Internamentos Compulsivos: revisão da casuística dos HUC e HIP no triénio

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Transcrição:

Psiquiatria Clínica, 31, (3), pp. 235-239, 2010 Internamentos Compulsivos: revisão da casuística dos HUC e HIP no triénio 2006-2008. POR NUNO MADEIRA( 1 ), TIAGO SANTOS( 2 ), ANA CABRAL( 3 ), VITOR SANTOS( 4 ) Resumo Não obstante terem passado mais de 10 anos sobre a publicação da Lei de Saúde Mental, o intenso debate e reflexão ocorridos não foram acompanhados por publicação, igualmente profusa, de investigação clínica sobre a epidemiologia dos internamentos compulsivos. Os autores procuraram caracterizar o arquétipo do doente submetido a internamento involuntário em Portugal, apreciando variáveis demográficas, clínicas e legais. Para esse fim, conduziu-se um estudo retrospectivo dos internamentos compulsivos ocorridos entre 2006 e 2008 em dois hospitais: os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e o Hospital Infante D. Pedro Aveiro (HIP). Uma amostra de 384 internamentos foi recolhida e caracterizada, apresentando-se resultados desta investigação e discussão dos dados obtidos. Resumo Albeit more than 10 years have passed since the promulgation of the Mental Health Law, the sparking debate that occurred over it has not been reflected in the publication of clinical research of the epidemiology of compulsive hospitalizations. The authors propose a description of the archetype of the patient submitted to a compulsive admission in Portugal regarding demographic, clinical and judicial variables. The method consisted on a retrospective study of the compulsive hospitalizations occurred in two Hospitals: Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) and Hospital Infante D. Pedro Aveiro (HIP). A sample of 384 hospitalizations was obtained; the results are characterized and discussed. INTRODUÇÃO A Lei de Saúde Mental (Lei nº36 de 24 de Julho de 1998) veio regulamentar a possibilidade de internamento involuntário de indivíduos com doença mental (1). É neste diploma legal que contactamos com a principal resposta societária, actualmente utilizada pelo ordenamento jurídico, para fazer face à recusa de alguns doentes mentais face ao tratamento - ainda que evidenciando clara necessidade do mesmo, e que, em razão da sua condição, possam pôr em risco a sua integridade e do seu perimundo. Não obstante terem decorrido mais de 10 anos desde a sua publicação, o intenso debate e reflexão ( 1 ) Médico do Internato Complementar de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra ( 2 ) Médico do Internato Complementar de Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Infante D. Pedro ( 3 ) Assistente Hospitalar de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra ( 3 ) Assistente Hospitalar de Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Infante D. Pedro

236 Nuno Madeira, Tiago Santos, Ana Cabral, Vitor Santos ocorridos não foram acompanhados por publicação, igualmente profusa, de investigação clínica sobre a epidemiologia dos internamentos compulsivos. Assim, e partindo da convicção de que uma intervenção precoce e um acompanhamento regular e estruturado podem minimizar a ocorrência de períodos de descompensação, nos quais o doente reúna critérios para ser internado compulsivamente, os autores procuraram caracterizar o arquétipo do doente submetido a internamento involuntário em Portugal, apreciando variáveis demográficas e clínicas. Visaram deste modo traçar o perfil-tipo de forma a facilitar a identificação dos doentes que possam beneficiar de uma abordagem prioritária e atempada. Procedeu-se pois a uma revisão dos internamentos compulsivos ocorridos nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e no Hospital Infante D. Pedro Aveiro (HIP) durante o triénio 2006-2008. Estas duas instituições hospitalares serviam à data uma população estimada em cerca de 930.000 habitantes (2). MÉTODOS Os autores procuraram caracterizar o arquétipo do doente submetido a internamento involuntário em Portugal, recolhendo dados epidemiológicos e aferindo variáveis demográficas e clínicas. Para esse fim, conduziu-se um estudo retrospectivo dos internamentos compulsivos ocorridos entre 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2008 nos dois Departamentos de Psiquiatria de referência da Beira Litoral: os HUC e o HIP. Recolheu-se uma amostra de 384 internamentos, correspondente a um total de 269 indivíduos. A partir dos dados obtidos analisaram-se variáveis socio-demográficas (idade, sexo, estado civil, situação laboral) e clínico-legais (diagnóstico de admissão, diagnóstico de alta, duração do internamento, internamentos anteriores, destino após a alta, comportamentos aditivos comórbidos e circunstâncias legais do internamento). A análise estatística dos dados realizou-se mediante recurso ao programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 17. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na amostra recolhida, verificou-se um claro predomínio de indivíduos do sexo masculino - 73% (Figura 1), solteiros - 69,9% (Figura 2), desempregados - 33,8% - ou reformados - 28,8% (Figura 3), com idade compreendida entre os 30-49 anos - 61,2% (Figura 4).

