DESENVOLVIMENTO DE UMA UNIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE PASSAGENS PARA PEIXES POR BACIAS SUCESSIVAS António N. PINHEIRO Eng.º Civil, Professor Associado do Departamento de Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Avª Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, 218418144, apinheiro@civil.ist.utl.pt Ana M. SILVA Eng.ª Florestal, Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653492, anamtsilva@isa.utl.pt Maria T. FERREIRA Biologa, Professora Associada do Departamento de Engenharia Florestal, Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda 1349-017 Lisboa, 213653487, terferreira@isa.utl.pt José F. MELO Eng.º Civil, Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Avª do Brasil 101, 1700-066 Lisboa, 218443455, jfmelo@lnec.pt Jorge BOCHECHAS Eng.º Silvicultor, Mestre em Hidráulica e Recursos Hídricos, Direcção Geral das Florestas, Avª Cristóstomo 28, 1069-040 Lisboa, 213547307, jorge.bochechas@dgf.min-agricultura.pt RESUMO O presente trabalho tem como objectivo o desenvolvimento de uma unidade de demonstração (UD) de uma passagem para peixes por bacias sucessivas adaptada a espécies ciprinícolas existentes em Portugal, nomeadamente barbos (Barbus sp) e bogas (Chondostroma sp.). Estas espécies encontram-se presentes na quase totalidade dos rios Portugueses, mas são poucos os estudos incidentes sobre o seu comportamento face a um crescente número de obstáculos e dispositivos de transposição. A unidade de demonstração deverá permitir a simulação e experimentação de diferentes parâmetros hidráulicos e a avaliação da influência dos mesmos no comportamento das espécies em estudo. A unidade encontra-se em fase de instalação no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), sendo constituída por um máximo de 10 bacias integradas num canal com comprimento total de 10 m. A instalação compreende ainda dois tanques, a jusante e a montante, servindo o primeiro para aclimatação dos peixes a serem testados. Os indivíduos a testar (espécie/classe de dimensão) colocados no tanque a jusante, serão submetidos à acção de diversos estímulos hidráulicos e ambientais, que deverão desencadear diferentes tipos de comportamento na sua progressão para montante. As diversas combinações de parâmetros testadas deverão permitir uma melhor compreensão do comportamento das espécies ciprinícolas face às passagens para peixes por bacias sucessivas. PALAVRAS-CHAVE Ecohidráulica, passagem para peixes, bacias sucessivas, espécies ciprinícolas. 1
1 - INTRODUÇÃO As populações piscícolas são extremamente dependentes das características do seu habitat aquático, o qual suporta todas as suas funções biológicas (Larinier 2000). Nas diversas fases do seu ciclo de vida, as espécies migratórias requerem condições ambientais específicas, que as induzem à migração. O comportamento migratório dos peixes de rio, e provavelmente de todos os peixes, resulta da separação espacial e temporal do habitat óptimo requerido para o crescimento, sobrevivência e reprodução nos diferentes estágios da vida (Norteaste 1984 in Mathias et al.1998). Este encontra-se deste modo essencialmente associado à necessidade de reprodução, crescimento, maturação sexual, procura de alimento e refúgio. As exigências ambientais manifestadas divergem entre taxa, observando-se distintos comportamentos migratórios das espécies piscícolas, que permitem a sua divisão em dois grandes grupos: potamódromas e diádromas. As primeiras caracterizam-se por apresentarem um ciclo de vida que se realiza em quase toda a sua totalidade em água doce, enquanto que as últimas, desenvolvem parte do seu ciclo de vida em sistemas de água doce e parte em meio marinho. Outra particularidade que permite a distinção entre estas duas categorias, reside nas extensões percorridas durante a migração, salientando-se as grandes distâncias alcançadas pelas espécies diádromas nas suas ascensões (espécies anádromas) ou descidas (espécies catádromas) ao longo dos rios. O ciclo migratório e respectivos padrões resultam da acção dos factores ambientais sob as funções fisiológicas dos peixes, assim como das diferenças genéticas existentes, que desencadeiam diferentes manifestações comportamentais. A migração é deste modo um processo extremamente complexo e de elevada relevância para muitas das espécies piscícolas, cuja sobrevivência e desenvolvimento se encontram fortemente dependentes do mesmo. Nos últimos dois séculos, a pressão humana sobre as águas interiores e suas comunidades bióticas, particularmente nas comunidades piscícolas tem-se manifestado com grande intensidade. Um dos principais fenómenos antropogénicos que influi negativamente para o desenvolvimento das mesmas