A INDISSOCIABILIDADE DO PROCESSO DE ENSINO DA GESTÃO ACADÊMICA: UMA REFLEXÃO PRELIMINAR SOBRE A MULTIDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO.



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A INDISSOCIABILIDADE DO PROCESSO DE ENSINO DA GESTÃO ACADÊMICA: UMA REFLEXÃO PRELIMINAR SOBRE A MULTIDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO Autor: Dorgival Henrique Universidade Metodista de Piracicaba - Faculdade de Gestão e Negócios Rua Humberto Consentino, 141 - Piracicaba-SP Telefone: (019) 426-1034 E-mail: dohenriq@unimep.br dohenriq@uol.com.br Comunicação: multidisciplinaridade no Ensino da Administração A INDISSOCIABILIDADE DO PROCESSO DE ENSINO DA GESTÃO ACADÊMICA: UMA REFLEXÃO PRELIMINAR SOBRE A MULTIDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO.

1 O que ocorre na universidade, levando ao sentimento de perda de qualidade, é a perda da capacidade da academia responder o que dela espera a sociedade. No momento de crise, a sociedade cria problemas de dimensões tão diferentes, em uma velocidade tão crescente, que a universidade não consegue responder. A Crise está exigindo a formulação de novas perguntas, enquanto a universidade continua se dedicando a encontrar respostas velhas. Mas a comunidade tem consciência destas limitações; não se contenta e chama de perda de qualidade à perda de funcionamento do seu produto. Cristovam Buarque Resumo Este texto aborda de forma preliminar a indissociabilidade da gestão acadêmica da ação educativa no atual contexto das universidades brasileiras. Enfoca particularmente o ensino de administração e as dificuldades para romper com o modelo linear de currículo, inspirado na metáfora arbórea de conhecimento. Para tanto, estabelece relações entre as oscilações da racionalidade administrativa, estrutura universitária e desafios para produção e socialização do conhecimento de forma a incorporar a transversalidade como necessidade científica e pedagógica. I - Introdução Os temas administração, gestão e educação ganham as prateleiras das livrarias, das bibliotecas, da mídia e dos aeroportos, assim como são alvos das diferentes e divergentes plataformas políticas, dos clamores uníssonos dos políticos, empresários e sindicalistas. É de pouca valia apurarmos se as áreas acima elencadas possuem epistemes próprias 1, mas é relevante destacar que cada vez mais os significantes vão se desenraizando dos significados e conectando-se em diversos campos semânticos ou esferas de significações. Se os temas em epígrafe ganham espaços nobres e consenso internacional 2 em torno de parcerias e alianças indispensáveis entre os diversos setores, há, com certeza, necessidade de se rever o papel da educação, e de modo especial do ensino superior de administração. Carlos Osmar Bertero, Miguel P. Caldas e Thomaz Wood Jr 3, citando pesquisadores, constatam com relação à produção científica em Administração no Brasil: Inclinação predominantemente acadêmica, pouca preocupação com aplicabilidade; 80% da produção nacional estão situados no paradigma funcionalista; Fortemente influenciada por uma visão de mundo organicista (teoria dos sistemas metáfora hegemônica orgânica). O positivismo como teoria da ciência procura subordinar a imaginação e a argumentação à observação. Os positivistas lógicos do século XX procuram colocar todo discurso e toda ciência não mais no universo causal, mas no universo probabilístico. No universo probabilístico não se pode afirmar causas e conseqüências, mas correlações positivas e negativas. O universo das ciências biológicas é o universo de agregados 4. A idéia de que a razão é libertadora é muito forte em Auguste 1 - É um termo usado para referir-se à discussão sobre a construção do conhecimento: métodos, objetos e formas de pensamentos próprios da ciência. E, essencialmente, o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar a sua origem lógica (não psicológica), o seu valor e a sua importância objetiva in: Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. André Lande. São Paulo: Martins Fontes, p. 313. 2 - Conferência Mundial sobre Educação Superior: Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, Marco Referencial de Ação, Prioritária para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação Superior. Documento aprovado em 09 de outubro de 1998 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). Piracicaba: Editora UNIMEP, 1998. 3 -Material mimeo. originado da pesquisa financiada pelo NPP Núcleo de Publicações e Pesquisas da EAESP/FGV - Critérios de avaliação de produção científica em administração no Brasil. 4 - O sedentarismo, o tabagismo, a hipertensão, etc., têm correlação com as doenças cardíacas, porém nada impede que um obeso, tabagista viva 100 anos e que um atleta, sem nenhuma hipertensão, que nunca tenha fumado, caia morto nesse instante.

