HIDRÓLISE ÁCIDA DE CELULOSE DE SISAL: ESTUDOS VISANDO OBTENÇÃO DE NANOFIBRAS E DE BIOETANOL

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Transcrição:

HIDRÓLISE ÁCIDA DE CELULOSE DE SISAL: ESTUDOS VISANDO OBTENÇÃO DE NANOFIBRAS E DE BIOETANOL Maurício P. de Paula, Talita M. Lacerda, Márcia D. Zambon, Elisabete Frollini* Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, SP *elisabete@iqsc.usp.br A hidrólise de celulose consiste em etapa que pode levar à nanofibras, assim como é importante no processo de obtenção do chamado bioetanol. A fim de avaliar a influência da concentração de ácido (sulfúrico), temperatura e prétratamentos da celulose (de sisal) neste processo, a concentração de ácido foi variada entre 5% e 30% (v/v) em temperaturas no intervalo de 60 a 100 o C utilizando celulose nativa e tratada com solução aquosa alcalina (mercerizada). A celulose residual foi caracterizada quanto à massa molar média por viscosimetria, índice de cristalinidade por difração de raios-x e sua morfologia avaliada por Microscopia Eletrônica de Varredura. O licor foi analisado em termos de composição de açúcares usando Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE). Os resultados mostraram que: o aumento da concentração de ácido sulfúrico e a temperatura levam a celulose residual com menor massa molar e, até determinada concentração de ácido, maior índice de cristalinidade (quando comparada à celulose de partida) e, no licor, a uma maior produção de glicose (precursora do bioetanol), sendo o processo favorecido para celulose mercerizada. Palavras-chave: celulose, sisal, nanofibras, hidrólise ácida, bioetanol Acid hydrolysis of sisal cellulose: studies aiming at nanofibers and bioethanol preparation The hydrolysis of cellulose can result in nanofibers and also is an important stage in the bioethanol production process. In order to evaluate the influence of acid (sulfuric) concentration, temperature, and native cellulose (sisal) pretreatment on cellulose hydrolysis, the acid concentration was varied between 5% and 30% (v/v) in the temperature range from 60 to 100 o C using native and alkali-treated (mercerized) sisal cellulose. The following techniques were used to evaluate the residual (non-hydrolysed) cellulose characteristics: viscometry, average degree of polymerization (DP), X-ray diffraction, crystallinity index, and Scanning Electron Microscopy. The sugar cane liquor was analyzed in terms of sugar composition, using High Performance Liquid Chromatography (HPLC). The results showed that increasing the concentration of sulfuric acid and temperature afforded residual cellulose with lower molecular weight and, up to specific acid concentrations, higher crystallinity indexes, when compared to the original cellulose values, and increased the glucose (the bioethanol precursor ) production of the liquor, which was favored for mercerized cellulose. Keywords: cellulose, sisal, nanofibers, acid hydrolysis, bioethanol Introdução O uso de partículas de pequenas dimensões como reforço em compósitos de alta performance tem despertado muito interesse. Na última década, os esforços foram direcionados para obtenção de nanofibras, a partir de recursos naturais [1]. A celulose é o polímero mais abundante de origem vegetal que ocorre na Terra, e surgiu como um forte candidato para fornecer tais nanofibras. A rigidez inerente e o elevado grau de cristalinidade tornam a celulose adequada para o uso como reforço em compósitos. Além disto, é um material oriundo de fonte renovável, biodegradável, de baixo custo e com densidade menor que muitos reforços em uso atualmente [2]. Entre os métodos desenvolvidos para extrair nanofibras de celulose, hidrólise ácida é o mais conhecido e amplamente usado [3]. Nickerson e Habrle [4] divulgaram a utilização de ácido