é a construção de barragens, represas e açudes. Muitos dos rios da Península Ibérica, encontram-se represados com diversas finalidades de utilização da água, nomeadamente rega, abastecimento público ou produção eléctrica. A presença deste tipo de obstruções físicas, pode alterar de forma significativa as características físicas e biológicas do próprio curso de água em larga extensão. O impedimento dos movimentos migratórios provocado por grandes barragens sem passagens para peixes têm provocado reduções drásticas em todas as espécies migratórias dos rios Ibéricos (Santos et al. 2001), uma vez que é bloqueada a acessibilidade a locais de extrema importância para o desenvolvimento do seu ciclo de vida (nomeadamente os locais de desova), provocando deste modo a diminuição das populações piscícolas ou mesmo o seu desaparecimento. Associada à inacessibilidade anteriormente referida, salienta-se que, ao ficarem retidos junto às barreiras físicas, os espécimens ficarem mais susceptíveis à predação e ao aparecimento de doenças, o que contribui para o seu declínio. Para reduzir o impacto negativo provocado por estes obstáculos à livre circulação das espécies piscícolas, têm sido desenvolvidos dispositivos, normalmente designados passagens para peixes, que lhes permitem transpor esses mesmos obstáculos (Reis & Santos 1999). O princípio de funcionamento de uma passagem para peixes baseia-se em atrair os indivíduos migradores para um determinado ponto do rio, a jusante da obstrução, e induzi-los ou mesmo fazê-los passar para montante (Larinier 2002). A eficiência da passagem está associada ao sucesso das 2
migrações efectuadas, o que implica ausência de atrasos e de stress nos movimentos migratórios realizados. O desaparecimento de muitas espécies de grande interesse económico suscitou o interesse pela a construção de dispositivos de transposição para peixes em barragens. Originalmente as passagens para peixes foram construídas para salmões e trutas, apesar de muitas outras espécies realizarem migrações ao longo dos rios e ficarem retidas pelas barreiras físicas existentes (Horváth & Municio, 1998). São deste modo escassos os estudos direccionados para as espécies ciprinícolas, nomeadamente no nosso país, o que levou à adopção de dispositivos adequados para espécies salmonícolas, cujo índice de eficácia nos curso de água portugueses não demonstrou ser satisfatório. A generalidade dos autores considera cinco tipos principais de passagens para peixes: passagem por bacias sucessivas, passagem de deflectores ou tipo Denil, ascensores para peixes, eclusas e passagem para peixes naturalizadas (bypass). As passagens para peixes por bacias sucessivas, objecto do estudo em curso, são incontestavelmente as mais utilizadas para a transposição de obstáculos naturais ou artificiais em cursos de água portugueses. Tais passagens tiveram a sua origem nos finais do séc. XIX com o intuito de possibilitar ao salmão a transposição de quedas de água naturais. O princípio deste tipo de passagem consiste numa sequência de bacias que comunicam entre si, através de descarregadores de superfície, por orifícios submersos ou por fendas verticais. Os peixes passam de bacia para bacia, quer saltando, quer nadando na lâmina de água, dependendo o processo do tipo de descarregador por que se optou. Os peixes deverão conseguir permanecer dentro das bacias sem esforço, contribuindo para tal as condições hidrodinâmicas aí criadas. As bacias apresentam, assim, uma dupla função, na medida em que permitem a dissipação de energia do caudal do curso de água e providenciam zonas de descanso para os peixes. Apenas a passagem entre bacias exigirá um esforço momentâneo, que nunca poderá ser superior às suas próprias capacidades (Reis & Santos 1999). Os principais parâmetros de uma passagem para peixes por bacias sucessivas são as dimensões e forma das bacias, septos e orifícios que permitem a comunicação entre as primeiras. Estas características geométricas, em conjunto com os níveis de água a montante e jusante da passagem, determinam o comportamento hidráulico na mesma (Larinier 2002). É necessário ter em consideração o tipo de espécies piscícolas para as quais se direcciona a passagem, visto existirem diferenças significativas entre os caracteres morfológicos e fisiológicos entre espécies, donde a utilização de determinadas dimensões poderão ser adequadas para algumas espécies enquanto que repressoras para outras. Neste sentido, nota-se que a eficiência de uma passagem para peixes, dependerá da capacidade de se integrarem na concepção e no dimensionamento conhecimentos de fisiologia, biomecânica, ecologia e comportamento das espécies migradoras (Pavlov, 1989). De acordo com o referido anteriormente, é possível explicar em parte, a ineficiência observada nas passagens para peixes existentes em Portugal, uma vez que foram concebidas com base nos dimensionamentos testados para espécies salmonícolas, cujas características morfológicas e fisiológicas divergem significativamente das espécies ciprinícolas predominantes nos rios portugueses. 2 - OBJECTIVOS Os dispositivos de transposição existentes em Portugal não satisfazem as necessidades de movimentação das nossas espécies migratórias, salientando-se deste modo a necessidade de 3
