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8) Reprodução em plantas de espécies tropicais e implicações na seleção de matrizes Afonso Celso Candeira Valois Engenheiro Agrônomo, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, Pesquisador Aposentado da Embrapa. Introdução Espécies arbóreas tropicais apresentam uma ampla variedade de sistemas de reprodução, incluindo cruzamentos, cruzamentos correlacionados, cruzamentos endogâmicos, autofecundação, apomixia, partenocarpia e combinações destas, além de outros. O conhecimento do sistema de reprodução das espécies é de fundamental importância quando se pensa em coletar sementes de polinização aberta, dado que este é responsável pela transferência das informações genéticas de uma geração para outra. O sistema de reprodução determina os níveis de endogamia e a coancestria na geração descendente e, portanto, afeta o seu tamanho efetivo da variância. Por exemplo, se uma população se reproduzir por misturas de autofecundações e cruzamentos multiparentais e biparentais, suas progênies apresentam algum grau de endogamia assim representada: Fo=0,5s (1+Fp), onde s é a taxa de autofecundação e Fp o coeficiente de endogamia nas árvores autofecundadas. Com a representação acima exposta, as populações serão compostas por mistura de irmãos de autofecundação, meios-irmãos, irmãos completos e irmãos de autofecundação e cruzamentos, enquanto que a coancestria média dentro das progênies será maior do que a esperada em populações panmíticas. Ainda, se os cruzamentos ocorrerem entre indivíduos parentes haverá adicionalmente, a endogamia biparental e a coancestria será ainda maior do que se não houvesse cruzamentos entre parentes, reduzindo ainda mais o tamanho efetivo da variância. A coleta de sementes para reflorestamento ambiental requer a retirada de amostras representativas da variabilidade genética de uma ou várias populações para evitar endogamia nas futuras gerações e conservar o potencial evolutivo das espécies. Isso irá permitir que os plantios, depois de estabelecidos, mantenham-se por tempo indefinido a partir de sementes originadas dos cruzamentos dos próprios indivíduos da população plantada. Uma grande população de plantas no seio da floresta é composta por diversos demes, que representam as subunidades de cruzamentos entre genótipos alógamos. Nessa diversidade genética, os genes na população podem se apresentar das seguintes maneiras: comuns dispersos, comuns localizados, raros dispersos e raros localizados. Na estratégia e tática de coleta de germoplasma é tecnicamente recomendado que as ações e esforços sejam efetuados na situação em que os genes comuns localizados possam estar presentes para que as amostras melhor representem a população. 57

Pequenos tamanhos amostrais podem sofrer a perda de alelos raros por deriva genética, sendo essa perda tanto maior quanto menor for o tamanho amostral. No entanto, alelos raros podem contribuir para a adaptação em condições de estresse ambiental ou mesmo alterações bruscas do ambiente, além de outras vantagens. A base genética restrita aliada à perda de alelos que possam futuramente ter valor adaptativo, pode reduzir as chances de sucesso na autorregeneração pelo aumento da endogamia e coancestria da população plantada, tendo como consequência, a depressão endogâmica. Por isso, para garantir um mínimo de variabilidade genética nos plantios é necessário coletar sementes de um número adequado de árvores matrizes. Sistema de Reprodução O sistema de reprodução refere-se à forma como as populações de uma espécie recombinam seus genes a cada geração para compor a população descendente. O cruzamento entre diferentes flores é definido como alogamia, sendo que se envolver flores de diferentes plantas será classificado como xenogamia, e entre diferentes flores de mesmas plantas por geitogamia. O cruzamento entre órgãos masculinos e femininos da mesma flor, por sua vez, é definido como autogamia. O sistema de reprodução determina como a variabilidade genética de uma espécie se origina no espaço e no tempo. Espécies que se reproduzem predominantemente por cruzamentos geralmente apresentam menor divergência genética