Max Lüthi (1909-1991)



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1 Disciplina optativa O conto de fadas: narrativa folclórica e texto literário (LEM 9845) Docente: Karin Volobuef Max Lüthi (1909-1991) Folclorista suíço e estudioso dos contos de fadas ou maravilhosos. A narrativa popular viva na oralidade encontra-se em constante processo de elaboração e reformulação devido: ao contexto de transmissão: expectativas dos ouvintes, transformações ocorridas no ambiente histórico, criatividade do contador, etc. ao senso artístico e desejo de fruição estética busca por uma forma ideal A constante reformulação do tecido narrativo é resultado da concatenação entre retomada e substituição de componentes do texto. Trata-se de algo que também ocorre na literatura culta que tradicionalmente não apenas inova (altera), mas também repete formas de rima, aliteração, métrica, simetria, motivos (topoi), temas, etc. Para Lüthi, os contos de fadas europeus caracterizam-se por: certo desenvolvimento da ação, determinado grupo de personagens, conjunto de acessórios tendência a um certo modo de exposição pautada em: - simplicidade, coesão e nitidez - contraste, polarização - amplitude, universalidade - economia e parcimônia - estilização - abstração, caráter simbólico

2 Esquema básico que fundamenta o desenvolvimento da ação no conto de fadas: Dificuldade Eliminação da dificuldade Núcleo da ação: viagem do herói A ação (tal como em Propp) corresponde a: combate vitória tarefa solução Esse esquema revela o anseio humano por esperança e gratificação (final feliz) Personagens dos contos de fadas: herói ou heroína mandante (atribui tarefas árduas ou manda buscar algo difícil de conseguir) auxiliar do herói ou heroína (doador ou ajudante) agressor ou oponente do herói ou heroína figuras contrastantes (irmãos/irmãs mal-sucedidos, camaradas invejosos, usurpadores ou falsos heróis) figuras salvas, libertadas, desencantadas ou de algum modo conquistadas pelo herói ou heroína personagens secundários Características essenciais dos personagens: herói e heroína são os principais agentes (aqueles que desempenham a ação) todos os demais personagens estão relacionados ao herói personagens não recebem nomes ou traços individualizantes: herói não é indivíduo e nem personagem-tipo, e sim figura genérica (= qualquer um) herói é humano (pertencente ao mundo terreno) agressor e auxiliar muitas vezes pertencem ao mundo mágico ou sobrenatural sorte e coincidências felizes: o herói sempre recebe os objetos de que irá precisar mais tarde, sempre executa a atitude correta (mesmo quando desobedece ordens ou pratica ações condenáveis), sempre está no lugar certo e na hora certa

3 Características dos acessórios: o acessório principal é o objeto doado ao herói ou heroína e que lhe permite vencer os obstáculos e alcançar a vitória o objeto doado pode ser um objeto prosaico (p.ex. um vestido lindíssimo acessório material), um objeto encantado (como um anel que transporta para longe acessório material) ou uma informação ou conselho (acessório imaterial) há grande preferência por acessórios de metais (ouro, prata, ferro) e minerais (pedras, vidro, diamante) Tendência à nitidez: o conto de fadas é narrado de maneira clara, objetiva e precisa o conto afirma, não sugere a ação é linear (ordem cronológica) ação caminha de modo rápido e contínuo ação do personagem mostra como ele é (ele é mostrado agindo com generosidade ao invés de ser descrito como generoso) personagens (humanos e seres mágicos) são mostrados sozinhos (não em grupo) recompensas e castigos são extremos: casar com princesa OU morte terrível O conto de fadas mantém-se na superfície: não mostra o mundo interior (psicológico) do personagem não mostra o mundo sobrenatural (proveniência dos seres mágicos) não mostra detalhes ou especificidades do ambiente (vida na aldeia, paisagem) abarca apenas os elementos necessários ao andamento da ação não há sentimentalismo, ironia, insinuações ou duplo sentido Restrição ao essencial: economia na descrição de personagens, objetos, ambiente ou paisagem sentimentos são depreendidos de atitudes ligações familiares somente são mantidas enquanto contribuírem para a ação objeto mágico é utilizado e depois não é mais mencionado

