ORAÇÕES ADVERBIAIS TEMPORAIS EM DUAS GRAMÁTICAS DO FINAL DO SÉCULO XX: LUFT (1979) E NEVES (2000)

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ORAÇÕES ADVERBIAIS TEMPORAIS EM DUAS GRAMÁTICAS DO FINAL DO SÉCULO XX: LUFT (1979) E NEVES (2000) Victor Matheus da COSTA 1 Doutorando em Letras/Mackenzie-SP Mestre em Língua Portuguesa/PUC-SP Pesquisador no IP-PUC/SP RESUMO Neste trabalho, examinamos as orações adverbiais temporais, fazendo uma comparação entre duas gramáticas quanto ao tratamento dessas construções: Moderna Gramática Brasileira, de Celso Pedro Luft (1979) e Gramática de usos do Português, de Maria Helena de Moura Neves (2000). Comparando-as, ainda que mantenham curta distância temporal, percebemos diferentes tratamentos nos estudos gramaticais, aqui ressaltados os referentes à sintaxe da língua portuguesa. Analisamos como são descritas as construções adverbiais nas duas gramáticas e as concepções linguísticas subjacentes a estas. Temos a Historiografia Linguística como base teórica, seguindo os princípios postulados por Koerner (1996). Fazemos considerações a respeito dos momentos históricos dos quais surgem as vertentes linguísticas que influenciam as duas gramáticas: a teoria Gerativista em Luft, a teoria Funcionalista em Neves. Concluímos que, diferentemente do que em geral se supõe, não encontramos diferenças nas concepções linguísticas apenas entre gramáticas com ampla separação de tempo. Palavras-chave: Historiografia Linguística. Gramática. Concepções linguísticas. Orações adverbiais. Considerações iniciais O presente trabalho tem por tema as orações adverbiais temporais, dentro do qual estabelecemos uma comparação entre duas gramáticas quanto ao tratamento dessas construções. Para tanto, as gramáticas escolhidas são: Moderna Gramática Brasileira, de Celso Pedro Luft (1979), e Gramática de usos do Português, de Maria Helena de Moura Neves (2000). Comparando gramáticas do final do século XX, ainda que tenham curto período temporal entre elas, podemos perceber diferentes concepções linguísticas, aqui ressaltadas as 1 Endereço eletrônico: costa.vmv@icloud.com 43

referentes à sintaxe da língua portuguesa. Objetivamos, assim, analisar como são descritas as construções adverbiais em duas gramáticas e as concepções linguísticas subjacentes a estas, a fim de responder à seguinte pergunta: Quais mudanças (rupturas, retomadas) ocorreram no estudo da sintaxe nesses vinte anos? Fundamentação teórico-metodológica Para dar conta do trabalho proposto, temos a Historiografia Linguística como base, a qual se detém principalmente em descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhecimento de qualquer natureza em um determinado contexto social e cultural, através do tempo (ALTMAN, 1998. p. 25). De acordo com Koerner (1996), o pesquisador deve tentar explicar os motivos pelos quais houve mudança de orientação e de ênfase, e a determinada ruptura ou retomada resultantes dessas. Ele deve também saber selecionar os pontos mais importantes dos fatos encontrados, a fim de analisá-los e interpretá-los adequadamente. Há, assim, três princípios estipulados pelo autor, os quais norteiam os procedimentos do pesquisador: O primeiro princípio é o de contextualização, de acordo com o qual devem ser observadas as ideias predominantes no momento histórico estudado, assim como questões de ordem social, econômica, política e cultural, delimitando o clima de opinião. O historiógrafo colhe esses dados visando a entender e analisar mais profundamente seu objeto de estudo, questionando sobre possibilidade de influência na obra estudada. O segundo princípio é o de imanência, com o qual o corpus trabalhado deve ser compreendido em sua totalidade, para que se possa, a partir dele, determinar um quadro de definição quanto à teoria e terminologia utilizadas, detendo-se ao contexto em que tal corpus está inserido, e não do ponto de vista das teorias linguísticas atuais. Analisa-se como a obra é estruturada dentro do contexto levantado no princípio da contextualização. O historiógrafo não deve interferir nesta etapa, mas sim, usar os dados do passado levantados para entender a obra no presente. Após seguir os primeiros, o pesquisador passa para o terceiro, o princípio de adequação, quando são realizadas relações diretas entre o vocabulário técnico e teorias encontrados no corpus estudado e aproximações recentes destes, pontuando também os sentidos por trás das definições adotadas nos diferentes momentos. Tenta-se, nesta etapa, 44