entre populações do que espécies que se reproduzem principalmente por autofecundação. Isto é devido aos cruzamentos recombinarem a variabilidade genética a cada geração e favorecerem a dispersão dos genes via pólen para maiores distâncias do que espécies de autofecundação. A recombinação dos gametas de uma população de uma espécie de cruzamento reduz a taxa de homozigose e o aparecimento de combinações homozigóticas deletérias nos descendentes, a não ser que a população esteja geneticamente estruturada no espaço e ocorram cruzamentos entre indivíduos parentes. Espécies de cruzamento geram indivíduos com parte dos seus locos polimórficos em heterozigose (pelo menos 50%) e mantêm a variabilidade genética nas populações distribuídas entre locos dentro dos indivíduos e entre indivíduos (heterozigoto tem sempre dois diferentes alelos). Por outro lado, espécies de autofecundação geram indivíduos com altas taxas de homozigose e mantêm a variabilidade genética nas populações distribuídas apenas entre indivíduos. Sistema Sexual O sistema de reprodução depende de uma ampla gama de fatores genéticos (genes controlando a autoincompatibilidade, determinando o sistema sexual, a maturidade reprodutiva e a depressão endogâmica) e ambientais (fatores influenciando a fenologia de florescimento e o comportamento dos polinizadores). 58

Considerando que o sistema sexual é de importância primária, as espécies arbóreas podem ser assim classificadas: a) Unissexuais, dioicas ou diclinas: espécies que apresentam flores com sexos separados nas plantas, ou seja, apresentam plantas masculinas e plantas femininas. Exemplos: Araucaria angustifolia, Genipa americana, Myracrodruon urundeuva. b) Bissexuais: b1- hermafroditas (espécies que apresentam ambos os sexos na mesma flor, ou seja, órgãos femininos e masculinos na mesma flor). Exemplos: Manilkara huberi, Eucaliptus spp.; b2- monóicas (espécies que apresentam os sexos em diferentes flores da mesma planta). Exemplos: Carapa guianensis, Hevea spp., Pinus spp.; c- trióicas (espécies que apresentam tanto plantas unissexuais como bissexuais, ou seja, apresentam plantas só com flores masculinas, só com flores femininas e plantas com flores masculinas e femininas- hermafroditas ou monóicas). Exemplo: Fraxinus excelsios; d- ginodióicas (espécies que apresentam tanto plantas bissexuais com flores femininas e masculinas- hermafroditas ou monóicas- como unissexuais femininas). Exemplo: Rhizophora mangle; e- androdióicas (espécies que apresentam tanto plantas bissexuais com flores femininas e masculinas- hermafroditas ou monóicas- como unissexuais masculinas). Exemplo: Bauhinia ungulata. Em função do seu sistema sexual, as plantas poderão produzir gametas masculinos ou femininos, ou ambos. Em espécies dioicas, a reprodução sexual ocorre somente por cruzamentos, que por sua vez podem ser classificados em maternos multiparentais, paternos multiparentais e cruzamentos biparentais. Cruzamentos maternos ou paternos multiparentais podem ser definidos como o cruzamento de um indivíduo com diferentes outros e dão origem a descendentes parentes no grau de meios-irmãos. Cruzamentos biparentais são aqueles simultâneos entre dois indivíduos, dando origem a descendentes parentes no grau de irmãos completos. Por sua vez, plantas bissexuais podem reproduzir-se por misturas de autofecundação (dão origem a irmãos de autofecundação) e cruzamentos, sendo que a parte referente aos cruzamentos pode ocorrer da mesma forma como a descrita para plantas unissexuais. Assim, sementes coletadas de uma árvore dioica, produzidas por polinização aberta pode ocorrer, sendo possível apresentarem misturas de meios-irmãos e irmãos completos, enquanto que a descendência de plantas bissexuais auto compatíveis pode apresentar misturas de irmãos de autofecundação, meios-irmãos, irmãos completos, irmãos de cruzamento e autofecundação. A reprodução também pode ocorrer por apomixia, que é o exemplo da reprodução partenogênica, na qual um indivíduo é gerado a partir de um óvulo não fertilizado ou de uma célula somática, sem contribuição genética paterna, embora os órgãos sexuais estejam presentes, 59

