Artigo. Quim. Nova, Vol. 25, No. 2, , 2002.

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Quim. Nova, Vol. 25, No. 2, 221-225, 2002. EFEITO DA CONCENTRAÇÃO DO CATALISADOR ACETILACETONATO FÉRRICO NA CURA DE POLIURETANO À BASE DE POLIBUTADIENO LÍQUIDO HIDROXILADO (PBLH) E DIISOCIANATO DE ISOFORONA (IPDI) Willian César Paterlini Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista, Rua Prof. Francisco Degni, s/n, 14800-000 Araraquara - SP Edson Cocchieri Botelho Departamento de Física, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Centro Técnico Aeroespacial, Pça Mal. Eduardo Gomes, 50, 12228-901 São José dos Campos - SP Luís Cláudio Rezende e Vera Lucia Lourenço Divisão de Química, Instituto de Aeronáutica e Espaço, Centro Técnico Aeroespacial, Pça Mal. Eduardo Gomes, 50, 12228-901 São José dos Campos - SP Mirabel Cerqueira Rezende* Divisão de Materiais, Instituto de Aeronáutica e Espaço, Centro Técnico Aeroespacial, Pça Mal. Eduardo Gomes, 50, 12228-901 São José dos Campos - SP Artigo Recebido em 23/11/00; aceito em 13/8/01 EFFECT OF FERRIC ACETYLACETONATE CATALYST CONCENTRATION ON THE CURE OF POLYURETHANE BASED ON HYDROXY TERMINATED POLYBUTADIENE AND ISOPHORONE DIISOCYANATE. The reaction between hydroxyterminated polybutadiene and isophorone diisocyanate constitutes the base of the curing process of the most composite solid propellant used in the propulsion of solid rocket propellant. In this work, differential scanning calorimetry and viscosity measurements were used to evaluate the effect of the ferric acetylacetonate catalyst concentration on the reaction between HTBR and IPDI. These analyses show one exotherm, which shifts to lower temperatures as the catalyst concentration increases. The viscosity analyses show that the increase of temperature causes, at first, a reduction in the mixture viscosity, reaching a minimum range called gelification region (increasing the crosslinking density). Keywords: differential scanning calorimetry (DSC); viscosity analysis; composite solid propellant. INTRODUÇÃO Um motor-foguete consiste, basicamente, de um cilindro metálico ou à base de material compósito, dentro do qual ocorrem reações químicas que geram grandes quantidades de gases com elevadas temperaturas. O princípio de funcionamento de um motor-foguete é o da ação e reação, ou seja, os gases gerados ao serem expelidos num determinado sentido geram uma força de reação, denominada de empuxo, no sentido oposto, ocasionando a propulsão do motor-foguete. Os gases são formados pela reação do combustível, mais conhecido como propelente, que pode ser líquido ou sólido 1-3. Nos motores-foguetes a propelente líquido, o combustível e o comburente são normalmente estocados em reservatórios separados e só reagem entre si quando misturados dentro da câmara de combustão. Nos motores a propelente sólido a câmara de combustão e o reservatório de propelente se confundem, pois o combustível e o comburente encontram-se misturados e estocados dentro da câmara de combustão, só reagindo entre si quando submetidos à ignição por uma outra fonte de energia 1,2. A Figura 1 apresenta um esquema dos elementos básicos que compõem um motor-foguete movido a propelente sólido. Esse consiste, basicamente, de um envelope cilíndrico carregado com a mistura de propelente sólido. O bloco de propelente, também denominado de grão propelente, possui geometria bem definida e encontrase normalmente aderido às paredes internas do envelope, por meio *e-mail: mirabel@iae.cta.br de uma camada de um material adesivo, que também funciona como isolante térmico. O ignitor, carregado com material pirotécnico, fornece a energia inicial necessária para a ignição e a conseqüente combustão do propelente 1,2. Figura 1. Principais elementos de um motor foguete a propelente sólido 1 Os propelentes sólidos podem ser divididos em dois grupos: propelente base dupla e propelente compósito. Os propelentes base dupla são considerados misturas homogêneas, tendo como constituintes principais a nitroglicerina e a nitrocelulose. Por outro lado, os propelentes sólidos do tipo compósito são considerados misturas heterogêneas, compostas basicamente de uma matriz polimérica contendo uma elevada porcentagem (80-90%) de partículas sólidas em suspensão. Essas partículas são, normalmente, compostas por um oxidante e um aditivo metálico. A matriz polimérica, além de funcionar como aglutinante das partículas sólidas, funciona, também, como combustível durante a queima do propelente. A queima consiste em

