ITIE pode desencorajar a evasão fiscal, mas o Governo continua atrasado na sua implementação

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Transcrição:

4 Edição: Fevereiro de 2010 ITIE pode desencorajar a evasão fiscal, mas o Governo continua atrasado na sua implementação pag. 1 Análise do Impacto da ITIE na Receita do Estado em Moçambique pag. 1 Quadro Jurídico-Legal aplicável à Indústria Extractiva em Moçambique pag. 3 Conclusões pag. 5 Recomendações pag. 5 ITIE pode desencorajar a evasão fiscal, mas o Governo continua atrasado na sua implementação A Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE), a que o governo moçambicano aderiu em 2009, poder trazer melhorias na receitas fiscais do Estado, através do desencoramento da evasão fiscal por parte das empresas. No entanto, apesar dos pronunciamentos públicos do Governo a favor da ITIE datarem de há três anos, ainda não tem havido melhorias na informação orçamental do Estado (Orçamento do Estado e Conta Geral do Estado), nomeadamente em termos de transparência no que diz respeito às receitas da indústria extractiva. O Centro de Integridade Pública (CIP), com apoio técnico da Sal & Caldeira, estudou o impacto da Iniciativa de Transparência nas Indústrias Extractivas (ITIE) 1 na receita do Estado com o objectivo central de verificar se a situação actual de Moçambique é favorável ou cria obstáculos à implementação da ITIE com o foco nos mecanismos de prestação de contas existentes no país. Este texto resume os aspectos fundamentais desse estudo. Análise do Impacto da ITIE na Receita do Estado em Moçambique Apesar das autoridades governamentais de Moçambique terem começado a falar em aderir à ITIE em meados de 2008, nenhuma informação mais detalhada e que reflecte essa intenção foi verificada no Orçamento do Estado (OE) de 2009, ou seja, o nível de detalhe das projecções de Receitas manteve-se o mesmo comparativamente aos anos anteriores. Conceptualmente, e em todos os países onde ela está a ter lugar, a implementação da ITIE consiste apenas em revelar os dados sobre os impostos fiscais e não-fiscais e respectivos pagamentos monetários efectuados pelas empresas e companhias exploradoras aos Estados. Por sua vez, o Governo deve publicar relatórios sobre as Receitas provenientes dessas Indústrias Extractivas. Assumindo que as empresas e companhias exploradoras estão actualmente a pagar e reportar os seus impostos, royalties e taxas ao Estado sem desvios, e o Estado tem por sua vez canalizado esses recursos sem desvios, poder-se-ia concluir que não há implicações em termos de volume e gestão da Receita do Estado em Moçambique. Mas, considerando que a Iniciativa irá melhorar a prestação de contas que, por sua vez, irá reduzir determinados riscos (fuga ao fisco e evasão fiscal por parte das empresas e companhias exploradoras; desvio de aplicação de recursos das Receitas da IE por parte do Governo; ausência de reporte por parte de determinadas companhias no que se refere aos impostos e taxas pagas; transparência nas auditorias) poder-se-á observar um aumento nas Receitas do Estado em Moçambique e melhoria na sua gestão, pois 1 A ITIE é um programa mundial iniciado em 2002 e que apela, de um modo geral, à promoção de transparência nos pagamentos realizados por empresas extractivas aos Governos e nas Receitas obtidas e contabilizadas por esses Governos como consequência da exploração dos recursos extractivos (esgotáveis) de um determinado país. Moçambique é um dos países candidatos à ITIE, desde Maio de 2009, devendo completar o processo de validação até 14 de Maio de 2011, pois tal processo demora, por norma, dois anos.