o que resulta em um indivíduo de genótipo idêntico ao genótipo materno. Já na partenocarpia, o fruto é formado na ausência da polinização, sendo que as sementes não se desenvolvem ou são abortivas, cujo fenômeno é de comum ocorrência na pupunha (Bactris gasipaes). A apomixia permite a produção maciça de sementes de genótipos semelhantes e preserva um estoque de variabilidade potencial que, mais tarde, pode ser liberado através da produção ocasional de sementes sexuadas. Contudo, plantios com sementes apomíticas da mesma planta materna terão consequências indesejáveis já na primeira geração, como, por exemplo, o aumento da endogamia, dado que o cruzamento entre indivíduos idênticos pode ser traduzido como autofecundação. A coleta de grande quantidade de sementes em várias árvores e posterior mistura destas pode reduzir a probabilidade de se estabelecer grande número de indivíduos apomíticos próximos entre si nos plantios. A reprodução também pode envolver sistemas não sexuais como a propagação vegetativa, dando origem a descendentes idênticos ao genótipo de origem (clones). As consequências populacionais são as mesmas apresentadas para a apomixia (cruzamentos entre parentes, dando origem à endogamia biparental, que, por sua vez, pode desencadear a depressão endogâmica). Sistemas de Reprodução em Espécies Arbóreas O sistema de reprodução pode apresentar grande variação entre espécies e dentro de populações de uma espécie, devido ao seu controle estar sob influência genética e ambiental. Por exemplo, a taxa de cruzamento pode variar entre populações, entre plantas, entre eventos reprodutivos da mesma população e entre flores de uma mesma árvore. Os níveis de cruzamentos dependem das características genéticas das plantas, que possibilitam ou impedem a autofecundação (como a estrutura da flor e os sistemas de autoincompatibilidade) e de fatores ecológicos (variações climáticas, causando alterações no comportamento dos polinizadores ou variação na fase reprodutiva das flores masculinas e femininas). Essa variação pode ocorrer de diferenças entre populações nos níveis de carga genética (depressão endogâmica, causando variação na taxa de cruzamento entre populações), diferenças no histórico de colonização de novos sítios, causando alterações no sistema de reprodução ou efeitos antropogênicos como fragmentação e corte seletivo de árvores, alterando a demografia e o tamanho da população reprodutiva e, consequentemente, o seu sistema de reprodução. A variação ambiental como entre anos pode influenciar na variação fenológica de florescimento, bem como na abundância e comportamento dos polinizadores. A variação na taxa de cruzamento tem fortes implicações na coleta de sementes para reflorestamento ambiental. O mais importante é que os tamanhos amostrais, em termos do número de árvores para a coleta de sementes podem variar de população para população ou entre eventos reprodutivos. Por isso, é importante conhecer essa variação para a determinação dos tamanhos amostrais compatíveis. 60

Quantificação do Sistema de Reprodução Estudos sobre o sistema de reprodução podem ser conduzidos para se conhecer qual é a taxa de autofecundação, a proporção dos cruzamentos que ocorrem entre indivíduos parentes (cruzamentos endogâmicos) ou que envolvam os mesmos parentais mais de uma vez (cruzamentos biparentais), o número de parentais paternos envolvidos na reprodução de uma planta, o tamanho e a área de vizinhança reprodutiva, a divergência no pólen cruzado entre plantas, a distância de dispersão de pólen e as proporções de pólen que vêm de dentro e de fora da população (fluxo gênico). Tais estudos podem ser eficientemente realizados com a utilização de marcadores genéticos, em especial os de herança codominante e altamente polimórficos, como os microssatélites, desde que se adote uma amostragem delineada adequadamente para os objetivos do estudo. Nesse sentido, a coleta de sementes pode ser efetuada em pelo menos 25 árvores por população não muito distantes entre si, para não envolver diferentes vizinhanças reprodutivas e violar a pressuposição do modelo misto de reprodução de homogeneidade nas frequências alélicas do pólen cruzado e tipificar pelo menos 20 sementes