CARTA DA ALUNA DA ESCOLA E.B. 2,3 DE PAREDES (Beatriz Regina Martins Soares) Ex. mo Sr. Charles Darwin, Sem querer subestimar a sua restante obra, são os seus relatos sobre as Galápagos os que mais me fascinam e maior expectativa causam. Para além do itinerário percorrido até alcançar essas distantes ilhas, que deve ser extraordinariamente belo e de aspecto peculiar, albergando uma imensa biodiversidade e riqueza geológica, suponho que, só por si, o arquipélago constitua um laboratório vivo em constante mutação, mais uma pista para descodificar o mistério a que chamamos vida. E, sabendo da iminência de uma segunda viagem às Galápagos, senti-me na necessidade de lhe expressar o meu desejo de o acompanhar nesta jornada como assistente, e é na esperança de ser tomada como a pessoa indicada para esta tarefa que lhe dirijo esta carta. Pessoalmente, considero uma oportunidade única poder exercer as funções de um naturalista orientada por alguém com a sua experiência. A própria viagem deve constituir uma aventura repleta de entusiasmo, não só pela agitação da vida a bordo, mas também pelo sem número de animais marinhos e climas que podem cruzar-se com a embarcação. Para além disso, as Galápagos são um local propício e motivador para a exploração natural, a julgar pelas informações que me foram cedidas, e penso que constituem uma possibilidade em aberto para aprofundar os meus conhecimentos de história natural e despertar os meus instintos científicos. Desde já, posso garantir empenho, curiosidade e determinação da minha parte, assim como esforço por assimilar os conteúdos e instruções que me transmitir. Julgo até que lhe poderia ser muito útil, pois tenho alguma experiência em dissecação e sou bastante cuidadosa e organizada com o material recolhido, Sou, também, uma observadora atenta, ainda que possa dispersar a minha atenção se o ambiente for demasiado deslumbrante. Uma vez envolvida num fervilhar de vida, gosto de observar o conjunto 1 6
primeiro, ver de que maneira as formas encaixam na moldura, e só depois explorar os detalhes de um modo mais específico. Em contrapartida, perco-me muitas vezes em pensamentos sobre os mais ínfimos pormenores e complexidade em que consiste cada organismo. O meio natural é incrivelmente mais mágico quando visto do que quando imaginado, pois, por mais fértil que seja a imaginação, é impossível visualizar um céu mais belo do que aquele que cobre a Terra, e palavras algumas podem descrever a sensação de calma que a sua cor transmite. E, se já os relatos são atractivos e soam inconcebíveis, não consigo sequer imaginar o espanto causado pela realidade desses mundos distantes. E é esse forte desejo de constatar pessoalmente as maravilhas do mundo natural que me leva a pedir-lhe que me aceite como assistente. Acompanhá-lo no seu regresso ao arquipélago permitir-me-ia, não só debater as teorias formuladas com o próprio autor, teorias essas que vieram revolucionar os ideais comuns, como aperceber-me dos métodos mais correctos para abordar a natureza no estado verdadeiramente selvagem. As investigações iniciadas em 1835, sem dúvida cruciais para desvendar a origem das espécies, podem prosseguir e ser aprofundadas nesta segunda viagem. É fantástico que, num espaço tão pequeno, haja espécies que não se encontram em mais nenhum lugar e, ainda assim, sejam diferentes entre si e apresentem uma população bastante numerosa. A diversidade e gradação das semelhanças, que cada grupo de habitantes apresenta em relação a outro são simplesmente espantosas, principalmente considerando que as ilhas são geologicamente semelhantes. Talvez todo o interesse do arquipélago se possa resumir às suas próprias palavras, Sr. Darwin, e o mais incrível na configuração deste pequeno mundo seja que as ilhas são um grupo de satélites, semelhantes do ponto de vista físico, diferentes em relação aos organismos e, todavia, intimamente ligados uns aos outros e todos com o grande continente americano. É notável o facto de, só a sua descrição, remeter para tempo e espaço remotos e distantes, encobertos pela sombra do passado. É curioso que os motivos que tornam as Galápagos tão especiais sejam os mesmos que permitem desvendar os seus mistérios. Por exemplo, verifica-se uma gradação na espessura dos bicos das várias espécies de Geospira, sendo este grupo tão próximo de aves, o que é de 2 6