atualizar e a interpretar o corpus, para que o leitor, através desse princípio, entenda o todo com base nos dados do passado levantados pelo historiógrafo. Teremos, além dos princípios acima arrolados, alguns passos metodológicos relevantes a seguir, os quais são: seleção, ordenação, reconstrução e interpretação. Situando a base teórica das gramáticas Gerativismo O principal responsável pelo Gerativismo foi o linguista norte-americano Noam Chomsky. Na década de 60, começou a ser publicada sua teoria, a qual mereceu destaque mundialmente pelas ideias propostas. Um dos principais postulados foi o da Gramática Universal, segundo a qual a gramática é uma capacidade inata do ser humano. Todos nós nasceríamos com uma estrutura no cérebro que se moldaria de acordo com a língua a qual fomos expostos na alfabetização e, conhecendo a estrutura da frase, poderíamos formar inúmeras combinações de elementos, criando outras frases. Consequentemente, a dimensão mais explorada dos estudos gerativistas foi a sintaxe, classificando os elementos da estrutura da frase. É conhecido o esquema arbóreo, no qual se faz uma classificação, desde a superfície da frase, até os sintagmas, classificando cada palavra pertencente a ela. Percebemos que, do ponto de vista desta teoria, as categorias são bem delimitadas e cada sintagma tem sua função e local na estrutura. Funcionalismo Tomando por base uma visão funcionalista da linguagem, percebemos que o tratamento e o estudo, quando se dedicam ao uso da língua, não são simples, porque não há limites absolutamente rígidos para as unidades. Por exemplo, não há como um estudo limitarse exclusivamente a orações, já que a observação do funcionamento discursivo-textual vai além desses limites (NEVES, 2007, p. 15). Revisando as contribuições de autores de direcionamento funcionalista, pode-se ressaltar, conforme encontrado em Neves (2007), lições básicas de uma gramática nessa direção, dentre as quais: a de que a língua se presta a 45

