Nota sobre a nova legislação relativa a serviços públicos essenciais

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Transcrição:

Nota sobre a nova legislação relativa a serviços públicos essenciais Jaime Melo Baptista Presidente do Conselho Directivo do IRAR Dulce Álvaro Pássaro Vogal do Conselho Directivo do IRAR João Simão Pires Vogal do Conselho Directivo do IRAR 1. Introdução A Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro, altera a Lei n.º 23/96, de 26 de Julho relativa aos serviços públicos essenciais, produzindo efeitos a partir de 26 de Maio de 2008. O IRAR considera que esta Lei terá genericamente um impacte positivo nos serviços de águas e resíduos. Face à importância do tema, destacamos os seguintes aspectos mais relevantes para o sector dos serviços de águas e resíduos: 2. Âmbito dos serviços públicos essenciais Em futuras comunicações referencie o número de documento e/ou de processo IRAR Tal como temos vindo a defender, o diploma passou a abranger também os serviços de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, equiparando-os com o serviço público de abastecimento de água para consumo humano. Esta medida vem naturalmente no sentido de uma maior defesa do consumidor. 3. Proibição da taxa de aluguer de contadores Passa a ser proibida a cobrança de tarifas/taxas/preços pela disponibilização dos contadores e outros instrumentos de medição, independentemente da designação que assumirem. O IRAR perfilha desta posição, pois tem preconizado a inclusão dos custos com os contadores e outros instrumentos de medição na componente fixa da estrutura tarifária, tal como acontece com qualquer outro equipamento do sistema. É no entanto importante esclarecer que os custos inerentes aos contadores e outros instrumentos de medição integram, com todas as demais rubricas, o conjunto de custos de que o prestador se tem de ressarcir. Como eles integram inevitavelmente o conjunto de custos incorridos com a prestação dos serviços, a proibição das taxas dos contadores não tenderá a provocar, consequentemente, uma redução do preço a pagar. Outra prática iria aliás em contradição com o que está previsto na Lei da Água e na Lei das Finanças Locais e com os compromissos nacionais de cumprimento de legislação e requisitos comunitários, que preconizam que as tarifas a pagar pelos utilizadores devem

garantir a recuperação tendencial dos custos incorridos pelas entidades gestoras com a prestação do serviço, operando em condições de eficiência e melhoria contínua. Só desta forma será possível assegurar serviços com qualidade adequada aos consumidores, cumprindo nomeadamente os exigentes parâmetros europeus, e assegurar a renovação e a modernização atempada das infra-estruturas, para que não se remeta para gerações futuras o ónus de terem de substituir todo um património degradado. A moderação tarifária, que a todos importa, deve ser conseguida através de uma permanente procura de maior eficiência na prestação do serviço, eliminando todos os gastos desnecessários, sem prejudicar a qualidade de serviço pretendida. Esse objectivo é prosseguido nomeadamente através da intervenção regulatória do IRAR, a nível de: a) Regulação económica, com a elaboração de parecer anual não vinculativo sobre as tarifas propostas pelas entidades gestoras, actualmente limitado às concessões, face ao estatuto vigente; b) Regulação da qualidade de serviço, com a avaliação anual da qualidade de serviço prestado pelas entidades gestoras e a comparação entre elas (benchmarking), actualmente limitado às concessões, face ao estatuto vigente; c) Regulação da qualidade da água para consumo humano, com o acompanhamento da monitorização anual da qualidade da água realizada pelas entidades gestoras. Este último caso é aliás um excelente exemplo de como foi possível nos últimos anos o País evoluir de forma muito positiva, face ao atraso que existia. São indicadores claros os factos de 100% das mais de 300 entidades gestoras disporem actualmente de planos de controlo de qualidade da água, de estarem já a realizar a quase totalidade das análises exigidas por lei (perto de 99%) e de a percentagem de cumprimentos dos valores limite estabelecidos atingir 97,2%, o que nos coloca numa posição confortável em termos europeus. 4. Tarifas de disponibilidade e de utilização No que respeita aos consumos mínimos, o diploma esclarece que as taxas e tarifas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de águas e resíduos não constituem consumos mínimos. Com efeito, o diploma legitima a cobrança de tarifas de disponibilidade e de utilização dos serviços: Artigo 8.º Consumos mínimos e contadores 1 - São proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos. 2 - É proibida a cobrança aos utentes de: a) Qualquer importância a título de preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou outros instrumentos de medição dos serviços utilizados; b) Qualquer outra taxa de efeito equivalente à utilização das medidas referidas na alínea anterior, independentemente da designação utilizada; ( ) 3 - Não constituem consumos mínimos, para efeitos do presente artigo, as taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos, nos termos do regime legal aplicável. 2