particular interesse; mas leva também a concluir que todas essas aves evoluíram a partir de um parente comum, modificado para atingir fins diferentes de acordo com as imposições do meio envolvente. E isso é ainda mais nítido se compararmos as espécies imigrantes originais com as que sofreram influência do novo habitat ao longo dos anos. Aliás, atrevo-me a dizer que estas observações impulsionaram a sua teoria de evolução. Talvez nesta viagem se possam recolher fósseis, animais e vegetais, pois essas fotografias paleontológicas do tempo poderiam ser o lápis para esboçar a árvore genealógica das Galápagos, desde o tempo em que eram povoadas por lagartos de grandes dimensões (dinossauros, segundo Richard Owen) até à actual era geológica. É até possível que, uma vez documentadas as ligeiras diferenças entre cada espécie, nomeadamente nichos ecológicos e relações inter e intra-específicas mantidas entre elas, pudessem ser descobertas as causas dessas mutações e as vantagens das mesmas para cada indivíduo. Aliás, o próprio Sr. Darwin escreveu que na primeira viagem só 193 das estimadas 225 espécies da flora do arquipélago foram descritas por si, e havia ainda a incerteza da exclusividade de algumas delas relativamente às Galápagos, pelo que esta viagem poderia ser mais intensamente dedicada ao estudo da botânica. E todas as informações recolhidas irão, com certeza, corroborar a sua teoria de Evolução por Selecção Natural. Se for possível fortalecer a veracidade da teoria, esta irá certamente influenciar o rumo da ciência durante gerações. E é por acreditar sinceramente na importância histórica desta jornada que anseio pela sua resposta. Atenciosamente, Beatriz Martins Soares 3 6
CARTA DA PROFESSORA DA ESCOLA E.B.2,3 DE PAREDES (Samaritana Raquel Vasconcelos Oliveira Pereira) A vida é um longo caminho, constituído por inúmeras etapas, cheias de obstáculos e aventuras, que se vão vencendo lentamente, ora de forma penosa, ora de modo risonho. Em cada etapa urge definir objectivos, com vista a não haver lugar para esmorecimentos e a vitória estar desde o início garantida. Claro que as etapas iniciais da longa caminhada da vida são relativamente fáceis de serem superadas, sobretudo porque contamos com a ajuda de quem está sempre connosco: pais e professores, que com a sua experiência e sapiência nos mostram o mapa e nos ajudam a seguir pelo caminho correcto. No entanto, quando nos lançamos à conquista de uma carreira profissional, tudo se complica ou talvez não. Lidamos com os desafios inerentes a algo que ainda não conhecemos, confrontamo-nos com os obstáculos associados aos nossos próprios medos e, se enveredarmos por um caminho associado ao ensino, deparamo-nos com a árdua tarefa de estimular, encorajar, auxiliar, preparar e educar uma geração. Temos a suprema responsabilidade de estarmos com o futuro nas nossas mãos! Seguir uma carreira associada ao ensino; escolher ser professor no século XXI é uma missão mágica, mas não muito diferente da que era há dois séculos atrás. Sim, escrevo com convicção! Talvez o modo de o fazer seja diferente, mas a essência, as batalhas, as responsabilidades e as aventuras associadas são idênticas. Ser professor é conduzir o destino do futuro, que está mesmo sentado à nossa frente, é ter o poder de o moldar e mudar, sabendo garantidamente que se ousarmos, se inovarmos, se arriscarmos, as nossas palavras, gestos, atitudes e audácia nunca serão esquecidos. De facto, ensinar não é fornecer conteúdos, nem transmitir conhecimentos, que facilmente poderão ser adquiridos através da leitura de um qualquer livro ou manual, como muitos ainda o fazem, é muito mais do que isso! Ser professor é abrir a porta aos alunos e deixá-los percorrer o 4 6
