Impactos da precipitação e uso do solo na qualidade da água do Rio Purus

Documentos relacionados
Influência da precipitação na qualidade da água do Rio Purus. Ana Elisa Pereira Silva 1 Carlos Frederico de Angelis 1 Luiz Augusto Toledo Machado 1

H 2 A Hidrossistemas e o Homem na Amazônia

5/11/2009. O impacto da ocupação do solo na qualidade de água. SOLO é um componente fundamental do ecossistema terrestre SOLO

Variabilidade da Precipitação Pluviométrica no Estado do Amapá

ANÁLISE QUANTITATIVA PRELIMINAR DE ESTUDOS DE MEDIÇÃO DE PARÂMETROS DE QUALIDADE DA ÁGUA NA BACIA DO RIO NEGRO-RS

AVALIAÇÃO DOS DADOS DE PRECIPITAÇÃO SOBRE O BRASIL PROVENIENTES DE DIFERENTES FONTES DE DADOS RESUMO

VARIABILIDADE DA PRECIPITAÇÃO EM CAMPO GRANDE, MATO GROSSO DO SUL

V INFLUÊNCIA DAS CARACTERÍSTICAS HIDROLÓGICAS NA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RESERVATÓRIO DO ARROIO VACACAÍ-MIRIM

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Comparação de Variáveis Meteorológicas Entre Duas Cidades Litorâneas

VARIABILIDADE SAZONAL DA PRECIPITAÇÃO NA REGIÃO SUL DO BRASIL

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Tonimara de Souza Cândido1, João Henrique Miranda2, Marcos Vinicius Sanches Abreu3, Larissa Quartaroli⁴

O FENÔMENO ENOS E A TEMPERATURA NO BRASIL

Lucio Alberto Pereira 1 ; Roseli Freire de Melo 1 ; Luiza Teixeira de Lima Brito 1 ; Magna Soelma Beserra de Moura 1. Abstract

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

2017 Boletim Nº /12/2017

city, due to heavy rains, thus making this study many important for the better monitoring and

INTEGRATED AND SUSTAINABLE MANAGEMENT OF TRANSBOUNDARY WATER RESOURCES IN THE AMAZON RIVER BASIN CONSIDERING CLIMATE VARIABILITY AND CHANGE

Análise do comportamento da precipitação estimada por satélite sobre áreas de intenso desmatamento na Amazônia Legal

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

MANANCIAL ABASTECEDOR DE CARAGUATATUBA E SÃO

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Análise da qualidade da água. Parâmetros inorgânicos e físico-químicos. Coleta 4 - dezembro Contrato n

ARTIGO COM APRESENTAÇÃO BANNER - CLIMATOLOGIA, UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

DETERMINAÇÃO DO IQA DO ARROIO CLARIMUNDO NA CIDADE DE CERRO LARGO/RS 1 DETERMINATION OF THE IQA OF CLARIMUNDO RIVER IN THE CITY OF CERRO LARGO/RS

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RESERVATÓRIO BANANEIRAS, ALEXANDRIA /RN

2. ALTERAÇÕES NAS PRECIPITAÇÕES OBSERVADAS NA REGIÃO DE MANAUS - AM. MOTA, M. R.; FREITAS, C. E. C. & BARBOSA, R. P.

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE PESQUISA RELATÓRIO TÉCNICO - CIENTÍFICO (X) PARCIAL ( ) FINAL

CARACTERIZAÇÃO SÓCIO ECONÔMICA E MICRO MONITORAMENTO DA QUALIDADE DA AGUA DA BACIA DO RIO PURUS

ANÁLISE DOS DESLIZAMENTOS EM SALVADOR A PARTIR DOS DADOS PLUVIOMÉTRICOS

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA POR SATÉLITES. AVALIAÇÃO TRIMESTRAL DO DETER Novembro de 2008 a Janeiro de