2 Comte e o avanço da razão leva, ao mesmo tempo, ao aprimoramento do conhecimento e ao aperfeiçoamento da humanidade. O enfrentamento da mudança histórica, como antítese da revolução francesa, se dará pela articulação, como faces de uma mesma moeda entre a ordem e o progresso. Burrel e Morgan 5, conjugando as dimensões da natureza científica (objetivismo e subjetivismo) e visão de sociedade (sociologia da regulação e sociologia da mudança) estabelecem quatro paradigmas para análise da teoria social e da teoria das organizações. Para o paradigma funcionalista, resultante da conjugação da sociologia da regulação e do objetivismo científico, é caracterizado por presumir o consenso, a integração e harmonia aos agentes sociais. Enfatiza a manutenção do equilíbrio, da estabilidade e da ordem social 6. A produção sociológica de Talcott Parsons é considerada, por muitos autores, uma vertente do estrutural funcionalismo. Embora não se negue o nível de autonomia relativa, quanto mais as teorias ou esquemas mentais tentem autonomizar-se da práxis, mais se emaranha nos mecanismos formais de sua lógica. Para a lógica dos empiristas a realidade não se encontra velada, nem também é obscuro, e pode ser recolhida pela análise dos fatos. Eliminam a teoria no começo e com técnicas de observação e questionários sugerem inter-relações, probabilidades, indicadores e conceitos. Com tal metodologia apresentam as organizações bem-sucedidas como princípios de eficácia em gestão. Positivam, assim, as aparências da realidade como o real. Por outro lado, o formalismo teórico refina construções abstratas, pretensamente imunes aos valores como pretende o sistemismo, positivando a metáfora orgânica que enfatiza a questão da adaptação sem identidade, da seleção ambiental e do darwinismo social sem poder. Valendo-nos da denominação de Wright Mills 7 da grande teoria para a vertente sociológica de Talcott Parsons, acrescentando a essa vertente o sistemismo como uma redução da Teoria dos Sistemas 8 às interpretações tecnicista e meramente adaptativas dos sistemas sociais, o empirismo abstrato do neopositivistivistas, vale indagar sobre a plausibilidade da inter ou multidisciplinaridade no ensino de administração como metodologia de aprendizagem. A construção deste caminho carece de recuperar como o conhecimento administrativo articula-se com a dimensão das possibilidades de racionalidades que conduzem sua lógica, com contextualização no âmbito da estrutura universitária e, finalmente, aos desafios apresentados para a produção do conhecimento. II Administração e a racionalidade instrumental 9 Habermas entende como trabalho, ou agir racional-com -respeito-a-fins, seja o agir instrumental, seja a escolha racional, seja a combinação dos dois. O agir instrumental rege-se por regras técnicas baseada no saber empírico. Elas implicam, em cada caso, prognósticos condicionantes sobre acontecimentos observáveis, físicos ou sociais; esses prognósticos podem se evidenciar como corretos ou como falsos. O comportamento de escolha racional é regido por estratégias baseadas no saber analítico. 10 A ação, para ser racional de acordo com os fins, parte do princípio de que o agente da ação se oriente conforme os fins estabelecidos, relegando para um segundo plano as conseqüências da ação para atingir com êxito os propósitos. O agir instrumental organiza os meios adequados e inadequados segundo os critérios de um controle eficaz, e o agir estratégico depende de uma avaliação correta das possíveis alternativas de comportamento, que resulta exclusivamente de uma dedução feita com o auxílio de valores e máximas. 11 Habermas pretende fugir de qualquer fundamentalismo teleológico imanente à história, e aposta no diálogo e na construção de consensos porque acredita que os atos de fala e de comunicação poderão construí-los. Ao apostar na linguagem, como expressão de nossas representações e pensamentos, aposta na construção da racionalidade fundada na argumentação e no debate público; portanto, através do paradigma da linguagem, pretende dar pistas para a razão emancipatória. Esta 5 - Burrel, G and Morgan, G. Sociological Paradigms and Organization Analysis. London, Heinemann Education Books, 1979, p. 23 6 - Não estamos entrando no mérito da veracidade ou dos equívocos de tais paradigmas. 7 - Mills, C. Wright A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972 8 - O sistemismo reduz a morfogênese social processos auto-organizativos a recortes naturalistas e ambientais, desconsiderando os jogos de interesses dos Centros de Decisões. 9 - Tomamos esse conceito de Habermas, Jürgen. Técnica e Ciência enquanto ideologia. São Paulo: Abril Cultural, 1975. 10 - Idem. Op.cit, p, 311. 11 - Idem p.311

3 razão emancipatória só encontra seu lugar na prática comunicativa de um grupo de pessoas que pertencem ao mesmo mundo sociocultural. 12 Em oposição à razão instrumental, Maurício Serva 13, com base em Guerreiro Ramos e Habermas, baliza a razão substantiva nas seguintes dimensões: Auto-realização processo de concretização do potencial inato do indivíduo, complementado pela satisfação; Entendimento ações pela quais se estabelecem acordos e consensos racionais, mediadas pela comunicação livre, e que coordenam atividades comuns sob a égide da responsabilidade e da satisfação social; Julgamento ético deliberação baseada em juízos de valor (bom, mau, verdadeiro, falso, certo, errado, etc.) que se processa através do debate racional sobre as pretensões de validez emitidas pelos indivíduos nas interações; Autenticidade integridade, honestidade e fraqueza dos indivíduos nas interações; Valores emancipatórios valores de mudança e aperfeiçoamento do social nas direções do bem-estar coletivo, da solidariedade, do respeito à individualidade, da liberdade e do comprometimento, presentes nos indivíd uos e no contexto normativo do grupo; Autonomia condição plena dos indivíduos para poderem agir e expressar-se livremente nas interações. Esse continuun entre os elementos da razão instrumental (cálculo, fins, maximização de recursos, êxito, resultados, desempenho, performance, unidade, rentabilidade, estratégia interpessoal) e razão substantiva (autorealização, entendimento, julgamento ético, autenticidade, valores emancipatórios e autonomia) nos indica a possibilidade de múltiplas raci onalidades dentro das organizações sujeitas a oscilações diversas, segundo a cultura corporativa implementada e cultivada, as circunstâncias dos diversos jogos de poder, dos grupos internos e das pressões externas. 