1 Roteiro de Áudio Episódio 1 Piadas Programa Quem ri seus males espanta SOM: vinheta de abertura. Bom dia, amigos de todo Brasil! No ar, na rádio DIFUSÃO, em mais umprograma Quem ri seus males espanta. O nosso convidado de hoje é o professor de português Euler Tudor. E como a proposta do nosso programa é refletir sobre a língua de uma maneira divertida, convidamos também o humorista Henrique Osmar Spantha. Esse é um programa de Língua Portuguesa e vai focalizar basicamente as questões da polifonia e do preconceito. Para isso, vamos falar de piadas. Mas não é só para nos divertirmos, não. Vamos falar de estereótipos e de humor negro. E analisar fatos da língua, como não podia deixar de ser! Oi, galera! Professor, o senhor por acaso sabe o que significa a palavra aspirado? Bom dia a todos. Olha, Henrique, é complicado falar sobre o significado de uma palavra fora do contexto, já que geralmente elas têm mais de um... Ora, professor! Mas essa é tão fácil! Aspirado é uma carta de baralho
completamente maluca! Roteiro de áudio. Programa: Quem ri... / Piadas / Sírio Possenti (Ri) Você me pegou, hein! Às pirado... Quem iria pensar numa resposta dessas?!! É uma interessante brincadeira com os sons, e com a idéia de palavra. Quando você disse aspirado, eu pensei numa única palavra, mas, na sua brincadeira, ela se transformou em duas: AS e pirado. Mas parece que tem também uma pausa, não tem? Pausa mesmo não tem. Mas tem uma questão de acento que pode ajudar a distinguir as duas formas, aspirado e ás pirado. Repare que, se você diz O pó foi aspirado, a palavra aspirado tem um acento forte nítido, no ra : aspirado. E em ás pirado ( uma carta de baralho maluca ) há dois acentos, embora um pouco diferentes um do outro. Assim, com dois acentos fortes (um em AS e o outro em RA ) temos duas palavras: às e pirado. Nossa! Quem ficou pirado agora fui eu! Que brincadeira mais engenhosa! E nem precisa estudar pra fazer tudo isso... Verdade. Sabemos muito sobre a língua, e sem saber que sabemos... Sabe outra, Henrique? 2
Claro! Sabem o que quer dizer eficiência? 3 Hummm... O quê é, Henrique? Éficiência é o estudo da letra F. (Ri) Legal! A técnica é a mesma da outra: dois acentos principais, um em É e outro em ÊN. Assim, eficiência fica separada em duas palavras: éfi e ciência, que significariam algo como a ciência (ou o estudo) do EFI. Sofisticado, hein! É... Tenho visto em meus programas que as piadas dão muito pano pra manga... Dão mesmo! E por falar em pano pra manga, que é uma expressão idiomática, você não se lembra de nenhuma piada que tenha um idiomatismo, Henrique? Idiomatismo? Ih, já esqueci o que é... Eu te lembro: são expressões como essa que LOC usou dar pano pra manga. Não se considera o significado de cada palavra. O conjunto inteiro é como se fosse uma só palavra. Dar pano pra manga quer dizer que vai render muita discussão ou que vai dar muito trabalho...