ANALISE COMPARATIVA ENTRE A PRECIPITAÇÃO ESTIMADA POR SATELITES E MEDIDA POR PLUVIÔMETROS NA CIDADE DE BELÉM-PA

UTILIZAÇÃO DO MODELO SWAT PARA VERIFICAÇÃO DA INFLUENCIA DO DESMATAMENTO NA EVAPOTRANSPIRAÇÃO

SAZONALIDADE DE ALAGAÇÕES E SECAS NA CAPITAL DO ACRE, RIO BRANCO, AMAZÔNIA OCIDENTAL. Alejandro Fonseca Duarte

ISSN Junho, Boletim Agrometeorológico 2012: Estação Agroclimatológica da Embrapa Amazônia Ocidental, no Km 29 da Rodovia AM-010

DISTRIBUIÇÃO DIÁRIA DA PLUVIOSIDADE NA BACIA DO RIO MOURÃO-PR

CARACTERIZAÇÃO DA PRECIPITAÇÃO DO RIO TURVO, Médio Paranapanema

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

OBJETIVO. Analisar a dinâmica dos níveis potenciométricos de aquífero aluvial intensamente monitorado, no Agreste Pernambucano; Relacionar com:

Sumário. Apresentação I Apresentação II Apresentação III Prefácio Capítulo 1 Introdução... 37

Avaliação da Precisão na Estimativa de Precipitação Obtida por Meio de Sensores Remotos para a Bacia do Rio Japaratuba em Sergipe

ENCHENTE DE 2015 NO RIO ACRE: AQUISIÇÃO DE DADOS E MONITORAMENTO FLOOD OF 2015 IN ACRE RIVER: DATA ACQUISITION AND MONITORING

Agora que sabemos como é o relevo da bacia vamos entender como é a chuva na Bacia


OBSERVAÇÃO DE MUDANÇAS DE EXTREMOS CLIMÁTICOS (PRECIPITAÇÃO E TEMPERATURA)UTILIZANDO O SOFTWARE

ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS EM SÉRIES PLUVIOMÉTRICAS NAS BACIAS DO RIO VAZA BARRIS E ITAPICURU, NO ESTADO DE SERGIPE

EFEITO DA URBANIZAÇÃO SOBRE A FAUNA DE INSETOS AQUÁTICOS DE UM RIACHO DE DOURADOS, MATO GROSSO DO SUL

EFEITOS DE UM BLOQUEIO ATMOSFÉRICO NO CAMPO DE PRECIPITAÇÃO E TEMPERATURA NO RIO GRANDE DO SUL

ANÁLISE DAS ANOMALIAS DA PRECIPITAÇÃO EM MINAS GERAIS

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

BOLETIM DE MONITORAMENTO HIDROMETEOROLÓGICO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL

XIX CONGRESSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DA UFLA 27 de setembro a 01 de outubro de 2010

Avaliação da aplicabilidade da precipitação obtida do produto TRMM/ V7 em estudos hidrológicos na Bacia do Rio Japaratuba

CARACTERIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO HIDROLÓGICO ECORREGIÕES DO CERRADO RESUMO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS EM NÍCKOLAS C. SANTANA; LINEU NEIVA RODRIGUES

MONITORAMENTO DA PRECIPITAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE PE UTILIZANDO A TÉCNICA DOS QUANTIS. 3

Andrea Sousa Fontes, Maria Quitéria Castro de Oliveira, Yvonilde Dantas Pinto Medeiros

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

I Workshop Internacional Sobre Água no Semiárido Brasileiro Campina Grande - PB

INFLUÊNCIA DA RETIRADA DA VEGETAÇÃO NAS VAZÕES MÁXIMAS E MÍNIMAS DO RIO MADEIRA, PORTO VELHO, RO

POSIÇÕES DO CAVADO EQUATORIAL E DA FAIXA DE MÁXIMA TSM NO ATLÂNTICO TROPICAL.