222 Paterlini et al. Quim. Nova uma reação de combustão entre o oxidante e a matriz polimérica/ aditivo metálico, gerando grandes quantidades de gases 3-5. A matriz polimérica mais empregada atualmente é constituída de um poliuretano formado a partir de polibutadieno líquido hidroxilado (PBLH) e diisocianatos 5. O diisocianato mais utilizado é o diisocianato de isoforona (IPDI), que funciona como agente reticulador (agente de cura), promovendo a solidificação da mistura. O PBLH, cuja fórmula estrutural básica é apresentada na Figura 2, é considerado um pré-polímero líquido de massa molar média da ordem de 2.800 g/mol, contendo grupos hidroxilas terminais e reativos. Figura 2. Fórmula molecular básica do polibutadieno hidroxilado (a) e do IPDI (b) Durante o processamento da formulação de propelente compósito à base de PBLH, a mistura dos diversos ingredientes apresenta-se líquida até a adição do agente de cura (IPDI). Após a adição deste, inicia-se a reação de cura do propelente, aumentando a viscosidade da mistura até transformá-la em um produto sólido. A cura consiste na reação entre as hidroxilas do PBLH e os grupos isocianatos do IPDI, levando à formação de uma matriz polimérica de poliuretano, como esquematizado na Figura 3. Logo após a adição do agente de cura, é desejável que a velocidade da reação seja lenta o suficiente para manter a viscosidade da mistura em valores adequados durante o tempo necessário para o carregamento do motor-foguete. Por outro lado, após o carregamento, é desejável que a reação de cura não seja tão lenta, ao ponto de acarretar em tempo de cura prolongado. O ajuste da velocidade de cura para satisfazer essas duas condições tem sido realizado pelo uso de catalisadores, sendo que os mais utilizados são complexos de metais de transição como dibutil dilaurato de estanho, octoato de chumbo, acetilacetonato de cobre e acetilacetonato férrico, sendo este último o mais empregado 6,17-20. Figura 3. Esquema da formação de poliuretano a partir de PBLH e diisocianato Uma das várias formulações de propelente compósito à base de PBLH, utilizada atualmente na Divisão de Química do Instituto de Aeronáutica e Espaço, contém cerca de 70 ppm do catalisador acetilacetonato férrico, calculado em relação à quantidade de poliuretano. Este percentual de catalisador faz com que a reação de cura e, conseqüentemente, o aumento da viscosidade da mistura seja lento o suficiente para permitir o carregamento de motores-foguetes de grande porte. No entanto, para motores-foguetes menores, que requerem um tempo menor de carregamento, a concentração de catalisador pode ser aumentada. Para isso, é necessário que seja realizado um estudo sistemático correlacionando o efeito do aumento da concentração do catalisador na evolução da viscosidade da mistura. Em função do exposto, este trabalho tem como objetivo estudar o efeito da concentração do catalisador acetilacetonato férrico na reação entre PBLH e IPDI. Este estudo foi realizado com o poliuretano puro, constituindo-se em uma etapa preliminar de um futuro trabalho a ser realizado com o poliuretano contendo cargas sólidas de perclorato de amônio e alumínio, constituindo-se esta em uma formulação real de propelente compósito. A evolução da cura foi avaliada por meio de análises viscosimétrica e térmica, via calorimetria exploratória diferencial (DSC). PARTE EXPERIMENTAL O estudo foi realizado com 5 misturas, contendo PBLH, IPDI e quantidades variáveis do catalisador acetilacetonato férrico (Fe(acac) 3 ), como mostrado na Tabela 1. O PBLH, com índice de hidroxilas de 0,72 mmol/g, foi fornecido pela firma Petroflex, o