clorídrico e sulfúrico para produzir cristalitos a partir de materiais celulósicos, e Ranby [5] relatou a preparação de whiskers de celulose a partir de microfibrilas, também utilizando hidrólise ácida. Para obtenção de bioetanol a partir de biomassa celulósica (etanol celulósico) é necessário se obter açúcares fermentáveis a partir dos polissacarídeos presentes (celulose e hemicelulose), o que por sua vez exige a separação destes da lignina, a qual corresponderá então a um subproduto do processo. A separação da lignina dos polissacarídeos consiste assim em um dos pontos importantes do processo. Neste sentido, fontes de biomassa com baixa fração de lignina podem favorecer o processo. Celulose de sisal foi utilizada devido à sua abundância (o Brasil é o maior produtor desta fibra) e seu baixo teor de lignina (aproximadamente 7-10% de lignina, de acordo com Paiva [6]). Depois de isolados da lignina, os polissacarídeos devem ser convertidos em açúcares fermentáveis, o que pode ocorrer por hidrólise enzimática ou ácida. Assim, a etapa de hidrólise faz parte do processo tanto de obtenção de nanofibras como de bioetanol, sendo importante o conhecimento do comportamento das celuloses nesta etapa. As propriedades da celulose no estado sólido influem, em muito, na sua reatividade frente à hidrólise, uma vez considerando a reação realizada em meio heterogêneo [7]. Além disso, os prétratamentos a que se submete a celulose com intuito de aumentar sua fração não cristalina, levam a um aumento da acessibilidade a ligações 1-4 β-glicosídicas [8]. Assim, se a celulose é submetida a tratamentos prévios, visando aumentar a acessibilidade de reagentes, a eficiência do processo pode ser melhorada. Os possíveis mecanismos da hidrólise de celulose catalisada por ácido estão ilustrados na Figura 1. A reação inicia com a protonação do oxigênio glicosídico (que liga consecutivos anéis de glicose), formando o ácido conjugado. A próxima etapa ocorre com a quebra da ligação C-O e a formação de um carbocátion cíclico. Após uma rápida adição de água, unidades de açúcar são formadas. É importante destacar que outros produtos podem ser formados em outras possíveis reações. Figura 1. Mecanismo proposto para hidrólise de celulose catalisada por ácido [7].

As celuloses isoladas de fontes lignocelulósicas, normalmente contém certa porcentagem de hemiceluloses, que também são extraídas no processo. No caso do sisal, a hemicelulose é constituída principalmente por unidades do tipo xilose. A Figura 2 mostra alguns dos principais produtos secundários formados por reações de desidratação, hidratação e condensação das moléculas de xilose (geradas pela hemicelulose presente) e glicose, geradas no processo de hidrólise. Figura 2. Formação de produtos secundários da hidrólise de celulose e hemiceluloses [10]. Tendo em vista que a hidrólise corresponde a etapa importante da conversão de celulose em etanol, assim como da obtenção de nanofibras de celulose, conforme já mencionado, pretende-se estudar este processo considerando-se meio ácido e material proveniente de fonte de rápido ciclo de crescimento e abundante no país, ou seja, celulose de sisal [9]. No que se refere às nanofibras, após a sua obtenção, serão utilizadas na preparação de biocompósitos com matriz baseada em ésteres de celulose. Experimental A celulose de sisal foi gentilmente cedida por Lwarcell (Lençóis Paulista, SP, Brasil). Mercerização O processo de mercerização foi feito a temperaturas de 50ºC mantendo-se 20 g de celulose suspensas e sob agitação mecânica, em 1 L de solução 20% de hidróxido de sódio por 1, 2 e 3h. O sobrenadante foi filtrado e o sólido lavado até que se obtivesse ph igual ao da água em que a solução foi preparada. Após a lavagem, este foi seco à temperatura ambiente e posteriormente levado à estufa a vácuo a 60ºC por mais 4 h. Hidrólise ácida da celulose Para as reações de hidrólise, soluções de diferentes concentrações de H 2 SO 4 foram usadas. A celulose foi suspensa na solução de H 2 SO 4, em um reator equipado com agitação mecânica, e condensador de refluxo. O tempo total de reação foi de 6 h, sendo que foram retiradas alíquotas em tempos determinados durante o processo.

