Radiojornalismo e mobilidade: um percurso histórico para construção da notícia

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Transcrição:

Radiojornalismo e mobilidade: um percurso histórico para construção da notícia GOMES, Juliana 1 Universidade Federal de Santa Catarina/SC Resumo: Este artigo aborda as transformações sofridas pelo rádio desde sua implantação no Brasil, no sentido da mobilidade na produção radiojornalística, objeto de estudo da autora no Programa de Pósgraduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho constitui a fase inicial da pesquisa para dissertação de mestrado sobre Processos de produção de radiojornalismo móvel. O presente trabalho está concentrado sobretudo nas discussões sobre as mudanças na produção da notícia radiofônica a partir do advento da internet e da telefonia móvel, quando a tecnologia facilita a produção e apresentação da notícia inteiramente da rua, com baixo custo, garantindo mais qualidade, instantaneidade, num contexto de mídias convergentes e de interatividade com o público tanto por meio de entrevistas quanto através das redes sociais. Tais transformações tornam o mundo uma grande redação na qual cabe ao repórter produzir não mais somente o áudio, mas também a fotografia, o vídeo, o texto para impresso e o on-line. Palavras-chave: História do rádio, radiojornalismo; produção radiofônica, mobilidade na radiofonia. Introdução Desde o advento da internet e do celular, intensificou-se nos meios de comunicação o debate sobre a introdução da mobilidade nas práticas de produção da notícia. A possibilidade de produzir conteúdo fora do ambiente da emissora é dada ao rádio como parte de um longo processo de transformações tecnológicas que teve início com a implantação do meio no Brasil. As mudanças afetam duas das principais características do veículo: mobilidade e imediatismo. A facilidade oferecida ao jornalismo móvel de cobrir os eventos no local dos acontecimentos, fazendo sua divulgação em tempo real já é utilizada pelo radiojornalismo, guardadas as devidas proporções, desde a invenção do transistor e a consequente criação das primeiras equipes de reportagens externas. Ainda assim, o século XXI chega para o rádio com novos questionamentos sobre o futuro do meio 1 Juliana Gomes é mestranda, bolsista CAPES do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFSC, integra a linha de pesquisa Processos e Produtos Jornalísticos. E-mail: jugomes250380@gmail.com

frente à revolução proporcionada pela internet e o desenvolvimento de novos dispositivos de comunicação. Permanência e reinvenção são substantivos que permeiam a história do veículo e traduzem sua consolidação como meio singular. O fenômeno que Nair Prata (2008) chamou de radiomorfose se explica com sua constante adaptação a diferentes plataformas de produção de conteúdo. Processo complexo e, cada vez mais rápido, com impacto no fazer jornalístico, que já provou ser perene. Para resgatar as principais transformações vividas pelo rádio, este artigo sintetiza estudos sobre os avanços tecnológicos sofridos pelo meio desde sua implantação no Brasil, até chegar à mobilidade atual. Para tanto, o trabalho se fundamenta na produção de Ferraretto (2001) e Zuculoto (2012) que investigam o assunto desde o rádio pioneiro ou as primeiras décadas do rádio no país e seus impactos na notícia e na técnica. Além disso, Del Bianco (2010) e Cunha (2010) debatem a resistência do radiojornalismo. Por fim, Meditsch (2007) e Lopez (2010) discutem os impactos no que vem sendo chamado de novo rádio. Este artigo constitui a fase inicial da pesquisa para dissertação de mestrado sobre Processos de produção de radiojornalismo móvel em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Rádio: uma história de transformações A revolução tecnológica acompanha a história do rádio desde sua instalação no Brasil, a partir da transmissão da ópera O Guarani e do discurso do presidente Epitácio Pessoa, uma iniciativa do professor Edgar Roquette-Pinto e do médico Henrique Morize (FERRARETTO, 2001). Segundo Zuculoto (2012), esta primeira transmissão do Centenário da Independência, no Rio Janeiro, em 1922, teve a finalidade de ajudar a amenizar o clima de tensão política no país. Naquele ano, havia ocorrido a tumultuada eleição do sucessor de Epitácio Pessoa. Naquele momento, o rádio era visto apenas como uma novidade tecnológica, já que os usos que se poderiam fazer dele ainda eram desconhecidos. A novidade fica um passo à frente do principal meio de comunicação da época, o jornal impresso, ao permitir a divulgação de informações de forma rápida com ênfase na prestação de serviços. Com o surgimento dos aparelhos à válvula, entre outras questões, e a