4 Os contos de fadas recorrem com frequência à triplicação: personagens: pai tem 3 filhos; na casa moram 3 moças (enteada e duas irmãs postiças) episódios: herói recorre a 3 auxiliares (sol, lua, vento) em busca de conselho; heroína tem 3 oportunidades para fazer seu antigo noivo lembrar-se dela tarefas: herói deve responder 3 perguntas; heroína deve fiar a palha de 3 salas objetos: lenço com 3 gotas de sangue lugares: no castelo o herói atravessa 3 salões nomes e títulos: Um-olho, Dois-olhos, Três-olhos ; Os três homenzinhos do bosque ; As três fiandeiras ; As três penas ; O rato, o pássaro e o chouriço ; A mesa mágica, o asno de ouro e o porrete ensacado A triplicação apóia-se nos procedimentos de repetição e variação: repetição em 3 etapas segue um padrão (3 animais, mas diferentes) repetição + variação repetição pode ser acompanhada de intensificação (3 vestidos, sendo cada um mais luxuoso do que o anterior) repetição + gradação (crescendo) repetição pode dar margem para alteração (3 tarefas, sendo a última de outra natureza) a alteração serve de impulso para desviar o curso da ação, pois novo elemento (terceiro) introduz fator antes inexistente repetição + quebra Contrastes: personagens dividem-se claramente em: bons x maus belos x feios fortes x fracos socialmente elevados (rei, princesa) x socialmente baixos (pais pobres, criada) grandes x pequenos o herói ou heroína pode ser primeiro feio e depois transformar-se em bonito

5 O conto de fadas tem propensão à universalidade, pois abrange: os principais comportamentos ou empreendimentos humanos necessidades e anseios perdas, prejuízos / separação dos entes queridos proibições e condições imposição e solução de tarefas abusos / injustiças / perseguições perigo (combate) / intrigas e traições / aprisionamento / assassinato ajuda / salvação / libertação / recuperação busca de parceiro e casamento castigo e recompensa além do contato entre mundo cotidiano (realidade humana) e mundo sobrenatural (poderes mágicos ou sobre-humanos) todas as classes sociais: rei, conde mercador, negociante alfaiate, ferreiro, camponês mendigo todos os tipos de pessoas: bom e humilde generoso e prestativo ladrão e mentiroso esperto e desconfiado personagens mágicos: bruxas, fadas, gigantes, duendes, gnomos, animais falantes, dragões, grifo, diabo, anjos, santos, Deus personagens terrenos: homens, mulheres, crianças objetos mágicos: mesa que se cobre de comida, espada que mata todos os inimigos, botas que levam para longe, capa que torna invisível objetos do cotidiano: mesa, cadeira, espada, flores, pente os reinos naturais: (homem), animal, vegetal, mineral os 4 elementos: terra, água, ar e fogo Representação estilizada da realidade: herói ou heroína deparam-se com o sobrenatural sem susto ou incredulidade tempo e espaço são inoperantes: grandes distâncias podem ser vencidas instantaneamente, a passagem do tempo não deixa marcas personagens não têm corporalidade: não sentem dor, não sofrem com a mutilação do corpo, não se vêem às voltas com sangue ou ferimentos

6 Aspectos que propiciam (ou decorrem da) transmissão oral: emprego de fórmulas fixas: Era uma vez... ;... e viveram felizes para sempre ; No tempo em que os bichos falavam... ; Muito longe daqui... ; Há muito, muito tempo atrás... utilização de versos e rimas repetição (em geral, 3 vezes) de episódios, frases, perguntas, versos, etc. O estilo dos contos de fadas deve-se a: anseios humanos final feliz, claro entendimento das coisas, identificação com o herói exigências artísticas coerência, simetria transmissão oral memorização Os elementos fixos são responsáveis por dar ao conto de fadas sua peculiaridade específica enquanto gênero: personagens conjunto limitado e sempre igual (não varia) fórmulas intersecção entre herói humano e forças sobrenaturais ação padronizada Outros elementos são responsáveis por dar ao conto de fadas a sua dimensão estética: repetição e variação fórmulas, versos presença de metais e pedras preciosas contrastes conjunção do épico e dramático na ação concomitância entre limitação (fixidez e restrição) e multiplicidade (amplitude abarcada) Referências bibliográficas LÜTHI, Max. Märchen. 2. Aufl. Stuttgart: J.B.Metzler, 1964. LÜTHI, Max. Das europäische Volksmärchen. 3. Aufl. Bern: Francke Verlag, 1968. LÜTHI, Max. Das Volksmärchen als Dichtung: Ästhetik und Anthropologie. Düsseldorf: Eugen Diederichs Verlag, 1975.

7 Traduções para o inglês (na biblioteca da FCL): LÜTHI, Max. Once upon a Time On the Nature of Fairy Tales. Trad. Lee Chadeayne e Paul Gottwald. Bloomington: Indiana University Press, 1976. LÜTHI, Max. The European Folktale Form and Nature. Tradução de John D. Niles. Bloomington: Indiana University Press, 1986. LÜTHI, Max. The Fairytale as Art Form and Portrait of Man. Tradução de Jon Erickson. Bloomington: Indiana University Press, 1984.