diferentes objetivos; a de que a língua não constitui um sistema autônomo ; a de que as formas linguísticas não se esgotam em si mesmas, mas são recursos para se chegar a um objetivo (HALLIDAY, 1994); a de que a sintaxe, a semântica e a pragmática estão integradas na gramática (GIVÓN, 1984); a de que a relação entre o funcional e o gramatical não é arbitrária; a de que o falante faz escolhas dentro de opções organizadas pela gramática; e a de que a gramática é modificada pela determinação do discurso (GIVÓN, 1979). Pode-se dizer que, de uma maneira geral, o funcionalismo se preocupa com a língua posta em uso e seu funcionamento. Assim, como afirma Neves, o funcionalismo é uma teoria que se liga, acima de tudo, aos fins a que servem as unidades linguísticas (2007, p. 17). Nessa visão, a língua é considerada, prioritariamente, como dinâmica, pela relação entre os componentes linguísticos na interação verbal. Clima de opinião Dentre as influências para a teoria Gerativista, está o pensamento filosófico cartesiano, o qual subjaz a linguística feita por Chomsky 2. De forma simples, podemos apontar que as reflexões sobre a linguagem feitas por Descartes se deram a respeito da manifestação da criatividade do falante na linguagem (cf. CHOMSKY, 2009). De maneira mais abrangente, podemos observar que as ideias de Descartes fazem parte de uma concepção racionalista: lembremo-nos do plano cartesiano, em matemática. De forma análoga, as unidades linguísticas são organizadas de modo a construir frases em diferentes ambientes, contextos, situações etc., o que torna o estudo mais abstrato. Esta ênfase na estrutura se dá, também, em decorrência do estruturalismo, corrente anterior, a qual guiava os estudos linguísticos. Sob esse ponto de vista, o Gerativismo tratando da frase está um nível acima dos estudos focados na palavra. Outra influência na teoria de Chomsky vem da área biológica, na qual o autor embasa a ideia do inatismo. As questões envolvendo a aquisição da linguagem e seu uso, por exemplo, são exploradas por ele, emprestadas de estudos de outras áreas que dominavam o campo da ciência. Vejamos, por exemplo, a terminologia utilizada, não derivada das ciências 2 Devido ao recorte temporal, detemo-nos apenas nas influências imediatemente anterioes aos autores de nossas fontes primárias. No entanto, sabemos que Chomsky também foi influenciado pela Gramática de Port-Royal. Para uma interessante incursão no século XVII, ver artigo de VOLPE (2015), desta mesma revista. 46

humanas, mas aproximadas de termos conceituadamente científicos, como esquema arbóreo, ramificação, estrutura de superfície e estrutura profunda etc. Encontramos, também, influências para a teoria Funcionalista. É preciso ressaltar a multiplicidade de critérios e pontos de vista, os quais caracterizam o pensamento contemporâneo. Embora seja difícil apontar com exatidão alguma corrente filosófica, por exemplo, podemos observar que nas últimas décadas os padrões rígidos foram aos poucos substituídos por uma fluidez e maleabilidade de pensamentos e ideias. Diferentemente do racionalismo lembrado anteriormente, temos um relativismo muito presente, analisado por alguns autores, como Bauman: [ ] a ciência contemporânea voltou-se para o reconhecimento da natureza endemicamente indeterminística do mundo, do enorme papel desempenhado pelo azar, e para a excepcionalidade, não a normalidade, da ordem e do equilíbrio. Também fiéis a seus hábitos, os cientistas trazem as notícias cientificamente processadas de volta ao domínio onde pela primeira vez as intuíram: para o mundo das questões humanas e da ação humana. (Bauman, 2001, p. 2507). Dessa forma, assim como ocorre com outras ciências, nos desenvolvimentos mais recentes dentro da Linguística, percebemos a união de diversas vertentes: a cada teoria ou reformulação de uma mesma teoria, não se nega completamente a anterior, mas se buscam novos caminhos ainda não explorados, ou respostas incompletas. Outra característica mais recente é o enfoque no uso. Os estudos atuais estão constantemente preocupados com a prática, deixando de lado uma ciência abstrata e independente de fatores externos para levar em conta variáveis de diversas ordens, como sociais, culturais, psicológicas, econômicas, geográficas etc. Sob essa perspectiva, o Funcionalismo é resultado de estudos de diferentes naturezas, os quais, em vez de se anularem, contribuem para uma abordagem mais completa da língua. Ao longo dos estudos linguísticos, a prioridade se deu primeiro à estrutura, depois ao sentido, e mais atualmente ao uso, de maneira bem geral. A teoria funcionalista une diversos aspectos desses estudos para explicar a língua num contexto de interação. (GIVÓN, 1995; HALLYDAY, 1994; NEVES, 2010). Orações adverbiais temporais: dois exemplos 47