por planta. As sementes devem ser coletadas de vários frutos, e preferencialmente, deve-se manter a identidade do fruto de origem de cada semente para estudos detalhados entre e dentro de frutos, embora, para isso, sejam desejáveis maiores tamanhos amostrais por planta materna (50 sementes por planta). Por seu turno, o uso de marcadores genéticos para o estudo do sistema de reprodução requer a utilização de modelos genéticos para descrever padrões de reprodução, como o modelo misto de reprodução e modelo de cruzamentos correlacionados. Ainda, as estimativas da correlação de paternidade indicam que progênies de polinização aberta sempre apresentam certa proporção de irmãos completos (variando de 0,09 a 0,93, com média e 0,45). Isto significa que parte das sementes produzidas por uma simples árvore é originada de uma pequena população reprodutiva, com pólen advindo de poucos genitores (variando e 2 a 12, como média de apenas 3) e as sementes podem incluir diferentes graus de parentescos, como meios-irmãos, irmãos completos e irmãos de autofecundação. O assincronismo no florescimento das plantas, pequeno tamanho da população reprodutiva e o comportamento dos polinizadores visitando sistematicamente árvores próximas podem explicar os cruzamentos biparentais. A constatação de que muitas espécies arbóreas apresentam sistema misto de reprodução ou reproduzem-se por misturas de cruzamentos multiparentais e biparentais é um fato de grande importância para a conservação genética, melhoramento florestal e nas atividades de coleta de sementes para reflorestamento ambiental. Espécies de sistema misto de reprodução requerem maiores tamanhos amostrais para reter tamanhos efetivos alvos ou de referência, em programas de conservação, melhoramento florestal e nas atividades de coleta de sementes para reflorestamento ambiental do que se os cruzamentos fossem perfeitamente aleatórios. 61

Área da Vizinhança Reprodutiva A área da vizinhança reprodutiva refere-se ao local onde ocorre grande parte dos cruzamentos (por exemplo, mais de 90% dos cruzamentos). Ela depende da densidade populacional e da capacidade dos polinizadores de percorrerem as distâncias, separando as árvores. É importante ressaltar que grandes áreas de vizinhança reprodutiva não significam grandes tamanhos de populações reprodutivas. Uma espécie pode ter uma grande área de vizinhança reprodutiva, mas os cruzamentos podem ocorrer predominantemente entre dois ou três vizinhos próximos. Em termos práticos, espécies com grandes áreas de vizinhança reprodutiva podem ser menos afetadas pelo corte seletivo de árvores e fragmentação, visto que os indivíduos podem reproduzir-se por cruzamentos, mesmo estando localizados a grandes distâncias. Outro ponto diz respeito à redução no tamanho das populações e ao aumento da distância entre os indivíduos pelo corte de árvores e fragmentação, que, possivelmente, conduza a um aumento na área de vizinhança reprodutiva como uma resposta adaptativa dos polinizadores à necessidade de obter alimento. Distância do Fluxo de Pólen em Espécies Arbóreas O fluxo de pólen é um componente de destaque do sistema de reprodução. A distância do movimento de pólen é um importante determinante da área de vizinhança de populações de plantas. O modo como as árvores se estruturam no espaço e o fluxo de pólen conectando os indivíduos são fatores primordiais do sistema de reprodução de populações de espécies arbóreas. Isto, por sua vez, tem um profundo efeito nas características genéticas da população. O pólen é o vetor dominante da troca de gametas (células reprodutivas que normalmente contêm metade dos cromossomos característicos da espécie) em muitas espécies arbóreas de clima tropical e temperado. Devido ao movimento do pólen influenciar a criação, manutenção e erosão da estrutura genética da população adulta é importante entender quais fatores influenciam o movimento do pólen. O isolamento por distância na população doadora de pólen pode criar forte estrutura no conjunto de grãos de pólen pelo aumento amostral de pais locais. A baixa densidade populacional, característica de muitas espécies arbóreas tropicais pode favorecer a heterogeneidade