Deixe-me ver... Ah, me lembrei de uma. Na sala de aula, o professor de química pergunta para Mariazinha: O que significa a fórmula H2SO4?. Mariazinha pensa, pensa: Ai, eu vou lembrar! Espera aí, professor... Tá na ponta língua!. Apavorado, Joãozinho dá um tapa na cabeça da menina: (risos) Perfeito, Henrique! A graça da piada realmente vem da expressão idiomática lida ao pé da letra: na ponta da língua. Quando LOC disse que as piadas dão pano pra manga, ele disse que rendiam análises, discussões. E não que a piada fosse capaz de render um pedaço de pano de tamanho suficiente para fazer a manga... É... Se ele tivesse pensado isso ou estaria ficando louco... ou seria um humorista! (rindo) Tem razão. O humor explora aquele que seria o sentido chamado literal das expressões idiomáticas se elas não fossem expressões idiomáticas!!! Como nessa piada que Henrique contou. A fala do Joãozinho mostra que uma expressão dessas poderia ter outro sentido em outro contexto! Brincando, Joãozinho mostra que Mariazinha poderia ter ácido sulfúrico na ponta de sua língua, coitada! Para usar outra expressão idiomática: Joãozinho não entendeu patavina! 4
Que memória de elefante, hein, Henrique! Opa! Olha aí, outro idiomatismo! (risos). O legal da expressão que você usou é que já ouvi coisas sobre a sua origem. 5 Qual teria sido, professor? Dizem que quando os franciscanos vindos da cidade italiana de Pádua começaram o trabalho missionário entre os portugueses, eles não conseguiam entender o dialeto dos caras de Pádua, conhecidos como patavinos. E por isso diziam não entendi patavina. E o senhor acredita nisso? Sinceramente? Acho que não... Há sempre muitas explicações para os idiomatismos, algumas estranhas... Mas isso não importa. O que interessa é que essas expressões comprovam que certos acontecimentos relevantes para uma comunidade deixam suas raízes na língua. Nossa, professor! Nunca tinha pensado nisso! Aliás, até um tempo atrás, pensava que as piadas serviam só pra diversão. É incrível como elas podem render análises e discussões até bem complicadas! Para usar outro idiomatismo, Euler, estou puxando ou empurrando brasa pra sua sardinha! (risos) Pessoal, alguém sabe o que o advogado do frango foi fazer na delegacia?
Nem imaginamos... Ele foi soltar a franga! Roteiro de áudio. Programa: Quem ri... / Piadas / Sírio Possenti (risos) Bem pensado, Henrique! Outra piada com idiomatismo: soltar a franga. A técnica é justamente a que expliquei: fazer a expressão idiomática significar como se fosse uma expressão que se chama literal: o advogado do frango foi à delegacia para, literalmente (risos), soltar a franga. Em outras palavras, ele foi pedir a liberdade dela. Euler, mudando de pato pra ganso (esse negócio de idiomatismo vicia, hein!), esses dias ouvi uma piada que achei bem curiosa. É mais ou menos assim: Num hospício, um louco pergunta para o outro: Você sabe que horas são? Sei, responde o outro. Muito obrigado. (risos) É interessante mesmo. A pergunta Você sabe que horas são? não é daquelas que se responde apenas com sim ou não. Isso porque há um implícito por trás dela. Na verdade, é como se a pessoa dissesse: Por favor, que horas são?. Ela quer saber que horas são, só não pergunta isso diretamente. Tem muito disso no dia-a-dia, professor? Tem demais. Quer outro exemplo? Estamos numa sala; faz muito calor, a sala está bem abafada. Eu olho para a 6
porta fechada (você está sentado perto dela) e digo: Nossa, tá muito quente aqui!. Claro que não estou te informando que estou com calor. 7 Verdade... Até porque, se estou com você numa sala abafada, também estou sentindo calor... Ao dizer que tá quente, você espera que eu abra a porta, né? Na mosca! E o interessante é que as pessoas sempre entendem... Então a linguagem não é o tal de código? Poucas vezes, muito poucas... E por isso, nem sempre só comunicamos, como se diz... Quando o padre fala, durante um casamento, Eu os declaro marido e mulher, ele está fazendo uma coisa, casando os caras, e não avisando que os casa... Que barato... Nunca tinha pensado nisso. Também nós, claro, fazemos coisas falando. Por exemplo, fazemos promessas, agradecemos, pedimos desculpa, elogiamos, criticamos, xingamos etc. É mesmo... Já reparei que quando estou no elevador do meu condomínio com algum vizinho, sempre conversamos sobre o tempo. Mas a gente não fala esfriou bastante hoje, não? pra informar que está frio. Puxa, o cara sabe que tá frio! Parece que a gente fala isso