estabelecer critérios de dimensionamento adequados às espécies que habitam os cursos de água portugueses. Com o intuito de mitigar as situações acima referidas e pelo facto de serem praticamente inexistentes trabalhos sobre ecohidráulica de passagem para peixes por bacias sucessivas em rios e populações piscícolas ibéricos (Franco 2003), o desenvolvimento da unidade de demonstração de passagens para peixes por bacias sucessivas permitirá, assim, melhorar o conhecimento até agora disponível, principalmente no que se refere às espécies piscícolas mais usuais nos cursos de água portugueses. A existência deste sistema experimental tipo canal artificial, onde é possível a manipulação de parâmetros eco-hidráulicos, possibilitará a observação de diferentes respostas biológicas de acordo com as situações testadas, permitindo uma melhor compreensão do comportamento das espécies ciprinícolas face a obstáculos artificiais (açudes, barragens, etc.) e dos respectivos dispositivos de transposição, nomeadamente das passagens para peixes por bacias sucessivas. 3 - MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Local de instalação da unidade de demonstração A unidade de demonstração encontra-se instalada no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), no pavilhão de ensaios do Núcleo de Recursos Hídricos e Estruturas Hidráulicas (NRE), com uma área coberta de cerca 4000 m 2. Este pavilhão está dotado de um circuito hidráulico com capacidade de bombagem máxima de 400 l/s, comandado a partir de um sistema autónomo de medição e controlo dos caudais no circuito de alimentação. 3.2 Unidade de demonstração (UD) A unidade de demonstração da passagem para peixes é constituída por um canal de inclinação variável, com cerca de 10 m de comprimento e 1 m de largura. O canal poderá compreender um número máximo de 10 bacias, separadas por septos dotados de descarregadores de superfície e de orifícios de fundo, cujas dimensões e formas foram concebidas de modo a poderem ser ajustadas de acordo com os testes pretendidos (Figura 1). O número de bacias será função do declive do canal e do desnível entre bacias. Figura 1 Vista lateral da UD: canal e tanque de montante (em fase de construção numa unidade fabril). Os septos podem fixos ao longo do canal, com variações de posição de 5 cm, contribuindo, assim, para uma grande flexibilidade da instalação (Figura 2). 4
Figura 2 Pormenor do canal com os septos divisórios das bacias e o passadiço lateral. As paredes laterais do canal são de vidro acrílico, permitindo a observação, em boas condições de visibilidade, dos espécimens testados ao longo da passagem e facilitando a sua monitorização contínua. Foram também previstos passadiços laterais para facilitar as observações, medições e manipulações a realizar na passagem. Sobre o coroamento dos muros do canal existe um caminho de rolamento para apoio e deslocamento de um carrinho porta-instrumentos. O dipositivo tem ainda incorporado dois tanques, um a jusante e outro a montante, este com cerca de 4 m 2 de área. O tanque de jusante está concebido para aclimatação dos peixes, de modo a que se dissipe o stress provocado pelo processo de captura e deslocação dos mesmos do seu meio natural para um meio artificial, o que influiria os resultados obtidos, e estejam bem adaptados às condições em que se desenvolvem os testes. Este tanque será compartimentado em duas zonas, que exercerão diferentes acções nos indivíduos testados. A zona adjacente ao início da passagem para peixes, e por esse motivo mais exposta ao escoamento proveniente do canal, será, essencialmente, uma zona de atracção para os peixes, incentivando a sua ascensão, uma vez que nesta área estarão reunidos alguns dos estímulos (nomeadamente estímulos hidráulicos) que induzem o deslocamento dos espécimens para montante. A segunda zona, que se encontra mais afastada do início da passagem, permite a adaptação à estrutura pelos indivíduos a testar, simulando-se para o efeito um meio próximo do meio natural, com zonas de abrigo essenciais para aclimatação dos espécimens. Com o intuito de mitigar os níveis de stress dos peixes e para