ISSN Julho, Boletim Agrometeorológico 2013: Estação Agroclimatológica da Embrapa Amazônia Ocidental, no Km 29 da Rodovia AM-010

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS ÁGUAS SUPERFICIAIS DO RIO PARAGUAÇU E AFLUENTES, BAHIA, BRASIL

ANÁLISE AMBIENTAL DOS AFLUENTES DO RESERVATÓRIO DA UHE BARRA DOS COQUEIROS DO MUNICÍPIO DE CAÇU-GOIÁS

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

PHD-5004 Qualidade da Água

XII Congresso Brasileiro de Meteorologia, Foz de Iguaçu-PR, 2002

mail: 2 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

TENDÊNCIAS DE ÍNDICES DE EXTREMOS CLIMÁTICOS PARA A REGIÃO DE MANAUS-AM

Sociedade & Natureza ISSN: Universidade Federal de Uberlândia Brasil

ANÁLISES DE PROCESSOS HIDROLÓGICOS NUMA MICROBACIA DE FLORESTA AMAZÔNICA. RELATÓRIO FINAL DE PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (PIBIC/CNPq/INPE)

6 - Resultados e discussão

Retrospectiva sobre regimes hidrológicos e importância do planejamento urbano na prevenção quanto a eventos extremos

Comparação entre a ocorrência de fogo durante a Seca de 2005 e o El Niño em 1998 na Amazônia

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Amazônia Oriental Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

PROGRAMA DE MONITORAMENTO DE QUEIMADAS E PREVENÇÃO DE CONTROLE DE INCÊNDIOS FLORESTAIS NO ARCO DO DESFLORESTAMENTO NA AMAZÔNIA (PROARCO)

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E TEMPORAL DA PRECIPITAÇÃO PLUVIAL E EROSIVIDADE MENSAL E ANUAL NO ESTADO DO TOCANTINS

INFLUÊNCIA DO DESMATAMENTO NA DISPONIBIDADE HÍDRICA DA BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO DO GALO, ES, DOMINGOS MARTINS

BOLETIM DE MONITORAMENTO HIDROMETEOROLÓGICO DA AMAZÔNIA OCIDENTAL

ESTIMATIVA DO DEFLÚVIO ANUAL ATRAVÉS DE UM MODELO E COMPARAÇÃO COM A VAZÃO MEDIDA NA BACIA DO ALTO JAGUARIBE CE

²Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Formação de Professores -

ESTUDO PLUVIOMÉTRICO E FLUVIOMÉTRICO PRELIMINAR NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO EMBU-GUAÇU, SP.

¹ Universidade Federal de Campina Grande

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA POR SATÉLITES. Fevereiro. ro/feverei

VARIABILIDADE ESPACIAL DE PRECIPITAÇÕES NO MUNICÍPIO DE CARUARU PE, BRASIL.

ANÁLISE DA PRECIPITAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS ATRAVÉS DA TÉCNICA DE QUANTIS M. J. M. GUIMARÃES 1 ; I. LOPES 2

ANÁLISE DOS POLUTOGRAMAS PARA UM EVENTO CHUVOSO NUMA GALERIA DE DRENAGEM PLUVIAL

ANÁLISE COMPARATIVA DA ATUAÇÃO DO FENÔMENO EL NIÑO /OSCILAÇÃO SUL ENTRE AS CIDADES DE RIO GRANDE E PELOTAS-RS PARA O PERÍODO DE

MONITORAMENTO DA COBERTURA FLORESTAL DA AMAZÔNIA BRASILEIRA POR SATÉLITES

SERVIÇO GEOLÓGICO DO BRASIL - CPRM DIRETORIA DE HIDROLOGIA E GESTÃO TERRITORIAL DHT SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DE MANAUS

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Land cover change and soil loss susceptibility: The case of Curuá-Una river basin, PA

ESTUDO DE VARIABILIDADE DAS PRECIPITAÇÕES EM RELAÇÃO COM O EL NIÑO OSCILAÇÃO SUL (ENOS) EM ERECHIM/RS, BRASIL.