IPDI pela Veba Chemie e o catalisador pela Merck. Primeiramente, foram preparadas duas séries de 5 misturas para as medidas de viscosidade (corrida 1 e corrida 2) e, em uma segunda etapa, uma outra série de 5 misturas para as medidas de DSC. A quantidade de 2,33 g de IPDI, para cada mistura, foi previamente calculada para corresponder a uma razão NCO:OH igual a 1, definida como a relação entre o número de grupamentos NCO do IPDI e o número de grupamentos OH do PBLH. Inicialmente, foi preparada a mistura de PBLH com 600 ppm de catalisador, considerada como mistura padrão. A partir dessa mistura, foram preparadas as demais, por meio de diluições com PBLH puro, como mostrado na Tabela 1. O IPDI foi adicionado a cada mistura minutos antes das medidas de DSC ou de viscosidade. A análise térmica por DSC foi realizada com o objetivo de se determinar o efeito da concentração do catalisador na temperatura de cura de cada mistura (PBLH + IPDI), orientando, assim, a defini- Tabela 1. Composição das misturas analisadas Massa da mistura Massa de PBLH Massa de Concentração final do padrão (g) puro (g) IPDI (g) catalisador na mistura (ppm) Mistura 1 (branco) 0 30 2,33 0 Mistura 2 5 25 2,33 100 Mistura 3 10 20 2,33 200 Mistura 4 20 10 2,33 400 Mistura 5 30 0 2,33 600

Vol. 25, No. 2 Efeito da Concentração do Catalisador Acetilacetonato Férrico na Cura de Poliuretano 223 ção dos limites de temperatura a serem utilizados nos estudos viscosimétricos. Essas análises foram realizadas utilizando-se um aparelho DSC-910 DuPont acoplado ao analisador térmico TA 2100 TA Instruments, sob atmosfera de nitrogênio (50 ml/min) a uma razão de aquecimento de 10 C/min até 250 C. As análises viscosimétricas foram conduzidas utilizando-se um viscosímetro rotacional Brookfield modelo DV-II acoplado a um módulo de aquecimento de até 300 C. Foram empregados 10 ml de amostra, e as análises foram realizadas a uma razão de aquecimento de 3 C/min. Tabela 2. Valores de temperatura e entalpia obtidos por DSC [Fe(acac) 3 ] T i T p T f DH (ppm) (ºC) (ºC) (ºC) (J/g) Mistura 1 0 - - - - Mistura 2 100 34 87 170 47 Mistura 3 200 17 74 144 50 Mistura 4 400 13 63 130 48 Mistura 5 600 11 61 137 47 RESULTADOS E DISCUSSÃO A reação não catalisada entre PBLH e IPDI foi previamente estudada por DSC 21. Foi verificada uma exoterma pouco intensa entre 125 C e 240 C, que diminuiu de intensidade com o tratamento térmico a 50 C. Por outro lado, as análises por DSC do PBLH e do IPDI puros apresentaram picos exotérmicos na faixa de 150 e 230 C e 125 C e 240 C, respectivamente, compreendidos na mesma faixa de temperatura da mistura. Dessa forma, torna-se difícil afirmar se o pico observado na mistura é devido à reação entre os 2 componentes ou a um somatório das reações envolvendo cada componente isoladamente. A Figura 4 mostra as curvas de DSC das cinco amostras analisadas em condições dinâmicas. Na ausência de catalisador a reação é lenta, não sendo possível observar a presença de um pico exotérmico. A adição do catalisador promoveu o aparecimento de uma exoterma mais definida, que se desloca para temperaturas mais baixas com o aumento da concentração do catalisador. A Tabela 2 apresenta os valores das temperaturas inicial (T i ), final (T f ), do máximo do pico (T p ) e a entalpia de reação (DH) obtidos. Os valores de entalpia obtidos não se alteram significativamente com a concentração do catalisador, ou seja, o mecanismo de reação não é alterado, mas somente a sua velocidade. Figura 4. Curvas DSC das misturas de PBLH e IPDI, contendo quantidades variáveis do catalisador Fe(acac) 3 A Figura 5 mostra a correlação entre a concentração de catalisador e a temperatura do máximo do pico, obtendo-se uma curva com ajuste praticamente exponencial. Essa curva mostra que o aumento da concentração de catalisador de 400 para 600 ppm tem pouco efeito sobre a temperatura do pico. Isso indica que concentrações de catalisador acima de 600 ppm não exercem efeito significativo sobre a velocidade de reação. Figura 5. Efeito da concentração do catalisador Fe(acac) 3 sobre a temperatura