A preocupação frente à corrosão dos equipamentos, devido à utilização de soluções ácidas concentradas, é de grande valia no que se diz respeito à aplicação industrial. Sendo assim, foi considerada a utilização de um reator que suporte altas temperaturas e altas concentrações de ácido, visto que na aplicação industrial, soluções ácidas em altas temperaturas podem levar a um desgaste do reator, o que pode acarretar em prejuízos. Neste escopo, foi utilizado um reator de aço inoxidável especialmente fabricado para este fim, de maneira a suportar tais condições como revestimento interno anticorrosivo além de algumas partes serem totalmente feitas de politetrafluoretileno (teflon). Inicialmente foi utilizada celulose nativa, variando-se a temperatura da reação (entre 60 e 100 o C). Em seguida, a temperatura foi mantida constante e igual a 100 o C, variando-se a concentração de ácido [5, 10, 15, 20, 25 e 30% (v/v)]. Em uma etapa posterior, foi utilizada celulose mercerizada, sendo que as reações de hidrólise foram realizadas a 100 o C, em diferentes concentrações de ácido sulfúrico [20, 25 e 30% (v/v)]. Teor de α-celulose e Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) Realizados conforme descrito em trabalhos anteriores [9]. Massa molar média viscosimétrica (MM vis ) A celulose remanescente das reações de hidrólise ácida (ou seja, não hidrolisada), foi caracterizada quanto à massa molar média por viscosimetria, conforme descrito em trabalhos anteriores [9]. Índice de Cristalinidade (Ic) Ic foi determinado por difração de raios X, utilizando a equação de Buschle-Diller e Zeronian [11], conforme descrito em trabalhos anteriores [9]. Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) Os seguintes produtos da reação de hidrólise de celulose e hemiceluloses (e seus derivados) foram determinados por CLAE: celobiose, glicose, xilose, arabinose, ácido fórmico, ácido acético, furfural e hidroximetilfurfural (HMF). As condições de análise foram: Açúcares: - Cromatografia Líquida - SHIMADZU. - Detector: Índice de refração - RID-6A. - Coluna: Aminex HPX 87H (300 x 7,8 milímetros Bio-Rad). - Eluentes: H 2 SO 4 0,005 mol/l. - Fluxo: 0,6 ml/min. - Temperatura: 450 o C. Resultados e Discussão Mercerização Neste processo, ocorre a conversão irreversível da celulose I para II. As diferentes conformações que o grupo hidroximetila (-CH 2 OH) pode assumir geram duas diferentes estruturas de empacotamento das cadeias de celulose num microcristal. A estrutura de cadeias paralelas,

característica da celulose I, ocorre quando os grupos -CH 2 OH de cadeias adjacentes se encontram na mesma conformação. A estrutura antiparalela, característica da celulose II, ocorre quando cadeias adjacentes possuem os grupos -CH 2 OH em diferentes posições. O empacotamento antiparalelo permite a formação de ligações hidrogênio em maior extensão, resultando numa estrutura mais estável e de menor energia [12]. A Figura 3 mostra os difratogramas de raios X para a celulose de sisal sem tratamento (celulose I) e celulose de sisal mercerizada (celulose II). O difratograma da celulose não mercerizada apresenta difrações típicas da forma polimórfica da celulose I, ou seja, difrações em torno de 2θ: 23 o (plano 002), 20 o (plano 021) e 15 o (plano 101) (Figura3). Figura 3. Difratogramas de raios X correspondentes a celulose I e II. A celulose mercerizada apresenta difrações típicas de celulose II em 2θ: 20 o (plano 101) e 2θ: 12 o (plano 101), mas também em 2θ: 22 o e 15 o, o que indica que a conversão de celulose I para II não foi total (Figura 3). A Tabela 1 mostra os valores de massa molar média viscosimétrica (MM vis ), índice de cristalinidade (Ic) e α-celulose para as celuloses de partida (nativa e mercerizada). Tabela 1. Valores de massa molar média viscosimétrica (MMvis), índice de cristalinidade (Ic) e α-celulose para celuloses de partida MM vis (gmol -1 ) Ic(%) α-celulose (%) Celulose nativa 115000 72 89 ± 1 Celulose mercerizada 98200 57 96 ± 1 Os resultados obtidos mostraram que o processo de mercerização levou a uma degradação das cadeias celulósicas. Isso significa que pode ter ocorrido quebra de ligações glicosídicas das cadeias, levando a uma diminuição das massas molares médias das celuloses. Outro fato que pode estar relacionado com a diminuição de MM vis corresponde à presença de hemiceluloses no sisal, que em parte é eliminada neste tipo de tratamento alcalino. A análise de raios X comprova que o tratamento de mercerização provoca diminuição da cristalinidade das cadeias celulósicas devido a mudança da disposição das cadeias, sendo que a celulose sem tratamento corresponde a celulose I e a celulose mercerizada corresponde a celulose II. Os resultados de α-celulose mostraram que houve um aumento no teor de celulose pura após o tratamento a que a celulose foi submetida. Isto significa