14 A teorização organizacional é, ao mesmo tempo, um campo historicamente contestado e desvendado. O funcionalismo e a teoria dos sistemas menosprezaram o processo de decisão política para enfatizar o processo de adaptação ao meio ambiente; a teoria crítica de Habermas responde à colonização do mundo da vida pelo mundo do sistema através do agir comunicativo, apostando na autônima individual e em melhores escolhas sociais. Há, nesta narrativa, suspeitas de substituição de velhas ilusões do exercício do poder da criação de novas elites, que exige de todos os seus componentes uma integração, segundo a idealização que essa elite costura para toda a organização. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica 15, ao mesmo tempo em que fomenta a adaptação contínua, a formação permanente, o espírito em equipe, exige que todos sejam estratégicos, guerreiros, ganhadores, esportivos: numa palavra, matador cool. 16 Se o campo contestado da teorização organizacional não suporta narrativa-mestre por excelência em função de seu caráter totalizante, em função de seu caráter teleológico, tais como à teoria dos sistemas e ao marxismo falta a teoria crítica, e aos relativistas pós-moderno, escassez de estudos empíricos, não obstante as críticas que fazem ao empirismo. Esta aparente torre de babel nos indica a importância dos estudos organizacionai s e administrativos, o pluralismo metodológico para construção deste campo de saber, bem como a necessidade da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Carece, no entanto, por questão de coerência, anunciarmos algumas suposições que, por questões de espaço, não discutiremos. Dessa forma, supomos que: 12 - Habermas, Jürgen in: Maria Lúcia de Carvalho. A razão comunicativa e teoria crítica de Jürgen Habermas.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. Seja pelo primado da teoria, da razão teórica sobre a práxis, seja pela crítica que faz à fragmentação da consciência do homem moderno para Maria Lúcia: Fica também a forte impressão de que ele não consegue desvencilhar-se da tradição metafísica, apesar de todo seu discurso pós-metafísico. P.140. 13 - Serva, Mauricio. Racionalidade substantiva demonstrada na prática. São Paulo: Revista de Adm. de Empresas EAESP/FGV, v. 37, n.02, p18-30, abril/jun. 1997. 14 - termo emprestado de Michel Reed. In: Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas, vol 1, pp. 62/92. 15 - Enriquez, Eugène O Indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. São Paulo: Revista de Adm. de Empresas, EAESP/FGV, vol. 37, n.1, p18-29, jan/mar, 1997. 16 - Idem. O matador cool representa o sujeito preso nas identificações heróicas e aptos a se comportarem como herói. Jogará com a cólera, com a violência, assim como com a doçura e ternura.

4 As mudanças a que estamos assistindo são impulsionadas pela nova dinâmica do processo de acumulação capitalista, e sua tendência é para uma economia cada vez mais global e informacional; O processo decisório não responde apenas às demandas do meio ambiente e nem pode ser concebido como um processo técnico de decisões. O processo decisório é um processo político de pressões, em que atuam os lobbies de clientes, fornecedores, investidores, sindicatos, mídia, associações e redes informais de participantes e, ao mesmo tempo, redes políticas de apoios vinculados à coalização de poder dominante e suas ramificações externas; A incerteza dura com relação ao futuro não permite designar probabilidades, mas permite arriscar alguns cenários; O mapa cognitivo do ator para leitura da realidade está recoberto de crenças, conhecimentos, cegueira situacional e compromisso emocional; Redes de produção e distribuição formam-se, desaparecem e reaparecem com bas e na variação do mercado internacional, assim como vimos assistindo às alianças estratégicas sem a exclusão da concorrência. A teia cada vez mais complexa de alianças, acordos e joint-venture, articuladas com a contratação de pequenas e médias empresas, cuja vitalidade e flexibilidade possibilitam ganhos de produtividade, eficiência e economia; A racionalidade instrumental é hegemônica neste mundo de negócios e tende a ser recontextualizada e reflexibilizada com a necessidade de se implementarem os preceitos e a metodologia das organizações aprendentes; A capacidade de adaptação e flexibilização, resultado de modificações morfológicas dos sistemas vivos, ganha espaços nos sistemas sociais complexos e pode ser considerada, de forma não exclusiva, um dos objetivos da educação visando à aquisição de competências sociais, junto com competências cognitivas; O neoliberalismo é uma ideologia que não se confunde com o liberalismo. O neoliberalismo está fundado no tripé desregulamentação estatal, abertura econômica para livre circulação de capitais e de produtos e privatizações; A intensificação da globalização tecno-financeira está assentada no consórcio saber e poder, e visa, primeiramente, a agregar valores às operações e carrega o discurso liberal da cidadania para aprofundar seus negócios e ganhar legitimidade; No