possibilidade de adquirir receptores a preços mais acessíveis, os ouvintes se multiplicam, embora a notícia de rádio ainda se limite a uma cópia do impresso. Sem qualquer ajuste à linguagem radiofônica, o meio ainda deixa de apostar no imediatismo. Em 1930, com a maioria da população sem saber ler nem escrever, o rádio cresce em aceitação e serve como um fomentador da participação do cidadão na vida do país, criando um elo entre o indivíduo e a coletividade. (ORTRIWANO, 1985, p. 19). Os conteúdos vão assumindo aos poucos contornos de espetáculo, até que, em 1940, inicia a chamada era de ouro do rádio brasileiro. É o momento dos programas de auditório, dos musicais e radionovelas. Na contramão desta lógica, a notícia ganha espaço no rádio nacional, apoiada na rapidez e imediatismo, próprios do meio. Se na década de 20, como relata Del Bianco (2010), o rádio copiava o jornal, numa seleção das principais notícias, constituindo o que se chamaria de gilettepress ou tesoura press, vinte anos depois, a tecnologia do teletipo possibilita a formatação de uma nova linguagem para o meio. O noticioso Repórter Esso marcou essa mudança ao adotar como principal fonte de informação a agência de notícias United Press (DEL BIANCO, 2010, p. 3). Para Zuculoto (2012), síntese, clareza e objetividade na forma e na estrutura do relato da notícia são agregados à informação radiofônica a partir deste novo formato, abrindo as portas para a chegada do lead à imprensa nacional. Tal experiência estimularia o principal apresentador do noticioso, Herón Domingues, a criar no fim da década de 1940, a primeira redação radiojornalística no país, a Seção de Jornais Falados e Reportagens da Rádio Nacional (MOREIRA, 2000). Mesmo com a crescente popularização, conforme relatam Abdala Jr. e Ramos, os receptores eram volumosos e pesados, funcionavam a válvula, e precisavam ser ligados à rede elétrica. O rádio, embora conseguisse vencer enormes distâncias, era escravo de recintos fechados e dependente da rede elétrica, (2005, p.124). Nos primeiros anos do veículo, a mobilidade e a instantaneidade não eram preocupações para quem tinha acesso aos microfones. Voltado para o ideal de formar e educar o ouvinte, o rádio ainda não dispunha de estrutura para apuração, convivia com limitações em termos de preparação profissional e com a precariedade técnica das transmissões, na época ainda restritas a um grupo de ouvintes com alto poder aquisitivo. Com a invenção do transistor, o rádio deixa os limites das salas de estar e ao ter seu custo reduzido torna-se mais acessível e capaz de atingir um público maior. Com a novidade, o veículo assume o papel de companheiro da audiência em qualquer lugar.

Aos repórteres, é dado o desafio de, aos poucos, transformar a linguagem, que ganha um tom mais coloquial, já que a comunicação passa a ser individual. Na sequência, as chamadas unidades móveis de transmissão também representam um avanço. Na medida em que exploram efetivamente o imediatismo e a mobilidade do rádio, permitem ao repórter transmitir do local dos acontecimentos, mesmo com a limitação de equipamentos alimentados pela bateria do veículo, o que impossibilitava atuações longas. Na mesma época, a telefonia fixa dá ao jornalista, a possibilidade de entrar de um local próximo à pauta, ao vivo. O texto da notícia passa a ser feito de improviso, mesmo que, por vezes, a informação perdesse em atualidade, já que o repórter precisava deixar o local do acontecimento. Por fim, com a chegada da telefonia móvel, foi facilitado o contato com repórteres e fontes, a transmissão dos lugares mais remotos tornou-se algo possível no cotidiano de produção de rádio. Além disso, o incremento crescente dos aparelhos celulares, que possibilitam a gravação e envio de sonoras, com o uso de internet sem fio potencializou a agilidade característica do meio. Com um notebook, gravador digital e acesso à web a produção de rádio pode ser integralmente produzida fora da emissora, é o radiojornalismo produzido em ambiente móvel. Com tantas modificações, o rádio se reconstrói diariamente, numa relação dialógica com uma sociedade permeada por tecnologia. É estabelecido assim, um novo patamar de relacionamento com a audiência, por meio das redes sociais e outros canais de interação com a emissora, num exercício contínuo imposto ao jornalismo de apurar e filtrar as contribuições que chegam por meio do ouvinte, que se faz participante da construção da notícia. Estamos diante do que Lopez (2010) chamou de radiojornalismo hipermidiático, que desafia o veículo a conectar-se a profissionais capazes de produzir para diversas plataformas, em áudio, imagem, texto, vídeo, num contexto de uma sociedade convergente. Assim, com a mobilidade, é facilitada a transmissão ao vivo, a produção jornalística adota o momento presente como critério de noticiabilidade, como explica Eduardo Meditsch: O conhecimento do absolutamente efêmero, até então desprezado por uma tradição letrada que possuía como principal parâmetro de validação a posteridade, revela-se cada vez mais fundamental para a sobrevivência numa sociedade que se move em velocidade crescente.(2007, p. 215) Sedimentado como companheiro do ouvinte, capaz de apresentar a informação de forma ágil, instantânea e coloquial, o rádio passa a buscar a ampliação da área de

