O Simbólico e o Semi-simbólico nas Cartas de Tarot



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Transcrição:

O Simbólico e o Semi-simbólico nas Cartas de Tarot Moema Juppe Resumo Esta pesquisa inicia-se com algumas considerações da leitura de imagens e como este processo se dá dentro e fora do ambiente escolar, também dos ambientes tradicionalmente associados a Arte como museus e galerias. Porém, um de seus objetivos principais foi efetuar um mapeamento conceitual que tornasse possível entender melhor os conceitos de simbólico e semi-simbólico, afim de aplica-los no estudo da significação. Para tal, foi selecionada uma amostra, contendo quatro indivíduos que apresentavam diferentes processos de abordagem das imagens visuais, formando assim categorias de análise. A esta amostra foram oferecidas três cartas de Tarot para que descrevessem abertamente o que viam. O resultado foi analisado e comparado para que fosse possível obter as semelhanças e diferenças entre os processos de significação de cada um. Palavras chave: 1- Análise 2- simbólico 3- Semi-simbólico Considerações acerca da leitura de imagens A presente pesquisa consiste em um estudo que analisa como se dão os processos de formação da significação diante de imagens, a partir de quatro diferentes categorias de sujeito, tendo por base suas respectivas leituras de imagens. As leituras foram efetuadas por cada um dos representantes dessas categorias de observadores: o leigo, um estudante que conhece princípios da semiótica, um estudante de artes plásticas e um tarólogo. O objeto da observação foi um conjunto de três cartas de um baralho de Tarot. Neste estudo, são analisados, seguindo os princípios da semiótica visual, os processos pelos quais indivíduos conhecedores de diferentes repertórios para a percepção e o acesso à imagem atribuem significação diante de imagens constituídas, a priori, com o intuito de serem objeto de uma leitura que as considere simbólicas. Ou seja, o que se pretende é verificar como esses mesmos observadores re-significam a imagem a partir de seu próprio repertório em relação à linguagem visual e que significados atribuem aos efeitos de sentido provocados. Uma pesquisa nessa área poderá não só ser uma fonte de dados para um semioticista, como também pode fornecer elementos a respeito da visão que o público, ou diferentes públicos têm diante de um mesmo fenômeno estético, o que 1

é de interesse do professor. Isso porque a partir dela será possível verificar outras questões relacionadas ao ensino da arte. Todo o educador pode e deve procurar meios de renovar seu olhar sobre o contexto crivado de imagens em que estão inseridos os educandos, e ampliar seus métodos de exposição e avaliação, analisando de forma investigativa as necessidades e os dizeres de seus alunos. em ambos os processos, devem estar presentes o conhecimento estético, a compreensão do respectivo código e seus mecanismos; somente reconhecer uma obra, relacionada a determinado estilo, escola ou autor não é, verdadeiramente, conhecê-la; apreciação de um texto estético também é criação, uma vez que a leitura não é mera aceitação de uma proposição estética. É preciso penetrá-la, percorrendo os caminhos deixados nela por seu autor, percebendo as relações possíveis entre todos os elementos, criando renovados significados, isto é, atualizando os sentidos da obra. 1 O objetivo principal do estudo é verificar se existe a possibilidade de diversas leituras e investigar, ainda, se existem relações entre elas. Pressupondo que os resultados obtidos possam ser úteis aos educadores nas atividades descritas acima. A partir dos questionamentos iniciais, podemos formular as seguintes perguntas: I - O acesso ao conteúdo de imagens formadas por figuras simbólicas, com significados convencionados socialmente, é privativo e exclusivo dos iniciados, ou seja, dos que conhecem os significados já consagrados dessas imagens? II - Quem não pertence àquela comunidade ou não conhece a cultura dos povos nos quais determinados significados foram atribuídos à imagem, ou mesmo não conhece seus significados simbólicos, é capaz de fazer uma leitura de tais imagens? III Existem similaridades entre os efeitos de sentido percebidos pelos representantes das quatro categorias? Para a realização deste estudo, a escolha dos substratos teóricos foi feita dentro do campo da semiótica visual ou da semio-estética, pois esta é uma área do conhecimento que se dedica aos estudos e à compreensão dos processos de 1 Ramalho e Oliveira, Sandra R., Imagens e Imagens in: Leitura de Imagens para a Educação, p.25. Os conceitos se símbolo e simbólico serão objeto de discussão extensiva no capitulo seguinte. 2