jogo social e situacional o futuro é nebuloso. As regras do jogo (as normas institucionalizadas) não são suficientes para definir os ganhadores; pelo contrário, os ganhadores redefinem as regras do jogo; A moeda do jogo é o poder. Os jogadores podem desejar um poder ser, mas o poder que redefine as regras é um poder ter 17. Considerando os estudos administrativo s e a teorização organizacional um campo minado e em construção, seja em função da pluralidade metodológica, da qualidade das pesquisas ou de um corpo de conhecimento que se preocupa, fundamentalmente, com a aplicação, valendo-se de diversas epistemes, é necessário dialogar com a instituição universitária, lócus por excelência da produção e socialização do saber. III. A Universidade como organização normativa: o embate de racionalidades, a infidelidade normativa e os limites da gestão acadêmica. A organização universitária apresenta em sua face instituída como organização normativa 18. Amitai Etzioni realizou pesquisa comparada visando a uma teoria organizacional de nível médio, tomando o consentimento como base de comparação. O consentimento é uma relação que consiste no poder empregado pelos superiores para controlar os subordinados e a orientação destes em relação àquele poder. Assim, o estudo combina um aspecto estrutural e outro motivacional; estrutural, uma vez que estamos preocupados com os tipos de distribuição de poder nas organizações; motivacional, porque estamos interessados nas diferenças de compromisso das pessoas para com as 17 - Matus. Carlos Curso de Planificação e Governo. Campinas: Unicamp, 1992, p. 12. 18 - Etizioni, Amitai. Análise das Organizações Complexas: sobre o poder, o engajamento e outros correlatos. Rio de Janeiro: Zahar Editores e e Editora da Universidade de São Paulo, 1974.

5 diferenças de compromisso das pessoas para com as organizações (como unidades que exercem poder sobre eles) 19 As universidades, segundo Etizioni, são predominantemente organizações normativas 20 que gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. 21 Mintzberg 22, em sua tipologia organizacional, desenvolve cinco configurações estruturais e de poder. Universidades, hospitais de clínicas, sistemas de escolas, empresas de auditoria, órgãos sociais do trabalho e empresas de produção artesanal são configurações organizacionais denominadas por Mintzberg burocracias profissionais que se apóiam, em suas operações, nas habilidades e conhecimentos de seus profissionais. Outras características da burocracia profissional são citadas por Mintzberg, tais como: é uma estrutura altamente descentralizada, em que grande quantidade de poder permanece na base da estrutura com os profissionais no núcleo operacional; os profissionais buscam o controle coletivo sobre as decisões administrativas que os afetam; o administrador profissional conserva seu poder somente até quando os profissionais o percebem como servindo eficazmente a seus interesses; na burocracia profissional não há controle do trabalho além daquele da profissão em si, e nenhuma forma de controlar as deficiências que os profissionais por si mesmos decidem omitir; a burocracia profissional não pode facilmente tratar com profissionais que são incompetentes ou inescrupulosos; relutância dos profissionais de trabalharem cooperativamente uns com os outros se traduz em problemas de inovação, etc. 23 Os modelos organizacionais não são independentes das ações organizacionais; a ação humana na construção e reconstrução social dos modelos organizacionais, com contribuições desiguais em face do controle dos recursos distribuídos entre os diferentes atores sociais e grupos de interesses, revelam a face instituinte de tais modelos. Como afirma Mintzberg, na base da estrutura o nível de controle do poder é alto e as normas emanadas pelos Colegiados Superiores são reinterpretadas, ou até mesmo não cumpridas em nome da autonomia universitária ou da pluralidade metodológica. A sala de aula é o palco do exercício da microfísica do poder. A estrutura burocrática vinculada à metáfora mecânica dá lugar para a concepção de estrutura proposta por Pagés A organização é um conjunto dinâmico de respostas a contradições. É realmente um sistema, mas um sistema de mediações que só pode ser compreendido pela referência à mudança das condições da população e das contradições entre os trabalhadores por um lado, a empresa e o sistema social, do outro. 24 A questão do poder aparece, portanto, como elemento essencial na análise desta estrutura, pois a busca da legitimidade para o exercício de sua face controladora estabelece uma relação com a dimensão cultural da organização, ou seja, o poder passa a ser abordado como elemento da cultura organizacional, exercendo sobre ela pressões no sentido de modelar, transformar ou sancionar esta cultura. A estrutura burocrática enfrenta um mosaico cultural onde o embate se realiza por diversas coalizões interdepartamentais. Neste sentido, a estrutura organizacional cede sua aparente rigidez e controle a um campo de disputas e jogos de poder. Segundo Morgan, A habilidade de usar regras para vantagem de alguém é assim uma importante fonte de poder organizacional e, como no caso das estruturas organizacionais, define o terreno da disputa que sempre será negociada, preservado ou modificado. 25 19 - Idem, p.15. 20 - Idem p.101. 21 - Constituição da República Federativa do Brasil, art. 207 e assegurado pelo art.53 da Lei nº 9.394 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 20 de dezembro de 1996. 22 - Mintzberg, Henry Criando Organizações Eficazes. São Paulo, Atlas 23 - Idem, cap. 10. 24 - Pages, M. et al. O poder das Organizações: a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987, p. 31. 25 - Morgan, G. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 1996.