A seguir, transcrevemos trechos das gramáticas, a fim de exemplificar os comentários feitos posteriormente. Em Luft (1979, p. 59), a definição para as orações subordinadas adverbiais temporais (grifos do autor, transcrito de forma completa) é a seguinte: exprimem o tempo de ocorrência do que se enuncia na respectiva oração principal. [[Quando saías], entrava ele.] * as orações de quando também derivam de adjetivas a que se suprime o antecedente: [Saíram [quando (no momento quando < no momento em que) a sineta tocou]] Em Neves (2000, p. 787), diferentemente, escolhemos apenas dois trechos para ilustrar de forma mais clara a abordagem minuciosa da autora: Modo de construção: A música de Bach cede quando a mãe começa a cantar. Quando os moradores chegarem levarão um susto. Relações expressas: Relações lógico-semânticas (causal, condicional, concessiva) associadas à relação temporal que se estabelece entre orações. (p.797) Mudou de conversa quando alguém perguntou pelas dicas [sentido causal] Podemos observar uma atenção maior dada à estrutura, por Luft: temos um exemplo típico desse tipo de oração, e uma observação (mostrada pelo asterisco) de outra ordem possível, na qual a oração adverbial vem depois da principal. O sentido mais comum também é apresentado logo de início, relacionando a ideia de tempo. Maior atenção é dada por Neves ao uso: temos, inicialmente duas ordens mais comuns, com a exemplificação da autora de que a oração adverbial pode vir anteposta ou posposta à oração principal. A ordem tem uma relevância na comunicação: em geral, colocamos antes o que pensamos ser mais importante para nós, ou para a compreensão do nosso interlocutor, por exemplo. 48

Nesta parte da gramática, há inúmeros exemplos, sob diferentes perspectivas (sintáticas, semânticas e pragmáticas), contudo, um exemplo interessante da abordagem funcionalista é o que está no subtítulo de Relações expressas : a autora exemplifica, com estruturas nas quais tenham orações tipicamente temporais, outras ideias veiculadas. O exemplo transcrito acima mostra um sentido causal. Ora, a mesma conjunção, que em diferentes gramáticas é classificada como temporal, neste período apresenta a ideia de causa: mudou de ideia não tanto pelo tempo, ou pelo momento, mas sim porque alguém perguntou pelas dicas. Dessa forma, a autora arrola diversas ocorrências nas quais as orações tradicionalmente consideradas temporais expressam outras relações, dependendo da estrutura, do contexto de interação, da escolha de palavras etc. Continuidades Podemos perceber, bem marcadamente no uso de nomenclatura das categorias, uma continuidade da tradição, como a própria autora pontua na introdução. Ou seja, desde os gregos as categorias gramaticais são quase as mesmas e, no percurso dos estudos linguísticos, algumas foram modificadas, outras mantidas, mas é improvável que se descarte e invente novas categorias, pelo fato de que a tradição não é algo a se negar, mas sim a base sobre a qual construímos novos conhecimentos. Por outro lado, na divisão da gramática, embora as partes sejam bem parecidas nas duas, a ordem muda: em relação à gramática tradicional, a qual é iniciada pela fonética, as gramáticas aqui trabalhadas iniciam as explicações pela sintaxe. Descontinuidades A primeira descontinuidade é a visão sobre a linguagem: na de Luft, percebemos a perspectiva comentada anteriormente sobre o Gerativismo, a qual seja da importância dada à estrutura. Em Neves, apesar de começar pela estrutura, toma outras abordagens quanto ao sentido e ao uso. A segunda é a explicação sobre as categorias: as duas, como observamos, seguem as nomenclaturas. Em Neves, porém, há uma explicação que parte de uma determinada 49