CLASSIFICAÇÃO DO USO E COBERTURA DO SOLO NO LITORAL SUL DE ALAGOAS UTILIZANDO O PRODUTO MODIS-EVI

MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Transcrição:

Impactos da precipitação e uso do solo na qualidade da água do Rio Purus Ana Elisa Pereira Silva 1 Carlos Frederico Angelis 1 Luiz Augusto Toledo Machado 1 1 Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE/CPTEC Caixa Postal 01-12630-970 Cachoeira Paulista - SP, Brasil (ana.silva, carlos.angelis, luiz.machado)@cptec.inpe.br Abstract. The impacts of precipitation on the water quality along the Purus river, located in the Brazilian State of Amazonas, was investigated using TRMM 3B42 data and information about water acquired in four different areas along the river. The Purus river is located in one of the most natural environment of the Amazon Basin. Although this area is well protected, all villages of the area are found in some places along of the river course. In order to know the relationship between the Purus water quality and other factors like precipitation and deforestation, samples of the water quality obtained if four different places of the river stream were analyzed together with remote sensing images. The parameters evaluated (temperature, conductivity, turbidity, ph and solids in suspension) revealed significant correlation when compared to the precipitation regime. Weak values were found for water quality versus deforestation. The human impacts are noted in the area where the land use is more intense. In those places the parameters turbidity and solids in suspension are more affected. All ph values showed strong acidity of the water and the it can be caused by the high acidity of the soil, although other factors can be associated to this phenomena. Palavras-chave: remote sensing, deforestation, rainall, sensoriamento remoto, desmatamento, chuva. 1. Introdução A qualidade da água de um rio é fundamental para a saúde das pessoas, dos animais e gera condições de renda e sustento para muitas famílias, principalmente para populações ribeirinhas, como é o caso da maioria dos povos da Amazônia. O Plano Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH) publicou em 2006 que a Região Hidrográfica Amazônica detém 73,6% dos recursos hídricos superficiais do país. O rio Purus, localizado nos estados do Acre e Amazonas, é utilizado também como fonte de renda e meio de transporte do local. Quanto à qualidade da água, as bacias mais críticas são aquelas nas proximidades das principais regiões metropolitanas e estão associadas principalmente ao lançamento de esgoto doméstico. A degradação da qualidade da água, bem como alterações no regime hídrico e na sua quantidade, interferem na escassez ou fartura da disponibilidade natural de água, sendo este um aspecto comum às regiões hidrográficas brasileiras (PNRH, 2006). Essas alterações decorrem do crescimento demográfico, da falta de infra-estrutura de saneamento e da progressiva demanda originada por atividades econômicas nem sempre compatibilizadas com os princípios da sustentabilidade ambiental. Para que haja um monitoramento da qualidade das águas superficiais, um conjunto de condições e padrões foi criado para avaliar a qualidade de um corpo d água, num determinado momento, e em termos dos possíveis usos futuros. O CONAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente, na Resolução 357/2005 classificou os corpos d água segundo a qualidade requerida para seus usos preponderantes. O controle da qualidade destas águas abrange um conjunto de medidas operacionais que visa avaliar a melhoria e a conservação da qualidade da água estabelecida para o corpo d água (CONAMA, 2005). A Agência Nacional das Águas - ANA, monitora em todo o Brasil, pontos onde esta água é coletada e mensurada, segundo alguns parâmetros físico-químicos como: temperatura, ph, turbidez, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido e sólidos em suspensão. Ao longo do rio Purus, este monitoramento é feito desde 1975, porém a série temporal mais completa foi 4867