caminho; é mostrar a direcção, dando-lhes apenas a bússola, impelindo-os a progredir livremente, despertando-lhes unicamente a curiosidade e o gosto pela aventura da descoberta. Na verdade, os alunos só aprendem verdadeiramente, sem nunca esquecer, quando são eles a desbravar as florestas, que julgavam impenetráveis, quando descobrem sozinhos a estrada que acreditavam não existir, ou quando são eles próprios a construí-la. Assim, se faz o saber, apesar de alguns ainda não o fazerem! É extremamente agradável pensar e acreditar que podemos ser o alicerce da vida futura dos nossos discentes. De facto, se os prepararmos e os despertarmos convenientemente estamos a formar cidadãos dinâmicos, atentos e interventivos, com uma função activa na sociedade onde se irão inserir. O mesmo podia acontecer, sem dúvida, no passado, apesar de ser uma circunstância rara. Atente-se no caso do professor John Stevens Henslow, o qual teve um impacto preponderante na vida e carreira do seu aluno Charles Darwin. John Henslow foi o homem na sombra, aquele que abriu as portas, sem percorrer o caminho; quem mostrou a direcção, fornecendo simplesmente a bússola. Ele soube ousar e ser audaz, inovando com o seu método de ensino assente em aulas de cariz experimental. Despertou, assim, o gosto pela descoberta e a curiosidade no seu aluno, incentivando-o a fazer as suas próprias observações e permitindo-lhe retirar as suas conclusões, construindo o seu próprio conhecimento. Este jovem professor de Botânica foi, segundo Darwin, preponderante na sua vida. Provavelmente se o docente não tivesse intervindo numa das etapas da vida do famoso naturalista, não conheceríamos Darwin do modo como hoje o conhecemos. Na verdade, Henslow cumpriu a verdadeira e mágica missão de ser professor: incentivou o seu aluno a ler o livro Princípios da Geologia de Charles Lyell, o qual foi determinante para que os pensamentos e percepções que teve durante a viagem, no Beagle, surgissem e cujos conceitos utilizou, mais tarde, como base para a redacção do seu livro Sobre a Origem das Espécies através da Selecção Natural ; incluiu-o no círculo científico da época e proporcionou ao seu aluno a viagem no Beagle, aquele que, segundo Darwin, foi o acontecimento mais marcante da sua vida e o que determinou toda a sua carreira. De facto, foi aquela maravilhosa viagem, providenciada pelo 5 6
seu professor, mas sobretudo amigo, Henslow que permitiu a Darwin formular a sua Teoria de Evolução por Selecção Natural. Na verdade, o que Henslow conseguiu é o que todos nós, professores da actualidade, ambicionamos, mas raramente alcançamos: o fascinar, o deslumbrar os nossos alunos, conseguindo motivá-los e marcá-los de forma positiva, sendo mais do que mentores, sendo seus amigos. Todos desejamos fazer o que este professor fez, fornecer as ferramentas, sem construir, somente mostrar como se constrói e lançar os nossos discentes num caminho de constante descoberta e deslumbramento, providenciando-lhes os alicerces para a vida. Eu, jovem professora do século XXI, perdida e achada no meio da longa caminhada da vida, confrontada com receios e desafios diversos, tentando ser vitoriosa, e ainda a definir os objectivos para esta etapa, creio que posso e devo utilizar como referência o exemplo de um jovem, único e fascinante, professor de Botânica, do século XIX, ainda actual pela sua audácia e ousadia, que certamente conseguiria fascinar os jovens que percorrem as salas de aula das escolas, nesta primeira década do seguinte milénio. Samaritana Pereira 6 6