Do ponto de vista económico e de equidade entre utilizadores, e de acordo aliás com uma alargada prática internacional, entendemos que nem todos os custos de prestação destes serviços devem ser indexados ao nível de intensidade da utilização dos serviços (tarifa de utilização), como o volume consumido no caso do abastecimento de água. Com efeito, são incorridos um conjunto significativo de custos pela mera disponibilização destes serviços aos consumidores em sede de construção, operação, conservação e manutenção de infraestruturas e equipamentos (tarifa de disponibilidade). O consumidor servido, mesmo na ausência de utilização do serviço, também onera a estrutura de custos do prestador do serviço. Efectivamente, os serviços de águas e resíduos implicam avultados custos de investimento e de manutenção das respectivas infra-estruturas, geralmente activos de longa duração e elevada imobilização, pelo que os respectivos tarifários devem ser compostos de uma parcela de disponibilidade e uma outra de utilização. A segunda depende do consumo efectuado (volume de água fornecida ou de águas residuais ou resíduos sólidos recolhidos), cobrindo os custos variáveis associados ao nível de utilização do serviço, enquanto a primeira tem por objectivo suportar, no essencial, os custos fixos que decorrem da disponibilização continuada do serviço e que não dependem do nível de utilização. Esta estrutura tarifária está, de resto, consagrada no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto (o qual aprovou o regime de concepção, instalação e exploração dos sistemas públicos e prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais). Artigo 22.º Facturação As facturas emitidas pela entidade gestora podem ser mensais e discriminar os serviços eventualmente prestados, as correspondentes tarifas e os volumes de água e de águas residuais que dão origem às verbas debitadas e os encargos de disponibilidade e de utilização. Em nome de um princípio de equidade, procurando mitigar situações de subsidiação cruzada, uma vez que a mais-valia resultante da sua disponibilidade é equivalente para todos os que são abrangidos pelo serviço, independentemente do nível de utilização, não é adequado incluir estes custos na tarifa de utilização. A supressão da parte fixa da tarifa conduziria necessariamente ao aumento da parcela variável, como única via para reequilibrar financeiramente a prestação dos serviços. Consequentemente, tem sido parecer desta entidade reguladora que a estrutura tarifária não deve contemplar apenas componentes indexadas ao volume de água consumido ou de águas residuais produzido ou à quantidade de resíduos produzida, na medida em que tal resultaria num quadro agravado de injustiça entre utilizadores em termos dos custos suportados. Os tarifários devem integrar tarifas de disponibilidade, pelo facto dos serviços públicos estarem disponíveis, e tarifas de utilização, devidas em função do nível de intensidade da utilização desses serviços. Se, por exemplo, um cidadão residir numa cidade mas possuir uma segunda residência numa pequena aldeia do interior onde vai esporadicamente passar os seus fins de semana, se pagar apenas uma tarifa de utilização, provavelmente pelo escalão mínimo devido ao reduzido consumo, vai pagar um preço muito reduzido, insuficiente para cobrir os custos de disponibilidade do seu serviço. Isso obriga em termos práticos os residentes dessa aldeia, provavelmente com menor capacidade económica, a suportarem durante todo o ano os restantes custos de disponibilidade do serviço, o que constitui uma situação clara de iniquidade. 3

Noutro exemplo, um cidadão residente no estrangeiro que disponha de uma moradia em Portugal para passar duas semanas de férias por ano, se pagar apenas uma tarifa de utilização, vai pagar um preço muito reduzido e ver os custos de disponibilidade do seu serviço durante todo o ano serem suportados na quase totalidade pela população local.,. Isto significa que, ao contrário do que por vezes é afirmado, a aplicação apenas de uma tarifa de utilização (ou volumétrica) gera claras injustiças entre os consumidores, nomeadamente favorecendo os de maior rendimento face aos mais carenciados. Por esta razão o IRAR defende a não existência de consumos mínimos mas considera fundamental que as estruturas tarifárias praticadas pelos prestadores de serviço contemplem componentes de disponibilidade e de utilização, o que aliás está previsto na lei e se verifica já com muitas entidades gestoras, sendo aliás a prática internacional mais generalizada. 5. Proibição de tarifas ou taxas sem correspondência directa com encargos São expressamente proibidas tarifas ou taxas sem correspondência directa com encargos em que os prestadores de serviço incorram, o que perfilhamos totalmente. Esta medida vem naturalmente no sentido de uma maior defesa do consumidor. Situação diferente, do nosso ponto de vista, é quando, coexistindo prestadores de serviço distintos para os serviços de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos num dado território, a factura de água seja utilizada, por acordo entre os operadores e no quadro da lei, como veículo de cobrança para os vários serviços. Sendo este mecanismo fundamental, o nosso entendimento é que esta disposição não contende com ele. 6. Obrigação de informar directa e atempadamente os utilizadores A entidade gestora tem agora o dever de informar directa e atempadamente os utilizadores sobre os tarifários aplicáveis, devendo explicar, designadamente, de forma clara, a finalidade de cada tarifa e os termos em que são aplicáveis, o que nos parece obviamente correcto e constitui um direito dos consumidores. 7. Obrigação de facturação mensal Considera deste Instituto que a periodicidade mínima de facturação deve assegurar um adequado equilíbrio entre uma facturação frequente e um menor impacto na tarifa. É um facto que quanto mais frequente for a facturação, mais fácil é para o consumidor gerir o seu orçamento, uma vez que a generalidade dos rendimentos do trabalho tem uma periodicidade mensal, o que aponta para a facturação mensal. Mas também é verdade que quanto mais frequente for a facturação mais caro é o serviço para o consumidor, uma vez que os custos variáveis de gerar, imprimir, enviar e processar uma factura não são despiciendos e que, por exemplo, ao se passar de uma periodicidade bimestral para uma mensal se está efectivamente a duplicar estes custos. Efectivamente, os custos directos de emissão de cada factura (impressão, envelopagem, portes, processamento e verificação, comissões de entidades financeiras, etc.) situam-se entre 0,80 e 1,30 por factura emitida. Importa também ter presente que grande parte dos consumidores não utiliza o pagamento por débito directo em conta. Para muitos destes consumidores que pagam estes serviços 4

