ETNOMATEMÁTICA NO PROCESSO DA CONFECÇÃO DO VESTUÁRIO. Palavras-chave: Educação Matemática, Etnomatemática, Vestuário.

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Transcrição:

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades ETNOMATEMÁTICA NO PROCESSO DA CONFECÇÃO DO VESTUÁRIO Elieth Santana Medrado UNIVATES elieth_medrado@hotmail.com Resumo: O presente trabalho apresenta resultados de uma prática pedagógica realizada em turma de oitavo ano na cidade de Boa Vista, Roraima. A etnomatemática foi utilizada como aporte teórico na investigação. Tal pesquisa teve como objetivo geral: compreender quais os sentidos atribuídos pelos alunos às regras matemáticas relativas aos processos de confecção industrial do vestuário e àquelas gestadas na forma de vida das costureiras domésticas. O resultado obtido foi: no que se refere à confecção de peças de vestuário, os estudantes demonstraram compreender as regras vinculadas à matemática escolar presentes no processo industrial do vestuário; no entanto, não atribuíram significado àquelas gestadas na forma de vida das costureiras domésticas. Palavras-chave:, Etnomatemática, Vestuário. 1. Introdução, disciplina obrigatória no currículo escolar da Escola Básica, tem se tornado alvo de pesquisa para muitos professores, em todos os níveis de ensino, em especial no que concerne aos aspectos relativos aos processos de ensino e de aprendizagem. Ainda segundo a autora, a Matémática, embora esteja presente em várias instâncias da vida do aluno, é, no decorrer dos anos, uma das disciplinas mais temidas nas escolas brasileiras. Ao fazer menção à aprendizagem dos alunos nesta disciplina, Silva alude que os estudantes [...] aparecem em posições diferentes em relação à aprendizagem: os que estão na média escolar posicionados como aprendentes e por isso vistos como normais, aqueles posicionados abaixo da média escolar posicionados como não-aprendentes e aqueles que estão sob o risco de tornaram-se não-aprendentes. Essas diferentes posições de sujeitos aparecem quando os estudantes são avaliados e colocados em comparação com a média escolar (SILVA, 2008, p.102). Diante do exposto foi elaborada uma prática pedagógica no âmbito da educação matemática centrada em questões culturais, para que os alunos percebessem que a nem sempre precisa de regras e fórmulas. Assim os discentes observaram a confecção de uma peça do vestuário produzida por diferentes profissionais. 1

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d A respeito da introdução de novas metodologias nos processos de ensino e de aprendizagem da, Alves (2010) reforça a ideia da necessidade de relacionar a formal praticada na escola - com a informal inerente à vivência dos alunos. Para ele: Uma atividade muito interessante e rica em conhecimento matemático poderá contribuir na formação dos indivíduos, pois irá relacionar a formal com a informal. Também se torna uma atividade prazerosa para o aluno, tendo em vista a prática de atividades sobre um produto presente em todos os lares (ALVES, 2010, p.79). A etnomatemática é o campo da educação matemática que contextualiza a disciplina com destaque para as raízes culturais dos estudantes. Essa vertente, de acordo com Knijnik (2010), deve seu início, como área da educação matemática, a Ubiratan D Ambrósio que apresentou suas primeiras teorizações em meados dos anos 1970. D Ambrosio é considerado o precursor de tais teorizações e, portanto, denominado de pai da etnomatemática por ser também o primeiro a cunhar o termo. Para ele, no âmbito da educação matemática, é necessário que se considere as culturas nas quais os alunos estão imersos em detrimento de enfatizarmos somente um conjunto particular de conhecimentos que foram introduzidos no Brasil por meio das grandes navegações, ou seja, oriundos da cultura europeia. Para ele, etnomatemática pode ser definida como: [ ] etno é uma expressão que se refere ao contexto cultural, incluindo considerações como linguagem, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema tem origem mais complexa, que vai na direção de conhecer, entender, e tica provém de techne, que vem da origem da arte e de técnica [ ] a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais. (D AMBROSIO, 1990, p. 5). Nessa ótica, Knijnik (2010) argumenta que a etnomatemática analisa os modos de calcular, medir, estimar, inferir e raciocinar dos grupos marginalizados, ou seja, como esses grupos lidam matematicamente com o mundo. A autora ainda destaca que as experiências da vida cotidiana desses grupos e suas formas de produzir conhecimentos não são consideradas, por muitos, como ciência, ou seja, são desvalorizadas. Alves (2010, p. 77) destaca que uma das propostas da etnomatemática é saber respeitar as diferenças e legitimar os diferentes conhecimentos das distintas formas de culturas dos povos. Para ele cada civilização tem seus conhecimentos, os quais devem ser valorizados e enfatizados no currículo escolar, em especial da disciplina. 2

