Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Seminário de Ética e Filosofia Política Por Leonardo Couto

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Transcrição:

Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Seminário de Ética e Filosofia Política Por Leonardo Couto Notas sobre os Liberais John Rawls, Ronald Dworkin A finalidade destas observações não é rechaçar ou defender, mas apenas apontar alguns traços gerais e algumas críticas importantes do que se consolidou, dentro do debate contemporâneo na filosofia política, como a escola de pensamento chamada de liberal. Demarcação do nosso âmbito: a sociedade democrática liberal. Pressuposto: é possível a construção de um discurso público e democrático que compatibiliza o universal ao particular numa sociedade pluralista e fracionada por inúmeras concepções de bem, de justiça e de democracia. Característica comum dos liberais: a vinculação do pluralismo à figura do indivíduo, capaz de agir segundo a sua concepção sobre a vida digna. É o indivíduo quem se autodetermina e busca a sua boa vida. A conseqüência disso é uma pluralidade de concepções individuais de bem na sociedade democrática liberal, assegurada pela prioridade dos direitos e liberdades individuais à soberania do povo (1). Neste contexto, o Estado justo não pode impor a seus cidadãos uma visão única do bem. Ele deve ser neutro em relação às escolhas pessoais e individuais do tipo de vida que se quer levar, primeiro porque ninguém pode estar em melhor situação do que o próprio indivíduo para conhecer o seu bem, mesmo que nem sempre esteja certo; e segundo porque nenhuma vida é melhor por ser vivida segundo valores que a pessoa não endossa (2). A intenção principal dessa abordagem é articular de forma sistemática uma perspectiva normativa que seja igualitária. Trata-se da defesa de uma concepção específica de justiça política e social, alternativa, sobretudo, ao utilitarismo (3). a justiça é a virtude primeira das instituições sociais, assim como a verdade o é dos sistemas de pensamento (Uma Teoria da Justiça, p. 4) RAWLS O ponto de partida da argumentação normativa de Rawls é uma noção de igualdade humana fundamental (VITA, apresentação, p. XX). A concepção de justiça de Rawls, descrita pelos seus dois princípios, ambiciona oferecer através de uma ordem que ele chama de léxica 1º princípio tem prioridade ao 2º uma forma de arbitrar as exigências conflitantes dos valores políticos mais importantes da tradição do pensamento democrático, a saber, a liberdade, a igualdade, e a fraternidade (4): 1º cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos. 2º as desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo a que tanto (a) se estabeleçam para o máximo benefício possível dos menos favorecidos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades (Uma Teoria da Justiça, p. 376). 1

Rawls tem dois argumentos a favor de seus princípios de justiça. Passemos a eles. 2

O argumento intuitivo Segundo Rawls, há uma idéia intuitiva básica implícita na cultura pública das democracias que descreve a sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais. Desta idéia decorrem duas outras igualmente intuitivas: a) a de sociedade bem ordenada que pressupõe uma concepção política de justiça que a regula, independente das diversas doutrinas compreensivas religiosas, morais e filosóficas; e b) a de que os indivíduos são pessoas livres e iguais. Livres porque possuem as capacidades morais a capacidade de ter senso de justiça, de ser razoável, e a de adotar uma concepção de bem, de ser racional e as capacidades da razão de raciocinar, de pensar ; e iguais porque as possuem em grau necessário para serem plenamente cooperativos na sociedade. (5) Esta idéia intuitiva reforça os dois princípios, na medida em que, 1º, concebe a todos como livres porque razoáveis e racionais e, 2º, garante que nesta sociedade não se estabeleça a mera igualdade de oportunidades, que se compromete só com o ponto de partida. De acordo com Rawls, esta não é suficiente para a formação de uma sociedade justa, pois, embora assegure que os destinos das pessoas sejam determinados apenas por suas escolhas, não pelas circunstâncias sociais, ignora os talentos naturais, que também dependem de sorte bruta. O princípio da diferença, por outro lado, diz que há casos nos quais todos se beneficiam ao permitir a influência das desigualdades naturais imerecidas, são os casos em que há o proveito dos menos afortunados na loteria natural. Kymlicka: a premissa básica está correta, mas a conclusão, não inteiramente. Por que o princípio da diferença se aplica a toda desigualdade em vez de aplicar-se apenas às desigualdades que se originam de fatores arbitrários? (6) O argumento do contrato social (7) É, para Rawls, o mais importante. Trata-se do tipo de moralidade política que as pessoas escolheriam se estivessem estabelecendo uma sociedade a partir de uma posição original. Nesta posição, negociadores racionais, sob o véu da ignorância, o que significa que nada sabem a respeito de quem são, de suas características pessoais e de sua posição na escala social, buscam princípios para ordenar com justiça uma sociedade. Como as partes possuem uma sabedoria geral das condições nas quais se encontram e ignoram as particularidades, inclusive as suas, o estabelecimento de negociações que beneficiam só a alguns e a influência dos talentos naturais o que diferencia Rawls dos contratualistas clássicos não são mais possíveis, por isso, o seu único recurso, diz Rawls, é adotar princípios ótimos em relação à melhoria dos interesses de qualquer pessoa menos favorecida por esses mesmos princípios. Em tal circunstância, as partes tentam assegurar o melhor acesso possível aos bens primários sociais (que são diretamente distribuídos pelas instituições sociais como renda e riqueza, oportunidades e poderes, direitos e liberdades) (8) que as capacitam a conduzir uma vida que valha a pena. Sob o véu da ignorância, na PO, é racional, diz Rawls, adotar uma estratégia maximin, isto é, você maximiza o que conseguiria se terminasse na posição mínima ou pior da escala social. Neste caso seria escolhido o princípio da diferença (9). Para Dworkin, tal contrato deve ser interpretado como um dispositivo para extrair as implicações de certas premissas morais referente à igualdade moral das pessoas, antes de ser visto como um acordo, efetivo ou hipotético. Deste modo, a crítica aos contratualistas de que o estado inicial e o contrato nunca existiram, por isso, nem cidadãos nem governos podem ser 3