obtida para o período de 1998-2005. O estudo destas variáveis pode ser um indicativo da qualidade da água do local coletado ou mesmo de uma área além do ponto de coleta da amostra. Estas variáveis também sofrem influência das estações do ano, do volume de chuvas, da localização geográfica e da ação antrópica. Apesar de próximo à fronteira agrícola, que avança no sentido sudoeste da Amazônia, a bacia do rio Purus ainda não sofreu muitos impactos decorrentes da conversão de florestas tropicais. Com isto, não só interferências antrópicas são analisadas como possíveis alteradores da qualidade da água, mas também e principalmente, interferências direta de agentes naturais. Ao se analisar as regiões hidrográficas, é possível verificar, em primeiro lugar, que as condicionantes climáticas têm papel determinante na disponibilidade hídrica, via pluviosidade ou via evapotranspiração. A grande extensão do território brasileiro e sua posição global implicam variações sazonais, expressas principalmente pelas estações do ano e pelos regimes de chuvas associados, que produzem reflexos no ciclo hidrológico médio das diversas regiões do país (PNRH, 2006). O regime de chuvas no Brasil apresenta uma sazonalidade marcante evidenciando uma estação seca e outra chuvosa que acontece em épocas diferentes de acordo com a localização geográfica (Figueroa e Nobre, 1989). Além da variação mensal da chuva, seu ciclo diurno também varia espacialmente (Angelis et al., 2004) e isso pode afetar as concentrações das variáveis físico-químicas presentes nos rios. Informações sobre precipitação obtidas através de dados de sensoriamento remoto são de muita utilidade em extensas áreas onde não há um densa rede de pluviômetros nem cobertura de radar meteorológico, como é o caso da região Amazônica e mais precisamente a bacia do Rio Purus. Diante disso, os dados de chuva usados nessa pesquisa foram obtidos a partir de estimativas feitas através de informações coletadas pelos sensores do satélite TRMM (Tropical Rainfall Measuring Mission) que é equipado com um radar meteorológico, um sensor de microondas passivo e um sensor óptico no infravermelho (detalhes sobre o satélite e sensores podem ser encontrados em: http://trmm.gsfc.nasa.gov). Toda a Amazônia Legal é monitorada anualmente pelo PRODES (Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia) desenvolvido pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) onde através de um processo de interpretação de imagens de satélite assistida pelo computador, calcula a taxa de desmatamento na Amazônia. Utilizando estes dados foi possível caracterizar o uso do solo do local próximo às estações de coleta de água, e relacioná-lo com as demais variáveis estudadas. Ainda para analisar os fatores influentes na qualidade da água do rio Purus, o tipo de solo ao redor das estações de água foi avaliado. Estudos anteriores foram feitos e mostraram que a precipitação parece ser o principal agente influenciador da qualidade da água do rio Purus, onde foi observado significativa correlação entre que as principais variáveis monitoradas e o regime de chuvas do local (Silva et al.,2007). A partir disto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar quantitativamente os impactos da precipitação e do desmatamento local observado por satélites na qualidade da água do Rio Purus, em sua porção amazonense, através dos dados coletados nos postos de observação monitorados pela Agência Nacional de Águas. 2.1 Área de estudo A Bacia do Rio Purus está localizada na porção sudoeste da Amazônia e tem o rio Purus como tributário principal. Esse rio nasce no Peru, a cerca de 500 m de altitude e deságua no rio Solimões, a cerca de 200 km de Manaus, sendo que 73% dele se encontra no Estado do Amazonas, 21% no Estado do Acre, 5,5% no Peru e 0,5% na Bolívia. As faixas que margeiam o rio alargam-se na direção da foz e comportam extensas áreas alagadas e de inundação. A porção localizada no estado do Amazonas, onde os pontos de coleta de água 4868

feita pela ANA estão localizados, é coberta por floresta primária nativa. A figura 1 mostra a localização do Rio Purus e os locais de amostragem de água. 2. Metodologia Figura 1: Área de estudo e locais de amostragem de água na Bacia do Rio Purus Através do banco de dados do PRODES, foi observada a dinâmica espaço-temporal do desmatamento ao longo do rio Purus. Foi definida uma área de 50 km ao redor de cada estação de coleta de água e analisado quantitativamente o tamanho da área desmatada acumulada até 2005. Após esta primeira análise de comparação entre as estações, foi feita a correlação com as variáveis de qualidade da água. A partir dos resultados desta correlação, foi analisado o tipo de solo da região. Estes dados foram obtidos através do site da Embrapa. As informações de qualidade de água foram obtidas por amostras feitas durante o período de 1998-2005 para as seguintes variáveis: temperatura da água, ph, turbidez, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido e sólidos em suspensão. Pelo menos três coletas por ano compõem as séries temporais de cada ponto amostrado. As informações sobre os locais de coleta de água estão mostradas na tabela 1. Tabela 1: Pontos de coleta de amostras de água para avaliação de parâmetros físico-químicos Nome da estação Latitude Longitude Seringal da Caridade -09º02'06'' -68º34'06'' Seringal Fortaleza -07º41'00'' -66º56'00'' Lábrea -07º15'08'' -64º48'00'' Arumã -04º41'00'' -62º07'00'' Os dados de precipitação foram extraídos para uma área de 50 km ao redor de cada ponto de coleta de água, para o mesmo período de 1998-2005. Foram utilizados dados produzidos pelo algoritmo 3B42 que combina todos os sensores do TRMM com informações do canal infravermelho proveniente de satélites geoestacionários e de pluviômetros produzidas pelo Global Precipitation Climatology Center (GPCC). A saída dos dados 3B42 mostra o valor da precipitação com resolução temporal de 3 horas em cada ponto de grade cuja resolução espacial é de 0,25 x 0,25. Mais detalhes sobre o algoritmo podem ser vistos em http://trmm.gsfc.nasa.gov/3b42.html. 4869