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Entretanto, vale salientar que tais teorizações não têm por objetivo excluir do currículo escolar as regras que sustentam a matemática acadêmica. Esta também pode ser considerada uma etnomatemática, com regras específicas que circulam na cultura da academia. Nesse sentido Vizolli, Machado e Santos (2012, p. 4) comentam: A proposta da Etnomatemática não significa a rejeição da matemática acadêmica, e sim, aprimorar e incorporar a ela valores de humanidade. D Ambrósio, nessa mesma linha, argumenta que: A disciplina denominada é, na verdade, uma Etnomatemática que se originou e se desenvolveu na Europa, tendo recebido importantes contribuições das civilizações do Oriente e da África, e que chegou à forma atual nos séculos XVI e XVII. A partir de então, nessa forma estruturada, foi levada e imposta a todo mundo (D AMBRÓSIO, 2002, p. 47). Diante do exposto podemos percebe-se que as raízes culturais deveriam ter maior importância dentro do ambiente escolar. Para D Ambrósio (2002, p. 42) a ideia mais importante da etnomatemática é restaurar a dignidade dos indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes. 2. s e produção do vestuário O projeto foi realizado em uma turma do oitavo ano na Escola Estadual Maria dos Prazeres Mota, situada em Boa Vista, capital de Roraima. A turma era composta de 36 alunos com faixa etária de 12 e 13 anos e a maioria dos alunos moravam perto da escola. Um motivo que destaco sobre a importância da realização do projeto foi à localização de uma cooperativa de costureiras nas proximidades da escola. A cooperativa já funciona há 17 anos e é composta por oito mulheres. Elas recebem encomendas de bairros vizinhos e distantes e de escolas estaduais e municipais. Nesse sentido os alunos tinham e têm contato com essas costureiras, pois seus uniformes escolares são costurados por elas. Muitos desses alunos ainda levam roupas para ser costuradas ou para fazer pequenos consertos nessa cooperativa. Diante do exposto era importante realizar uma prática pedagógica no âmbito da educação matemática centrada em questões culturais assim os alunos poderiam verificar como conhecimentos vinculados às distintas formas de vida influenciam os processos de ensino e de aprendizagem da disciplina. 3

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d De acordo com Junges (2012) algumas das produções desenvolvidas no âmbito da Etnomatemática se destinam à investigação de uma presente na prática de grupos em contextos culturais, diferentemente da produzida na escola ou na academia (JUNGES, 2012, p. 49). Assim a etnomatemática não tem como finalidade desvalorizar a estudada na sala de aula, mas mostrar que existem diferentes s praticadas por diferentes formas de vida. Com base nesses pensamentos foi importante mostrar aos alunos a existência de diferentes matemáticas e que muitas delas estão presentes no nosso dia a dia. Assim para realização da prática pedagógica foi convidada duas costureiras para a sala de aula uma vinculada ao SENAI 1 e outra à Cooperativa de Costureiras as mesmas confeccionaram uma camiseta de malha, peça de roupa usada diariamente pelos alunos. A primeira costureira estudava no SENAI e aprendeu confeccionar uma camiseta utilizando o modo industrial. Nesse método é utilizada visivelmente a matemática escolar e segue várias etapas, tais como: modelagem, risco, corte e costura. A camiseta foi confeccionada utilizando as etapas acima citadas, procedimentos efetuados por diferentes profissionais, porém, a mesma, sozinha, fez todas as etapas. A segunda costureira confeccionou a mesma peça expressando seus modos particulares de confecção, modos que aprendeu sozinha e por necessidade de uma ocupação para ajudar no sustento da família. Após a confecção da camiseta pela aluna do SENAI, foi discutido com os alunos sobre a presença da nos procedimentos utilizados, relativos às etapas da confecção do vestuário. Os alunos relataram que a estava presente durante o processo da confecção da camiseta, pois ela utilizou cálculos matemáticos como adição, subtração, divisão e algumas frações. A utilizada pela aluna do SENAI era familiar aos alunos, pois esses conceitos matemáticos foram estudados em sala de aula. Tais conceitos faziam parte da vida dos alunos, pois os mesmos foram alfabetizados por meio das regras presentes na matemática que é tida como a verdadeira em todo o tecido social. Dito de outra forma, o uso que a aluna do SENAI fazia da matemática aponta que, nessa forma de vida, as regras matemáticas apresentam forte semelhança com aqueles presentes na matemática escolar. 1 SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. 4