obrigados a aceitá-los não cabe, pois, uma vez que a premissa do argumento é a igualdade, para criticá-lo é preciso mostrar que ele não incorpora uma descrição adequada da igualdade. A convergência dos dois argumentos: A idéia de Rawls ao descrever a PO é que ela produza os princípios que julgamos intuitivamente aceitáveis. Desta maneira, o argumento intuitivo e do contrato não são independentes, Rawls mesmo admite modificar a PO para assegurar que ela produza princípios que se ajustem as nossas intuições. A situação do contrato pressupõe, portanto, a teoria. Todavia, isso não torna o contrato inútil, (1º) porque a PO provê uma maneira de tornar vívidas nossas intuições; (2º) porque tal dispositivo pode nos ajudar a tornar mais precisas nossas intuições; e (3º) porque ele proporciona uma perspectiva a partir da qual podemos testar intuições antagônicas, uma vez que a PO revela se elas seriam escolhidas a partir de uma perspectiva imparcial, distanciada de nossa posição na sociedade. Crítica de Scanlon: Para gerar igual consideração, basta pedir que os agentes morais dêem igual consideração aos outros. O conceito do véu da ignorância tenta tornar vívida a idéia de que os outros têm importância em si e por si, contudo, impõe uma perspectiva a partir da qual o bem dos outros é visto apenas como uma parte do nosso próprio bem (efetivo ou possível). Resposta de Rawls: uma concepção de justiça não pode ser deduzida a partir de premissas evidentes por si mesmas ou de condições impostas a princípios; em vez disso, sua justificação é uma questão de apoio mútuo de muitas considerações, do ajuste de todas as coisas em uma visão coerente. Este é o objetivo, trata-se do equilíbrio reflexivo. Conclusão: Os princípios de justiça de Rawls são mutuamente apoiados pela reflexão sobre as intuições a que recorremos em nossa prática diária e pela reflexão sobre a natureza da justiça a partir de uma perspectiva imparcial, distanciada de nossa posição na sociedade. Kymlicka: uma crítica bem sucedida a Rawls deve desafiar as suas intuições fundamentais ou demonstrar porque o princípio da diferença não é a melhor especificação destas intuições. (b) Problemas internos i) Rawls diz que o direito das pessoas aos bens sociais não deve depender de seus dotes naturais. No entanto, ao definir a pior posição, não considera os bens primários naturais, ou seja, não considera se as pessoas estão lá porque são destituídas de talento natural, são deficientes ou têm uma má saúde. Como mostra Kymlicka, há razões intuitivas e contratuais para reconhecer as deficiências naturais como fundamentos para compensação e, deste modo, incluí-las no índice que define a pior posição. Contratuais toda pessoa reconhece que estaria em situação pior caso ficasse incapacitada. Intuitivas não é certo que pessoas sejam favorecidas ou prejudicadas devido a sua posição na distribuição dos bens primários, naturais ou sociais, pois ela é arbitrária, não escolhida, imerecida. ii) Kymlicka por não distinguir as desigualdades escolhidas das não escolhidas, um dos resultados possíveis do princípio da diferença é fazer as pessoas pagarem pelas escolhas dos outros, se por acaso aqueles com a menor renda estiverem nessa situação por escolha. 4