6 É, portanto, nesta dinâmica contraditória que a estrutura organizacional é permanentemente construída e reinterpretada. O enfrentamento das questões ambientais, em contraposição aos jogos de poder internos da universidade, constituem um dos desafios diante da realidade que exige releituras permanentes. As normas existentes são constantemente reinterpretadas, negociadas, entre outros exemplos, nos que seguem: elaboração de horários, avaliação discente, ava liação docente, prazos para entrega de relatórios, portarias e resoluções para questões financeiras e acadêmicas, regimes de dedicação, planos de ensino, projetos pedagógicos, etc. Os atores não mudam automaticamente por simples mudança das normas institucionalizadas, como também a mera manutenção destas não assegurará, necessariamente, a concretização de tais realidades, porque o emaranhado de normas sem atores para materializá-las não chega a ter existência real no plano organizacional. As resistências ac ima elencadas são amparadas constitucionalmente em nome do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, conforme inciso III, art. 206 da Constituição Federativa do Brasil. A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, apontada no artigo 207, só ocorre quando grupos ou núcleos de pesquisas, por questões éticas assumirem tal postura; caso contrário, tal artigo deixa de ser utopia a ser construída, para transformar-se em discurso oficial. A materialização da estrutura universitária poderá ocorrer através de Políticas deliberadas pelos Colegiados Superiores e Projetos Políticos Pedagógicos de seus diversos cursos, com dimensões éticas explícitas. Com isso, o mecanicismo da estrutura pode se transformar em tese aberta como possibilidade de ação. Em sua dimensão particular, o processo de ensino contém as vertentes da produção e da socialização do saber, em que o método, a relevância e a contemporaneidade do conhecimento produzido deveriam chegar às salas de aulas. 26. Tese aberta como esta pode ser reinterpretada, reduzindo ou fracionando sua intenção ou ignorada pelo conteudismo do docente. Dificilmente qualquer coalizão de poder dominante existente nos departamentos ou nos cursos conseguirá algum êxito ao propor sanções ao docente que não aderiu às orientações da política acima exemplificada, pois é missão da universidade garantir o pluralismo metodológico. Em outras palavras, com uma boa tese, sua materialização só será realizada se houver consentimento dos atores. A Conferência Mundial sobre Educação Superior, realizada em Paris, em 1998, recomendando avaliação da qualidade; participação da instituição na constituição de redes; transferência de tecnologia; criação de ambientes de aprendizagem em todos os serviços de educação; reforçar a gestão e o financiamento da educação superior com parcerias e alianças (pública/pública, pública/privada); compartilhar conhecimentos teóricos e práticos entre países e continentes; implementar uma administração que demonstre visão social, incluindo a compreensão de questões globais e habilidades gerenciais; fomentar a cooperação Norte-Sul; permitir a igualdade de acesso; fortalecimento da participação do acesso das mulheres; promoção do saber mediante pesquisa na ciência, arte e nas ciências humanas e a divulgação de seus resultados; reforçar a cooperação com o mundo do trabalho, analisar e prevenir as necessidades da sociedade; diversificação como forma de ampliar a igualdade de oportunidades; aproximações educacionais inovadoras: pensamento crítico e criatividade; colocar os estudantes como agentes principais; incrementar ética, autonomia e responsabilidade nas instituições superiores de ensino, etc., não são novidades em função das rápidas inovações e dos debates promovidos pela mídia. À maturação de tais orientações, sua assimilação parcial levará tempo, e não nos parece que a questão dos recursos seja determinante e sim a questão de postura e de modelos mentais gerados por uma estrutura burocrática que cultiva, até hoje, o departamento como senhor das epistemes. Há necessidade de se repensar a estrutura universitária que trabalhe o continuum entre democracia representativa e participativa; limites da regulamentação/adaptação; caráter público das instituições públicas, privadas e confessionais; referenciais qualitativos que transcendam os limites processuais da avaliação institucional. Para o ensino de administração, calcado muitas vezes em manuais ou pesquisas desconectadas de nossa realidade cultural, a questão se torna mais complexa e mais difícil em função da torre de babel de nossas teorias administrativas e organizacionais. IV A muldisciplinaridade como possibilidade no ensino da administração quando as exigências da atualidade requerem a interdisciplinaridade e trandisciplinaridade 26 - Dimensões retiradas da Política Acadêmica da UNIMEP. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 1992