significação em imagens. Outra razão a ser considerada foi o fato de a semiótica englobar, em seus estudos, um enorme universo de manifestações lingüísticas, já que esta pesquisa se propõe a transitar entre distintas leituras e seus respectivos leitores. Santaella afirma que semiótica é a ciência de toda e qualquer linguagem 2, o que inclui, então, um universo de imagens, inclusive as cartas de tarô e, conseqüentemente, as leituras que podem ser feitas a partir delas. Para estabelecer a diferença entre imagem estética e imagem artística, encontramos a seguinte formulação: quando a imagem, entre as funções que desempenha, tem a função estética como a mais importante, temos uma obra de arte; quando a imagem entre as funções que desempenha, tem a função estética como secundária, temos uma imagem estética 3. Assim, podemos concluir que as imagens escolhidas são consideradas possuidoras de função estética; todavia, foram concebidas com um propósito bem definido, ou seja, a sua utilidade prática é a de leitura de sorte ou de previsão de futuro. Primeiramente, vamos conceituar o universo das cartas, também chamadas de lâminas por quem delas faz uso profissional, as pessoas conhecidas pelos nomes de tarólogo ou, simplesmente, cartomante. Quanto às relações entre as imagens do tarô e seus significados quando de seu uso em relação à previsão do destino, elas pertencem, segundo a classificação proposta por L. Hjelmslev, ao sistema simbólico de representação. Conforme S. Ramalho e Oliveira, 4 sistema simbólico é aquele formado pelo conjunto de códigos onde há uma relação direta entre significante e significado, ou seja, entre plano de expressão e plano de conteúdo. Esta relação é única, fechada e convencionada socialmente. Ou seja, cada elemento não é aberto a significações; a cada um corresponde um único significado imutável. E como o significado é convencionado, sua leitura é possível apenas para quem detém o conhecimento do código. O exemplo mais clássico é os das cores do semáforo. 2 Santaella, Lúcia. O que é Semiótica, p. 10 3 Ramalho e Oliveira, Sandra R. Imagem + tempo = arte?, p. 8 4 Ramalho e Oliveira, Sandra R., Imagens e Imagens, in: Leitura de Imagens para a Educação, p 52. 3

Isto explicita o fato de que somente pessoas que foram inseridas em uma determinada cultura ou fazem parte de um grupo que conhece e partilha informações específicas acerca desse sistema imagético, como, neste caso, os tarólogos, conseguem estabelecer conexões de sentido, a fim de decifrar o significado contido em seu simbolismo, expresso no código visual. Vale a pena observar outras definições que podem ser atribuídas ao sistema simbólico, no entanto, para penetrá-lo ainda mais, veremos os diferentes conceitos dados a palavra símbolo, que é a unidade componente dos sistemas simbólicos. Em seus estudos, Santaella afirma que quanto às tríades ao nível de terceiridade, elas comparecem quando, em si mesmo, o signo é de lei (legi-signo), em relação ao seu objeto o signo é um símbolo. Isto porque ele não representa seu objeto em virtude do caráter de sua qualidade (hipoícone), nem por manter em relação ao seu objeto uma conexão de fato (índice), mas extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto 5. Sendo assim, um leitor que compreende o sistema do tarô pode olhar para a carta de número nove, denominada a força e dizer que ela simboliza a manifestação força de vontade humana, não a força física ou o ato de forçar alguém no sentido de obrigar, mas a força na sua mais plena manifestação. No entanto, para um leigo poderá parecer apenas uma figura feminina que segura a boca de uma fera. Continuando a analisar o pensamento de Santaella, observam-se mais alguns aspectos: é evidente também que o símbolo, como lei geral, abstrata, para se manifestar precisa de réplicas, ocorrências singulares. Desse modo, cada palavra escrita ou falada é uma através da qual a lei se manifesta. Confiramos com Pierce: Um símbolo não pode indicar uma coisa particular; ele denota uma espécie (um tipo de coisa). E não apenas isso. Ele mesmo é uma espécie e não uma coisa única. Você pode escrever a palavra estrela, mas isto não faz de você o criador da palavra - e mesmo que você a apague, ela não foi destruída. As palavras vivem nas mentes daqueles que as usam. Mesmo que eles estejam todos dormindo, elas vivem nas suas memórias. As palavras são tipos gerais e não individuais. 6 5 Santaella, Lucia. O que é Semiótica, p. 67 6 Santaella, Lúcia, O Que É Semiótica, p. 68 4

