Debate sobre a Lei de Migração nas redes mobiliza discurso de ódio A questão migratória vem atraindo atenções e opiniões fortes no mundo todo, especialmente pela mobilização sobre o tema durante as eleições nos Estados Unidos, em 2016, e, de forma recorrente, na França, no Reino Unido e na Alemanha. O Brasil, país com longo histórico de imigração, não fica de fora do debate, especialmente com a sanção presidencial à Lei de Migração, em 25 de maio. Apesar de inexistirem incidentes terroristas no país e de o contingente de refugiados árabes ser extremamente pequeno, percebe-se nas redes sociais um movimento de rechaço aos imigrantes muçulmanos e à lei. Essas posições vêm sendo acompanhadas por manifestações de grupos autointitulados de direita e contrários à lei. A FGV/DAPP acompanhou a discussão sobre a temática migratória no Brasil por meio da análise dos 60,5 mil tweets sobre o tema entre 17 de abril e 25 de maio de 2017, período entre a aprovação do projeto de lei pelo Senado e sua sanção presidencial. Há uma clara concentração de mensagens em torno da lei, com maior coesão entre aqueles que exigem que Temer vete o projeto antes que haja uma entrada massiva de terroristas, comunistas e traficantes. As postagens favoráveis se concentram em criticar a posição dos que se opõem, argumentando-se que há incoerência com a realidade. 1
Evolução das menções sobre a temática (1 de janeiro - 25 de maio) O número de postagens coletadas no período pode ser atribuído à tramitação da lei, uma vez que entre o início do ano e o dia 17 de abril foram produzidos 28 mil tweets sobre migração. Dois momentos concentraram as postagens sobre a lei: os dias 19 de abril e 15 de maio. Na véspera de 19 de abril, o projeto de lei foi aprovado no Senado. No dia 16 de maio, foi realizada a terceira manifestação em repúdio à lei, após os incidentes de violência registrados em protesto anterior, no dia 2 de maio. 2
Mapa de Interações sobre migração no Twitter (17 de abril - 9 de maio) Termos mais mencionados (17 de abril - 9 de maio) 3
Percebe-se pelo mapa de interações sobre migração uma maior coesão entre os opositores à lei, que compartilharam as mesmas postagens em repúdio à nova legislação. Assim, enquanto os indivíduos contrários à imigração formam um grupo que compartilha fortemente suas opiniões, os defensores da migração são mais diversificados. A diferença entre migração e imigração é ressaltada por diversos opositores da legislação, que chamam o conjunto de normas de lei de (i)migração em uma alusão ao suposto objetivo de promover a entrada de imigrantes muçulmanos. As hashtags #vetatemer (22,6 mil), #migracaoveta (1,9 mil), #migracaonao (1,3 mil) e #vetamigracaotemer (1,3 mil) são as mais recorrentes, reforçando o sentido negativo das postagens. No polo oposto, há uma difusão de postagens criticando o primeiro grupo ou defendendo os direitos dos migrantes e refugiados. A hashtag #migrarédireito, normalmente empregada por grupos de apoio aos migrantes, não aparece entre as mais compartilhadas. Ainda, o atentado em Manchester alavancou postagens sobre migração, com a hashtag #prayformanchester e com manifestações de repúdio à lei. A postagem sobre migração mais compartilhada no período analisado foi a da página Quebrando O Tabu, tratando de um caso de xenofobia e racismo em Londrina (PR). Contudo, as outras 20 postagens mais retweetadas versam sobre a lei de migração em tom negativo. Os demais tweets com posições favoráveis à migração tiveram menos compartilhamentos e transmitiram mensagens de diversos autores e mais fragmentadas sobre o tema. Apesar de a lei ter sido aprovada no Congresso e sancionada parcialmente pelo presidente, seus apoiadores nas redes se concentram em criticar os grupos de repúdio. As postagens mais importantes do cluster favorável à migração criticaram os demais usuários por ignorarem a baixa representatividade dos estrangeiros na população brasileira, a importância desempenhada pelos imigrantes na história do país e o escasso interesse de estrangeiros em migrar para cá. Entre os atores que se destacaram no debate, encontra-se a jornalista Joice Hasselmann, que foi responsável por seis das dez postagens mais retweetadas por outros usuários da mídia. Quatro de seus tweets estão entre 4