de máximo do pico (T p ) da exoterma da mistura PBLH/IPDI Tomando como base as temperaturas de início, máximo e final da reação de cura, determinadas por DSC, foram realizadas as medidas de viscosidade para cada mistura. Foram feitas varreduras dinâmicas da variação da viscosidade em função da temperatura. Não foi possível realizar medidas de viscosidade com a mistura sem catalisador (mistura 1), devido ao longo tempo necessário para se obter variações significativas. A Figura 6 mostra as curvas viscosimétricas das misturas de PBLH/IPDI com diferentes concentrações de catalisador em função da temperatura. As varreduras dinâmicas foram realizadas em duplicata, podendo-se observar um pequeno deslocamento das curvas com o tempo de preparação das amostras. Observa-se, que o aumento da temperatura reflete na diminuição da viscosidade, até ser atingida uma faixa de temperatura na qual a viscosidade se torna mínima. A partir desse ponto, ocorre o aumento da viscosidade devido ao avanço da reação entre os dois reagentes, conhecida como região de gelificação, ou região de gel. A comparação dessas curvas mostra que o aumento na concentração do catalisador desloca a região de gel para temperaturas mais baixas, devido ao aumento da velocidade da reação, de acordo com o observado por meio de DSC (Tabela 2). A Tabela 3 apresenta os dados viscosimétricos das 4 misturas analisadas. A partir das curvas apresentadas na Figura 6, observa-se que a viscosidade média inicial de cada mistura situa-se entre 5.500 e 6.500 mpa.s. Isso mostra que apesar do processo ser sensível à quantidade de catalisador, o domínio na preparação das amostras permitiu uma variação não significativa desse parâmetro para as primeiras medidas de viscosidade. A partir das curvas de viscosidade versus temperatura, foram escolhidas 3 temperaturas para a obtenção das isotermas de cada mistura, ou seja, a temperatura de mínimo e outras duas, definidas a 10 e 20 C abaixo dessa. As isotermas da mistura 2 (Figura 7a) mostram que nas temperaturas de 50 e 60 C ocorre o aparecimento do

224 Paterlini et al. Quim. Nova ponto de mínimo, ao contrário da isoterma a 70 C, na qual se observa um aumento contínuo da viscosidade desde o início. Nessa isoterma predomina o aumento da viscosidade desde o início da mistura dos componentes, devido à temperatura de análise favorecer de imediato a reação dos componentes. A ausência do ponto de mínimo para a medida realizada na isoterma mais elevada foi, também, observada para as misturas 3 e 4 (Figuras 7b e 7c). Isso mostra que o processamento nesta temperatura não é recomendado, pois a velocidade da reação sendo mais alta impede o aparecimento da região de gel. Esse fato é importante durante a etapa de carregamento do motor-foguete, na qual a viscosidade da mistura deve ser mantida em uma faixa adequada para permitir o perfeito preenchimento do molde. Se a viscosidade aumentar continuamente a partir da adição do agente de cura, sem passar pela Tabela 3. Resultado das análises viscosimétricas em função do aumento da temperatura das misturas de PBLH/IPDI com diferentes concentrações de catalisador Catalisador Temperatura Viscosidade no (ppm) de mínimo ( C) ponto de mínimo (mpa.s) Mistura 1 0 Mistura 2 100 70 1.800 Mistura 3 200 60 2.800 Mistura 4 400 53 4.000 Mistura 5 600 50 4.700 região de mínimo, pode não haver tempo suficiente para o carregamento do molde ou ainda causar o aprisionamento de bolhas de ar na mistura. Por outro lado, para as misturas 2 e 3, ocorre o aparecimento da região de gel em torno de 200 s quando as medidas foram realizadas na isoterma a 20 C abaixo da temperatura de mínimo. Para a mistura 5 (Figura 7d), esse tempo é reduzido em função da maior concentração de catalisador. Considerando-se as diversas curvas obtidas, pode-se concluir preliminarmente que as misturas 3 e 4, nas temperaturas de 40 e 33 C, respectivamente, se mostraram as mais adequadas ao processamento. Contudo, para uma conclusão mais precisa e, ainda, com a possibilidade de extrapolação dos dados para uma formulação real de propelente