Voltemos ao exemplo da carta a força, pois essa não designa uma ou outra força, a força de algo ou alguém mas, sim, a existência da idéia de força como algo presente. A força é de um tipo geral e não individual. Dentre as diversas definições, é importante citar as contidas no Dicionário de Semiótica, que confirma e completa as anteriores. No segundo verbete, Greimas e Courtés 7 afirmam que, para compreender seu sentido, pode-se conservar a expressão símbolo molar (também chamado por Hjelmslev de símbolo isomorfo, mas de maneira imprópria, parece-nos) para denominar, no sentido que F. de Sausurre dá a símbolo, uma grandeza - eventualmente inscrita num texto de semiótica biplana, onde possui, contudo, um estatuto autônomo - que, não admite, num contexto sócio-cultural dado, senão uma única interpretação, e que, contrariamente ao que acontece com o signo, não admite uma análise ulterior em figuras* (exemplo: balança, símbolo da justiça).tais símbolos podem ser inventariados, mas não constituem, a rigor, sistemas de símbolos. 8 Novamente, observa-se a idéia de que o símbolo só existe como tal dentro de um meio específico, e que cada símbolo admite uma única interpretação. No terceiro verbete consta que: é num sentido semelhante que Charles Saunders Pierce define o símbolo como fundamentado numa convenção social, por oposição ao ícone* (caracterizado segundo ele por uma relação de semelhança com o referente* ) e ao índice* (baseado numa relação de contiguidade natural ). Ogden e Richards, por sua vez, tentam uma síntese desajeitada da concepção saussuriana de signo* com a definição tradicional de símbolo: em seu modelo triangular, símbolo correspondente ao significante* saussureano, referência ao significado*, enquanto referente* denota a realidade 9. Neste caso, referindo-se a Pierce, Greimas destaca que entre o símbolo e sua significação, originada em uma convenção social, não há relação de semelhança, como no ícone, nem de contigüidade, como no índice. O verbete úmero quatro faz menção ao entendimento do senso comum: 7 Greimas, A J. & J. Courtés, p.424 8 Dicionário de Semiótica, Greimas e Courtes, p. 424. 9 Idem 5

nos usos não lingüísticos e não semióticos, o termo símbolo admite funções múltiplas e variadas, tais como aquilo que representa outra coisa e virtude de uma correspondência analógica ou ausência feita presença, etc. em todos esses casos, não se questiona a sua natureza de signo, sendo que as determinações complementares que lhe são acrescentadas remetem ora caráter pluriisotópico* do discurso, ora aos mecanismos ainda mal-explorados da conotação*, etc. O emprego desse termo sincrético e ambíguo deve, enquanto, ser evitado em semiótica. 13 Após tantas e diversas interpretações para a palavra símbolo, os autores sugerem simplesmente que ele deva ser evitado em semiótica para evitar imprecisões, o que é importante ressaltar-se, já que a palavra é usada indiscriminadamente. Greimas e Courtés ainda registram o seguinte sentido de símbolo: Em metassemiotica, cientifica, símbolo é um grafismo convencional (que se vale de figuras geométricas, de letras, etc.), cujo papel é denominar de maneira unívoca* uma classe de grandezas : diz-se assim que um conjunto finito de símbolos (de A a Z por exemplo) constitui o alfabeto* (que corresponde mais ou menos a morfologia tradicional). A notação algébrica e lógica habituou-nos a empregar letras como símbolos de classes, reservando as figuras (signos de igualdade, de multiplicação, etc.) à representação das relações e das operações; estes últimos chamados, às vezes, de símbolos operatórios 14 Essa categoria de símbolos, usados nas ciências e no ensino (a,b,c...; x,y,z...) para designar classes distintas, por seu uso permanente e específico, é bastante conhecida pelo senso comum. O semi-simbólico e a significação em aberto O uso da expressão semi-simbólico tem a função de distinguir o objeto de estudo da semiótica dos demais fenômenos da comunicação com significados préestabelecidos, simbólicos, portanto. o fenômeno do semi-simbolismo foi proposto pela semiótica visual para distinguir os códigos do sistema visual de outros sistemas de códigos, 13 Idem, p.425. 14 Idem 6