os cinco mais compartilhados. Sua posição sobre o tema expressa a corrente majoritária nas redes, de repúdio à lei. Merecem atenção os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Magno Malta (PR-ES), que manifestaram críticas à lei no plenário durante a votação e nas redes, recebendo diversos compartilhamentos. Na Câmara dos Deputados, os deputados Jair Bolsonaro (PSC-RJ), Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e Marco Feliciano (PSC-SP) também receberam muitos compartilhamentos em suas críticas à entrada de imigrantes e refugiados, assim como o Movimento Brasil Livre, o Vem para Luta Brasil, o músico Lobão, e a jurista Janaina Paschoal. Apesar de não ter se manifestado no Twitter sobre a lei, Michel Temer foi o ator mais mencionado nas redes devido ao elevado número de menções para que vetasse a lei por meio de respostas ou compartilhamentos de outros tweets seus. De forma similar, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), atual ministro das Relações Exteriores e redator da proposta, foi alvo de diversos tweets, todos em tom crítico ao seu projeto. O chanceler é chamado de comunista e acusado de atentar contra os interesses e a segurança nacional. Episódios de seu passado são recuperados para criticá-lo, como sua atuação como motorista de Carlos Marighella, durante a ditadura militar, e um caso de violência contra um repórter. Sobre a Lei de Migração A Lei de Migração propõe alterar algumas concepções da situação de imigrantes, emigrantes, residentes fronteiriços, visitantes, e apátridas no Brasil, cujo tratamento legal datava de 1980, da Lei 6.815 (o chamado Estatuto do Estrangeiro). As principais alterações referem-se à mudança de foco da questão migratória do país da segurança nacional para a previsão de direitos para estrangeiros que estejam definitiva ou temporariamente no Brasil. O período entre sua aprovação no Congresso e a sanção presidencial mobilizou não só usuários das redes sociais, mas setores do governo e entidades da sociedade. No Senado, houve alegações de que a lei facilitaria a entrada de criminosos e terroristas e deixaria de proteger o mercado de 5
trabalho brasileiro. Grupos populares organizaram manifestações em repúdio com argumentos semelhantes. Na Esplanada, os Ministérios da Defesa e da Justiça, bem como o Gabinete de Segurança Institucional pressionaram pelo veto a alguns pontos, enquanto o ministro das Relações Exteriores defendeu sua sanção integral. Ainda, um manifesto de entidades da sociedade civil e de outros órgãos e de pessoas físicas defendeu sanção da lei. 1 A Lei de Migração é mais um passo importante para avanços no tratamento da questão migratória no Brasil, como sugerem estudos da FGV/DAPP sobre o papel da imigração como vetor do desenvolvimento. Avanços da lei incluem a eliminação de discriminações contra imigrantes, a facilitação da regularização migratória e a não criminalização da migração. Para melhor inserção do Brasil nos atuais fluxos migratórios, é necessário que políticas públicas para os migrantes sejam formuladas, atraindo mão de obra qualificada e garantindo um ambiente propício ao desenvolvimento de suas capacidades. Vetos ao projeto original, como a remoção da definição de migrante, da livre circulação dos povos indígenas em terras tradicionalmente ocupadas (Art. 1º), e da permissão para imigrantes exercerem cargos públicos (Art. 4º), colocam em xeque elementos de vanguarda do projeto original. Esses elementos demonstram que as oportunidades que a imigração oferece ao desenvolvimento ainda devem ser debatidas no Brasil. 1 O Decreto Nº 8.757, assinado no dia 10 de maio de 2016 pela Presidência da República incorporou sugestões do estudo desenvolvido pela FGV/DAPP para o Ministério do Trabalho. 6
FGV Fundada em 1944, a Fundação Getulio Vargas nasceu com o objetivo de promover o desenvolvimento socioeconômico do Brasil por meio da formação de administradores qualificados, nas áreas pública e privada. Ao longo do tempo, a FGV ampliou sua atuação para outras áreas do conhecimento, como Ciências Sociais, Direito, Economia, História e, mais recentemente, Matemática Aplicada, sendo referência em qualidade e excelência, com suas oito escolas. Edifício Luiz Simões Lopes (Sede) Endereço: Praia de Botafogo 190 Rio de Janeiro/ RJ CEP: 22250-900 Tel: (21) 3799-5938 Primeiro presidente e fundador Luiz Simões Lopes Presidente Carlos Ivan Simonsen Leal Vice-presidentes Francisco Oswaldo Neves Dornelles (licenciado) Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque (licenciado) Sergio Franklin Quintella FGV/DAPP Diretor Marco Aurelio Ruediger Equipe Alexandre Spohr Ana Lucia Guedes Danilo Carvalho Lucas Calil Luis Gomes Wagner Oliveira Thais Lobo Contato +55 21 3799.4300 www.dapp.fgv.br dapp@fgv.br 7