cobertura e alcance territorial. Nos anos de 1990, o celular surge como um divisor de águas ao ser incorporado à rotina de reportagem. Com o telefone móvel, o rádio reforça seu caráter ao vivo, permitindo a entrada do repórter na programação a qualquer hora e de qualquer lugar. Desta forma, pode-se dizer que o radiojornalismo altera radicalmente a relação espaço-tempo na produção da notícia. A partir de então, torna-se possível ao rádio captar informações em tempo real em qualquer local geográfico, como explica Meditsch: A telefonia móvel celular e a telefonia direta por satélite romperam os últimos obstáculos à mobilidade na produção, dispensaram a necessidade de instalação de sistemas próprios de radiocomunicação com os repórteres, nas emissoras, e aumentaram a autonomia dos jornalistas em relação aos controles governamentais, exercidos através das redes físicas (2007, p.116). Tal aposta dita um formato de linguagem coloquial, numa mensagem elaborada de improviso. Com isso, o texto que até pouco tempo era escrito e editado para ser lido por um locutor, passa a ser construído mentalmente de forma imediata e espontânea pelo repórter. As facilidades proporcionadas pela tecnologia intensificam a velocidade e instantaneidade na produção da notícia. O rádio solidifica um dos seus principais atributos, a antecipação, principalmente em relação à TV, obrigada a conviver com a complexidade técnica de uma transmissão em tempo real, que demanda equipe e aparato tecnológico maiores. Para Magda Cunha (2008), o desenvolvimento do rádio é conduzido pela própria evolução da humanidade e pelos processos interativos com os quais dialoga. A autora assinala que a atualização do meio se dá pelos efeitos obtidos junto ao público, que exige desenvolvimento tecnológico, e pelas modificações para responder a esta nova realidade. Neste contexto, a partir da disseminação da internet e de sua integração às ferramentas de redação das emissoras de rádio, novas rotinas e lógicas de produção se estabelecem. Se antes, o jornalismo era fortemente pautado pelas agências de notícia ou pelo conteúdo proveniente das assessorias, com a internet, o radiojornalista ganha outro papel, como explica Del Bianco (2010): Hoje, os jornalistas fazem uma busca orientada por informação na rede, guiada pelos valores e critérios definidos pela política editorial da emissora. O intuito é recolher notícias atuais e de interesse.(2010, p. 8) De acordo com Lopez (2009), a partir do ingresso do celular e da internet no trabalho de apuração e produção da notícia, o rádio inicia um processo de convergência,