complementando a classificação proposta por L. Hjelmslev. Assim, além do sistema simbólico (...), postulado anterior, delimitou-se a área do sistema semi-simbólico, constituída pelos códigos estéticos visuais. 10 Numa leitura semi-simbólica, estão incluídas as imagens artísticas e as estéticas, como as imagens de tarô. Segundo J. M. Floch, quanto aos textos pertencentes aos códigos estéticos, estes fazem parte do sistema semi-simbólico, uma vez que estão parcialmente abertos a interpretações. Afim de explicar melhor esse termo, cabe citar a definição de A. C. de Oliveira: todo o texto visual é resultado de princípios estéticos de seu enunciador, ou seja, toda a imagem que não segue cânones ou padrões estéticos cujos significados foram previamente definidos no seu respectivo contexto social, pode ser considerada um texto semi-simbólico. Esta locução foi criada a pela semiótica visual pra diferenciar outros códigos, nos quais as relações entre plano de expressão ou significante e o pano de conteúdo, ou significado são convencionadas socialmente, como no caso das línguas naturais, ou seja os idiomas. Assim, a relação entre expressão e conteúdo não é direta, imediata e fechada. O conteúdo pode ser induzido, sugerido, mostrado, porque o significante já é o significado; a expressão é o conteúdo. Isto quer dizer também que expressa através do caráter mostrativo, indicativo e até os aspectos não arbitrários e não convencionados do texto, no plano de expressão são os que definem a sua semi-simbolicidade inteiramente presentificativo de sí mesmo. 11 É nesse contexto de semi-simbolicidade que se dá o processo de significação do leitor que não conhece os significados simbólicos préestabelecidos, pois ele re-significa o que lhe é dado no primeiro momento, de acordo com o repertório imagético que dispõe. A metodologia adotada foi o da análise de discurso, buscando resultados qualitativos que pudessem nos fornecem um mapeamento dos caminhos e processos que a amostra efetuava na busca de respostas a pergunta formulada. Os dados obtidos pautaram-se na observação da maneira como os leitores, em seus textos, se referiam aos seguintes conceitos. 10 Ramalho e Oliveira, Sandra R., Imagens e Imagens in: Leitura de Imagens para a Educação, p. 41 11 Oliveira, A. C. in: Do inteligível ao sensível, p. 108 7

- Plano de Expressão: trata-se do léxico, elementos que, no texto verbal correspondem ao vocabulário, as palavras utilizadas em sua composição. No texto visual correspondem aos elementos constitutivos. Ainda no plano de expressão, situam-se os procedimentos relacionais que, segundo o modelo de análise adotado, corresponderiam, ainda utilizando a linguagem verbal como referência, às sintaxes ou seja, às relações que se estabelecem entre os elementos constitutivos. Ao contrário da linguagem verbal, no entanto, em que uma palavra sozinha pode significar, na linguagem visual, elementos e procedimentos estão sempre relacionados, gerando efeitos de sentido. Os elementos constitutivos definem a estrutura básica da imagem, são os pontos, linhas, planos, superfícies, cores, luzes, brilhos, formas, saturação, dimensões, escalas, tridimencionalidades, volumes, texturas, suportes, molduras, recortes. Através de sua identificação podemos penetrar na complexidade da imagem com vistas a uma leitura que contemple seu todo significante, ou para que se perceba integralmente o seu plano de expressão 12 Os procedimentos relacionais são as relações estabelecidas entre os elementos constitutivos. Podemos então citar: equilíbrio e desequilíbrio, clareza ou ambigüidade, simetria ou assimetria, linearidade ou pictorialidade, concentração ou difusão - formam as articulações ou regras de combinação entre os elementos constitutivos. - Plano de Conteúdo: É a formação da significação, a partir dos efeitos de sentido propostos pelo plano de expressão, ou pelos elementos e procedimentos juntos e articulados. Como instrumento de coleta de informações, foi utilizada uma abordagem direta por meio da pergunta o que você vê? Inicialmente, observou-se que a taróloga já tinha a situação pronta para cada uma das cartas, ao passo que os demais foram construindo a significação, a partir dos efeitos de sentido que as imagens ofereciam. Ou seja, a taróloga executou uma 12 Ramalho e Oliveira, S. R. Leitura de Imagens para a Educação. São Paulo, PUC, 1998. pág. 43 8