compósito, é necessário que sejam feitas novas medidas, variando-se a concentração de catalisador e a utilização de temperaturas mais baixas para a obtenção das isotermas. CONCLUSÃO A análise por DSC de misturas de PBLH e IPDI, contendo quantidades variáveis do catalisador acetilacetonato férrico, mostra o aparecimento de um pico exotérmico, com entalpia na faixa de 47 a 50 J/g. O aumento da temperatura causa a redução da viscosidade da mistura de PBLH e IPDI, até ser atingida uma faixa de temperatura na qual a viscosidade é mínima. A partir desse ponto, a viscosidade aumenta devido ao aumento da velocidade de reação entre os dois reagentes. A faixa de temperatura na qual a viscosidade é mínima é deslocada para menores valores com o aumento da concentração do catalisador. A análise das curvas viscosimétricas permitiu concluir Figura 6. Curvas de viscosidade versus temperatura para misturas de PBLH/IPDI, em função da concentração do catalisador Fe(acac) 3 : a) 100 ppm; b) 200 ppm; c) 400 ppm e d) 600 ppm

Vol. 25, No. 2 Efeito da Concentração do Catalisador Acetilacetonato Férrico na Cura de Poliuretano 225 Figura 7. Variação da viscosidade da mistura PBLH/IPDI em diversas isotermas e diferentes concentrações do catalisador Fe(acac) 3 : a) 100 ppm; b) 200 ppm; c) 400 ppm e d) 600 ppm que a concentração do catalisador acetilacetonato férrico tem um efeito significativo na escolha da isoterma ideal de cura da mistura PBLH/IPDI. Os resultados deste trabalho mostram a importância do estudo do efeito da concentração do catalisador acetilacetonato férrico na reação de cura de PBLH com IPDI, no processamento de propelentes sólidos, de modo a otimizar o enchimento de motores-foguetes, por meio do controle adequado da concentração do catalisador e da temperatura de cura dos componentes. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a FAPESP (processo 98/07439-6) ao CNPq (processo 300599/96) e ao Ministério da Defesa pelo suporte financeiro dado a este trabalho. REFERÊNCIAS 1. Lucas, R. Em Solid Rocket Propulsion Technology; Davenas, A., ed.; Pergamon Press Ltda: Oxford, 1993, p. 1. 2. Davenas, A.; Solid Rocket Propulsion Technology; Pergamon Press Ltda: Oxford, 1993; p. 415. 3. Rastogi, R. P.; J. Sci. Ind. Res. 1973, 32, 279. 4. Stutchbury, J. E.; Proceedings of the R.A.C.I. 1970, 37, 145. 5. Fluke, G. A.; Adv. Chem. Series 88 (Am. Chem. Soc.) 1969, 165. 6. ARCO Poly-bd-Liquid Resins, Catálago Técnico; Philadelphia; USA, 1973. 7. Hepburn, C.; Anais do 1 Congresso Brasileiro de Polímeros 1991, São Paulo, Brasil. 8. Nema, S. K.; Nair, P. R.; Francis, A. U.; Narendranath, P. K.; Rao, K. V. C.; Recent Development and Applications. Polymers & Radiation Symposium Board Research Nuclear Science Industry, Gujarat, Índia, 1979. 9. PETROFLEX, Liquiflex; Liquid Hydroxyl-Terminated Polybutadiene, Catálago Técnico, 1991. 10. Vilar, W. D.; Obtenção de Polibutadieno Líquido pelo Processo de Radicais Livres, RelatórioCENPES-123; Petrobrás, 1976. 11. Vilar, W.D.; Química e Tecnologia dos Poliuretanos, Pronor, 1993. 12. Ninan, K. N.; Balagangadharan, V. P.; Catherine, K. B.; Polymer 1991, 32, 628. 13. Soares, A. M. F. M; Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, 1985. 14. Botelho, E. B.; Scherbakoff, N.; Rezende, M. C.; Mater. Res. 2000, 3, 19. 15. Botelho, E. B.; Scherbakoff, N.; Rezende, M. C.; Carbon 2001, 39, 45. 16. Botelho, E. B.; Scherbakoff, N.; Rezende, M. C.; Polím.: Ciênc. Tecnol. 1999, 1, 59. 17. Manjari, R.; Joseph, V. C.; Pandureng, L. P.; Sriram, T.; J. Appl.Polym. Sci. 1993, 48, 271. 18. Bunyan, P.; Cunlife, A. V.; Davis, A.; Kirby, F. A.; Polym. Degrad. Stab. 1993, 40, 239. 19. Saunders, J. H.; Frisch, K. C.; Polyurethanes: Chemistry and Technology, Part I (Chemistry), John Wiley: New York, 1962. 20. Oertel, G.; Polyurethane Handbook; Hanser Publishers: Munich, 1985. 21. Lourenço, V. L.; Estudo por DSC de reações envolvidas em propelente compósito. Relatório Técnico AQI-RT-027/92, Laboratório Instrumental da Divisão de Química do Instituto de Aeronáutica e Espaço, São José dos Campos, SP, 1992.