os benefícios fiscais concedidos pelo Estado moçambicano têm grande impacto sobre o montante de Receita do Estado. Com efeito, as grandes companhias (mega-projectos) gozam desses benefícios, principalmente porque os seus contratos foram celebrados aquando da vigência do antigo Código de Benefícios Fiscais (aprovado pelo Decreto 16/2002 de 27 de Junho), que era muito favorável e concedia isenções por períodos longos. E, por outro lado, a introdução do novo Código de Benefícios Fiscais, aprovado pela Lei 4/2009, que vem racionalizar a concessão de incentivos fiscais (e no caso especifico, reduz os benefícios fiscais para projectos de grandes dimensões), não anula os contratos celebrados à luz do antigo código de benefícios fiscais pois aqueles contratos ja apresentavam uma cláusula de estabilização, segundo a qual os mesmos iriam ser mantidos nos termos em que foram concedidos os benefícios fiscais cujo direito tenha sido adquirido ou o pedido tenha sido formulado antes da entrada em vigor do novo Código de Benefícios Fiscais. Entretanto, não se pode deixar de reflectir sobre alguma Receita que o Estado arrecada pela instalação destas companhias em Moçambique através dos serviços prestados a elas pelas Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Conforme se pode ler nas tabelas acima, em 2008, as Receitas dos mega projectos é preciso notar que o Relatório de Execução Orçamental (REO) não detalha de que empresas se trata representaram cerca de 5.48% da Receita total. Por outro lado, enquanto a Receita da produção de energia cresceu em 21.5% se compararmos 3º trimestre de 2008 com o 3º trimestre de 2009, a Receita de exploração de recursos minerais e outros projectos decresceram em -40.5% e -69.1%, respectivamente. A Indústria Extractiva (IE) tem potencial de gerar um enorme fluxo de Receitas públicas, mas tratando-se de recursos esgotáveis, esse fluxo de Receita será também finito, assim, é importante que as Receitas provenientes da prospecção e exploração desses recursos sejam canalizadas de tal forma que criem efeitos multiplicadores sobre a economia, criando condições para reduzir a dependência externa da economia moçambicana em relação à ajuda externa. Embora a ITIE básica (verificação de pagamentos e recebimentos) não exija que os dados sejam desagregados, seria útil que toda informação fosse apresentada de forma desagregada porque emitiria um sinal claro de que o Governo nada tem a esconder e as empresas estão comprometidas com a transparência para além de que ajudaria Proporção da Receita de Mega-Projectos sobre a Receita Total: Megaprojectos IRPC IRPS Imposto s/ Produção Dividendos Concessões Total Produção de Energia 33,422 83,464 0 0 338,548 455,434 Exploração de Petróleo Exploração de Recursos Minerais 101,158 103,367 96,164 0 841,035 1,141,724 Outros Megaprojectos 284,901 132,460 0 129,800 0 547,161 Total 419,481 319,291 96,164 129,800 1,179,583 2,144,319 Total Nacional 5,426,078 5,957,127 122,926 392,043 1,179,583 39,109,323 Em % da Cobrança Total 7.73% 5.36% 78.23% 33.11% 100.00% 5.48% REO III 2008 e REO III 2009 (Milhões de MT) Megaprojectos 2008 2009 % Produção de Energia 319,822 388,734 21.5% Exploração de Petróleo 31,882 Exploração de Recursos Minerais 239,647 142,677-40.5% Outros Megaprojectos 986,190 304,649-69.1% Total 1,545,659 867,942-60.5 2 Fonte: REO III 2008 e 2009, MF DNCP