no conjunto do pólen dentro das populações. Processos antropogênicos, como fragmentação e corte seletivo de árvores podem também alterar o processo de reprodução e fluxo de pólen entre e dentro de populações, levando a uma diferenciação genética no conjunto de pólen compartilhado por árvores localizadas espacialmente distantes, tornando pequenas populações sujeitas aos efeitos negativos da deriva genética, como aumento da endogamia e do parentesco interno e, consequentemente, da depressão endogâmica. Um ponto importante, como já ressaltado na discussão da área de vizinhança reprodutiva, é que grandes distâncias de fluxo de pólen e área de vizinhança não significam obrigatoriamente grande tamanho de vizinhança reprodutiva. Uma espécie de baixíssima densidade populacional (por exemplo, 1 árvore a cada 50 ha) pode ter um vetor de polinização capaz de viajar longas distâncias, mas os cruzamentos podem envolver apenas uma ou duas árvores. 62

Estrutura Genética Espacial As populações de espécies arbóreas são muitas vezes estruturadas em famílias, formando subpopulações ou demes em forma de manchas, onde as frequências alélicas tendem a ser homogêneas dentro das subdivisões, e o parentesco interno está acima do esperado pelas suposições de distribuição aleatória de genótipos. A causa é a dispersão de sementes próximas à árvore matriz e a sobreposição de gerações advindas do longo ciclo de vida dessas espécies, aumentando a probabilidade de estabelecimento de filhos próximos a esta. No processo de coleta é recomendável colher sementes em árvores distantes entre si em pelo menos 100m, ou, pelo menos, duas vezes a altura das árvores. Ressalta-se que esta recomendação reduz a probabilidade de se coletar sementes de árvores matrizes aparentadas, mas não evita que sementes endogâmicas originadas do cruzamento entre parentes maternos e paternos, dentro das manchas, sejam incluídas na amostra, o que se traduz em outro bom motivo para sua adoção. Endogamia e Coancestria dentro de Progênies de Polinização Aberta Coancestria e endogamia são parâmetros intimamente relacionados pelo conceito de identidade por descendência dos alelos. Alelos idênticos por descendência são alelos que representam cópias idênticas de um mesmo alelo presente em um antecessor (parente) recente. O coeficiente de coancestria mede a probabilidade de se amostrar aleatoriamente dois alelos homólogos, em um mesmo loco, e ambos alelos serem idênticos por descendência, ou seja, ambos serem cópias de um mesmo alelo de um antecessor recente. O coeficiente de endogamia, por sua vez, mede a probabilidade de se amostrar dois alelos homólogos, em um mesmo loco, em um mesmo indivíduo e ambos alelos serem idênticos por descendência, ou seja, ambos alelos serem cópias de um mesmo alelo presente em algum parente recente. Portanto, só haverá alelos idênticos por descendência na progênie se existir identidade por descendência entre os alelos presentes nos parentais, de forma que a coancestria entre dois indivíduos que se cruzam está diretamente correlacionada com a endogamia na descendência desses cruzamentos. Existem métodos especiais para a estimação tanto da endogamia como da coancestria, cuja aplicação tem sido bem-sucedida em diversas pesquisas dessa natureza. Número de Árvores Matrizes para a Coleta de Sementes O número de árvores matrizes para a coleta de sementes pode ser calculado, assumindo que um grande número de sementes é coletado de cada árvore matriz, de modo que seja retido na amostra total, o tamanho efetivo populacional (Ne) de referência de 100 a 150. Por tamanho efetivo entende-se que é a medida da representatividade genética contida na amostra em relação à geração imediatamente anterior, atentando para a contribuição com genes favoráveis para a formação das progênies posteriores. Assim, é muito importante considerar o número daquelas plantas que irão contribuir para a formação da próxima população. 63