possibilitar a sua observação e assegurar um bom estado sanitário dos mesmos antes de serem introduzidos na UD para a realização dos ensaios, estes serão previamente colocados em dois tanques de alvenaria construídos junto à estrutura, para posterior transposição para o tanque de jusante. Anexo ao canal encontra-se ainda o tanque de montante, que se divide em duas zonas, uma central e uma lateral (Figura 3). A primeira destina-se à descarga de água e limitação do deslocamento dos peixes, impedindo deste modo a entrada dos mesmos na conduta do circuito de alimentação de água. Este objectivo é concretizado através da montagem de uma rede que confina os peixes à zona inicial do tanque de montante, a partir da qual serão direccionados para a zona lateral, de onde serão recolhidos. 5
Figura 3. Zona de entrada do tanque de montante evidenciando a zona lateral e última bacia do canal 3.3 Ensaios As espécies piscícolas dependem fortemente das condições físico-químicas da água para a sua sobrevivência e desenvolvimento. Nesta perspectiva, a qualidade da água do sistema de alimentação de água do pavilhão do Núcleo de Hidráulica de Estruturas do LNEC será continuamente monitorizada, relativamente a vários parâmetros físico-químicos (condutividade, ph, oxigénio dissolvido e temperatura), de modo a assegurar um nível de qualidade da água propício às espécies ensaiadas. Vários são os ensaios ecohidráulicos passíveis de serem realizados na UD. Tendo em consideração o objectivos deste projecto, assim como as potencialidades da UD, prevê-se testar os parâmetros dos três principais grupos: hidráulicos, biológicos e ambientais (luz e temperatura da água). Estes parâmetros serão testados isoladamente e em conjunto, permitindo obter um diversificado conjunto de situações. Relativamente aos factores hidráulicos, destacam-se, pela sua importância para este projecto, os seguintes: - caudal (potência hidráulica); - declive; - dimensões das bacias, septos e orifícios de fundo; - número de bacias. Com base nestes factores, será possível a avaliação de outros parâmetros, que se encontram referidos no Quadro 1. 6
QUADRO 1. Parâmetros hidráulicos a testar Parâmetros N.º de bacias Dimensões das bacias -comprimento das bacias -largura das bacias Dimensões dos septos e dos orifícios -área dos septos e orifícios -altura dos septos e orifícios -largura dos septos e orifícios Declive do canal Caudal -caudal na UD -caudal dos septos e orifícios Diferença de níveis de água entre as bacias Altura média da água Energia dissipada por unidade de volume Velocidade média da água Velocidade máxima do escoamento entre bacias A variação destes parâmetros estará condicionada, em parte, às espécies piscícolas utilizadas, em função das suas exigências em relação às condições hidráulicas, que resultam das diferentes características morfológicas e fisiológicas de cada espécie. Estas diferenças são extremamente evidentes entre salmonídeos e ciprinídeos. Os ciprinídeos apresentam maiores limitações, principalmente em relação aos níveis de água entre bacias, caudais, energia dissipada e velocidades de escoamento, sendo os valores adequados para os mesmos, inferiores quando comparados com os suportados pelos salmonídeos (Larinier, 2000). Os factores ambientais são extremamente importantes, pois estimulam a ascensão dos peixes através das passagens de peixes. A configuração da UD e as características do pavilhão de ensaios onde se encontra instalada permitirão estudar a influência de factores ambientais (luz e temperatura) nos deslocamentos para montante pelos espécimens testados. Esta avaliação pode ser realizada utilizando condições naturais ou artificiais, uma vez que é possível controlar os níveis de temperatura (através do aquecimento da água) e de luz (fotoperíodo). Relativamente aos factores biológicos, os mais relevantes no âmbito deste projecto são a fase de vida e a espécie piscícola a ensaiar. A fase de vida em que os espécimens testados se encontram influi nos resultados obtidos, uma vez que ao longo dos diversos estágios do ciclo de vida as espécies apresentam diferentes necessidades de habitat, salientando-se que as deslocações para montante realizadas pelas espécies piscícolas migratórias são essencialmente despoletadas nos indivíduos que 7