a evidenciar a contribuição que cada empresa faz para a economia de Moçambique. Mas aqui coloca-se uma questão: será que a informação de todas as empresas e companhias é abarcada e será que a produção dos pequenos exploradores é ou deverá ser reportada? Para a apresentação e divulgação das Receitas/ despesas do Estado projectadas e executadas, Moçambique dispõe de 5 documentos principais oficiais, nomeadamente: 1. Orçamento do Estado (OE); 2. Relatório de Execução Orçamental (REO); 3. Cenário Fiscal de Médio Prazo, Conta Geral do Estado (CGE); 4. Relatório e Parecer do Tribunal Administrativo (TA) sobre a CGE; 5. Relatório sobre as Receitas, que é produzido pela Autoridade Tributária de Moçambique (ATM) mas que não é tornado público. Até ao momento, o OE e a CGE não incluem nenhuma informação que materialize a intenção do Governo em aderir à ITIE. Portanto, a única informação que pode estar eventualmente relacionada com a adesão a ITIE somente aparece nos Relatórios de Execução Orçamental (REOs) desde o início de 2008, todavia sem o nível de detalhe e desagregação que seriam úteis para uma análise mais profunda. Por outro lado, a apresentação da informação foi melhorando a cada trimestre, sendo que o último REO apresentou uma análise resumida e descritiva Quadro Jurídico-Legal aplicável à Indústria Extractiva em Moçambique desta informação dentro do documento, o que representa algum avanço mas ainda insuficiente para responder aos objectivos da Iniciativa. A exploração de petróleo e minas em Moçambique possui um quadro legal específico, designadamente: i) Em termos fiscais, para ambas as áreas (petróleo e minas) a legislação fiscal foi revista culminando com a emanação das leis 11/2007 (Artigo 19) e 12/2007 (Artigo 11), ambas de 27 de Junho, que actualizam a legislação tributária. As referidas Leis estabelecem a consignação de parte de Receitas fiscais às comunidades (desenvolvimento local) e a obrigatoriedade de inventariação e publicação periódica das Receitas fiscais provenientes da exploração petrolífera e mineira pelo Conselho de Ministros (cifra os artigos mencionados entre parênteses acima). A questão que se coloca relativamente a esta percentagem destinada às comunidades é a falta de clareza sobre as responsabilidades (quem/como) na implementação dos projectos que sejam financiados por tais fundos. ii) Em termos de prevenção e medida anticorrupção, a Lei 6/2004 estabelece a obrigatoriedade de inclusão de uma cláusula anti-corrupção em cada contrato celebrado pelo Estado, autarquias locais e pessoas colectivas de direito público 2. Encontra-se 2 Artigo 6.1. actualmente em revisão a Lei anti-corrupção, e a cláusula anti-corrupção deverá ser integrada em outros instrumentos legais, nomeadamente o Decreto 54/2005 de 3 de Dezembro (regulamento de Procurement) 3. Uma questão, de natureza técnico-jurídica, que se levanta é se a divulgação dos dados provenientes da Indústria Extractiva é ou não obrigatória ou se se encontra claramente definida. Esta questão é particularmente importante em Moçambique uma vez que a prática reflecte que os contratos de concessão para exploração e produção (EPCs) possuem cláusulas de confidencialidade 4 e apenas uma informação bastante resumida sobre tais contratos é disponibilizada (com todas as dificuldades daí decorrentes até mesmo para as empresas concessionárias), após a concessão do visto do Tribunal Administrativo, por via de publicação do Boletim da República, normalmente através de Decreto do Conselho de Ministros. Tais cláusulas de confidencialidade são geralmente reconhecidas como obstáculos à implementação da ITIE e têm de ser abordadas para tornar a implementação da Iniciativa um processo oficial e legalmente sólido 5. Uma segunda questão levanta-se relativamente aos 3 Portal do Governo, dia 24 de Julho de 2009 (http://www. portaldogoverno.gov.mz/noticias/governacao/julho-2009/propostade-revisao-da-lei-anti-corrupcao-vai-a-debate/) 4 Este é um indicador que deve ser verificado no âmbito do processo de Validação ITIE 5 In Implementando a Iniciativa da Transparência das Indústrias Extractivas 3