Os valores horários de precipitação foram acumulados para um período de oito dias, anteriores à coleta da água. Esses valores foram correlacionados com as variáveis de qualidade da água, para verificar os impactos causados pelo regime de chuva na qualidade da água do rio em estudo a partir de uma área centrada no ponto de coleta da qualidade da água com raio de 50 km. Como não há na literatura nenhuma referência sobre a representatividade dos pontos de amostragem de coleta de água dos rios da Amazônia, adotou-se o valor de 50 km que é o equivalente a quatro pixels dos dados 3B42. 3. Resultados e Discussão A área desmatada que foi detectada pelo PRODES até 2005 numa distância de 50km das estações de qualidade de água, pode ser visualizada na figura 2. É importante observar também que o rio Purus aumenta sua largura à medida que vai se aproximando da foz, isto é, no trecho à montante (Seringal da Caridade) ele é mais estreito do que à jusante (Arumã) onde se torna mais largo. Isto interfere diretamente na capacidade de diluição do rio devido ao aumento no volume das águas, influenciando também na qualidade local e final da água. Figura 2: Dinâmica espacial do desmatamento próximo às estações ao longo do rio Purus até o ano de 2005 Em Seringal da Caridade é possível observar uma extensa área desmatada ao sul, próxima da estação de coleta de água no rio Purus. Embora a estação esteja localizada na porção amazonense, quase 50% da área pertence ao estado do Acre, que é a região mais antropizada da bacia em território brasileiro, devido aos assentamentos rurais. Ao redor das estações Seringal da Fortaleza e Lábrea, a área desmatada é bem menor que a observada em Seringal da Caridade. Em Arumã, local mais preservado da área em estudo, o desmatamento é mínimo, em pontos isolados e distantes do local de coleta da água. A partir da área delimitada, foi calculado quantitativamente em km² o desmatamento total para o período entre 2000 e 2005 ao redor de cada estação. O resultado é mostrado na figura 3. 4870

desmatamento(km²) 180 160 140 120 100 80 60 40 desmatamento(km²) 540 480 420 360 300 240 180 120 Arumã Lábrea Fortaleza Caridade 20 60 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Figura 3: Área desmatada nas proximidades das estações de qualidade de água, por ano e no acumulado anual Acompanhando os resultados observados na figura 2, o gráfico acima indica que a área onde se encontra a estação Seringal da Caridade foi a mais desmatada ao longo dos anos em estudo, atingindo em 2003 a extensão de 164 km². Em seguida, Lábrea apresentou desmatamento acima de 40km² em 2003 e Seringal da Fortaleza atingiu 32km² em 2000. Arumã é a região que apresentou menor extensão de desmatamento em todos os anos. No acumulado anual, todas as estações apresentaram crescimento progressivo de área desmatada entre 2000 e 2005, com os menores índices em Arumã. Entretanto, Lábrea aumentou mais em 2003 a extensão do desmatamento em comparação com os anos anteriores, superando Seringal da Fortaleza em quantidade de área desmatada. A correlação entre os parâmetros de qualidade da água e a área total de desmatamento em uma área de abrangência de 50km de raio do ponto de coleta no rio apresentou variação de acordo com a localidade. Em Seringal da Caridade, a turbidez e a condutividade apresentaram significativa correlação negativa, não acompanhando os resultados encontrados com as demais variáveis. A correlação com a temperatura foi negativamente expressiva somente em Seringal da Fortaleza. O desmatamento parece ser importante para os valores de ph encontrados em todas as estações, sendo apenas em Lábrea expresso negativamente. A condutividade parece acompanhar os valores do ph exceto em Seringal da Caridade. Em Arumã, os valores de oxigênio dissolvido e sólidos em suspensão foram positiva e negativamente significativos, indicando ser este o melhor trecho ao longo do rio com relação à qualidade da água. A figura 4 mostra as dispersões entre as variáveis utilizadas para análise da qualidade da água do rio Purus em função da área desmatada apenas na localidade de Seringal da Caridade, para o período de 2000 a 2005, porém as demais localidades também foram analisadas. Figura 4: Correlação entre as variáveis de qualidade de água e o valor da área desmatada 4871