já atingiram a maturação sexual. Nesta perspectiva, serão ensaiados espécimens adultos, eliminando possíveis influências desta variável. Tendo em consideração os objectivos do projecto, para a realização dos ensaios serão utilizadas espécies ciprinícolas potamódromas comuns à maior parte dos rios Portugueses, nomeadamente o barbo (Barbus sp.) e a boga (Chondrostoma sp.) Os exemplares em estudo serão testados sob as diferentes condições hidráulicas referidas anteriormente, sendo avaliadas as consequentes variações nos parâmetros biológicos indicados no Quadro 2. QUADRO 2. Parâmetros biológicos a avaliar Parâmetro Tempo médio de entrada (atracção) Tempo médio por bacia (permanência) Tempo médio de transposição do canal Taxa de sucesso - entrada dos peixes na 1ª bacia (N 1 ) - permanência em N 1, N 2,..., N x (x=1,...,10) - progressão de N x para N x+1 - transposição do dispositivo Comprimento médio dos peixes por bacia Tipo de resposta comportamental A definição de eficiência da passagem não é simples, uma vez que está relacionada com as características biológicas e as espécies para a que é direccionada (Porcher & Travade 2002). Podem ser considerados dois objectivos a alcançar: a passagem de toda a população para montante ou, de forma menos ambiciosa, evitar apenas o isolamento dos espécimens, sendo considerado que a passagem é eficiente se uma razoável percentagem da população conseguir atravessá-la. O primeiro caso é habitualmente considerado para as espécies salmonícolas, enquanto que o segundo é utilizado para as espécies ciprinícolas. Associados aos factores hidráulicos e ambientais que condicionam os deslocamentos migratórios dos peixes, há que considerar os aspectos comportamentais dos espécimes. Neste sentido será realizado o estudo comportamental dos indivíduos testados, no que se refere à entrada e à transposição da passagem por bacias sucessivas. 3.4 Monitorização A monitorização dos parâmetros intervenientes no processo de transposição dos peixes e a possibilidade de os controlar é necessária para permitir a realização de operações de ajuste, para aquisição de informações técnicas e biológicas indespensáveis ao desenvolvimento de futuras passagens e para quantificar as populações migratórias e descrever os seus padrões de migração (Travade & Larinier 2002). Neste projecto, a monitorização será efectuada através da utilização de diferentes meios audiovisuais, entre eles um sistema de gravação de vídeo com três câmaras 8
associadas, distribuídas ao longo do canal, e um dispositivo de detecção remota da passagem de peixes por raios infravermelhos, o Riverwatcher. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo migratório das espécies piscícolas é extremamente complexo e essencial para a sobrevivência e desenvolvimento das mesmas. Ampliar e aperfeiçoar o conhecimento sobre o comportamento dos peixes quando deparados com dispositivos de transposição das barreiras físicas que se interpõem à realização dos movimentos migratórios, é actualmente um dos principais objectivos da ecohidráulica. Em Portugal, a ineficiência de um número significativo de passagens para peixes realça a necessidade de ampliar os conhecimentos nesta área. O desenvolvimento de estudos sobre passagens para espécies ciprinícolas, cujo comportamento face a este tipo de situações praticamente se desconhece, é, assim, primordial. O projecto que agora se apresenta deverá permitir recolher extensa informação sobre os comportamentos das espécies testadas. Pretende-se que estas informações sejam utilizadas para desenvolver critérios de dimensionamento de passagens por bacias sucessivas adequadas a ciprinídeos, assim como compreender o comportamento das espécies face a obstáculos que impedem a sua natural progressão para montante. AGRADECIMENTO A unidade de demonstração de passagens para peixes por bacias sucessivas abordada no presente artigo insere-se no Projecto Desenvolvimento e aplicação de uma passagem para peixes destinada a obras transversais fluviais de utilização agrícola, financiado pela Acção 8.1 Desenvolvimento Experimental e Demonstração do Programa AGRO. BIBLIOGRAFIA Horváth, E.; M.A.T. Municio Impacts of dams in fish fauna/ feasibility of mitigation measures in 2 nd international PhD Symposium in Civil Engineering, Budapest, 1998. Larinier, M. Dams and fish migration in Environmental issues, dams and fish migration, final drafts. 30 june 2000. Larinier, M. - Fishways-general considerations. Bull. Fr. Pêche Piscic. 364, 2002, pp. 21-27. Larinier, M. - Pool fishways, pre-barrages and natural bypass channels. Bull. Fr. Pêche Piscic. 364, 2002, pp. 54-82. Lucas, M.C.; E. Baras Migration of freshwater fishes. Oxford, UK, Blackwell Science, 2001. Martin, P.; P. Bateson. Measuring behaviour.cambridge, UK, Cambridge University Press, 1993. Northcote,T.G. Migratory behaviour of fish and its significance to movements trough riverine fish passage facilities. In: Fish migration and fish bypass. Jungwirth, M.; Schumtz, S. & S. Weiss (eds.), Fishing News Books, Blackwell Science Ltd., Oxford, 1998, pp.3-18. 9
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