4 pagamentos que são efectuados ou redistribuídos aos níveis subnacionais de Governo. Cada vez mais e com maior frequência nos países de exploração petrolífera e mineira uma parte das Receitas são pagas directamente pelas empresas aos governos subnacionais (Províncias, Municípios, Distritos), e, normalmente, existe uma fórmula legal ou constitucional para a efectivação dessa redistribuição do nível central até ao nível subnacional em causa. Esta questão levanta alguns problemas porque tais redistribuições não são consideradas como estando claramente relacionadas (em termos de benefícios) com as comunidades ou regiões afectadas pelas actividades de pesquisa e produção, mas, são muitas vezes vistas como uma compensação pela perda de recursos naturais. 6 No caso moçambicano, a supracitada legislação (Lei 11/2007 e Lei 12/2007 de 27 de Junho) refere que uma percentagem das Receitas geradas na actividade petrolífera e mineira deve ser canalizada para o desenvolvimento das comunidades das áreas onde se localizam os respectivos projectos e essa percentagem é fixada na Lei Orçamental, em função das Receitas previstas e relativas a actividade. E compete ao Conselho de Ministros inventariar as Receitas resultantes das operações petrolíferas e mineiras e publicitá-las periodicamente. Mas nada se tem registado no Orçamento de Estado ou documentos de reporte em cumprimento desta disposição. Ainda no que se refere a componente jurídicolegal, com a decisão oficial de aderir à ITIE, o Governo Moçambicano optou por seguir os mecanismos já existentes, nomeadamente, i) a canalização das Receitas provenientes das indústrias extractivas; ii) a obrigatoriedade de inventariação e publicação regular das Receitas fiscais provenientes das actividades petrolíferas e mineiras pelo Conselho de Ministros; iii) a obrigatoriedade de utilização da cláusula anticorrupção nos contratos públicos (é preciso referir que sendo os contratos secretos, ninguém pode garantir ao público a existência dessa cláusula anti-corrupção nesses contratos); iv) a utilização do SISTAFE; e v) os mecanismos de fiscalização e monitoria existentes (pela Assembleia da República, Tribunal Administrativo, Inspecção Geral das 6 Advancing the EITI in the Mining Sector: Implementation Issues, Sefton Darby and Kristian Lempa, pg. 7, http://siteresources. worldbank.org/extogmc/resources/advancing_eiti_mining.pdf Finanças, Observatórios de Desenvolvimento, Mecanismo de Apoio de Revisão de Pares e a Sociedade Civil). Acredita-se que os mecanismos acima referidos sejam favoráveis mas não mostraram até aqui nenhuns resultados e existem ainda aspectos de natureza técnico-jurídica que deverão ser considerados, nomeadamente: i. A definição legal de princípios chave; ii. A definição legal das responsabilidades de apoio e gestão; iii. A cabimentação orçamental para, especificamente, custear as operações relacionadas com a ITIE; iv. A definição legal da obrigatoriedade de divulgação de todos os pagamentos efectuados pelas empresas e todas as Receitas arrecadadas pelo Governo; v. O estabelecimento de padrões de reporte; vi) a obrigatoriedade de participação na ITIE de todas as empresas de exploração de petróleo, gás e de mineração; vi. A nomeação de uma unidade de implementação do Governo ou auditor pelos grupos coordenadores de partes interessadas; e vii. A definição de uma descrição de tarefas para o administrador ou auditor e da apresentação/formato dos relatórios de auditoria. Para o sucesso da Iniciativa, é preciso definir a metodologia da ITIE a ser adoptada, em termos: (i) do tipo de informação que vai ser tornada pública no âmbito desta iniciativa; (ii) forma de apresentação da informação a ser publicada (por empresa ou por produto; ex.: Sasol X e Kenmare Y ou Gás Natural M e Areias Pesadas N) e (iii) definição de que companhias serão abrangidas pela Iniciativa e com que nível de detalhe, pois ainda não é claro se as companhias que não são do sector puramente extractivo mas de áreas afins serão ou não abrangidas.