7 Hugo Assmann 27 estabelece as seguintes diferenças conceituais: Multiplicidaridade, Pluridisciplinaridade. Caracterização do enfoque científico e pedagógico aplicado a atividades e projetos que prevêem a participação de especialistas de várias disciplinas, permanecendo praticamente cada qual com a visão mais ou menos restrita da sua área 28 Interdisciplinaridade. Enfoque científico e pedagógico que se caracteriza por buscar algo mais do que mera justaposição das contribuições de diversas disciplinas sobre um mesmo assunto, e se esforça por estabelecer um diálogo enriquecedor entre especialistas de diversas áreas científicas sobre uma determinada temática. Aplica-se a problemas, atividades e projetos que ultrapassam a capacidade de uma só área disciplinar. O conceito expressa a consciência dessa limitação das disciplinas específicas, mas não transforma isso necessariamente num questionamento epistemológico mais radical, como faz a transdisciplinaridade. 29 Transdisciplinaridade. Enfoque científico e pedagógico que torna explícito o problema de que um diálogo entre as diversas disciplinas e áreas científicas implica necessariamente uma questão epistemológica. A transdisciplinaridade não pretende de forma alguma, desvalorizar as competências disciplinares específicas. Ao contrário, pretende elevá-las a um patamar de conhecimentos melhorados nas áreas disciplinares, já que todas elas devem embeber-se de uma nova consciência epistemológica, admitindo que é importante que determinados conceitos fundantes possam transmigrar através (trans-) das fronteiras disciplinares. 30 Considerando que cada vez mais os significantes vão se desenraizando dos significados e conectando-se em diversas esferas de significações, não há que se exigir consenso sobre as conceituações acima apontadas. Não obstante as controvérsias e as significações que cada docente possui sobre o assunto, tomaremos de empréstimo, para efeito das considerações que faremos, o glossário elaborado pelo prof. Hugo Assman. O modelo linear de currículo é coerente com o modelo epistemológico racional-positivista que se firmou como hegemônico no pensamento ocidental e formatou as feições da escola moderna, fundado nas noções de norma, seqüência e disciplina. 31 Os fatores preponderantes, conforme sugere Henriques 32, podem ser, sinteticamente, enumerados: Homogeneidade a formação curricular baseia-se na possibilidade de unificar um corpo de conhecimentos tornados homogêneos em função de um padrão escolhido (geralmente um padrão médio que se deseja dominante); Unidimensionalidade o currículo representa a escolha racional de uma trajetória de aprendizado que se define como a melhor, em detrimento de outras opções igualmente válidas. Pretende ser claro, simples e direto; Normatividade estrutura-se de modo prescritivo, impondo obediência (não permite desvios); Seqüencialidade supõe uma ordenação de conteúdos em consonância com uma seqüência pré-definida; Previsibilidade baseia-se na capacidade de prever a forma como ocorrerá a aquisição de conhecimentos e os seus resultados; Disciplinaridade ordena os conteúdos dentro de matrizes disciplinares. A multidisciplinaridade no Ensino de Administração ou em qualquer curso parece-nos viável, desde que o Projeto Pedagógico de seus cursos seja elaborado processualmente e coletivamente e, ao 27 - Assmann, Hugo. Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ,: Vozes, 1998 28 - Idem, p. 166 29 - Idem, p. 162 30 - Idem, p. 182 31 - Henriques, Márcio Simeone. O pensamento complexo e a construção de um currículo não-linear. 21º Reunião Anual da ANPED GT 12 1998. 32 - Idem, p. 4

8 mesmo tempo, apontem referenciais qualitativos de avaliação do processo de sua construção e dos resultados da ação educativa, objetivando fornecer feedback para sua (re)orientação. É necessário recordar que a escola, a universidade, apesar de espaços privilegiados de produção e transmissão de conhecimento, não são mais exclusivos. As rápidas inovações por meio das tecnologias de informação e comunicação mudarão ainda mais o modo como o conhecimento é desenvolvido, adquirido e transmitido. Também é importante assinalar que as novas tecnologias oferecem oportunidades de renovar o conteúdo dos cursos e dos métodos de ensino, de ampliar o acesso à educação superior. Não se pode esquecer, porém que novas tecnologias e informações não tornam os docentes dispensáveis, mas modificam o papel destes em relação aos processo de aprendizagem, e que o diálogo permanente que transforma a informação em conhecimento e compreensão passa a ser fundamental. As instituições de educação superior devem ter a liderança no aproveitamento das vantagens e do potencial das novas tecnologias de informação e comunicação (TCI), cuidando da qualidade e mantendo níveis elevados de abertura, igualdade e cooperação internacional. 33 Os pontos acima enunciados evidenciam que uma ordenação linear do currículo não resiste às exigências contemporâneas. Para Gallo, 34 a metáfora tradicional do conhecimento é arbórea: ele é tomado como uma grande árvore, cujas extensas raízes devem estar fincadas em solo firme (as premissas verdadeiras), com um tronco sólido que se ramifica em galhos e mais galhos, estendendo-se assim pelos mais diversos aspectos da realidade. Embora seja uma metáfora botânica, o paradigma arborescente representa uma concepção mecânica do conhecimento e da realidade, reproduzindo a fragmentação cartesiana do saber, resultado das concepções científicas modernas 35 Gallo valendo-se Deleuze e Guattari argumenta que o pensamento não é arborescente, e o cérebro não é uma matéria enraizada nem ramificada, retoma Deleuze e Guattari, que para representar a multiplicidade em contraposição à unidade valem-se da metáfora do fracta: aquilo que assemelha-se a uma multiplicidade revela-se, ao ser melhor analisado, como resultado de uma reprodução ao infinito de uma mesma única forma. O rizoma 36, por outro lado, remete-nos para a multiplicidade. O paradigma rizomático é regido por seis princípios básicos: Princípio da conexão: qualquer ponto de um sistema pode ser/estar conectado a qualquer outro; Princípio da heterogeneidade: dado que qualquer conexão é possível, o rizoma rege-se pela heterogeneidade; Princípio da multiplicidade: o rizoma é sempre multiplicidade que não pode ser reduzido à unidade; Princípio de ruptura a-significante: o rizoma não pressupõe qualquer processo de significação, de hierarquização. Embora seja estratificado por linhas, sendo assim territorializado, organizado, etc., está sempre sujeito às linhas de fuga que apontam para novas e insuspeitas direções; Princípio de cartografia: o rizoma pode ser mapeado, cartografado, e tal cartografia mostranos que ele possui entradas múltiplas; Princípio de decalcomania: os mapas podem, no entanto, ser copiados, reproduzidos; colocar uma cópia sobre o mapa nem sempre garante, porém, uma sobreposição perfeita. O rizoma propõe múltiplas linhas de conexões, aproximações e cortes, etc. Ao romper com essa hierarquia estanque, o rizoma pede, porém, uma nova forma de trânsito possível por entre seus 33 - Conferência Mundial sobre Educação Superior. op. cit. Artigo 12, p. 29. 