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Dando continuidade ao projeto, após a presença da aluna do SENAI, uma costureira da cooperativa visitou a turma. Ela confeccionou uma a mesma peça de roupa que a aluna do SENAI, justamente para que os alunos pudessem observar a semelhança e diferença das duas costureiras. Após a confecção da camiseta pela costureira da cooperativa, houve um questionamento por parte dos alunos. O tempo gasto para produzir a peça foi muito menor que o tempo da primeira costureira. Enquanto a aluna do SENAI fez em mais ou menos uma hora a costureira da cooperativa fez a mesma peça em 12 minutos. Relataram que o primeiro método, além de ser mais difícil, gastou muito tempo. Diante do exposto, foi explicado aos alunos, que a aluna do SENAI seguiu os procedimentos da confecção industrial do vestuário, e a segunda utilizou o método doméstico. A diferença entre esses dois métodos é que no industrial a produção é em grande escala, utilizando uma tabela de medidas padrão, as peças são modeladas, cortadas e costuradas por varias profissionais ao mesmo tempo, enquanto no doméstico as medidas utilizadas são do cliente e todas as etapas são confeccionadas por uma mesma profissional. Foi enfatizado isso aos alunos para que os mesmos entendessem que o processo da costureira doméstica pode ser mais rápido, mas a produção é em pequena quantidade. Ao final da atividade perguntei aos alunos se eles conseguiram destacar a matemática durante a prática da costureira doméstica. Foi mais fácil enxergar a matemática com a primeira costureira, porque tinha materiais que utilizo nas aulas de. A primeira costureira fez cálculos e a segunda não fez. A primeira costureira utilizou calculadora e calculadora é da aula de. A segunda costureira não usou. A segunda costureira utilizou medidas. Nesse sentido percebe-se que os alunos demonstraram compreender as regras vinculadas à matemática escolar somente nos procedimentos da aluna do SENAI, no entanto não atribuíram significado às regras realizadas pela costureira da cooperativa. Perguntei também aos alunos em quais dos procedimentos, industrial ou doméstico, foi utilizada e se os dois procedimentos foram entendidos por eles. Sugiram os seguintes questionamentos: 5

ALUNO 1: No processo da anula do SENAI, foi o que utilizou mais, porque ela somou na Contemporaneidade: desafios e possibilidades fez um monte de cálculo, multiplicou pra chegar numa medida certa. A outra não, ela só pegou a fita e mediu, fez pela experiência, não deu pra entender. Sociedade Brasileira d ALUNO 2: A aluna do SENAI usou muita, eu achei o da Aluna do SENAI mais fácil do que, eu não ia saber medir aqui e botar lá e cortar rapidinho. Pude então compreender que não é possível simplesmente trazer para a sala de aula os procedimentos produzidos por uma determinada cultura como, por exemplo, das costureiras, na tentativa de somente ensinar a matemática escolar. Os alunos não atribuíram importância à matemática praticada pela costureira, pois os mesmos a compararam com aquela presente nas aulas da disciplina. A metodologia utilizada pela costureira doméstica possui regras que não são da escolar. A mesma relatou que aprendeu a costurar sozinha e por que tinha curiosidade, criando suas próprias regras. Uma delas seria fazer divisões utilizando as medidas do cliente dobrando a fita métrica, enquanto a aluna do SENAI utilizou para os mesmos cálculos à calculadora. Já a aluna do SENAI relatou que estudou e aprendeu a confeccionar uma roupa utilizando o modo industrial. Desde então, a mesma utiliza esse método seguindo as seguintes etapas: modelagem, risco e corte e costura. Citou que utiliza fórmulas e regras, e que a estudada na escola a ajudou a não ter dificuldade na confecção de um molde. Diante do exposto, podemos observar que as duas costureiras têm modos diferentes para confeccionar uma peça de roupa. Os alunos puderam refletir que o conhecimento matemático pode ser construído a partir de situações diversificadas, como por exemplo, o processo de confecção de nossa vestimenta, o qual faz parte de nossa forma de vida. 3. Considerações Finais Como a é uma disciplina pela qual os alunos não têm muito interesse considerei que seria importante trazer algo novo para as aulas de. Acreditava que simplesmente realizando uma prática pedagógica utilizando questões culturais - que foi um dos meus objetivos específicos - levaria o aluno a ter maior interesse por esta disciplina. 6

