Registro: 2017.0000551548 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505, da Comarca de Ribeirão Pires, em que é apelante CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E OPTOMETRIA DE SÃO PAULO, é apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE RIBEIRÃO PIRES. ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores MARIA LAURA TAVARES (Presidente sem voto), FRANCISCO BIANCO E NOGUEIRA DIEFENTHALER. São Paulo, 31 de julho de 2017. FERMINO MAGNANI FILHO RELATOR Assinatura Eletrônica
VOTO Nº 22745 APELAÇÃO CÍVEL Nº 1001244-28.2016.8.26.0505 FORO DE ORIGEM: RIBEIRÃO PIRES APELANTE(S): CROOSP - CONSELHO REGIONAL DE ÓPTICA E OPTOMETRIA DE SÃO PAULO APELADO(S): MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PIRES CERCEAMENTO DE DEFESA Processo bem instruído, sendo desnecessária a realização de perícia para deslinde da controvérsia Inocorrência de afronta à ampla defesa Expressão utilizada com mera força retórica Preliminar rejeitada. AÇÃO CIVIL PÚBLICA Pretensão à expedição de alvará sanitário de funcionamento de consultórios optometristas Vedação explícita nos Decretos nºs 20.931/1932 e 24.492/1934, e Lei nº 12.842/2013 Ausência de violação ao artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal Norma de eficácia contida Possibilidade de limitação do ofício pelo Poder Público Veto presidencial que não possui força normativa Revogação tácita inexistente Precedentes jurisprudenciais Apelação não provida. Vistos. Apelação tempestiva interposta pelo CROOSP - Conselho Regional de Óptica e Optometria de São Paulo contra r. sentença do digno Juízo da 1ª Vara da Comarca de Ribeirão Pires (fls 640/643, integrada a fls 648/649), que julgou improcedente ação ajuizada em face do Município de Ribeirão Pires. Demanda cujo objeto consistia na abstenção da Vigilância Sanitária Municipal em autuar os optometristas e seus respectivos consultórios com base nos Decretos nºs 20.931/1932 e 24.492/1934, expedindo-lhes alvará sanitário de funcionamento mediante apresentação de diploma e/ou certificado de conclusão de curso. Recurso fundado, em síntese, nestas teses: a) a declaração de nulidade da r. sentença por cerceamento na produção de provas indispensáveis ao resultado útil do processo; b) conversão do julgamento em diligência para realização de audiência pública; c) em razão do veto da Presidência da República, a Lei do Ato Médico não considera privativa dos Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 2 de 7
médicos a prescrição de órteses e próteses oftalmológicas, por óbvio resta revogado o artigo 38 do Decreto nº 20.931/1932 (fls 651/673). pelo apelante. Apelo respondido (fls 676/701). É o relatório. 1- De início, rejeito a preliminar de vício processual. Não há traço de cerceamento de defesa conforme aventado Já se tornou argumento oco, de caráter meramente simbólico pela carga valorativa que ostenta a ideia de cerceamento de defesa, capaz de desfazer anos de andamento processual. Justamente por isso, pelo apanágio que representa, é fundamento que há de ser visto com muita cautela. As provas foram produzidas seguindo-se estritamente a trindade informação-reação-influência efetiva. Processo dialético, à toda evidência. Deveras, o feito encontra-se bem instruído, com documentação, o que possibilitou aos interessados a ampla oportunidade de contestar-lhes o teor, exercendo, desta forma, um contra-ataque substancial. 2- Ao mérito: O CROOSP - Conselho Regional de Óptica e Optometria de São Paulo ajuizou ação civil pública para forçar a abstenção da Vigilância Sanitária Municipal de Ribeirão Pires em autuar os optometristas e seus respectivos consultórios, expedindo-lhes alvará sanitário de funcionamento mediante apresentação de diploma e/ou certificado de conclusão de curso. Diz que no dia 22/09/2015 solicitou informações a Vigilância de Saúde do Município de Ribeirão Pires sobre expedição de alvará de funcionamento da para instalação de gabinete optométrico. Veio resposta negativa nos termos dos artigos 38 e 39 do Decreto Federal nº 20.931/1932 (fls 36). Refuta tal limitação, vez que há autorização de cursos de Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 3 de 7
optometria pelo Ministério da Educação, bem como a profissão foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho por meio da Portaria nº 397/2002 (fls 46/51). Acrescenta que a exclusividade aos médicos na prescrição de lentes corretivas foi objeto de veto presidencial ao inciso IX, do artigo 4º, da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico - 52/55 e 56/57), resultando na revogação tácita ao artigo 38 do Decreto nº 20.931/1932. A r. sentença de improcedência deve ser mantida. 3- De início não há que se falar em violação do exercício profissional. O artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, norma de eficácia contida, dispôs que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. O Decreto nº 20.931/1932 reconhece de optometria como profissão, mas apenas restringe o referido ofício com a finalidade de distingui-lo da esfera de atividades privativas dos médicos: Art. 3º - Os optometristas, práticos de farmácia, massagistas e duchistas estão também sujeitos à fiscalização, só podendo exercer a profissão respectiva se provarem a sua habilitação a juízo da autoridade sanitária. Art. 38 - É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o material aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos leitos da Saúde Pública e a quem a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas sanitárias. Art. 39 - É vedado às casas de ótica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos. Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 4 de 7