dentro de um contexto de transformações culturais permeadas por um universo multimídia. Conforme a pesquisadora, o papel dos meios de comunicação, sobretudo com a chegada do século XXI, se complexifica, em razão desta crescente convergência midiática. Os aparelhos celulares, por exemplo, tendem a ser multifunção, congregando, rádio, TV, telefone e acesso à internet, como comenta a pesquisadora: Atualmente, uma emissora de rádio pode utilizá-lo (o celular) não somente como uma ferramenta de apuração e produção em jornalismo contatando suas fontes e os repórteres que estão nas ruas, acompanhando um acontecimento e transmitindo informações ao vivo e também produzindo conteúdo multimídia, mas também deve pensá-lo como um sistema de recepção de informações (2009, p.474). Desta forma, a autora refere-se ao aumento vertiginoso de ouvintes de rádio por meio do celular. Além disso, crescem as possibilidades de interação entre emissora e audiência, por meio de torpedos, redes sociais, no caso de aparelhos com acesso à internet 3G e Wi-Fi. Isso, sem contar as produções em podcast que podem ser enviadas a celulares. Assim, pode-se dizer que o cenário atual exige um jornalista capaz de produzir para qualquer plataforma. Neste contexto, deve-se considerar que as ferramentas de produção da notícia são similares para todos os meios de comunicação e que, com as facilidades proporcionadas pelo computador e a internet, os meios passam por um momento de unificação. As mudanças se dão sob duas perspectivas: a interferência que uma tecnologia exerce sobre o desenvolvimento da outra, mesmo quando não fazem parte do mesmo grupo de mídia, através dos novos formatos em comunicação; as ferramentas multitarefa, como os dispositivos móveis que integram TV, rádio, telefonia móvel e acesso à internet (LOPEZ, 2009, p. 16). Salaverría e Negredo (2008) compreendem esse processo de convergência como algo em dimensões múltiplas, que se beneficia da implantação generalizada das tecnologias digitais de telecomunicação. Este fenômeno, segundo os pesquisadores, afeta os âmbitos tecnológico, empresarial, profissional e editorial, o que proporciona uma integração de ferramentas, espaços, métodos de trabalho e linguagens, antes sem conexão direta. De acordo com os autores, constitui-se assim uma nova lógica de elaboração de conteúdos a serem distribuídos por meio de diferentes plataformas, respeitando a linguagem própria de cada uma delas. Assim, pode-se dizer que, com a chegada da internet, o rádio começa a se reinventar mais uma vez, diante das diversas possibilidades oferecidas pelas mídias convergentes e o aumento da interatividade com o público. Com isso, também cresce a

exigência sobre os profissionais, que agora devem estar preparados para produzir em áudio, vídeo, texto, além de investir na checagem das contribuições do público, que cada vez mais passa a colaborar com conteúdo e sugestões de pauta. De outro lado, devem ser consideradas as facilidades proporcionadas para a relação com as fontes, em qualquer local por celular, rompendo com as limitações impostas pela telefonia fixa que, por vezes, representavam um obstáculo para a reportagem. Neste cenário, estão em questão também os benefícios oferecidos pela gravação digital, tornando possível ao radiojornalismo trazer entrevistas e sonoras de lugares distantes com qualidade superior à tecnologia analógica para compor as produções radiofônicas. Tal realidade sedimenta o caráter da notícia calcada na citação em áudio, seja em entrevista ou mera declaração. Outra prática que também se popularizou entre as emissoras são as gravações por meio de celular enviadas ao estúdio pela internet, costume já absorvido à rotina de produção de muitos meios em contexto on-line, como explica Silva: O celular, como um dispositivo híbrido, emerge como o disseminador principal da prática do imediatismo por concentrar uma série de funções e oferecer mobilidade ao portador para registrar situações em vários formatos e enviar de qualquer lugar através de SMS, MMS ou pela própria web móvel (2008, on-line). No caso da cobertura de grandes eventos, a gravação digital pode ser editada num notebook e até agregada à locução do repórter, ou seja, a matéria pode ser finalizada no local da pauta e depois enviada para a emissora. Tudo isso, a um baixo custo, se comparado com a estrutura e equipe que a TV, por exemplo, teria que mobilizar para uma reportagem externa. Assim, a produção radiojornalística passa a ter recursos para deixar definitivamente os limites da emissora, fenômeno que Silva descreve como a descentralização da produção jornalística das redações físicas para ambientes móveis de produção se aproveitando dos artefatos digitais que permitem o exercício do tempo real (2008, on-line). Zuculoto (2012), também aborda esta tendência do rádio contemporâneo. O jornalismo radiofônico busca e persegue fisicamente o desenvolvimento dos fatos, da notícia, da informação. [...] o radiojornalismo brasileiro já se desenvolve sob uma conceituação mais ampla. Já se faz sem distinção entre informação e jornalismo radiofônicos [...]Além da informação puramente jornalística, noticiosa,veicula como jornalismo, também, por exemplo, prestação de serviços, utilidade pública, informação institucional. (ZUCULOTO, 2012, p.7). Segundo a autora, com o livre acesso ao uso da web para a implantação de