Internamentos Compulsivos: revisão da casuística dos HUC e HIP no triénio 2006-2008. 237 Tais características sociodemográficas são semelhantes às referidas noutros estudos conduzidos em Portugal, nomeadamente em Lisboa e no Porto (3, 4). A maioria dos internamentos - 42,7% - teve duração entre 2 a 4 semanas (Figura 5), representando frequentemente 62,6% - o primeiro internamento psiquiátrico do indivíduo. Em quase 10% dos indivíduos apurava-se história de múltiplos (>3) internamentos anteriores (Figura 6).Quase 1/3 dos doentes - 30% - foi re-internado durante o triénio desta investigação (Figura 7). No momento da alta, cerca de metade dos doentes (48,4%) prosseguiram tratamento compulsivo em regime ambulatório, e 39,5% mantiveram seguimento em regime convencional (Figura 8). Em termos de enquadramento legal da circunstância do internamento, em 74% das ocasiões o doente fôra conduzido ao Serviço de Urgência por autoridades, sob mandado; em 13% dos casos o internamento deveu-se a determinação judicial, nomeadamente por incumprimento de termos de tratamento compulsivo em regime ambulatório. Os diagnósticos mais frequentes considerados na admissão hospitalar foram: (1) Esquizofrenia 45.5%; (2) Perturbação afectiva bipolar 11,3%; (3) Psicose SOE 9,6%, conforme ilustrado na Figura 9. Este último diagnóstico, em tais circunstâncias provisório, perde compreensivelmente relevância como diagnóstico de alta, momento no qual se vêm a registar como diagnósticos mais frequentes: (1) Esquizofrenia 46,8%, (2) Perturbação afectiva bipolar 9,9%, (3) Perturbação da personalidade 9,6% e (4) Oligofrenia 6,4%, além de outros elencados na Figura 10. No referente a comportamentos aditivos, documentou-se, em 24% da amostra, registo de abuso ou dependência de álcool (Figura 11); consumos de

238 Nuno Madeira, Tiago Santos, Ana Cabral, Vitor Santos substâncias ilícitas foram descritos em 25% dos casos (Figura 12). Epidemiologicamente, a figura do internamento compulsivo evidenciou entre 2006 e 2008 uma tendência decrescente, em termos absolutos (Figura 13) e relativos (Figura 14). Verifica-se ainda alguma heterogeneidade relativamente à percentagem de internamentos compulsivos por comparação com os números registados noutras instituições, conforme reportado por Almeida e colaboradores; a título de exemplo, no ano de 2006 10,5% dos internamentos registados nos HUC e no HIP foram de natureza compulsiva, enquanto que, no mesmo ano, tal proporção se cifrou em 5,5% no Hospital Magalhães Lemos e 13,54% no Hospital Júlio de Matos (4). 10 anos volvidos sobre a publicação da Lei nº 36/98, a taxa de internamentos compulsivos nesta amostra foi inferior a 10 internamentos por 100.000 habitantes (Figura 15), valor consideravelmente inferior ao da maioria dos países da União Europeia, aspecto já reportado por Salize e Dressing (5).

Internamentos Compulsivos: revisão da casuística dos HUC e HIP no triénio 2006-2008. 239 CONCLUSÕES As medidas de tratamento compulsivo constituem instrumentos determinantes na prevenção ou minimização dos danos que um estado de insanidade psíquica pode representar para o próprio e para os que o rodeiam. Por implicar medidas de privação da liberdade, encontram-se sujeitas a escrutínio constante por parte da sociedade que, por razões históricas, filosóficas e culturais, nem sempre inteiramente justas, teme o exercício desse poder pela Psiquiatria. O estudo conduzido nas duas instituições psiquiátricas envolvidas permite traçar como perfil-tipo do indivíduo sujeito a internamento compulsivo um homem de 30 a 49 anos, solteiro, laboralmente inactivo (desemprego ou reforma). O internamento compulsivo tem por regra uma duração compreendida entre 2 a 4 semanas, representando com frequência o primeiro internamento psiquiátrico do indivíduo. Cerca de metade dos doentes prosseguiu em regime ambulatório o tratamento compulsivo após a alta hospitalar, e 1 em cada 3 foi reinternado durante o triénio consagrado neste estudo. A esquizofrenia foi o diagnóstico mais frequentemente considerado. 1 em cada 4 doentes evidenciava consumo excessivo de álcool e consumos ilícitos recentes. Verificou-se uma tendência decrescente no número de internamentos compulsivos entre 2006 e 2008, estimando-se em cerca de 10 casos por 100.000 habitantes a taxa registada em 2008, cifra inferior à da maioria dos países da Europa Ocidental. Importa conhecer com detalhe e rigor as circunstâncias e o perfil dos doentes internados compulsivamente nas diferentes instituições psiquiátricas, de forma a uniformizar procedimentos e práticas, minimizando a eventual instituição de medidas sem fundamentação adequada ou a não aplicação de uma Lei de Saúde Mental que tem, grosso modo, servido os interesses dos doentes, das suas famílias e da sociedade. BIBLIOGRAFIA 1. Decreto-Lei nº36 de 24 de Julho de 1998 Lei de Saúde Mental. 2. Estimativas provisórias de população residente, 2008: Portugal, NUTS II, NUTS III e municípios. Instituto Nacional de Estatística, Lisboa, 2009. 3. Brissos S, Carita A, Vieira F. Compulsory admission to a Portuguese psychiatric hospital: retrospective study of 497 involuntary admissions. BMC Psychiatry 2007, 7(Suppl 1):P2. 4. Almeida F, Marques A, Castro A, Coelho C, Palha J, et al. Internamentos Compulsivos no Hospital de Magalhães Lemos. Psiquiatria Psicologia & Justiça 2008, 2:87-101. 5. Salize H, Dressing H. Epidemiology of involuntary placement of mentally ill people across the European Union. British Journal of Psychiatry 2004, 184:163-168.