CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA: DISCUSSÕES ACERCA DO PROJETO DE LEI DA CÂMARA 122/2006 Autor: João Daniel Vilas Boas Taques, UEPG E-mail: jd_taques@hotmail.com Co-autor: Fernanda Dezontine Piotrowski, UEPG, E-mail: nandapiotro@hotmail.com Orientador: Prof. Dra. Dircéia Moreira, UEPG, E-mail: dirceia@dirceiam.com.br Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG Resumo: O presente artigo teve como ponto de partida o Projeto de Lei nº 122/2006, da Câmara dos Deputados Federais, que tem como objetivo criminalizar qualquer discriminação ou preconceito em razão de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Partindo dessa premissa, buscamos, através do método dedutivo, explanar duas das questões mais controversas quanto ao assunto: a necessidade da criminalização e a possível limitação que essa lei traria ao princípio da liberdade religiosa. A partir das reflexões feitas chegou-se a conclusão da necessidade de se tipificar a homofobia. Palavras-chave: homossexualidade, igualdade, Direitos Humanos, homofobia. Introdução: Ao longo desse estudo pretende-se buscar a necessidade da tipificação da discriminação e do preconceito em razão de sexo, orientação sexual e identidade de gênero na legislação penal brasileira, equiparando estes aos crimes raciais, de cor, étnicos, religiosos e outros já existentes em nosso ordenamento jurídico penal. O relacionamento homossexual sempre existiu, desde as primeiras civilizações, exemplo disso é a Grécia Antiga, berço da cultura ocidental, onde era parte do ritual de iniciação da vida adulta o homem mais jovem ter relações sexuais com um homem mais velho 1. Como resultado da proliferação do ideal judaico-cristão na Europa, a homossexualidade tornou-se uma conduta pecaminosa, criminosa, sendo punida até mesmo com a própria vida. Com o passar do tempo, o comportamento homossexual e transsexual passou a ser tolerado, compreendido e até mesmo defendido. Atualmente, muitos países como a Dinamarca, Espanha, Estados Unidos e Argentina criminalizaram a discriminação e legalizaram a união homoafetiva. O Brasil não figura nesse grupo, com uma considerável parcela da sociedade sendo contrária a qualquer avanço nessa área, principalmente os seus representantes do Poder Legislativo. 1 SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Homossexualismo, uma instituição reconhecida em duas grandes civilizações. Publicado no livro Homossexualidade, Discussões Jurídicas e Psicológicas. Editora Juruá. Curitiba PR, 2010.
Antes das discussões acerca do PLC - Projeto de Lei da Câmara, nº 122/2006 da Câmara dos Deputados Federais, é preciso distinguir sexo, orientação sexual e identidade de gênero, uma vez que estas expressões são usadas muitas vezes como sinônimos, mesmo designando realidades diversas. Sexo refere-se às características específicas e biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, ao seu funcionamento e aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios. [ ] gênero é uma construção social, é preciso um investimento, a influência direta da família e da sociedade para transformar um bebê em 'mulher' ou 'homem'. Essa construção é realizada, reforçada, e também fiscalizada ao longo do tempo, principalmente, pelas instituições sociais, são elas: a igreja, a família e a escola 2. Já a orientação sexual pode ser vista como a identidade atribuída a alguém em função da direção de seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade) 3. Acontece que estes três aspectos são completamente independentes entre si (inclusive vale a pena ressaltar que o sexo biológico é de caráter objetivo, enquanto a orientação sexual e a identidade de gênero são de caráter subjetivo), podendo se apresentar nas mais variadas combinações. Objetivos: O presente estudo concentrou-se em analisar o problema da homofobia no Brasil, a necessidade da sua criminalização e o PLC nº 122/2006, da Câmara dos Deputados Federais, que coloca a sexualidade como direito fundamental e destacar as principais questões no âmbito jurídico que foram geradas na proposta de lei em relação à discriminação pela orientação sexual. Método e Técnicas de Pesquisa Foi utilizado para a realização do presente artigo o método dedutivo. A técnica de pesquisa usada para a construção do trabalho foi a documental indireta, com pesquisa documental e bibliográfica. Resultados Por que é necessário criar uma Lei que criminaliza, principalmente, a homofobia e a transfobia? A Constituição Federal de 88, já nos seus primeiros artigos, nos traz o princípio da igualdade (Art. 5º, caput, Constituição Federal). Entretanto, é impossível alcançar um tratamento jurídico-estatal realmente igualitário quando, na realidade, a sociedade não é igualitária. Luís Roberto Barroso nos ensina que [ ] o princípio da isonomia, em grande número de hipóteses de sua incidência, não apenas não veda o estabelecimento de desigualdades jurídicas, como, ao revés, impõe o tratamento desigual. [ ] Será legítima a desequiparação quando fundada e logicamente subordinada a um elemento discriminatório objetivamente ferível, que prestigie com! 2 KOTLINSKI, Kelly. Diversidade Sexual Uma breve introdução. Disponível em <www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/ diversidade_sexual-artigo_-_diversidade_sexual_-_artigos_e_teses.pdf>. Acesso em 13/07/2015.! RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito brasileiro. Disponível em 3 <www.ulbra.br/direito/files/direito-e-democracia-v2n2.pdf#page=131>. Acesso em 13/07/2015.