emissoras de rádio exclusivas na internet ou para transmissão de informações ou produções em áudio, mais uma vez, se estrutura um novo rádio. A novidade do veículo se manifesta na forma de produzir, utilizando-se da convergência multimídia que facilita os processos de captação, investigação, reflexão, interatividade, em novos e mais modelos e formatos. Além disso, o surgimento de novos dispositivos tecnológicos estimula a experimentação criativa, as ofertas de programação e serviços. Tais transformações, como tem acontecido desde os primórdios da história no Brasil, não são definitivas, linguagem, texto, formato e recursos do jornalismo radiofônico continuam em elaboração. Considerações finais Dinâmico, ágil e informativo, o rádio se reinventa ao longo dos tempos, no retrato de uma sociedade em constante transformação. Nas últimas três décadas, para responder a mudanças tecnológicas cada vez mais rápidas, o veículo adapta as técnicas de produção, a forma, o conteúdo e a linguagem. No local onde se dão os eventos, com transmissão simultânea, o jornalismo diversifica as fontes, num mosaico de versões, ideias e opiniões. Com a chegada da internet e do celular, ampliam-se as possibilidades em termos de formato e velocidade na produção da notícia. De outro lado, aumenta a exigência sobre os profissionais, desafiados a produzir numa agilidade cada vez maior para um público imerso num mundo de conexões e bombardeado por informação. A mobilidade traz alterações às rotinas de produção, a partir da possibilidade de fazer radiojornalismo fora dos limites da redação. Esta realidade é verificada desde os tempos das unidades móveis, das primeiras equipes de reportagens externas, e se acentua com o surgimento das recentes tecnologias da informação. Se a redação passa a ser a rua, o cidadão deixa de ser apenas ouvinte, para se tornar agente participativo, disposto a sugerir e até a produzir notícia. Ao profissional é dada a tarefa de apurar e gerenciar as contribuições com o rigor que resulta na informação precisa e de qualidade. Esta missão se impõe não apenas ao conteúdo transmitido pelas ondas do rádio, mas à produção do texto on-line, à foto e ao vídeo. Uma rotina assim exige alguém habilitado a múltiplas plataformas, para um rádio que é elemento de um contexto de convergência. Se antes, o público era espectador da informação radiofônica e a acompanhava

na sala de estar, hoje, o ouvinte dialoga com o rádio e pode até assumir o status de repórter. Atuando como um narrador do cotidiano, o rádio testemunha os acontecimentos no local em que transcorrem. Este é um cenário de mobilidade, um dos caminhos que permite a reinvenção e a sobrevivência do veículo numa trajetória de transformações constantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AROSO, Inês; CORREIA, Frederico. A Internet e os novos papéis do jornalista e do cidadão. Revista Eletrônica Temática. 2007. n.7. Disponível em http://www.insite.pro.br/ 2007/35.pdf. Acesso em: 14 jan. 2013. CUNHA, Magda. Oralidade, Mobilidade e Criatividade no Rádio: quais os rumos na era pós-mídia? 2008. In: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/resumos/r5-2361-1.pdf. Acesso em: 18 de dezembro de 2012. DEL BIANCO, Nélia. Remediação do radiojornalismo na era da informação. In:BOCC Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação, 2010. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/bianco-nelia-remediacao-radiojornalismo-era-dainformacao.pdf. Acesso em 20 de dezembro de 2012. FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. 2. ed. PortoAlegre: Sagra Luzzatto, 2001. LEMOS, André. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão. Razón y Palabras. 2004. n. 41. Disponível em http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/ logos/anteriores/n41/alemos.html. Acesso em: 12 jan. 2013. LOPEZ, Débora Cristina. Marcos tecnológicos do radiojornalismo no Brasil: uma revisão histórica. In: KLÖCKNER, L; PRATA, N (Org). A história da mídia sonora: experiências, memórias e afetos de norte a sul do Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 2009., Débora Cristina. Radiojornalismo hipermidiático: tendências e perspectivas do jornalismo de rádio all news brasileiro em um contexto de convergência tecnológica. Covilhã, UBI, LabCom, 2010. MACHADO, Elias. Ciberespaço como fonte para os jornalistas. Salvador: Calandra, 2003. 183 p.

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