Também a Lei nº 3968/1961 seguiu esse entendimento: Art. 3º - É terminantemente vedado aos enfermeiros optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios. Vale o esclarecimento da Ministra Ellen Gracie no RE nº 414.426/SC, que o exercício profissional só está sujeito a limitações estabelecidas por lei e que tenham por finalidade preservar a sociedade contra danos provocados pelo mau exercício de atividades para as quais sejam indispensáveis conhecimentos técnicos ou científicos avançados. Inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça já considerou eficazes as normas supramencionadas: ADMINISTRATIVO OPTOMETRISTAS LIMITES DO CAMPO DE ATUAÇÃO VIGÊNCIA DOS DECRETOS 20.931/1932 E 24.492/1934 VEDAÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS PRIVATIVOS DE MÉDICOS OFTALMOLOGISTAS TRABALHO E EMPREGO 397/2002 PORTARIA DO MINISTÉRIO DO INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL RECONHECIDA PELO STF. 1- Cinge-se a controvérsia aos limites do campo de atuação dos optometristas e de eventuais excessos ou interferências indevidas de suas atividades com as próprias e exclusivas de médicos oftalmologistas, considerado o que dispõem os Decretos 20.931, de 11.1.1932, e 24.492, de 28 de junho de 1934, que regulam e fiscalizam o exercício da medicina. 2- Ressalte-se, desde logo, que tais diplomas continuam em vigor. Isso porque o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto 99.678/1990) foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, na ADI 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal. 3- A Portaria 397/2002 do Ministério do Trabalho e Emprego é parcialmente inconstitucional, uma vez que extrapolou a previsão legal ao permitir que os profissionais optométricos realizem exames e consultas, bem como prescrevam a utilização de óculos e lentes. 4- Desse modo, Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 5 de 7
tenho por correto o posicionamento adotado pela instância ordinária, ao impor aos profissionais, ora recorridos, a obrigação de não praticar atos privativos dos médicos oftalmologistas, tais como adaptar lentes de contato e realizar exames de refração, ou de vistas, ou teste de visão (fl. 572-573, e-stj). 5. Recurso Especial provido, para restabelecer a sentença de primeiro grau (REsp nº 1261642/SC, 2ª Turma, Ministro Herman Benjamin, j. 28/05/2013). 4- Nem há que se falar em revogação tácita em decorrência do veto presidencial ao inciso IX, artigo 4º, da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico - fls 52/55 e 56/57), que assegurava aos médicos exclusividade na prescrição de lentes corretivas. Isso porque não tem o condão retirar a eficácia de norma posta. O veto constitui prerrogativa do chefe do Poder Executivo, cuja função é apreciar eventual inconstitucionalidade (veto jurídico), ou contrariedade ao interesse público (veto político) em projeto legislativo, e somente com eficácia nesse âmbito. Ademais, pelo princípio da continuidade, a lei somente perde a eficácia em razão de uma força contrária à sua vigência. E tal força é a revogação, consistente na votação de outra lei, com a forma de fulminar a sua obrigatoriedade (Caio Mário da Silva Pereira - Instituições de Direito Civil, volume I, 20ª edição, página 124, Forense, 2004). Não é o caso. A motivação do veto não tem força normativa. Destaco o entendimento desta Corte Bandeirante: MANDADO DE SEGURANÇA Estabelecimento de consultório de optometria Pedido de licença municipal para funcionamento Indeferimento Impetrante com formação técnica de nível médio Existência de direito líquido e certo ao exercício da profissão, nos limites da habilitação Impossibilidade de instalação de Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 6 de 7
consultório Ordem concedida em parte Apelação não provida (Apelação Cível nº 1000843-98.2016.8.26.0094, 10ª Câmara de Direito Público, relator Desembargador Antônio Celso Aguilar Cortez, j. 20/02/2017). MANDADO DE SEGURANÇA LICENÇA DE FUNCIONAMENTO Pretensão de concessão de licença de funcionamento para consultório de optometrista Prática que é objeto de vedação Decreto nº 20.931/1932 Dispositivo cuja validade não foi afetada pela Portaria MTE nº 397/2002 ou pelo Decreto nº 99.678/90 Irrelevância jurídica de razões de veto Precedentes Sentença mantida Recurso não provido (Apelação Cível nº 1001079-20.2015.8.26.0083, 8ª Câmara de Direito Público, relator Desembargador Manoel Ribeiro, j. 15/06/2016). Por meu voto, nego provimento à apelação. Ficam as partes e respectivos procuradores cientificados que eventuais recursos interpostos contra esta decisão poderão ser submetidos a julgamento virtual. interposição ou resposta. virtual. Eventual oposição deverá ser formalizada no momento de sua O silêncio será interpretado como anuência ao julgamento FERMINO MAGNANI FILHO Desembargador Relator Apelação nº 1001244-28.2016.8.26.0505 - Voto nº 22745 Página 7 de 7