leitura simbólica e os demais, semi-simbolica, apesar de terem sido influenciados pelo titulo verbal das cartas. Foram verificadas as diferentes possibilidades de acesso a significação e as diferenças encontradas de acordo com os repertórios de cada sujeito. As similaridades e diferenças encontradas nos textos analíticos verbais, oriundos das quatro categorias foram levantadas e analisadas separadamente. Posteriormente seguiu-se uma análise comparativa entre estes. Da execução destes procedimentos, resultaram as conclusões a seguir. Havendo sido levantadas as dimensões de significado atribuídas aos vocábulos símbolo e simbólico, concluiu-se, a partir daí, que mesmo as categorias 2, 3 e 4 de sujeitos que, por não serem conhecedoras do código efetuam leituras semi-simbólicas, elaboram significados semelhantes em muitos pontos, as contidas no universo simbólico. Assim, suas leituras não são simbólicas mais semi-simbólicas, o que confirma nossos pressupostos de que mesmo os que não conhecem os significados convencionados podem fazer uma leitura similar. Aqui também se registra a consciência do fato de o conteúdo verbal, bem como saberem da função das cartas terem influenciado as leituras. Estabeleceram-se diversas correlações de sentido entre as análises, o que tornou possível vislumbrar os mais diversos efeitos de sentido que eles são capazes de mostrar, o que, por sua vez, apresenta variadas opções, além da significação pré-determinada pelo sistema simbólico, representado pela leitura do representante da categoria n 1 dos sujeitos. Foi comprovado que as pessoas que não partilham dos conhecimentos contidos pelo sistema simbólico do Tarot, são perfeitamente capazes de efetuar leituras destas imagens, sem maiores impedimentos. Obviamente, as leituras não são idênticas, pois como é sabido, cada categoria possui um repertório imagético próprio que influência a elaboração da significação. É possível também identificar os diversos processos pelos quais os sujeitos chegaram a significação, utilizando-se de diferentes abordagens em relação á imagem, como no caso dos sujeitos 2 e 3, que apresentam um olhar mais intuitivo, evitando afirmar com veemência pois consideram que sua fala não representa a verdade absoluta sobre a imagem. Mesmo o sujeito de n 1 que possui os 9

conhecimentos mais específicos e aprofundados sobre as imagens admite outras possibilidades de interpretação. Ainda sobre os sujeitos acima, podemos dizer que suas análises se atém muito mais à percepção de uma cena, para qual formulam o enredo de uma história, onde são enfatizadas as sensações e emoções produzidas, ou seja, atuam principalmente no campo do plano de expressão. Quanto ao sujeito de n 4, este opta por primeiro analisar a imagem em si, levantando informações sobre os elementos o plano de conteúdo para depois abordar o plano de expressão, embora também se utilize da elaboração de enredos, personagens e outros elementos característicos do sistema cênico. Embora existam concordâncias em vários aspectos das análises, cada uma levanta e contextualiza os efeitos de sentido sobre um prisma diferente. Isto nos permite concluir que o acesso ao conteúdo de imagens formadas por figuras simbólicas, com significados convencionados socialmente, é somente em parte, exclusivo dos iniciados, pois foi constatado que muitos dos efeitos de sentido citados na análise fornecida pelo conhecedor de Tarot, também se mostraram acessíveis aos não iniciados. E este em parte, este modo de perceber parcialmente, mesmo conteúdos simbólicos, é o que permite afirmar o semisimbolismo da linguagem visual, presente aqui nas imagens simbólicas do tarot. Bibliografia Greimas & Courtés, dicionário de Semiótica. Tradução de Alceu Dias e outros. São Paulo, Cultrix, 1989. Santaella, L. O que é semiótica. São Paulo, Brasiliense, 1983. Ramalho e Oliveira S. R. e. Leitura de Imagens para a Educação. Tese de doutorado PUC. São Paulo 1998. Ramalho e Oliveira S. R. Imagem + Tempo = arte? In A Arte Pesquisa II, Brasília, v.ii. p.279-288, 2003 Oliveira A. C. e L. Landowski. Do inteligível ao sensível: Em torno da obra de Algirdas Julien Greimas. São Paulo, EDUC 1995. Oliveira A. C. Lisibilidade da Imagem in Revista da FUNDARTE. Montenegro; FUNDARTE v.1, n.1 (Jan/Jun 2001) 10