O Purus é um rio de vazão lenta e bacia plana, o que poderia proporcionar um aumento na intensidade da sedimentação de partículas capazes de influenciar nos valores da turbidez, devido a redução na velocidade da água (Maier, 1987). Isto vai depender também do tamanho e natureza destas partículas que afetam diretamente o valor da turbidez (Pádua e Bernardo, 2001; Teixeira e Senhorelo, 2000). Os índices de sólidos em suspensão também podem ser menores em trechos mais próximos à foz do rio, onde o aumento da extensão do rio melhora a capacidade de dissolução que está relacionada com o aumento no volume de água. Segundo Maier (1987), ph e condutividade são variáveis que tem sido analisadas como parâmetros interrelacionados, e que o solo da bacia de drenagem pode contribuir para alterações no valor do ph. O solo encontrado nesta região é muito variado com mudanças próximas e bruscas. Porém, segundo o mapa de solos da Embrapa, a região da calha do rio Purus onde é coletada a amostra de água nas quatro estações estudadas é composta de solo do tipo Gleissolos Háplicos Tb Distrófico, conforme mostrado na figura 5. Figura 5: Tipos de solo encontrados na bacia do rio Purus Gleissolos Háplicos Tb Distrófico são solos minerais, situados em terreno plano, mal drenados, com valores de ph em água abaixo de 5,0, conforme encontrado por Vieira et al. (2003) em trabalho realizado num campo experimental de Cambuquira MG. Considerando que estes solos apresentam acidez elevada a muito elevada, mais de 52,9% dos solos do estado de Roraima se enquadram nesta categoria, 39,1% possuem acidez média e 8% tem acidez variando de fraca a neutra. Isto é uma resposta às condições de clima quente e úmido onde as reações de hidrólise que ocorre na solução dos solos, a decomposição de resíduos orgânicos e a natureza das rochas contribuem para a ocorrência dos atuais tipos de solo (Melo et al., 2003). Na intenção de avaliar não só a extensão da área desmatada, mas também o impacto que a chuva causaria na qualidade da água ao percorrer um solo exposto até alcançar o rio, foi calculado o valor da precipitação para uma área de 50km ao redor do ponto de amostragem de água, acumulados para um período de oito dias anteriores à coleta e correlacionado com as variáveis de qualidade da água. A climatologia da precipitação na bacia do rio Purus apresenta comportamento pluviométrico que evidencia ciclo anual marcado por estação chuvosa e estação seca. A figura 6 mostra os resultados obtidos na correlação somente para a localidade de Seringal da Caridade, porém os mesmos gráficos foram feitos para cada localidade (não 4872