Sociedade Brasileira de na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Nessas questões culturais, seriam abordados os interesses dos alunos, pois os mesmos se interessavam por roupas e confeccionar uma peça do vestuário nas aulas de seria algo novo e interessante para que os mesmos pudessem compreender que a matemática escolar não é a única e verdadeira, que existem outras matemáticas e cada uma tem seu valor. Inicialmente, os estudos do campo da etnomatemática mostraram-me a produtividade de seguir pensando em tais questões. De fato, Silva (2008), destaca como é importante, em sala de aula, dar valor aos distintos conhecimentos culturalmente produzidos pelos alunos nas suas atividades diárias. Nesse sentido, Giongo (2001) expressa que esta vertente da educação matemática está interessada em resgatar e valorizar os saberes matemáticos praticados por diferentes grupos sociais. Socializando com os alunos a praticada nos processos de confecção do vestuário industrial e doméstico, lhes trariam distintos conhecimentos relativos à, tanto conhecimento aprendido na escola, quanto aos conhecimentos aprendidos por diferentes culturas. É possível concluir que esta investigação também pode ser importante para problematizar algumas verdades, em especial aos muitos que acreditam que matemática é difícil, reservada para poucas mentes brilhantes e totalmente desconectada da cultura dos indivíduos. Com isso, não se quer negar a importância da matemática escolar constituída por regras específicas e em concordância com as culturas acadêmica e escolar mas problematizar os motivos que foram determinantes para que apenas ela fosse considerada como. Em síntese, quais saberes contam como verdadeiros nas aulas de? Quais são desqualificados como saberes matemáticos no currículo escolar? Quem tem a legitimidade para definir isso? (Knijnik et all, 2012, p.16). 4. Referências ALVES, Evanilton Rios. Etnomatemática: multiculturalismo em sala de aula: atividade profissional como prática educativa. São Paulo: Porto de Ideias, 2010. D AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1990..Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. 2.ed. Belo Horizonte: Autentica, 2002. 7

na Contemporaneidade: desafios e possibilidades Sociedade Brasileira d GIONGO, Ieda Maria. e produção do calçado em tempos de globalização: um estudo etnomatemático. 2001.112f. Dissertação (Mestrado em ) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2001. JUNGES, Débora de Lima Velho. Família, Escola e : um estudo em localidade de colonização alemã do Vale do Rio dos Sinos - RS. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em, UNISINOS, São Leopoldo, 2012. KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda; GIONGO, Ieda Maria; DUARTE, Claudia Glavan. Etnomatemática em movimento. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.. Itinerário da Etnomatemática: questões e desafios sobre o cultural, o social e o político na. In KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda e OLIVEIRA, Cláudio José de. Etnomatemática, currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: Edunisc,2010, p.19-38. SILVA, Fabiana Boff de Souza da. A (Prender) é Difícil : Problematizando Verdades do Currículo Escolar. Dissertação de Mestrado. Programa de pós-graduação em, UNISSINOS, São Leopoldo, 2008. VIZOLLI, Idemar; MACHADO, Renato Francisco e SANTOS, Rosa Maria Gonçalves. Saberes Quilombolas: um estudo no processo de produção da farinha de mandioca. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/bolema/v26n42b/09.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2013. 8