34 - Gallo, Sílvio. Conhecimento, transversalidade e Educação. Impulso Piracicaba: Editora: UNIMEP. Revista de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Metodista de Piracicaba, vol.10, nº 21, 1977. 35 - Idem, p. 122 36 [Do gr. rhízoma, 'o que está enraizado'.] Bot. Caule radiciforme e armazenador das monocotiledôneas, que é ger. subterrâneo, mas pode ser aéreo. Caracteriza-se não só pelas reservas, mas também pela presença de escamas e de gemas, sendo a terminal bem desenvolvida: comumente apresenta nós, e na época da floração exibe um escapo florífero. Em pteridófitos tropicais há rizomas aéreos.

9 inúmeros devires ; podemos encontrá-la na transversalidade. 37 A transversalidade do conhecimento implica possibilidades curriculares diferenciadas da metáfora arbórea, criando novos espaços de construção e circulação dos saberes em que a hierarquização já não será a estrutura básica. A abordagem curricular como um conjunto de possibilidades não está ligada à construção de nova grade curricular, mas a uma mudança de enfoque epistemológico. Segundo Henriques 38, alguns parâmetros poderiam ser traçados em relação à definição de conteúdos preferenciais: a) conjunto de conhecimentos mais permanentes (ou menos perecíveis); b) potencial de descortinar outros campos e abrir outras perspectivas interdisciplinares; c) possibilidade de desenvolver o potencial cognitivo 39 dos alunos. A aprendizagem colocada nesses termos teria por critério a mediação de experiências significativas. A tarefa do docente seria acompanhar o estudante em seu percurso, propiciando a ele vivências por meio das quais tenha acesso a coisas, lugares e processos, a eventos e arquivos. Professores e alunos seriam arquitetos em suas experiências. Esse desafio está muito longe da estrutura de ensino das Universidades brasileiras, mormente dos Cursos noturnos de Administração. V - Considerações finais A interdisciplinaridade busca algo mais do que a justaposição das contribuições disciplinares, e se esforça por estabelecer um diálogo enriquecedor entre os especialistas de diversas áreas científicas sobre uma determinada temática. Imaginemos três temáticas necessárias para os cursos de administração: empreendedorismo, empregabilidade, ética nos negócios e resolução de problemas, dialogadas por especialistas da administração, das ciências econômicas, da filosofia e de métodos quantitativos, dentro da metáfora rizomática que propõe múltiplas conexões, aproximações e cortes, sem hierarquização (episteme dominante), com encontros permanentes entre docentes e discentes e com campos e perspectivas a serem descortinados, tanto pelos discentes como para os docentes. É possível tal empreendimento? Teoricamente, sim. Para que a proposta se concretize é necessário: 1. vontade política, diálogo comunicativo, em que arrogância desses diversos campos de conhecimento fiquem em plano secundário e motivação; 2. construção de um projeto político-pedagógico coletivo que envolva todos os participantes do curso em foco; 3. valores-guias e objetivos claros e definidos, mas sujeitos a constantes revisões; 4. enfrentamento das amarras burocráticas das organizações normativas, especialmente dos departamentos; 5. projetos de investigação articulados que, além do enfoque epistêmico de cada campo de conhecimento sobre as temáticas acima, investigue constantemente processos de aprendizagem e organizações aprendentes; 6. acompanhamento dos discentes por pequenos grupos ou individualmente; 7. avaliação e auto-avaliação discente qualitativa e permanente, etc. Nossas universidades estão preparadas para tal dinâmica? Não. Como apontamos no item III deste texto, a estrutura universitária é, fundamentalmente, normativa mas não possui contornos monísticos; portanto, sua gestão depende dos jogos de poderes desenvolvidos pelos atores. A arquitetura física, pedagógica, científica e didática de nossas universidades não foi preparada para o enfrentamento da sociedade do conhecimento, assim como seus docentes e discentes foram preparados para enfrentamento do currículo arbóreo e linear. A transversalidade rizomática requer novos modelos mentais, novas estruturas organizacionais e uma filosofia de gestão revisada. Não obstante todas as dificuldades encontradas, é possível caminharmos rumo ao breve roteiro acima elencado, com enfrentamentos diversos, principalmente entre os pares departamentalizados, com a categoria que exigirá, legitimamente, melhores condições de trabalho e investimentos por parte de seus gestores. A história das Universidades coorporativas é outra. 37 - Gallo, op. cit., p.126. 38 - Henriques op. cit., p. 10. 39 - À cognição se define como o processo de estar-vivendo (he process of living), isto é, ela é a interação entre um organismo e seu meio ambiente responsável pela manutenção desse processo de vida. Desejo enfatizar que o desenvolvimento cognitivo é um processo de incrementação-de-baixo-para-cima. À cognição inicia num nível sensórico-motor...; seu nível mais elevado é a inteligência formal-abstrata (cf. Internet, Alexander Riegler + cognition) in: Assmann, Hugo op. cit.,p. 147.