proporcionalidade, valores abrigados no texto constitucional 4. Ora, se a sociedade apresenta desigualdades, é um dever fundamental do Estado apresentar medidas que acabem por equiparar os indivíduos. Segundo um relatório de 2012 da ONG Grupo Gay da Bahia (GGB) 5, o Brasil é o país com o maior número de assassinatos homofóbicos do planeta, apresentando um total de 44% do total de execuções do planeta. Segundo esse mesmo relatório, só em 2012 foram assassinados 338 homossexuais e transexuais no Brasil. Dentre esse número espantoso de crimes, apenas 1/4 dos autores foram identificados nos inquéritos policiais. Além das vítimas fatais, há também um número incontável de vítimas de homofobia todos os dias. Seja nos colégio, no trabalho ou até mesmo na própria família, a comunidade LGBT sofre diariamente com o preconceito que se enraizou na cultura brasileira ao longo dos anos. Mesmo com esses dados alarmantes, o Brasil se vê estagnado na luta contra a homofobia e transfobia, em grande parte devido à elite conservadora que atua nas altas esferas dos poderes estatais. Debates sobre gênero e orientação sexual são excluídos dos planos municipais de educação, o Governo Federal suspendeu a entrega de um kit anti-homofobia nas escolas da rede pública e o próprio PLC nº 122/2006 encontra-se em trâmite entre as casas legislativas desde 2001. O número de vítimas da homofobia cresce de uma maneira sem precedentes, e mesmo assim os poderes públicos ignoram essa realidade. O PLC nº 122/2006 não corresponde a uma mordaça gay, como muitos se referem, não pretende impedir que os indivíduos tenham suas concepções pessoais sobre a sexualidade humana. O texto do PLC se refere aos crimes de ódio oriundos de preconceito ou discriminação em razão de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero. Para que haja um crime de preconceito ou discriminação, é preciso que os os atos de um indivíduo acabem por interferir na esfera individual de liberdade de um outro indivíduo. A liberdade desse alguém acabou por exceder os limites, deixando de ser, portanto, absoluta. Dentre os vários mitos que circundam o PLC nº 122/2006, o mais notório é o de que a livre expressão religiosa não seria mais permitida quando se tratasse de ideias negativas em relação aos homossexuais e transexuais. A liberdade religião é sim um princípio fundamental da nossa Constituição, mas também o é a igualdade entre pessoas, que veda quaisquer discriminações. Não há, necessariamente, um conflito entre estes princípios, uma vez que não são excludentes, podendo vigorar em harmonia. As liberdades (religião e sexual, no caso) são absolutas em seu próprio domínio, não interferindo na esfera uma da outra. Se isso acontecer, configurará um excesso, o que não será considerado legítimo ou absoluto pelo ordenamento jurídico brasileiro. Luís Roberto Barroso preceitua que Direitos fundamentais não são absolutos e, como consequência, seu exercício está sujeito a limites; e, por serem geralmente estruturados como princípios, os direitos fundamentais, em múltiplas situações, são aplicados mediante ponderação. Os limites dos direitos fundamentais, quando não constem diretamente da Constituição, são demarcados em abstrato pelo legislador ou em concreto pelo juiz constitucional. Daí existir a necessidade de protegê-los contra a abusividade de leis restritivas, bem como de fornecer parâmetros ao! 4 BARROSO, Luís Roberto. A igualdade perante a lei; algumas reflexões. Publicado na Revista de Direito, edição 38, da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro 5 Assassinato de Homossexuais no Brasil. Relatório 2012. Grupo Gay da Bahia. Disponível <https:// grupogaydabahia.files.wordpress.com/2013/06/relatorio-20126.pdf>.