mostrados). Figura 6: Correlação entre as variáveis de qualidade de água e o valor acumulado de precipitação Seringal da Caridade foi a localidade que apresentou correlação significativa com o maior número de variáveis. De acordo com os gráficos de dispersão de todos os locais amostrados, a precipitação parece favorecer a diminuição da turbidez, enquanto contribui para o aumento dos sólidos em suspensão. Desde a primeira estação de coleta à montante (Seringal da Caridade) até a última à jusante (Arumã), os valores de turbidez diminuíram em função da precipitação. Os sólidos em suspensão apresentaram melhores valores à jusante do que à montante. A temperatura da água encontrou significativa correlação negativa em todas as localidades. O oxigênio dissolvido não apresentou correlação em Arumã, mas nas demais localidades parece diminuir com o aumento da precipitação. O ph tendeu a diminuir diante do aumento das chuvas em Seringal da Caridade e Lábrea, enquanto a condutividade foi mais significativa em Lábrea, negativamente. 4. Considerações finais Os resultados obtidos neste estudo mostraram que a precipitação parece influenciar a qualidade da água do rio Purus, pois a maioria das variáveis analisadas se correlacionaram significativamente com o regime de chuvas observado em todas as localidades estudadas. Por isso, a sazonalidade do ciclo anual de precipitação indica maior possibilidade de influência na qualidade da água em determinadas épocas do ano. A correlação entre a extensão do desmatamento e as variáveis de qualidade da água foram menos expressivas que as correlações com a chuva. Porém, é notável que a interferência humana mais intensamente presente em Seringal da Caridade do que em Arumã, possa impactar negativamente os índices que avaliam a qualidade da água. Os valores de turbidez e sólidos em suspensão apresentaram valores muito acima dos demais analisados em Seringal da Caridade, ponto mais à montante do rio. Na localidade de Arumã, situada no ponto mais a jusante do trecho estudado, os parâmetros avaliadores da qualidade da água apresentaram os melhores índices quando comparados com os demais. A acidez elevada do tipo de solo presente nos locais de amostragem de água pode ter relação com os valores de ph encontrados no rio Purus. No entanto, outros fatores parecem estar associados aos resultados encontrados, como a extensão do rio próximo ao local do ponto de coleta da água e sua conseqüente capacidade de dissolução, a distância entre a área desmatada e a margem do rio onde é feita a coleta da 4873

amostra de água, e a inclinação da bacia do rio Purus que, sendo plana, não favorece o escoamento superficial. Com isto, a água do rio Purus parece ser influenciada principalmente em escala local. Agradecimentos Este trabalho foi desenvolvido com recursos do CNPq Processo nr. 104201/2006-1 (NV) Referências Bibliográficas Angelis, C.F.; McGregor, G.R.; Kidd, C. A 3 year climatology of rainfall characteristics over tropical and subtropical South America based on Tropical Rainfall Measuring Mission Precipitation Radar data. International Journal of Climatology, 24: 385 399, 2004. CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente, 2006. Resolução nº357 de 17 de março de 2005, (http://www.mma.gov.br/conama). Acesso: 08.nov.2006. Figueroa, S.N.; Nobre, C.A. Precipitation distribution over Central and Western tropical South America. Climanalise, 5: 36-45, 1989. Maier, M.H. Ecologia da bacia do rio Jacaré Pepira (47º55 48º55 W; 22º30 21º55 S Brasil): qualidade da água do rio principal. Ciência e Cultura, 39(2): 164-185, 1987. Melo, V.F; Gianluppi, D.; Uchoa, S.C.P. Características edafológicas dos solos do estado de Roraima. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento. Boa Vista: Embrapa Roraima, 2003. 28pp. Pádua, V.L; Bernardo, L.D. Comparação entre Turbidez e distribuição de tamanhos de partículas. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 21, 2001. I 044: 1-10. Ministério do Meio Ambiente. Secretaria de Recursos Hídricos. Plano Nacional de Recursos Hídricos. Síntese Executiva português. Brasília: MMA, 2006. Silva, A.E.P.; Angelis, C.F.; Machado, L.A.T. Influência da precipitação na qualidade da água do Rio Purus. In: Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), 13, 2007, Florianópolis. Anais... São José dos Campos: INPE, 2007. Artigos, p. Teixeira, E.C; Senhorelo, A.P. Avaliação de correlação entre Turbidez e concentração de Sólidos Suspensos em bacias hidrográficas com uso e ocupação diferenciada. In: Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental, 27, 2000. V 013: 1-5. Vieira, A.R.; Oliveira, J.A.; Vieira, T.G.C.O. Produtividade e qualidade de sementes de arroz produzidas sob inundação em diferentes classes de solos de várzea. Ciência agrotec., Lavras. V.27, n.3, p.578-584, 2003. 4874