Logo, investir tempo na criação de uma base regulatória ou legal para a ITIE permitiria ao país ter capacidade de implementar a Iniciativa de um modo mais rápido, porque assim se clarificariam quais as regras aplicáveis a todas as partes envolvidas, como e em que formato. Portanto, a elaboração e aprovação de uma Lei ou Regulamento ou instrumento legal afim para a ITIE no país, que garanta suporte de todos aspectos relativos a Iniciativa, Além destes, a Autoridade Tributária de Moçambique (ATM) produz um é um aspecto fundamental para o seu sucesso. Conclusões Desde a admissão de Moçambique como país candidato à ITIE (Maio de 2009), passaram sete meses sem que fossem dados passos concretos na implementação da Iniciativa. Durante esse período, marcado pela pré-campanha eleitoral, campanha eleitoral e eleições, se o processo fosse independente da agenda político-partidária do Governo, muitos passos fundamentais poderiam ter sido dados. Agora será preciso correr contra o tempo, porque o prazo de candidatura expira a 14 de Maio de 2011. E até lá será necessário: criar o secretariado; obter fundos do trust fund do Banco Mundial; definir a metodologia da ITIE a ser implementada no país; lançar um concurso público internacional para a contratação de uma empresa que venha fazer a reconciliação das contas (pagamentos e recebimentos), preparar o relatório da ITIE e submetê-lo ao Secretariado Internacional da ITIE em Oslo. É importante notar que o país ainda terá que esperar, no mínimo, mais dois meses para ver marcados passos concretos de implementação da ITIE, porque tal depende da criação e operacionalização do Secretariado. E isto, por sua vez, depende da obtenção dos fundos, que têm que ser libertados pelo Banco Mundial (BM), em parte, e pelo Orçamento do Estado. Como se sabe, o Orçamento do Estado apenas será aprovado no próximo mês de Março. E os trâmites de obtenção de fundos do BM, deverão levar, pelo menos um par de meses. Podia haver alguma celeridade no processo, se como defendeu Peter Eigen, Presidente da ITIE, em Janeiro de 2010 em Maputo: ou Moçambique conseguisse angariar fundos de parceiros bilaterais ou fosse tratado de forma especial junto do BM, fora dos longos processos burocráticos a que o Governo se tem sujeitado sempre que procura obter algum financiamento junto daquela instituição. Recomendações A. Gerais i. Elaborar uma estratégia de comunicação que passa pela criação e operacionalização do website para a ITIE em Moçambique e desenvolver uma estratégia eficaz e acessível a todas as camadas da população; ii. Criar uma base regulatória ou legal para a ITIE e dar início à sua implementação; iii. Clarificar o modelo de ITIE a adoptar (ITIE básica ou que vai para além da ITIE básica) e conferir uma identidade própria à ITIE (denominação, logótipo/símbolo); iv. Definir que Indústrias serão incorporadas na ITIE; v. Definir e melhorar a informação a ser apresentada quer pelas Empresas quer pelo Governo (definição de formatos, periodicidade, nível de detalhe, entre outros aspectos); vi. Intensificar as actividades do Comité; vii. Criar e operacionalizar o Secretariado Executivo; 5

viii. Definir claramente as tarefas e responsabilidades do Comité de Coordenação e do Secretariado Executivo. ix. Governo de Moçambique avaliar as empresas; mapear as áreas de acção. B. Especificas para as OSCs i. Actividades de Análise e\ou Disseminação Análise sobre: a. Potencial de arrecadação ou perda de Receitas do Estado (agregado ou por província); b. Modelos de informação e reporte (do Estado ou das Empresas ou ainda modelos de reconciliação das contas); c. Benefícios fiscais (o seu impacto na economia no curto e médio prazo); d. A aplicação das Receitas e seu impacto (directos e indirectos) nas comunidades; e. (...) Disseminação em torno de: a. Resultados das auditorias (quando começarem a ser realizadas); b. Dados nos documentos públicos (extracção em linguagem entendível pelo público da informação contida do OE, REO, CGE e outros documentos relevantes do Governo); c. Modalidades e formas de contratos (estudando como são estabelecidos e quais as diferentes opções para a sua realização); d. Receitas do Estado e sua aplicação; e. Sobre as empresas track record (base de dados e recolha de informação relevante das empresas existentes e investidoras no país); f. (...) ii. Advocacia a. Intensificação das actividades da plataforma das OSC em termos de políticas, planos, orçamentos e exemplos de outros países 7. 7 A plataforma da Sociedade Civil sobre a ITIE existe em Moçambique desde Novembro de 2008, é liderada pelo CIP e é patrona do website www. cipie.cip.org.mz inteiramente dedicado à indústria extractiva e demais recursos naturais; está operacional desde Março de 2009. Parceiros 6