecer experiências únicas por meio de suas coleções, de ordem material ou imaterial, criando a oportunidade de reflexão sobre seu tempo e suas heranças. Hoje, tal expertise ultrapassa os muros da instituição, expandindo-se no mundo digital, servindo a novos interesses e maneiras de se relacionar. Museus de cidade e imigração: conexão global no worskshop Migration: Cities (Im)migration and Arrival Cities 1 Dados extraídos da pesquisa realizada pela empresa J. Leiva, acessíveis em http://www.pesquisasp.com.br/

Se considerarmos que o tema da imigração no mundo é dos mais complexos e espinhosos na medida em que toca desde as questões identitárias às ligadas a território, emprego e circulação de capital, os museus não só no Brasil, mas no mundo, são hoje a instituição ideal para abordar o assunto. Assim, o CAMOC International Comittee for the Collections and Activities of Museums of Cities com a experiência acumulada no tema depois dos encontros e workshops de Moscou, Glasgow (2015) e na Conferência Geral do ICOM em Milão (2016) - organizou o workshop Migration: Cities (Im)migration and Arrival Cities para refletir a esse respeito. Realizado em Atenas, o workshop reuniu, em um fórum privilegiado, profissionais das mais diversas instituições museus, ONGs, associações para discutir experiências, estratégias e possibilidades de articulação internacional sobre o tema. Além da escuta de profissionais que atuam diretamente com imigrantes e refugiados, foram convidados professores que refletem sobre o tema e sua relação com a cidade, visitas a instituições de diversas naturezas que lidam diretamente com esses e os mais variados públicos. Das experiências nas cidades de passagem como Atenas ou de destino como Frankfurt, Milão e em menor escala, São Paulo - surgiram questões essenciais e novos caminhos, além da discussão do que implica assumir que museus cumprem uma função social insubstituível no mundo contemporâneo. Ao longo de três dias de trabalho intensos, premissas e estratégias foram consensuadas, bem como apresentado o incrível projeto de plataforma digital de compartilhamento de experiências e expertises sobre o tema. Essencialmente, todos acreditamos que falar de imigração e refúgio é falar da experiência humana de se deslocar em busca de sobrevivência ou de uma vida melhor; que o imigrante se constrói na cultura de origem, se reconstrói na cultura de destino e que esse processo enriquece socialmente as cidades e todos os seus habitantes; e, por fim, que a diversidade é o maior ativo cultural de uma sociedade. Partindo desses pressupostos, o papel dos museus em relação ao tema se desdobra em duas frentes desafiadoras, distintas e complementares. A primeira delas é envolver tais populações em suas ações museológicas como sujeitos (seja em projetos de história oral, programas educativos, experiências curatoriais ou mesmo visibilizando sua presença e contribuição em exposições, por exemplo). Para tanto, é essencial compreender suas questões e experiências no dia-a-dia das cidades em que habitam. Os museus, nessa linha, têm de entender até onde podem ir, investindo na estruturação de uma rede de parceiros para construir coletivamente ações que realmente façam diferença na vida dessas pessoas. É essencial, também, que os museus busquem garantir a presença de múltiplas vozes dentre os diversos grupos. A segunda frente é pensar estrategicamente ações e projetos que visam aumentar o entendimento das dinâmicas migratórias e seus desafios nas cidades de destino, nos mais diversos níveis. Tal estratégia busca construir empatia em relação aos desafios de ser imigrante junto a públicos mais refratários ao tema, e que eventualmente tenham uma relação mais conservadora, circunstancial ou até que não visitem museus. Em suma, um dos maiores desafios dos museus em relação ao tema da imigração e refúgio (ou dos direitos humanos, em geral) é não falar somente para pares, pregar para convertidos mas, claro, sempre contar com eles e sua possibilidade de amplificação das ações.

A onda conservadora e xenófoba no mundo calca-se no medo: do outro, da diferença, da perda de privilégios, da ameaça à identidade individual ou de um grupo. Contra o medo, a informação: aos museus de cidade e de imigração, cabe apresentar o histórico da construção das identidades nacionais e a presença de diversos grupos nesse contexto, usando de pontos de identificação culturalmente estabelecidos e buscando outros em construção; trazer histórias individuais do passado e aproximá-las das histórias do presente, fragilizando préconceitos; apresentar a riqueza das mais diversas religiões e práticas e as bases positivas que as unem, localizando o extremismo como exceção e não regra. Museu da Imigração: experiências e desafios para o futuro O Museu da Imigração de São Paulo tem, desde sua reabertura, realizado um processo intenso de discussão de seu papel na cidade e atua diretamente com mais de 40 comunidades de imigrantes e descendentes em todas as suas áreas. Para além da Festa do Imigrante, realizada há 21 anos pelas comunidades com a produção do Museu, contamos hoje com o sucesso de programas como o Temperos do Mundo no qual membros da comunidade compartilham com o público suas receitas - e, hoje, o projeto Viva! uma festa temática voltada à uma cultura nacional em cada edição, com música, dança, artesanato e gastronomia. Nas frentes de pesquisa, preservação e curadoria, são muitas ações realizadas pelo Museu da Imigração com participação direta de migrantes, imigrantes e descendentes. Uma parte do desenvolvimento da política de acervo da instituição se baseia na articulação das comunidades para discussão sobre representatividade de objetos ligados à sua origem e experiência (projeto Encontros com Acervo ) e há uma crescente demanda de cessão de espaço para aulas de português e reuniões de grupos em defesa aos direitos imigrantes, graças à articulação das equipes junto a tais grupos. Continuamos, também, a aperfeiçoar as dinâmicas de curadorias colaborativas, ampliando convites de participação via mídias sociais e investindo no diálogo com parceiros da área (como nas exposições Cartas de Chamada e Atenção, O caminho das coisas, Direitos Migrantes: nenhum a menos, Migrações à Mesa e a próxima exposição nesses moldes, Acessório e Adornos do Corpo ). No entanto, com todo o sucesso, a equipe do Museu da Imigração tem sido crítica a seus processos, passados dois anos e meio da reabertura, ao evitar, do discurso à prática, resvalar num messianismo vazio no trato direto com imigrantes e refugiados os quais, no Brasil, na ausência de uma política clara e atual, tem questões prementes de sobrevivência em relação às quais o museu tem pouca possibilidade de atuação para além da informação. Avaliamos, nesses anos, que a militância explícita do museu sobre o tema atrai aliados e consolida sim, entre eles, o papel da instituição na defesa de direitos. No entanto, como compartilhado no workshop em Atenas, a estratégia de incluir tal posicionamento em programações variadas como foco no lazer, entretenimento e uso do espaço - tem aberto novas janelas de diálogo com públicos não afeitos a discussões dessa natureza. Assim, ao Museu da Imigração do Estado de São Paulo, aos museus de cidade e todos os que se disponham tratar do tema de migração e refúgio, cabe não só garantir as múltiplas vozes, mas usá-las para falar também para múltiplos públicos, sem a pretensão de converter ou engajar todos eles em suas causas. Cabe a nós darmos protagonismos a imigrantes e

refugiados em nossas ações internas e externas e, junto aos diversos públicos, informar, contextualizar e disponibilizar o conhecimento produzido a respeito, sem nunca menosprezar a força de sua experiência, seu prazer em se relacionar com objetos e repertórios afetivos do passado, convidando e não conduzindo a uma reflexão sobre o presente e o futuro.