que houve eliminação principalmente, de hemiceluloses, normalmente encontradas na celulose de sisal. Massa molar média viscosimétrica (MM vis ) A partir dos valores de massa molar média viscosimétrica pôde-se construir gráficos que mostram a variação deste parâmetro em função do tempo de reação, o que é um indicativo da eficiência do processo, já que cadeias de alta massa molar são reduzidas a cadeias de menor massa molar durante a hidrólise (Figura 4). Figura 4. Massa molar média viscosimétrica da celulose residual (não hidrolisada) em função do tempo de reação a concentrações diversificadas de ácido sulfúrico. Observa-se na Figura 3 a redução da massa molar como consequência de parte das cadeias terem sido hidrolisadas, sendo os produtos solubilizados no meio aquoso ácido. A temperatura fixada em 100 o C facilita e reação de hidrólise, visto que mesmo em concentrações mais baixas de ácido verifica-se uma diminuição acentuada da massa molar média, o que comprova a eficiência da reação. A celulose mercerizada tem massa molar média de 98200 gmol -1 (Tabela 1), sendo observado um decaimento na massa molar média similar ao observado na Figura 3, durante a reação de hidrólise. Índice de Cristalinidade (Ic) A Figura 5 mostra a variação do índice de cristalinidade em função do tempo de reação para celulose de partida nativa. Figura 5. Índices de cristalinidade da celulose não mercerizada remanescentes das reações de hidrólise a (a) 5-15% de ácido sulfúrico e (b) 20-30% de ácido sulfúrico.

A partir da análise destes gráficos, pode-se observar que para concentrações de ácido sulfúrico entre 5 e 15% há um aumento na cristalinidade, o que indica que as cadeias presentes em regiões não cristalinas reagem mais facilmente, fazendo com que a celulose residual tenha proporcionalmente maior cristalinidade. Entretanto, quando se utiliza concentrações de ácido entre 20 e 30%, ocorre uma diminuição no índice de cristalinidade, sendo que o valor permanece aproximadamente constante neste intervalo. Isso indica que somente a concentrações mais altas de ácido os reagentes penetram na região cristalina, causando a diminuição do índice de cristalinidade. Um comportamento similar é observado para celulose mercerizada. Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) As figuras a seguir mostram as imagens obtidas via MEV das superfícies das fibras de sisal residuais de algumas reações de hidrólise ácida. A Figura 6 mostra, as micrografias das fibras de celulose nativa (B) e hidrolisadas por ácido sulfúrico 30% a temperatura constante de 100 o C após 30 minutos de reação (B) e 180 minutos de reação (C). Figura 6. Micrografias das fibras da celulose de sisal nativa (a) e residuais da reação de hidrólise após (b) 30 minutos e (c)180 minutos de reação. A Figura 7 mostra as micrografias das fibras de celulose mercerizada (A) e hidrolisadas por ácido sulfúrico 30% a temperatura de 100 o C após 30 minutos (B) e 180 minutos de reação (C), a partir de celulose mercerizada. Figura 7. Micrografias das fibras da celulose de sisal mercerizada (A) e residuais da reação de hidrólise após (B) 30 minutos e (C)180 minutos. As imagens da Figura 6 mostram que conforme aumenta-se a concentração do ácido, maior a extensão com que feixes de fibras são desintegrados, ou seja, camadas sucessivamente mais

profundas são atingidas, ocorrendo a hidrólise das cadeias nela contidas. Um comportamento similar ao descrito para celulose não tratada é observado para celulose mercerizada (Figura 7). Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) A Figura 8 mostra a distribuição dos valores de concentração de glicose para as reações de hidrólise realizadas com 30% de ácido sulfúrico, a partir de celulose nativa, variando-se a temperatura (60-100 o C). Quanto maior a temperatura, maior a taxa de clivagem das ligações glicosídicas da celulose e maior a formação de glicose em um mesmo intervalo de tempo. No entanto, observa-se que a 100 o C, a concentração de glicose no licor diminui a partir de determinado tempo de reação. Isto ocorre devido ao fato de a glicose se decompor em hidroximetilfurfural (HMF) (Figura 2), conforme comprovado por análise complementar (resultados não mostrados). Figura 8. Concentração de glicose em temperaturas de 60, 70, 80, 90 e 100 o C em 30%(v/v) de ácido sulfúrico. A Figura 9 mostra a distribuição dos valores de concentração de glicose no licor ao longo da reação, variando-se a concentração do ácido, sendo mantida a temperatura constante igual a 100 o C. Figura 9. Concentração de glicose formada em reações de hidrólise com concentrações de ácido iguais a 5, 10, 15, 20 e 25 e 30% (v/v). Da mesma maneira, pode-se observar que quanto maior a concentração de ácido sulfúrico utilizada no processo de hidrólise, maior a taxa de clivagem das ligações glicosídicas da celulose e