10 Vimos que os valores em torno da cidadania e da responsabilidade social são valores liberais. É necessário que o processo de ensino, como ação educativa, conjugue pesquisa e extensão de forma indissociável e aponte para o paradoxo adesão positiva ao mercado e a insistência em políticas públicas democráticas para corrigir suas tendências excludentes. Aqui se (re)coloca a questão dos valores-guias como questões imprescindíveis para tal proposta, que deveria ficar explícita no projeto político-pedagógico, mas que na prática fica à mercê das burocracias profissionais que se apóiam em suas habilidades, conhecimentos e múltiplas racionalidades que oscilam conforme os jogos de poderes, com seus diversos arcos de alianças internos e externos. Não é o espectro da foice e do martelo que ronda as megaempresas, a governabilidade, o Congresso Nacional, a mídia, as especulações e o nervosismo da Bolsa de Valores. A nossa passividade e perplexidade, diante do cenário a que estamos assistindo, mais atrapalham do que ajudam a superálo. Sem um sólido contrapeso de sociedade civil organizada, que faça predominar o interesse prosaico de nossa felicidade interna bruta, estaremos nos dirigindo rapidamente para uma catástrofe nos planos social, ambiental e econômico... A economia, como ciência, tem de deixar de ser um instrumento obsceno de manipulação e de justificação de interesses absurdos, para voltar a se colocar a serviço da humanidade. 40 BIBLIOGRAFIA ALVESSON, Mats e Stanley Deetz. Teoria Crítica e Abordagens Pós-Modernas para Estudos Organizacionais. Hadbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, vol1. 1998. ASSMANN, Hugo e Jung Mo Sung. Competência e sensibilidade solidária: educar para a esperança. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. 40 - Dowbor, Ladislau. O Mosaico Partido: a economia além das equações. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 138.

11 ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.. Metáforas Novas para reencantar a Educação: epistemologia e Didática. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1996. BERTERO, C.Osmar et al. Critérios de Avaliação de Produção Científica em Administração no Brasil. NPP EAESP/FGV. BURREL, G and Morgan, G. Sociological Paradigms and Organization Analysis. London, Heinemann Education Books, 1979. CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO SUPERIOR: Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: visão e ação. Paris, 1998. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1998. DOWBOR, Ladislau. O Mosaico Partido: a economia além das equações. Petrópolis, RJ: Vozez, 2000. ENRIQUEZ, Eugène. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. São Paulo: Revista de Adm. de Empresas EAESP/FGV, vol.37,n.1, jan/mar, 1997. ETIZIONI, Amitai. Análise das Organizações Complexas: sobre o poder, o engajamento e outros correlatos. Rio de Janeiro: Zahar/USP, 1974. GALLO, Silvio.Conhecimento, Transversalidade e Educação. Piracicaba: Editora da UNIMEP, Revista Impulso, vol. 10 n.21, 1977. HABERMAS, Jürgen Técnica e Ciência enquanto ideologia. São Paulo: Abril Cultural, 1975. HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. HENRIQUES, Marcio Simeone. O pensamento complexo e a construção de um currículo não-linear. Reunião Anual da ANPED GT 12 1998. LANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996. MATUS, Carlos. Curso de Planificação e Governo. Campinas: UNICAMP, 1992. MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica.Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972. MINTZBERG, Henry. Criando Organizações Eficazes. São Paulo: Atlas, 1995. MORGAN, G. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 1996. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000. PAGES, M et al. O Poder das Organizações: a dominação das multinacionais sobre os indivíduos. São Paulo: Atlas, 1987. POLÍTICA ACADÊMICA DA UNIMEP. Piracicaba: Ed. UNIMEP, 1992. REED, Michael. Teorização Organizacional: um campo historicamente contestado. Handbook de Estudos Organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, vol1. 1998. SERVA, Mauricio. Racionalidade substantiva demonstrada na prática. São Paulo: Revista de Adm. de Empresas EAESP/FGV, vol. 37.n.2,abril/junh, 1997.