através de Multibanco, envio de cheque pelo correio ou mesmo deslocando-se ao balcão de atendimento do prestador de serviço, caso de muitas pessoas de maior idade, a necessidade de efectuar pagamentos com maior frequência pode representar um maior transtorno e não um benefício. Por isso advogámos uma solução bimestral, que nos parecia mais equilibrada. Pretendia-se com isso proteger os interesses dos consumidores, nomeadamente minimizando o agravamento da tarifa, sujeita já a diversos factores de pressão no sentido do aumento. Mas a decisão de facturação mensal foi agora tomada por quem legitimamente o pode fazer e tem naturalmente que ser seguida pelas entidades gestoras, e o IRAR estará atento ao cumprimento da lei no quadro do seu estatuto. A minimização do consequente aumento dos custos pode passar, por exemplo, pelo reforço do envio da factura através da Internet em alternativa ao envio em papel pelo correio, para os consumidores que assim o desejarem, sendo uma medida que, embora possa não produzir plenos efeitos em termos imediatos, poderá assumir relevância crescente em função do continuado desenvolvimento da sociedade de informação no nosso País. 8. Obrigação da facturação discriminar serviços prestados e tarifas A facturação deve discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas, o que merece o nosso acordo. Consideramos também que a factura deve respeitar os princípios da simplicidade e transparência, sendo de fácil compreensão para o utilizador. Deve conter, no mínimo, informação sobre a entidade gestora, o utilizador, os serviços prestados e as tarifas aplicadas, as formas de pagamento e outra informação relevante para o consumidor. 9. Obrigação de antecedência mínima de 10 dias úteis da exigência de pagamento O utilizador deve ser advertido com uma antecedência mínima de 10 dias úteis da exigência de pagamento por serviços prestados. No caso do serviço de abastecimento de água o prazo do pré-aviso para a suspensão do serviço passou de 8 para 10 dias. Parecem-nos medidas adequadas à defesa do consumidor. 10. Caducidade ou prescrição da dívida Quando o serviço foi facturado com base em estimativa de consumo, o direito do prestador do serviço ao recebimento da diferença caduca 6 meses após o pagamento do serviço. Sempre que, em virtude do método de facturação utilizado, seja cobrado ao utilizador um valor que exceda o correspondente ao consumo efectuado, o valor em excesso é abatido na factura em que tenha sido efectuado o acerto. Ficou clarificado que a simples emissão da factura não impede a verificação da caducidade ou prescrição da dívida. Para garantir o direito ao pagamento dos consumos, e caso não haja pagamento voluntário, o prestador do serviço deve recorrer aos mecanismos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo ou a tribunal antes do final do prazo de prescrição ou caducidade. 11. Ónus da prova É expressamente enunciado que o ónus da prova sobre o cumprimento das obrigações definidas no diploma, designadamente no que respeita às comunicações ao utilizador, impende sobre o prestador do serviço, o que tem sido a posição reiterada pelo IRAR. 5

12. Nota final Assim, face ao exposto, o impacto na prática tarifária no sector dos serviços de águas e resíduos não será muito significativo, na medida em que a maioria das medidas não tem custo ou é de baixo custo, com excepção da facturação mensal. Sem prejuízo disto, haverá naturalmente que rever os tarifários e os regulamentos de serviço existentes e adaptar alguns contratos de concessão existentes. 6