intérprete judicial 6. Muitas religiões, em seus dogmas e doutrinas, são contrárias à homossexualidade, e isso não mudará caso o preconceito e a discriminação se tornem crimes equiparados ao racismo. A religião católica, a citar como exemplo, ainda poderá considerar pecaminosa a relação homossexual, porém, não poderá incitar o ódio contra esta, ou então relacioná-la a condutas pejorativas (como pedofilia). Em suma, o exercício da liberdade religiosa continuará sendo legítimo, desde que não configure abuso. Ora, pois se o Estado é laico, por que haveria de colocar a liberdade religiosa acima da liberdade sexual? A liberdade sexual é um direito, um princípio, fundamentado na história da luta da classe LGBT pelos seus direitos. Discussão Em 2001, a ex-deputada Federal Iara Bernardi (PT/SP) apresentou o projeto de Lei nº 5003/2001, que previa sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. O projeto não visava, de início, alterar a Lei nº 7.716/1989 ou o Código Penal, mas apenas regulamentar alguns meios de punição administrativas que já estavam previstas para outras formas de discriminação. Ao longo do seu desenvolvimento, ainda na Câmara dos Deputados, vários projetos semelhantes foram apensados ao original, dando-lhe a aparência que conhecemos hoje: um projeto de lei que inclui a discriminação e o preconceito em razão de sexo, orientação sexual, identidade de gênero, condição de pessoa idosa ou deficiência na Lei 7.716/1989 (Lei do Racismo), o que, consequentemente, também muda o Art. 140, 3º, Código Penal. Atualmente o PLC nº 122/2006 (o número mudou quando o projeto passou para o Senado) encontra-se na Comissão de Direitos Humanos, com a Senadora Marta Suplicy como relatora do projeto e, ainda, não tem uma data para ir a plenário. O texto atual do Projeto de Lei da Câmara altera a ementa e os artigos 1º, 3º, 4º, 8º e 20º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a Lei do Racismo. Com essas alterações, basicamente, o preconceito e discriminação em razão de gênero, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, condição de pessoa idosa ou com deficiência serão tipificados como crimes de ódio e intolerância, alcançando, então, o mesmo patamar dos preconceitos e discriminações em razão de raça, cor, etnia, religião ou origem. Também altera o 3º, art. 140, Código Penal, colocando a utilização de elementos referentes a gênero, sexo e orientação sexual na injúria como qualificadoras. Considerações Finais Diante do exposto, considera-se que é necessária, neste momento, a criminalização das condutas discriminatórias e preconceituosas em razão do gênero, como uma forma de de se buscar a efetivação dos direitos humanos da comunidade LGBT. A melhor proposta para combater essa discriminação reside justamente no PLC n 122/2006. A criminalização da homofobia e da transfobia, aliado com políticas! BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do 6 novo modelo. 5. ed. São Paulo. Saraiva, 2015
públicas de conscientização, educação, é, atualmente, o modo mais efetivo de se diminuir essa violência incessante contra as pessoas, pelo simples fato de não corresponderem aos parâmetros impostos pela sociedade heteronormativa. Referências: AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. A armadilha totalitária nos "crimes de homofobia". Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1430, 1 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9969>. Acesso em: 7 jul. 2015. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Homofobia no Brasil, resoluções internacionais e a Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3269, 13 jun. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21999>. Acesso em: 5 jul. 2015. BARGAS, Julia. A homofobia no Brasil. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/ 33783/a-homofobia-no-brasil>. Acesso em: 5 jul. 2015. BARROSO, Luís Roberto. A igualdade perante a lei; algumas reflexões. Publicado na Revista de Direito, edição 38, da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5. ed. São Paulo. Saraiva, 2015 INSTITUTO DISCIPLINAR DE DIREITO DE FAMILIA (IDEF). Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Editora JURUA, Curitiba, 2010. BRASIL. Projeto de Lei 122/2006 disponível em <www.plc122.com.br/plc122- paim/#axzz3feylwabc >. Acesso em: 6 jul. 2015. CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A criminalização da homofobia e a liberdade religiosa. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 45, set 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2292>. Acesso em jul 2015. CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A criminalização da homofobia e a liberdade religiosa. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1537, 16 set. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10418>. Acesso em: 7 jul. 2015.
Assassinato de Homossexuais no Brasil. Relatório 2012. Grupo Gay da Bahia. Disponível <https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2013/06/ relatorio-20126.pdf>. Histórico do PLC 122/2006. Disponível em <http://www.plc122.com.br/historicopl122/>. Acesso em 7 jul. 2015. LOPES, Jose Reinaldo de Lima. Em defesa dos Direitos Sexuais 1ª edição Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p. 195.