De maneira geral podem ser efetuadas estimativas para o número de árvores matrizes para a coleta de sementes, tanto para o reflorestamento florestal como para a formação de pomares de sementes. É recomendável plantar novas populações usando o tamanho efetivo de referência de pelo menos 100, e produzir sementes em pomares de sementes com ampla base genética, visto que essas sementes poderão ser utilizadas para reflorestamento ambiental de grandes áreas, requerendo um maior potencial evolutivo. A estimativa do número de árvores para a coleta de sementes, visando ao reflorestamento de áreas específicas pode variar entre 29 e 76, com média de 45 árvores matrizes, ao passo que para a implantação de pomares de sementes, o número pode variar entre 44 e 114, tendo como média 67 árvores matrizes. Recomendação Geral para a Coleta de Sementes 1. Marcar matrizes distanciadas entre si em pelo menos 100 metros, ou duas vezes a altura da árvore, para evitar coletar sementes de árvores parentes. 2. Coletar sementes em pelo menos 30 árvores matrizes para reflorestamento ambiental e em pelo menos 45 para a implantação de pomares de sementes, para evitar populações com o mínimo de variabilidade genética e potencial evolutivo. 3. Marcar muito mais árvores matrizes do que se pretende coletar de sementes (exemplo: para 30 árvores matrizes marcar 50 a 60), para garantir a coleta em um número de matrizes desejado em todos os eventos reprodutivos. 4. Marcar matrizes dentro da mesma subunidade populacional, com divergência genética menor que 5%, para aumentar a probabilidade de sucesso do reflorestamento em termos de sobrevivência, desenvolvimento dos genótipos e representatividade genética. 5. Coletar sementes preferencialmente na parte superior da copa das árvores para reduzir a possível proporção de sementes advindas da autofecundação. 6. Coletar quantidade adequada de sementes de um número representativo de árvores e misturá-las em proporções iguais ou aproximadamente iguais por matriz (controle gamético), para maximizar o tamanho efetivo da amostra. 7. Dados adicionais sobre o tamanho efetivo da população (Ne): Pontos a considerar no processo de coleta e preparo de amostras de sementes, levando em conta o tamanho efetivo com adequada representatividade genética: a) Cuidado especial deve haver para não comprometer o tamanho da amostra pela ação danosa da oscilação genética pelo efeito do afunilamento, fundador e pequeno tamanho da amostra por várias gerações (perda de alelos favoráveis na população). b) Influência da endogamia: F=1/2Ne c) Tamanho mínimo da amostra de sementes em plantas alógamas: 200 a 500 sementes. d) Tamanho mínimo da amostra de sementes em plantas autógamas: 1000 a 1500 sementes. 64

e) Tamanho mínimo da amostra de sementes para conservar alelos raros (baixa frequência gênica: Ne=1000 a 2000 sementes). f) Número mínimo de plantas de uma espécie florestal: 50 a 100 plantas, sendo 50 sementes de cada matriz por população. g) Estratégia de coleta de germoplasma. h) Considerando que o tamanho efetivo (Ne) é função do número de indivíduos que contribui para gerar a população seguinte e não necessariamente do número de plantas no campo, pode-se considerar as seguintes situações: a) progênies de autofecundação: Ne= 1n; b) progênies de irmãos germanos: Ne= 2n; c) progênies de meios irmãos: Ne= 4n. (representatividade da frequência gênica ou frequência dos alelos favoráveis). i) Número mínimo de indivíduos representativos da população: 49. j) Estratégia de coleta de germoplasma: a) 2500 sementes colhidas de 100 plantas (Ne= 345); b) 2500 sementes colhidas de 150 plantas (Ne= 484) - maior representatividade genética. k) Processo sem controle de gametas femininos e masculinos: Ne= 4Nf x Nm/Nf+Nm, onde Nf é o número de gametas femininos e Nm o número de gametas masculinos. Considerar que na distribuição geográfica dos alelos na população as seguintes situações podem ocorrer: alelos comuns dispersos, alelos raros dispersos, alelos comuns localizados e alelos raros localizados, levando em conta a variação genética livre das plantas autógamas e a variação genética potencial das plantas alógamas. Na estratégia de coleta do germoplasma é mais efetivo obter sementes da situação em que ocorram alelos comuns localizados, sem desprezar a possibilidade de recolher alelos raros localizados (baixa frequência), devido à alta resposta genotípica que podem representar. 65