maior a quantidade de glicose gerada em um mesmo intervalo de tempo. Além disso, maiores concentrações de ácido (25 e 30%) levaram a decomposição da glicose (concentração diminui a partir de 250 minutos), o que comprova a grande influência do aumento da concentração do ácido no favorecimento de reações de desidratação da glicose, logo à formação de HMF. A fim de avaliar a influência de pré-tratamento da celulose na produção de glicose, foram realizadas reações utilizando celulose mercerizada como celulose de partida. A temperatura foi de 100 o C, e a concentração de ácido sulfúrico foi variada (20, 25 e 30%). A Figura 10 ilustra a variação da concentração de glicose ao longo do tempo em cada reação. A curva para celulose de partida sem tratamento (reação de hidrólise a 25% de ácido sulfúrico) está indicada para análise comparativa. Figura 10. Concentração de glicose formada em concentrações de ácido iguais a 20 e 25 e 30% (v/v). Reação a 100 o C, celulose de partida mercerizada. Os resultados obtidos mostram que o processo de mercerização facilita a hidrólise ácida da celulose, aumentando a produção de glicose em quase 50% (Figura 10, compare curvas para celulose nativa e mercerizada, 25% de ácido). Isso pode ser explicado pelo fato de que o tratamento com solução alcalina (mercerização) diminui a cristalinidade, facilitando o acesso do reagente à celulose. Assim, quanto menor for o número de regiões cristalinas na celulose, maior é a porcentagem de hidrólise, levando a maiores concentrações de glicose no licor. Observa-se também que para a celulose mercerizada, uma maior concentração de ácido (30%) leva a maior produção de glicose, até aproximadamente 25 min de reação. Após, a concentração de glicose no licor diminui (Figura 10), devido à decomposição para HMF, já mencionada. Conclusões Os resultados obtidos até o momento para a hidrólise da celulose extraída de sisal, mercerizada ou não, considerando temperaturas e concentrações de ácido diversificadas, mostraram aspectos importantes, tanto no que diz respeito à celulose que permanece suspensa no meio, sem

hidrolisar, como à composição do licor, em que se dissolvem os produtos da reação. Estes resultados são importantes tanto para ambas as metas pretendidas, ou seja, obtenção de nanofibras e contribuição para o processo de obtenção de bioetanol. Ressalta-se também a importância da utilização de sisal, fibra extraída de planta de curto ciclo de crescimento, sendo o país o maior produtor mundial desta fibra. Até onde seja do conhecimento dos autores, a abordagem que está sendo feita nesta pesquisa, que está em continuo progresso, é inédita. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo apoio financeiro, à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela bolsa de Doutorado a TML, ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) pela bolsa de mestrado a MPP, pela bolsa de produtividade em pesquisa a EF e pelo apoio financeiro. Referências Bibliográficas 1. Helbert,W., Cavaille, J. Y., Dufresne, A., Polym. Compos., Vol. 17, No. 4, p. 604-611, 1996. 2. Bhattacharya, D., Germinario, L.T., Winter, W.T., Carbohydr. Polym., Vol. 73, p. 371 377, 2008. 3. Bondeson, D., Mathew, A., & Oksman, K. (2006). Cellulose, 13(2), 171 180. 4. Nickerson, R. F., & Habrle, J. A. (1947). Ind. Eng. Chem. Res., 39, 1507 1512. 5. Ranby, B. G. (1952). Tappi J., 35, 53 58. 6. Paiva, J.M.F., Frollini, E., Macromol. Mater. Eng., 291, 405 417, 2006. 7. Xiang, Q., Lee, Y.Y., Pettersson, P.O., Torget, R.W., Appl. Biochem. Biotechnol., Vol. 107, 505-514, 2003. 8. Zhao, H., Kwak, J.H., Wang, Y., Franz, J.A., White, J.M., Holladay, J.E., Energy Fuels, 807-811, p20, 2006. 9. de Paula, M.P., Lacerda, T.M., Frollini, E., Express Polymer Letters, 2(6), 423-428, 2008. 10. Fengel, D.; Wegener G., Wood: Chemistry, Ultrastructure, Reactions.: Walter de Gruyter,, New York, p. 613, 1989. 11. Buschle-Diller, G.; Zeronian, S.H., J. of Appl. Polym. Sci. 45, 967-979, 1992. 12. Kroon-Batenburg, L.M.J.; Kroon, J., Glycoconjugate Journal, 1997.