SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Victor Giraldo victor.giraldo@ufrj.br Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática UFRJ
SABERES DOCENTES Qual é o saber de matemática necessário para o ensino?
SABERES DOCENTES Em seu trabalho pioneiro, Lee Shulman distingue três categorias de saberes ligados ao ensino: saber de conteúdo conhecimento teórico disciplinar do conteúdo saber curricular conhecimento de princípios gerais do ensino saber pedagógico de conteúdo conhecimento do conteúdo para o ensino SHULMAN, L. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational Researcher, v. 15, p. 4-14, 1986.
SABERES DOCENTES Na categoria de saber pedagógico de conteúdo, o autor inclui: escolha dos tópicos mais regularmente ensinados, as formas mais usuais de representação, as analogias mais poderosas, ilustrações, exemplos, explicações e demonstrações em suma, as maneiras de representar e formular a matéria que a tornam mais compreensíveis para outros. SHULMAN, L. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational Researcher, v. 15, p. 4-14, 1986.
SABERES DOCENTES Desta forma, o saber pedagógico de conteúdo incorpora aos aspectos do conteúdo que o articulam a um contexto de ensino. Assim, o saber pedagógico de conteúdo referese a um tipo de conhecimento sobre o próprio conteúdo e não sobre aspectos didáticos, psicológicos e sócio-culturais da educação. SHULMAN, L. Those who understand: Knowledge growth in teaching. Educational Researcher, v. 15, p. 4-14, 1986.
SABERES DOCENTES Contribuições mais recentes: Li-Ping Ma: Profound Understanding of Fundamental Mathematics (PUFM) Deborah Ball & Hyman Bass: Mathematics Knowledge for Teaching (MKT) Brent Davis: Mathematics for Teaching (M4T)
SABERES DOCENTES Ball (1988) chama atenção para aspectos do saber pedagógico de conteúdo que não podem ser contemplados somente pelas disciplinas de Matemática avançada ou pelas disciplinas de conteúdo pedagógico. A autora identifica e põe em cheque três suposições assumidas tacitamente na concepção dos currículos dos cursos de formação de professores de Matemática nas universidades estadunidenses. BALL, D.L. The subject matter preparation of prospective mathematics teachers: Challenging the myths. National Center for Research on Teacher Education, College of Education, Michigan State University, 1988. Disponível em: http://ncrtl.msu.edu/research.htm
SABERES DOCENTES (1) Tópicos básicos da Matemática escolar são comumente entendidos por aqueles que concluem a escola. (2) Sendo assim, tais tópicos não precisam ser reaprendidos pelos futuros professores. (3) O estudo de Matemática universitária equipará os futuros professores com uma profunda e ampla compreensão do conteúdo da Matemática da escola. BALL, D.L. The subject matter preparation of prospective mathematics teachers: Challenging the myths. National Center for Research on Teacher Education, College of Education, Michigan State University, 1988. Disponível em: http://ncrtl.msu.edu/research.htm
SABERES DOCENTES Subjacentes a estas suposições, está a idéia de que o saber de conteúdo necessário para o ensino na escola básica pode ser reduzido ao saber-fazer e de que o saber do professor é o mesmo dos alunos ao terminar a escola. Isto levaria logicamente à conclusão de que o curso universitário de formação de professores de Matemática seria absolutamente desnecessário eles estariam suficientemente equipados para o ensino ao concluírem a escola básica. BALL, D.L. The subject matter preparation of prospective mathematics teachers: Challenging the myths. National Center for Research on Teacher Education, College of Education, Michigan State University, 1988. Disponível em: http://ncrtl.msu.edu/research.htm
SABERES DOCENTES Embora a pesquisa em educação matemática venha buscando caracterizar o saber matemático necessário para o ensino com base na análise de dados empíricos, não há consenso na literatura sobre que aspectos caracterizam o saber pedagógico de conteúdo, ou sobre como avaliar a sua aquisição. Entretanto, há poucos estudos que enfoquem o planejamento de atividades com o objetivo de motivar o desenvolvimento do saber pedagógico de conteúdo
AMBIENTES COMPUTACIONAIS Ambientes computacionais, como os de Geometria Dinâmica (GD) e os Sistemas de Computação Algébrica (CAS), permitem que os estudantes investiguem propriedades, exemplos e contra-exemplos, de tal forma que sua percepção da existência dos objetos pode mudar consideravelmente de perspectiva. De fato, esta tem sido apontada por muitos autores como uma das principais virtudes do uso de ferramentas computacionais em ensino de matemática.
AMBIENTES COMPUTACIONAIS Arcavi e Hadas (2000) apresentaram uma revisão de literatura internacional de pesquisa em educação matemática, destacando algumas potencialidades de ambientes de GD: visualização, experimentação, surpresa, resposta da máquina, necessidade de demonstração. Segundo os autores, esses fatores permitiram que os estudantes percebessem sutilezas teóricas do problema, que de outra forma poderiam permanecer ocultas. ARCAVI, A.; HADAS, N. Computer mediated learning: an example of an approach. International Journal of Computers for Mathematical Learning, v. 5, p. 25-45, 2000.