Podemos fazer melhor uso de ser sensível à ambição e insensível à dotação? Este é o objetivo de Dworkin. DWORKIN (a) Pagar pelas próprias escolhas: o leilão sensível à ambição Dworkin pede-nos que imaginemos que todos os recursos da sociedade estão à venda em um leilão, do qual todos participam. Todos têm o mesmo poder de compra e fazem lances pelos recursos que se ajustam melhor a seu plano de vida. Se o leilão funcionar, todos ficam felizes com o resultado, no sentido de não preferirem o pacote de bens dos outros ao seu próprio. É o teste da inveja. Esta idéia do teste da inveja expressa a visão igualitária liberal da justiça na sua forma mais defensável. Com ele, os três principais objetivos de Rawls são atingidos: a concretização de um esquema distributivo que respeite a igualdade moral das pessoas, a atenuação dos efeitos de desvantagens moralmente arbitrárias e simultaneamente a consideração dos indivíduos como responsáveis por suas escolhas. (b) Compensar desvantagens naturais: o esquema de seguro Para dar conta das desvantagens naturais, antes do leilão, dá-se aos desfavorecidos bens sociais suficientes para compensá-los por sua desigualdade não escolhida de bens naturais. Como a igualdade completa de circunstâncias se mostra impossível, já que nem todos os recursos podem conduzir as pessoas com desvantagens severas a uma vida tão boa quanto a vida das demais, Dworkin compromete-se com a maior igualdade possível de recursos. Assim, este autor cria o esquema de seguros eqüitativo, que ele vê como a 2ª melhor teoria, pois não compensa plenamente as desigualdades imerecidas, é apenas o melhor que podemos fazer para satisfazer nossas convicções de justiça. Trata-se de um imposto de renda, que seria uma maneira de recolher os prêmios que as pessoas concordariam hipoteticamente em pagar e os vários esquemas de bem estar social, assistência médica e desemprego seriam maneiras de pagar a cobertura aos que viessem a sofrer desvantagens naturais cobertas pelo seguro. (c) Os equivalentes do mundo real: tributos e redistribuição No mundo real, algumas pessoas escolhem desenvolver seus talentos, outras não. As diferenças resultantes neste caso não merecem compensação. Outro caso é aquele, no qual as diferenças de talento são naturais. Neste, os desafortunados merecem compensação. O problema é saber quando estamos lidando com um caso ou com outro. Além disso, é impossível determinar antes do leilão o que é considerado como vantagem natural. Kymlicka: a resposta de Dworkin frente a este problema talvez seja um tanto decepcionante: tributamos os ricos, embora alguns tenham chegado lá por puro esforço, sem vantagem natural, e ajudamos os pobres, embora alguns estejam lá por escolha. É desapontador, no entanto, isso não retira da teoria de Dworkin sua importância. Ela é importante uma vez que concretiza como visto acima os três objetivos básicos de Rawls. 5

NOTAS (1) Cf. Cittadino, p. 129-139 e Kymlicka, p. 253 263. (2) Cf. Kymlicka, p. 253 263. (3) Cf. Vita, apresentação, p. XI - XXXIII. (4) Cf. Vita, apresentação, p. XI - XXXIII. (5) Cf. Cittadino, p. 78 85. (6) Cf. Kymlicka, p. 63 74. (7) Cf. Kymlicka, p. 63 118. (8) Há também os bens primários naturais que são os bens afetados pelas instituições, mas não diretamente distribuídos por elas como a saúde, o vigor, a inteligência e os talentos naturais. Rawls não contabiliza estes bens quando estabelece o índice da pior posição na sociedade. (9) Rawls diz ser este o 1º estágio da deliberação. Depois dele, chega-se ao 2º Estágio, a convenção constitucional. Neste o véu é parcialmente levantado as partes passam a conhecer os fatos relevantes de sua sociedade, os negociadores tornam-se delegados e agora têm de estruturar os preceitos da constituição, especificando os poderes dos governos e os direitos básicos dos cidadãos. Depois disso, passa-se ao 3º Estágio, o legislativo, o véu levanta-se um pouco mais e os, agora, legisladores têm a paisagem completa dos fatos gerais econômicos e sociais, embora ainda as suas identidades e características pessoais continuem desconhecidas. Sua tarefa é criar uma legislação. Cf. Gorowitz, p. 272 278. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. 2. GOROWITZ, Samuel. John Rawls: uma teoria da Justiça, in CRESPIGNY, Anthony e MINOGUE, Kenneth (org.). Filosofia Política Contemporânea. Tradução de Yvonne Jean. 2ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. Coleção Pensamento Político, 8. 3. KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Tradução de Luís Carlos Borges e revisão da tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 4. LOIS, Cecília Caballero (org.). Justiça e democracia: entre o universalismo e o comunitarismo: a contribuição de Rawls, Dworkin, Ackerman, Raz, Walzer e Habermas para a moderna teoria da Justiça. Colaboração de Roberto Basilone Leite. São Paulo: Landy Editora, 2005. 5. RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Tradução de Jussara Simões e revisão técnica e da tradução, e apresentação de Álvaro de Vita. Martins Fontes: São Paulo, 2008. 6