mais pra puxar conversa, né? Pra não ficar os dois com cara de bocó até a porta do elevador abrir... Ou, como dizia a minha avó, pra não ficar com cara de tacho... E por falar em avó, tem a da velhinha que pergunta pra netinha: Chiquinha, como chama mesmo aquele alemão que me deixa doida?. Alzheimer, vovó, Alzheimer. (risos) Sabe, eu achava que piadas desse tipo (de humor negro, né?) eram pura maldade. Mas a profa. Ana Lisa já esteve aqui em nosso estúdio e explicou que não é bem assim... Pois é, LOC. Nessa, há uma pessoa doente, com mal de Alzheimer, e a gente ri. Mas veja que não se ri exatamente disso... A graça da piada não está na doença, mas na surpresa, que tem a ver com uma ambigüidade: pensamos que o alemão é um homem que deixou a velhinha completamente doida de paixão... Depois, descobrimos que é só o nome de uma doença, Alzheimer, e que a velhinha está realmente perdendo a razão... É... Mas sabe, Euler, tem algumas piadas que eu acho muito de mau gosto... As racistas, por exemplo. Tem razão... Mas já pensou que elas são como uma espécie de sintoma? Se circulam piadas racistas é porque essa sociedade é (ou foi) racista... 8
Então, professor, deixar de contar piadas sobre negros não vai resolver o problema, vai? 9 Quem dera fosse tão simples acabar com todos os preconceitos! Já repararam que estão por toda parte? Nos programas de televisão, na música, na literatura... Mas nem por isso a gente vai deixar de ver tv, de ouvir música e de ler, não é? Claro, mas o que podemos fazer? A melhor forma de lutar contra o preconceito é discutir, trazer o problema à tona. Quem nunca ouviu que preconceito é um pré-conceito, ou seja, uma ideia preconcebida que se tem sobre alguém? É... E é fruto da ignorância, né, professor? Os alemães nazistas acreditavam que sua raça era superior e discriminavam fortemente os judeus. Achavam que eram inferiores. Veja quanta ignorância! É mesmo, LOC! E lembra como os nazistas fizeram para disseminar o preconceito anti-semita, isto é, contra os judeus? Eles gravaram filmes curtos, que circulavam como propagandas, em que os judeus apareciam até comparados aos ratos! É! E também usaram a arte, né, professor? Eu vi naquele filme... Como se chama mesmo?
Arquitetura da Destruição! Xi... Mas não lembro o nome do diretor... É o Peter Cohen. Mas que ótimo exemplo vocês deram! A arte também pode basear-se em preconceitos. Hitler, enquanto estava no poder, usou a arte para divulgar o ideal de beleza que ele acreditava que a Alemanha deveria seguir. Para ele, apenas a arte clássica era considerada boa... Beleza, perfeição das formas... Vocês sabem, né? Então, toda a arte da Alemanha de Hitler era baseada na clássica? Não, não. Esse era o tipo de arte aceita e difundida pelo nazismo. As demais, normalmente de vanguardas artísticas modernas, eram interpretadas pelos nazistas como uma degeneração e consideradas como sendo obra dos judeus. É... Parecia que Hitler queria associar a beleza e a perfeição que é o que a arte clássica retrata aos alemães, e a feiúra, a imperfeição, a degeneração aos judeus... Pois é... Percebam como a ideologia se manifesta em todas as formas de linguagem, como é o caso da pintura, da escultura, enfim... E das piadas, né, professor? 10
Ah, mas sem dúvida! Aliás, essa discussão toda começou por causa de uma piada de humor negro. É importante deixar claro que uma piada, mesmo de humor negro, tem o propósito de fazer rir. Pode até ser que elas não fortaleçam preconceitos. Mas, sem dúvida, elas os revelam. E talvez signifiquem que devemos rir deles, de bobos que são. 11 Ninguém dá muita bola pra uma piada, né, professor? Se eu conto uma piada preconceituosa, não posso ser punido por isso, posso? Olha, a piada é uma brincadeira que se faz com a linguagem, mas ela envolve questões sociais... Por isso, alguém pode, sim, ser punido... Mas isso, claro, não significa que quem conta uma piada racista é necessariamente preconceituoso. De um modo geral, contamos piadas para nos divertir. Puxa, piada rende discussão à beça! Pena que vamos ter que encerrar o programa. Quanta coisa daria pra falar, só sobre piadas, hein? Obrigadão pela presença, professor. Foi um prazer, pessoal! Henrique, pra fechar, tem aí mais uma de humor negro? Claro, tô igual a Mariazinha, a piada tá na ponta da língua!
Roteiro: Sírio Possenti (Coordenador) (risos) Então, cospe...! Roteiro de áudio. Programa: Quem ri... / Piadas / Sírio Possenti Vocês sabem qual é o jogo preferido do Ayrton Senna? Não temos a menor ideia! Quebra-cabeça! (risos) Essa é cruel, hein, Henrique? Obrigado aos ouvintes pela audiência! 12 Equipe: Marcela Franco Fossey Gisele Maria Franchi