AMBIENTES COMPUTACIONAIS Yerushalmy (1997) comenta que a abordagem do professor em um ambiente tipo CAS, que valorizava ciclos de construções dos estudantes e dilemas motivados pelo programa de computador, ajudou a tornar os estudantes explicitamente conscientes de dificuldades e complexidades epistemológicas do conceito de infinito. YERUSHALMY, M. Reaching the unreachable: technology and the semantics of asymptotes. International Journal of Computers for Mathematical Learning, v. 2, p. 1-25, 1997.
AMBIENTES COMPUTACIONAIS Doerr & Zangor observam que a maioria dos estudos sobre uso de calculadoras gráficas buscam responder a questão se esses instrumentos são ou não efetivas em atingir os mesmos objetivos instrucionais das abordagens tradicionais de lápis e papel. Muitos destes estudos comparam o uso de calculadoras gráficas com o uso de lápis e papel no mesmo conjunto de atividades, dando apenas um enfoque limitado sobre como e por que os estudantes usam calculadoras gráficas no contexto instrucional. DOERR, H.M. & ZANGOR, R. 2000. Creating meaning for and with the graphing calculators. Educational Studies in Mathematics, 41 (2), pp. 143-163.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Articulando conteúdos. Hazzan e Goldenberg (1996) assinalam que ambientes computacionais possibilitam a identificação de semelhanças em contextos matemáticos aparentemente distintos e de diferentes representações de um mesmo objeto matemático. Neste sentido, Arcavi e Hadas (2000), chamam atenção para a importância destes ambientes na construção de relações entre tópicos da matemática que em muitos casos aparecem separados na escola e nos cursos de formação inicial de professores no caso, geometria e funções.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Articulando representações. Arcavi & Hadas (2000) comentam que ambientes de GD permitem a experiência dinâmica direta com relações de dependência funcional entre objetos geométricos e com a variação entre grandezas, sem a medição das formas usuais de representação de funções (fórmulas, gráficos, tabelas). Além disso, com ambientes computacionais é possível estabelecer correlações entre formas de representação, diferentes daquelas possíveis com outros meios e encontradas usualmente, por exemplo, em livros didáticos.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Generalização e argumentação. Diversos autores (e.g. HADAS et al., 2000) destacam a potencialidade de ambientes computacionais em motivar a necessidade do estabelecimento de demonstrações matemáticas, através da verificação dinâmica de conjecturas mediada, por exemplo, pela ferramenta de arrastar em GD.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS O papel do professor. Por outro lado, outros autores (e.g. JONES, 2000 e MARIOTTI, 2002) argumentam que justamente a facilidade da verificação dinâmicas de conjecturas pode criar nos estudantes uma certeza de sua validade a ponto de causar a impressão de que demonstrações matemáticas são dispensáveis acarretando um efeito oposto ao descrito no item anterior. Este argumento não deixa dúvidas sobre o papel fundamental do professor no uso de ambientes computacionais: uma mesma atividade computacional pode ter efeitos opostos, que são determinados não pela atividade em si, mas pela atividade em si, mas pela abordagem pedagógica.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Contradição e surpresa. Uma das respostas à polemica descrita nos dois itens acima é proposta por Hadas et al. (2000), dentre muitos outros autores. Segundo estes, para que o efeito da verificação de conjecturas seja a motivação da necessidade por demonstrações, é preciso que os estudantes lidem com situações em que os resultados são inesperados ou contrários à intuição.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Desvelando a complexidade. Yerushalmy (1997) observa que a abordagem com suporte do computador pode ajudar a tornar os estudantes explicitamente conscientes de dificuldades e complexidades epistemológicas que poderiam passar despercebidas. De forma semelhante, Arcavi & Hadas (2000) comentam que a relação particular entre as representações e o fato dos estudantes não precisarem efetuar manipulações algébricas longas permitiu que o foco de sua atenção, que poderia estar preso na própria manipulação algébrica, se focasse em sutilezas teóricas dos conceitos, que de outra forma poderiam permanecer ocultas.
SABERES DOCENTES E AMBIENTES COMPUTACIONAIS Um mundo matemático. Talmon e Yerushalmy (2004) observam que as representações computacionais são governadas por leis matemáticas, que se revelam na experiência dos estudantes e que não podem ser evitadas por eles. Este é um aspecto que as diferencia representações computacionais daquelas construídas em lápis e papel. Na experiência relatada por Healy e Sinclair (2007), apesar das metáforas utilizadas serem fortemente calcadas na experiência concreta e sensorial familiar aos participantes, eles reconheceram que seus personagens não eram regidos pelas mesmas leis físicas e culturais que governam o mundo sensível mas sim por leis matemáticas.
REFERÊNCIA O conteúdo desta apresentação é discutido em maiores detalhes no texto: Giraldo, V. & Muruci, M. (2010). Funções reais em ambientes de geometria dinâmica: tecnologia e saberes docentes. In: Jahn, A.P. & Allevato, N. (orgs.), Tecnologia e Educação Matemática: Ensino, Aprendizagem e Formação de Professores. São Paulo: SBEM, 2010, pp. 163-184.
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