categoria, mas não se prende a ela. De orações, a autora usa construções e retira o subordinada, pelo fato de serem apontadas, nos estudos funcionalistas, diversas discordâncias, no uso, entre subordinação e coordenação. Depois, dentro de uma mesma categoria, Neves explora as ocorrências, o que leva a um número exaustivo de exemplos e páginas para apenas uma categoria, enquanto Luft apresenta poucos e objetivos exemplos. Este usa exemplos clássicos, muitas vezes literários, e aquela usa corpus de uso da linguagem corrente, seja transcrito de gravação ou escrito. Considerações finais Com este breve estudo, podemos concluir que, diferentemente do que em geral se supõe, não notamos diferenças apenas entre gramáticas com ampla separação de tempo. Em vinte anos, muitos constructos teóricos foram mudados nos estudos sobre a língua e as concepções por trás destes. É importante ressaltar que enfocamos apenas alguns aspectos muito pontuais, tanto gramaticais quanto teóricos, mas é possível notar o papel do contexto para a compreensão do tratamento dado à linguagem. Somos fruto de nosso momento histórico e, consequentemente, temos o hábito de seguir o que é novo, afirmando ser melhor, por exemplo. Não devemos esquecer, no entanto, que, ao longo da história, algumas ideias são negadas enquanto outras são mantidas e reforçadas. E, se conseguimos progredir em ciência, é com a ajuda de tudo o que foi produzido anteriormente. Nessa perspectiva, concluímos que nesse espaço temporal de duas décadas ocorreram no estudo da sintaxe a união de critérios (sintático, semântico e pragmático) e a multiplicidade da origem de corpora, marcado principalmente pelas variedades no uso cotidiano e acréscimo do registro oral, por exemplo. Pudemos observar, com essa breve amostra de corpus, que não houve rupturas radicais, mas continuidades claras: reiteramos aí a diversidade do espírito de época na história do tempo presente. Referências bibliográficas ALTMAN, C. S. Pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). São Paulo: Humanitas, 1998. 50

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. [Kindle Edition] CHOMSKY, N. Cartesian Linguistics: a chapter in the history of rationalist thought. 3ª. ed. New York: Cambridge University Press, 2009. [Kindle Edition] [1966] GIVÓN, T. Functionalism and grammar. Amsterdam: John Benjamins, 1995. GIVÓN, T. On understanding grammar. New York: Academic Press, 1979. GIVÓN, T. Syntax: A functional-typological introduction. Amsterdam: John Benjamins. v. I., 1984; v. II., 1990. HALLYDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. 2ª. ed. London/New York: Arnold, 1994. KOERNER, K. Questões que persistem em historiografia linguística. Revista da ANPOLL, nº 2, 1996. p. 45. LUFT, C. P. Moderna Gramática Brasileira. 3ª. ed. Porto Alegre: Globo, 1979. NEVES, M. H. M. Ensino de língua e vivência de linguagem: temas em confronto. São Paulo: Contexto, 2010. [Kindle Edition] NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Unesp, 2000. NEVES, M. H. M. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2007. VOLPE, A. S. Século XVII - Gramáticas de Amaro de Roboredo e de Port-Royal. Verbum, n. 9, p. 69-78, jul. 2015. ADVERBIAL CLAUSES OF TIME IN TWO GRAMMARS FROM THE END OF 20TH CENTURY: LUFT (1979) AND NEVES (2000) ABSTRACT In this paper deals with the adverbial clauses of time, making a comparison between two grammars relating to the treatment given to theses constructions: Moderna Gramática Brasileira, by Celso Pedro Luft (1979) and Gramática de usos do Português, by Maria Helena de Moura Neves (2000). Comparing them, it is perceived different treatments in the grammatical studies regarding the syntax of Portuguese Language. It is analyzed how the adverbial constructions are described in the two grammars and the linguistic conceptions underneath them. Linguistic Historiography is taken as the theoretical basis, following the principles brought by Koerner (1996). It is taken account for historical moments its influences: relating to Luft, the Gerativism theory; relating to Neves, the Functionalist theory. It is possible to conclude that, as otherwise assumed in general, differences concerning linguistic conceptions is not found only between grammars with wide space of time. Keywords: Linguistic Historiography. Grammar. Linguistic conceptions. Adverbial clauses. Envio: Outubro/2016 Aceito para publicação: Novembro/2016 51